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JOHN RAWLS: O PAPEL DA EDUCAÇÃO Elnora Gondim elnoragondim@yahoo.com.br São Paulo - SP 2009

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ISSN 1982 6613 Vol. 4, Edição 9, Ano 2009.

JOHN RAWLS: O PAPEL DA EDUCAÇÃO

Elnora Gondim

elnoragondim@yahoo.com.br

São Paulo - SP 2009

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ISSN 1982 6613 Vol. 4, Edição 9, Ano 2009.

JOHN RAWLS: O PAPEL DA EDUCAÇÃO

Elnora Gondim1 elnoragondim@yahoo.com.br

RESUMO: Rawls define a educação como o desenvolvimento e o treinamento de habilidades e aptidões, como o ensinamento cívico, constitucional, como meio para o sustento e o senso de cooperação. Para se entender o papel que a educação possui na obra de Rawls é necessário compreender o conceito de uma sociedade bem-ordenada. Esta está relacionada aos bens primários. Nestes as liberdades políticas têm prioridade; é através deles que os cidadãos, desenvolvendo suas capacidades de expressão e reunião, tendo liberdade de pensamento, podem obter a possibilidade de elevação da auto-estima; algo que garante um enriquecimento da vida pessoal e social dos cidadãos. Nesta perspectiva, a educação desempenha um papel central na sociedade, no sentido de desenvolver a autonomia, permitindo que as pessoas tenham uma ação refletida pelos princípios que elas aceitariam na qualidade de indivíduo racional, razoável, igual e livre. Em conseqüência, a educação capacita os cidadãos para um debate público. Na teoria da justiça como eqüidade, o desenvolvimento da cidadania é elemento fundamental; política e educação formam aspectos imiscuídos.

Palavras-chave: Sociedade bem-ordenada – Cidadania – Educação.

Considerações Iniciais

John Rawls, considerado um dos mais importantes filósofos do século XX,

“encontraria na metáfora do jogo limpo (fair play) a mais adequada expressão para o contraponto da vida social”. Isto se deve ao fato da filosofia rawlsiana visar ao igualitarismo e à justiça distributiva, priorizando as liberdades e os menos favorecidos. A filosofia rawlsiana é denominada de justiça como eqüidade, cujas principais preocupações teóricas visam à resolução das questões sobre desigualdades que ocorrem nos sistemas político-liberais. Para tanto, Rawls elege a justiça, a primeira virtude das instituições político-sociais, como princípio norteador na construção da sua obra. Sua contribuição teórica destina-se, pois, aos princípios da justiça os quais servem de regras gerais para as sociedades bem-ordenadas.

Uma Teoria da Justiça, obra publicada em 1971, foi o ponto-chave para a

1 Mestre em Filosofia/PUCSP e Doutoranda em Filosofia/PUCRS.

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sistematização da justiça como eqüidade rawlsiana; resultado de várias reflexões feitas ao longo do tempo. No entanto, embora Rawls, em todos os seus escritos, sempre teve como elemento norteador a questão da justiça, a sua teoria sofreu várias revisões. No curso de suas obras, ele tenta corrigir inconsistências da teoria da justiça como eqüidade culminando com a publicação do O Liberalismo Político (1993), onde aqui, dentre outras coisas, é feita uma restrição teórica ao campo do político.

No entanto, não obstante as transformações, o eixo temático da filosofia rawlsiana permanece: a justiça como eqüidade continua tendo como principais preocupações teóricas à resolução das questões sobre desigualdades que ocorrem nos sistemas político-liberais e a justiça, a primeira virtude das instituições político-sociais, permanece como princípio norteador na construção da sua obra. Neste sentido, a contribuição teórica da teoria rawlsiana destina-se, pois, aos princípios da justiça os quais servem de regras gerais para as sociedades bem-ordenadas.

