Lucíola e A Dama das Camélias
• Fé antropológica e religião: uma dobradinha que vem desde os primórdios da humanidade;
• Religião e espaço de encontro com o sagrado: para além de um sentido para a vida, o sagrado também pode ser um local de encontro, um caminho para a plenitude uma EXPERIÊNCIA constantemente refeita (ex.: Madre Tereza, Irmã Dulce, etc.);
• Religião e espaço de dominação política: na prática, boa parte das tradições religiosas também foi usada como instrumento de
dominação, de opressão, de força e poder;
• Religião e convenções sociais: seria o uso das regras e valores religiosos como modo de se alcançar distinção social, fazendo-se surgir “artificialmente” um grupo de pessoas melhores e mais
civilizadas (os que seguem ou fingem seguir esse regra, usualmente, os detentores do poder político-econômico) e um grupo de pessoas
piores e menos civilizadas, quase bestas ou animais irracionais.
Hipocrisia social. Usado também para justificar desigualdades sociais.
• E como a religião está (ou pode estar) implicada na vida das pessoas ao menos dessas quatro maneiras, é bastante comum que ela faça parte dos textos e narrativas literários;
• É o que verificamos nos dois romances que temos nas mãos para análise hoje: A Dama das Camélias e Lucíola;
• O que perceberemos, entretanto, é que, ainda que ambos guardem semelhanças relativamente à influência das
convenções sociais no desenrolar das histórias, eles trazem também diferenças que caracterizariam as distinções entre a sociedade brasileira e a francesa dessas épocas.
A Dama das Camélias
• Pouca alusão à questão religiosa;
• Presença de um dado
explicitamente católico apenas nas cenas finais, da Extrema Unção de Marguerite;
• Os personagens não fazem referência explícita à religião, nem a têm como elemento
central em suas vidas.
Lucíola
• O romance já começa com uma festa religiosa;
• Dados e símbolos religiosos (católicos) presentes
ostensivamente em diversas partes do texto;
• O dado religioso tem papel bastante importante no
desenrolar da história.
“Às vezes lia para ela ouvir algum romance, ou a Bíblia, que era seu livro favorito.” (p. 66)
“Só uma coisa justifica essa fortuna, é o motivo santo por que me vendi para adquiri-la.” (p. 125)
“Elas não sabem, como tu, que eu tenho outra virgindade, a virgindade do coração!” (p. 128)
“Tu és bom, como Deus, que me deu a ti (...)” (p. 131)
“O remédio que eu preciso é o da religião. Quero confessar-me... Lúcia tomou os sacramentos com uma resignação angélica.” (p. 136)
“Tu me purificaste ungindo-me com os teus lábios. Tu me santificaste com o teu primeiro olhar! Nesse momento Deus sorriu e o consórcio de nossas almas se fez no seio do Criador. Fui tua esposa no Céu!” (p. 137)
“Quando entro aqui sacudo no lumiar da porta, como os
viajantes, a poeira do caminho; e Deus me recebe. / Dizendo estas palavras, Lúcia ajoelhou em face do crucifixo e recolheu-se numa breve oração mental.” (p. 107)
“Deus me abençoou. / Houve um grande silêncio, em que Lúcia, imóvel e recolhida, continuava absorta no seu êxtase religioso (...)” (p. 110)
A Dama das Camélias
• Não está presente.
Lucíola
• Não está presente explicitamente.
“Quando Deus concede a uma cortesã um amor que, à primeira vista, se assemelha ao perdão, esse amor torna-se para ela um castigo.” (pp. 60s)
“É um homem honrado e deseja entrar numa família honrada. Os parentes dele souberam que Armand vivia em Paris e me
declararam que o casamento seria impossível enquanto continuasse a manter relação reprovável.” (p. 133)
“É preciso que eu tenha causado muito mal para que Deus permita que sofra essa provação.” (p. 138)
“Esqueci que, para ter o direito de vender o meu corpo, perdi a liberdade de dá-lo a quem me aprouver! O mundo é lógico! (...) Enquanto abrir a mão para receber o salário, contando os meus beijos pelo número das notas do banco, (...) um homem honesto pode rolar-se nos meus braços sem que a mais leve nódoa
manche a sua honra; mas se pedir-lhe que me aceite, se lhe suplicar a esmola de um pouco de afeição, oh! então o meu contato será como a lepra para a sua dignidade e a sua reputação. Todo homem honesto deve repelir-me.” (p. 74)
“Bastou uma palavra, um sentimento de convenção, para que o meu orgulho destruísse a felicidade que as suas mãos delicadas tinham tecido com tanta paciência e esmero.” (p. 83)
• O que prevalece, tanto em A Dama das Camélias, quanto em Lucíola, é a questão das convenções sociais;
• Em Lucíola, no entanto, podemos perceber que os aspectos religiosos estão também relacionados a outras dimensões dos personagens (fé antropológica e experiência do sagrado). Isso talvez seja reflexo de uma sociedade ainda não
dessacralizada;
• No que tange às convenções sociais, por mais que elas possam ser questionadas, é inevitável que existam. E mais, as
convenções, em alguma medida, são necessárias para que nos constituamos como pessoas, ainda que possamos vir a
transgredi-las ou superá-las posteriormente. Mas, jamais na nossa história, experimentou-se um tempo de abolição das normas...