A evolução teórica do pensamento rawlsiano é nítida; nesse ínterim, entre o texto de 1951 até aquele de 1993, vários artigos e conferências são publicados com o intuito de fornecer uma fundamentação mais sólida para a questão da justiça. Neste sentido, aqui cumpre salientar que a pergunta pela justificação da teoria rawlsiana da justiça é aquela sobre o método.

Sob o aspecto metodológico, Rawls pode ser considerado, desde Uma Teoria da Justiça, um coerentista. Não obstante, em sua teoria, embora tendo sempre como fio condutor as questões sobre a justiça, quanto ao método de justificação, mudanças significativas ocorreram, tendo em vista que Rawls nem sempre partiu da justificação epistêmica coerentista e construtivista. No artigo Outline of Decision Procedure for Ethics, por exemplo, Rawls inicia perguntando:

Existe um procedimento razoável de decisão que seja suficientemente forte, pelo menos em alguns casos, para determinar a maneira pela qual interesses competitivos deveriam ser julgados, e, nos exemplos de conflito, um interesse ter preferência sobre o outro; e, além disto, pode a existência deste procedimento, assim como sua razoabilidade, ser estabelecida por métodos racionais de investigação?2

No referido artigo, Rawls estava profundamente influenciada pelo indutivismo lógico, pois acreditava que a ética e a filosofia política poderiam ter validade racional. À época, ele propôs um método razoável sobre o qual a validação e a invalidação das leis morais

2 Tradução Nossa.

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pudessem ser baseadas. Assim, em ética, tal qual nas ciências, era necessário um método em que sua objetividade fosse realçada e as suas proposições, para ser evidenciadas como verdadeiras, precisariam de algo que fosse razoável e seguro; isto seria o indutivismo lógico.

Por este motivo, Rawls afirma: “... nós podemos pensar das éticas como sendo mais análoga ao estudo da lógica indutiva do que toda outra investigação estabelecida...”.3 Desta forma, Rawls pensou que a ética poderia ser estudada através da lógica indutiva e, como forma de descrever tal método, ele pressupôs ser necessário definir a classe de juízes morais, isto é, aquelas pessoas que são reconhecidas como razoáveis. Para tanto, elas teriam que possuir certas características tais como; inteligência, conhecimento e virtudes. Assim, os julgamentos morais feitos pelos juízes competentes deveriam ser precedidos por investigação, ter certitude e teriam que ser intuitivos. Rawls define o termo intuitivo como:

Isto não deve ser determinado por uma aplicação cônscia dos princípios tão distante disto podem ser evidenciados pela introspecção. Pelo termo intuitivo eu não entendo o mesmo que aquele expressado pelos termos impulsivo e instintivo. Um julgamento intuitivo pode ser conseqüência de uma investigação completa nos fatos do caso, mesmo uma aplicação de uma regra do senso comum, por exemplo, as promessas que devem ser mantidas. O que é requerido é que o julgamento não seja determinado por um uso sistemático e cônscio de princípios éticos.4

Desta forma, Rawls acredita que os juízes competentes aplicariam os princípios através da análise dos fatos e de forma intuitiva, ou seja, sem a utilização de princípios éticos gerais decorrentes da deliberação moral.

Então, no artigo Outline of Decision Procedure for Ethics, o método rawlsiano tem uma justificação epistêmica fundacionista para a ética, onde os homens, por possuírem a capacidade de conhecer o que é justo e o que é injusto tal como o que é verdadeiro e o que é falso, desenvolvem um método razoável sobre os quais os princípios justificáveis podem ser fundamentados, onde as intuições morais, nesse processo, têm uma importância considerável.

Isto significa que as pessoas têm certas habilidades para alcançar uma decisão correta sem ter nenhum background ou fundamento filosófico; elas manifestam em suas vidas diárias atitudes e julgamentos pré-reflexivos, onde isto é a prova da capacidade do senso de justiça que elas têm, contudo tais julgamentos ainda não são julgamentos considerados; estes só são efetuados por agentes morais denominados de juízes morais competentes. Aqui não se requer que o

3 Tradução Nossa.

4 Idem.

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agente necessite estar justificado em crer; a justificação depende somente da configuração do estado de coisas no mundo. Assim sendo, a plausibilidade da teoria depende da forma intuitivamente correta da descrição da obtenção de crenças sobre dados empíricos. Nela não há considerações sobre as crenças do ponto de vista do sujeito que as mantém; o elemento justificatório não é o sujeito; ele só é alguém que detém as informações. No entanto, as crenças básicas não são infalíveis; elas têm que ter alta probabilidade de ser verdadeiras. No método lógico-indutivo, utilizado por Rawls no Outline of Decision Procedure for Ethics, cumpre ressaltar que os julgamentos morais considerados eram restritos aos casos particulares, restrição esta modificada ulteriormente.

Posteriormente, em Uma Teoria da Justiça, Rawls afirma uma concepção de justiça caracterizada pela sensibilidade moral, na qual os juízos do dia a dia são formulados de acordo com os nossos princípios. Assim sendo, os juízos ponderados são constituídos sob condições favoráveis ao exercício do senso de justiça e em circunstâncias em que não ocorrem as desculpas e explicações mais comuns para se cometer um erro. Assim, uma teoria moral próspera pode caracterizar nosso senso de moralidade por meio de um particular conjunto de princípios morais, revelando, através do equilíbrio reflexivo, os elementos essenciais de nossas capacidades morais. Portanto, o que é essencial, para Rawls, embora com modificações, tanto em TJ quanto em Outline of Decision Procedure for Ethics, é o uso de considerados julgamentos.

Neste sentido, tanto no escrito de 1951 quanto no de 1971, o senso de justiça é uma capacidade mental que envolve o exercício do pensamento. No entanto, em Outline of Decision Procedure for Ethics o senso de justiça era a garantia para se atingir a verdade, objetividade,e os julgamentos considerados eram obtidos por um processo de análise dos fatos e de maneira intuitiva, em contrapartida, em TJ, a melhor explicação do senso de justiça é aquela que coordena os juízos em um equilíbrio reflexivo. Este estado é aquele que se atinge depois que uma pessoa avaliou várias concepções propostas e decidiu ou revisar seus juízos para conformar-se com um deles ou manter-se firme nas próprias convicções iniciais.

Assim, em TJ, os primeiros princípios são elementos e mecanismos centrais da teoria rawlsiana, mas a sua demonstração se baseia na concepção como um todo e no modo como ela se adapta a nossos juízos ponderados em equilíbrio refletivo e como organiza esses juízos.

Portanto, a demonstração depende do apoio mútuo de várias considerações e do fato de tudo se encaixar formando uma única visão coerente. Daí a constatação de que, neste texto, a justificação epistêmica é do tipo coerentista, porquanto, diferentemente do fundacionismo,

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não existem crenças básicas, havendo, no entanto, um suporte mútuo das crenças em um mesmo sistema.

Em TJ há uma concepção de justiça fundada em considerações filosóficas que se aplica a todas as sociedades. Posteriormente, em O Liberalismo Político a concepção é fundada, somente, nas considerações políticas aplicadas às sociedades que possuem em sua cultura pública a idéia de pessoa como livre e igual e de sociedade como cooperação social de benefícios mútuos.

Em TJ os princípios de justiça, obtidos através da posição original, eram justificados levando em conta escolhas racionais; em LP a justificação está no fato que modela as idéias de pessoa e sociedade que se encontram implícitas na cultura pública de uma sociedade que é democrática e tem como característica o pluralismo razoável.

Portanto, em LP o que justifica a concepção de pessoa e sociedade não é, diferentemente de TJ, nenhum tipo de consideração filosófica, mas o fato de serem idéias implícitas na cultura pública das sociedades democráticas. Por conseguinte, uma sociedade pode ser considerada democrática somente quando, seguindo e operando os seus princípios de justiça, pode ser definida como bem-ordenada, ou seja, quando, no interior de uma cultura política efetivamente pública, os cidadãos possuem uma compreensão de sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação entre pessoas reconhecidamente livres e iguais. Afirmar que uma sociedade é bem ordenada implica o conceito duma sociedade na qual cada um reconhece e sabe que os demais também reconhecem a mesma concepção política de justiça e os mesmos princípios de justiça política.

Portanto, a característica de uma sociedade bem-ordenada é a concepção pública dos princípios de justiça política que estabelece uma base comum a partir da qual cidadãos justificam, uns para os outros, seus juízos políticos: cada um coopera, política e socialmente, a partir de princípios aceitos por todos como justos. Contudo, não se deve afirmar que se pode atingir um acordo terminante sobre todas as questões políticas, mas somente sobre aquelas que se referem aos elementos constitucionais essenciais.

De acordo com esta perspectiva, a concepção de pessoa é um elemento fundamental em se tratando do conceito de uma sociedade bem-ordenada. Assim, a concepção de pessoa tem que ser política. Portanto, os cidadãos devem ser considerados indivíduos que têm como fundamento básico a liberdade e concebem a si mesmos como portadores de uma concepção do bem e de um senso de justiça: uma sociedade bem-ordenada não possui uma idéia do “eu”

e sim uma concepção de pessoa. Segundo Rawls, “a concepção de pessoa é elaborada a partir

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da maneira como os cidadãos são vistos na cultura pública de uma sociedade democrática, em seus textos políticos básicos (constituição e declarações de direitos humanos) e na tradição histórica da interpretação desses textos.”

Sendo assim, a justiça como eqüidade tem uma concepção política de pessoa como cidadão livre, igual. Mas, em que sentido ocorre esta igualdade? Quando se pressupõe que as pessoas têm faculdades morais, isto é, um senso de justiça e uma concepção do bem e, por este motivo, são capazes de uma cooperação social. Por conseguinte, uma concepção política da pessoa articula a idéia da responsabilidade pelas reivindicações com a idéia da sociedade:

somente assim, esta pode ser considerada um sistema eqüitativo de cooperação e de construção.

Neste sentido, não se pode supor que a concepção de pessoa seja metafísica, ao contrário. De acordo com Rawls:

Para se entender o que se quer dizer com a descrição de uma concepção de pessoa no sentido político, considere que os cidadãos são representados (...) na condição de pessoas livres (...). A representação da sua liberdade parece ser uma das origens da idéia de que se está pressupondo uma doutrina metafísica.

Assim sendo, a concepção de liberdade rawlsiana concebe o cidadão como razoável e racional, associada à idéia de sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação e, portanto, político. Isto ocorre porque os cidadãos, concebidos como autônomos, iguais e, conseqüentemente, livres, consideram-se no direito de fazer reivindicações às instituições, potencializando o alcance e o exercício das duas faculdades morais (concepção de bem e de senso de justiça). Neste sentido, o que se deve levar em consideração é o grau de engajamento que os cidadãos devem ter na política para garantir suas liberdades básicas e qual a melhor maneira para consegui-las. Para tanto, a teoria da justiça como eqüidade leva em consideração tanto a natureza social do cidadão como, também, sua autonomia. Por conseguinte, o que ela propõe é que os cidadãos compartilhem de uma cidadania igual, que a liberdade igual seja pública e consensualmente estabelecida através de julgamentos bem ponderados, tendo como mediação o equilíbrio reflexivo e a justificação coerentista para que, desta maneira, ocorra uma limitação na discordância pública, tendo como base a tolerância.

Desta forma, a concepção política deve combinar idéias e princípios bem conhecidos, mas conectados de maneira nova, levando em consideração que a sociedade é um sistema de cooperação eqüitativa entre pessoas livres, iguais e garantindo, assim, um consenso.

Portanto, o objetivo da justiça como eqüidade, “não é nem metafísico nem

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epistemológico, mas prático (...) é um acordo político informado e totalmente voluntário entre cidadãos que são considerados como pessoas livres e iguais...” Em conseqüência, os cidadãos são compreendidos como capazes de assumir responsabilidade por aquilo que reivindicam.

E embora não tenha se detido especificamente aos problemas da educação, Rawls não deixa de tecer valiosos comentários sobre a importância da mesma na formação de uma sociedade bem-ordenada.

1. Rawls e sociedade bem-ordenada

Para se entender o papel que a educação possui na obra de Rawls é necessário compreender o conceito de uma sociedade bem-ordenada, isto é, quando uma sociedade determinada pode ser considerada um modelo democrático, seguindo e operando os princípios de justiça.

Quando numa determinada cultura pública os cidadãos têm uma adequada compreensão sobre um sistema eqüitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais e de uma sociedade, efetivamente, regulada por uma concepção pública de justiça, é de se pressupor que isto garanta o que é denominado de sociedade bem-ordenada. De acordo com John Rawls:

Dizer que uma sociedade que é política é bem ordenada significa três coisas:

primeiro, é implícito na idéia de uma concepção pública de justiça, trata-se de uma sociedade na qual cada um aceita, e sabe que os demais também aceitam, a mesma concepção política de justiça (e portanto os mesmos princípios de justiça política). Ademais este conhecimento é mutuamente reconhecido (...). Segundo, e implícito na idéia de regulação efetiva por uma concepção pública de justiça, todos sabem, ou por bons motivos acreditam, que a estrutura básica da sociedade (...) respeita esses princípios de justiça.

Terceiro, e também implícito na idéia de regulação efetiva, os cidadãos têm um senso normalmente efetivo de justiça.

Não obstante uma sociedade bem-ordenada ser um conceito teórico é um critério para se avaliar quando se tem a adequação entre sociedade e uma concepção de justiça, pois o conceito contribui na comparação entre as várias concepções de justiça. Assim, sabe-se que uma sociedade pode ser definida como bem-ordenada quando ela é regida por uma concepção de justiça publicamente reconhecida e nela os princípios de justiça são aceitos por todos e estes, por sua vez, são reivindicados pelos cidadãos como princípios necessários às instituições que compõem a estrutura básica da sociedade. Nesse sentido, de acordo com Rawls:

Uma característica essencial de uma sociedade bem-ordenada é que sua concepção pública de justiça política estabelece uma base comum a partir da

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qual cidadãos justificam, uns para os outros, seus juízos políticos: cada um coopera, política e socialmente, com os restantes em termos aceitos por todos como justos. É esse o significado da justificação pública.

Contudo, não se deve afirmar que se pode atingir um acordo sobre todas as questões políticas, mas somente sobre aquelas que se referem aos elementos constitucionais essenciais, pautados pelos primeiros princípios de justiça.

2. Os princípios de justiça.

Em linhas gerais, podem-se definir os princípios de justiça como aqueles que devem nortear a estrutura básica da sociedade. Eles podem ser denominados de: (i) princípio da igual liberdade; assegura certas liberdades básicas iguais a todos os cidadãos e afirma: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos”; (ii) princípio da igualdade eqüitativa de oportunidades e da diferença; requer o Estado como regulador ao nível de distribuição de riquezas levando em conta e priorizando os menos favorecidos. Neste princípio Rawls afirma: “As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que, ao mesmo tempo: a) tragam o maior benefício possível para os menos favorecidos, obedecendo às restrições do princípio da poupança justa; b) sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade eqüitativa de oportunidades.” Portanto, a ênfase na liberdade individual e na igualdade de todos os cidadãos vista nos dois princípios de justiça rawlsianos faz com que a justiça como eqüidade efetue uma articulação entre a liberdade individual e a coletiva explicitamente vista nas duas faculdades morais contidas na concepção de pessoa da teoria rawlsiana, isto é, na idéia de racionalidade( aquela que é relativa ao bem, tem uma forma de privado) e na concepção de razoabilidade (aquela que é relativa ao justo, tem uma forma de público). Assim sendo, através do razoável os indivíduos são iguais no mundo público dos outros e podem propor, aceitar e dispor termos eqüitativos de cooperação entre eles, em contrapartida em virtude do racional nenhum indivíduo é levado a desistir de suas concepções do bem.

Aqui cumpre, mais uma vez, salientar que os princípios de justiça norteiam a estrutura básica de uma sociedade. Esta, por sua vez, está diretamente relacionada aos bens primários, pois é a partir da posse dos bens primários que as pessoas acreditam poder realizar seus planos de vida.

3. Os bens primários

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Rawls define aos bens primários como: a) direitos e liberdades básicos; b) liberdade de circulação e livre escolha; c) poderes e prerrogativas de cargos e posições de responsabilidade nas instituições políticas e econômicas da estrutura básica; d) rendimento e riqueza; e) as bases sociais da auto-estima.

Dentro do quadro teórico rawlsiano, as liberdades básicas devem ser constituídas a partir da liberdade política (direito de votar e ocupar um cargo público) e a liberdade de expressão e reunião; a liberdade de consciência e de pensamento; as liberdades da pessoa.

Neste sentido, convém ressaltar que as liberdades políticas têm prioridade e Rawls enfatiza que é necessário “a exigência do valor eqüitativo das liberdades políticas, bem como o uso dos bens primários”.

Neste sentido, a liberdade política está associada ao princípio de igualdade e à justiça política e fundamenta todos os outros bens primários. Através dela, os cidadãos, desenvolvendo suas capacidades de expressão e reunião, tendo liberdade de pensamento, podem obter uma efetiva possibilidade de elevação da auto-estima.

4. A auto-estima

O conceito de auto-estima é definido como algo que garante um enriquecimento da vida pessoal e social dos cidadãos e está diretamente relacionado ao crescimento de uma sociedade, pois na medida em que esta se desenvolve, a outra, automaticamente, é exigida.

Neste sentido, os recursos alocados para a educação devem ser de tal forma que tendam a favorecer a auto-estima dos cidadãos como forma para impulsionar o bom funcionamento de uma sociedade.

A ênfase no princípio da auto-estima está, portanto, diretamente relacionada com a questão da educação e tem como objetivo fundamental “A idéia de reparar o desvio das contingências na direção da igualdade.”

Quanto à questão da igualdade: podem-se observar no dia a dia, as múltiplas variações entre os seres humanos como, por exemplo, aquelas relacionadas às habilidades morais e intelectuais, as quais podem ser resolvidas através de práticas sociais com o fito de obter uma igualdade eqüitativa de oportunidades pela educação.

Considerações Finais

Nesta perspectiva, a educação desempenha um papel central numa determinada sociedade, no sentido de desenvolver a autonomia, permitindo que as pessoas tenham uma

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ação refletida pelos princípios que elas aceitariam na qualidade de indivíduo racional, razoável, igual e livre. Em conseqüência, a educação capacita os cidadãos para um debate público, porquanto “importante da condição de publicidade é que ela confere à concepção política de justiça uma função educativa”.

Neste sentido, uma sociedade bem-ordenada estimula a autonomia das pessoas e fortalece o exercício do juízo bem ponderado, favorecendo e estimulando os indivíduos a alcançarem e desenvolverem, efetivamente, a personalidade moral, concretizando as duas faculdades morais: a idéia do bem e a do senso de justiça. Conforme Rawls é através de uma educação efetivamente pública que os talentos naturais e as habilidades poderão ser desenvolvidos:

Talentos naturais de vários tipos (inteligência inata e aptidões naturais) não são qualidades naturais fixas e constantes. São meramente recursos potenciais, e sua fruição só se torna possível dentro de condições sociais. (...) Aptidões educadas e treinadas são sempre uma seleção e uma pequena seleção, ademais, de uma ampla gama de possibilidades. Entre os fatores que afetam sua realização estão atitudes sociais de estímulo e apoio e instituições voltadas para seu treinamento e uso precoce.

Conforme supradito, caberia às instituições, através da estrutura básica da sociedade relacionada aos princípios de justiça e aos bens primários, a função de promover e educar os cidadãos de forma que eles tenham uma concepção deles mesmos como iguais e livres, estimulando, assim, o otimismo, a mútua confiança no futuro e o senso de ser tratado de maneira eqüitativa. Portanto, Rawls, relacionando a educação como formação política, denomina o acima exposto como função ampla de uma concepção política.

Segundo Rawls, a função restrita, por sua vez, é inspirada em Hume e Hart e está relacionada com a questão da estabilidade:

Para garantir a estabilidade (...) há o efeito da função educativa de uma concepção política pública (...) Supomos que os membros da sociedade vêem a si mesmos como cidadãos livres e iguais que, na estrutura básica de suas instituições e por meio delas, estão envolvidos numa cooperação social vantajosa para todos.

A função da concepção política de forma restrita é aplicada aos princípios básicos e regras essenciais que a sociedade deve seguir. Herbert Hart, seguindo David Hume, a define como aqueles princípios que estão diretamente relacionados com a sobrevivência, os quais refletem em toda a estrutura de pensamento e de linguagem do ser humano; através dela, o ser

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humano torna-se capaz de descrever o mundo e, a partir disso, se descrever. Exemplo disto são os arranjos sociais. Por conseguinte, há certas regras de conduta básicas que qualquer organização social deve conter. Estas formam um elemento comum no direito e na moral e são universalmente reconhecidas. Isto é o que Hart denomina de “conteúdo mínimo do direito”.

Em virtude disto, Rawls exemplifica com o caso de possíveis seitas religiosas que resolvem ficar em reclusão, sem a interferência do mundo moderno. Embora nestes casos o Estado deva respeitar a religiosidade de cada grupo, quanto à educação das crianças algo deve ser exigido, pois a educação teria que incluir itens como o conhecimento dos direitos constitucionais e cívicos, propiciarem as condições para as crianças serem membros cooperativos da sociedade permitindo que tenham possibilidade de proverem o seu próprio sustento e estimular virtudes políticas. Assim, a preocupação do Estado em relação a essas crianças deve levar em consideração o papel que elas desempenharão como cidadãos livres e iguais.

Portanto, a teoria da justiça como eqüidade não exige e não pressupõe prioridade para nenhuma forma de religião em particular, nem uma forma específica de família, embora a apostasia, no sentido político, não seja ilegal. Nesta perspectiva, os direitos dos gays e as lésbicas, por exemplo, são ceteris paribus, isto é, plenamente admissíveis, desde que coerentes com a vida familiar e com a educação das crianças, permitindo, assim, a realização do desenvolvimento moral e de sua cultura mais ampla.

Enfim, a concepção política é relacionada, tanto em seu sentido restrito quanto amplo, com a definição de educação; política e educação formam aspectos imiscuídos em se tratando da teoria rawlsiana, não se podendo, assim, separá-las, isto é, falar de uma implica, necessariamente, falar da outra. Assim sendo, quanto aos conteúdos, isto significa que eles são aqueles que proporcionam o desenvolvimento da cidadania, fazendo disto, o seu elemento fundamental. Mas, para Rawls, o que seria educação? Por um lado, seria o desenvolvimento e o treinamento de habilidades e aptidões; por outro lado, o ensinamento cívico, constitucional, das virtudes, como meio para o sustento e o senso de cooperação. Neste sentido, tanto no aspecto amplo quanto no restrito, a educação teria como objetivos precípuos fortalecer uma sociedade efetivamente justa e contribuir na formação dos cidadãos.

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REFERÊNCIAS

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OLIVEIRA, Nythamar Fernandes de. Rawls. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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