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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 22/10.3TBALR-C.E1 Relator: MÁRIO SERRANO

Sessão: 19 Maio 2016 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: IMPROCEDENTE

INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE INSOLVÊNCIA

ACÇÃO DE ANULAÇÃO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO

Sumário

1. Declarada a insolvência de alguns dos réus na pendência da ação

declarativa, na qual a autora formulou pedidos de declaração de nulidade/

anulação de vários negócios e de anulação dos respetivos registos, tal

circunstância determina a extinção da instância, quanto aos réus insolventes, por inutilidade superveniente da lide.

2. Tendo a autora demandado vários réus no quadro de um litisconsórcio necessário natural por si estabelecido, não faz qualquer sentido prosseguir a ação contra apenas alguns dos demandados intervenientes naqueles negócios e sem que a respetiva nulidade ou anulação pudesse depois ser oposta aos demandados insolventes.

Texto Integral

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

Na acção ordinária, a correr actualmente termos na Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Santarém (depois de iniciada no Tribunal Judicial de Almeirim), instaurada por AA contra BB e outros (concretamente 11 RR., sendo 4 deles ainda acompanhados pelas respectivas mulheres, num

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total de 15 demandados), alegou a A. que, na sequência da separação de facto do casal formado pela A. e o 1º R. e em vista dos previsíveis subsequentes divórcio e partilha dos bens do casal, procedeu esse 1º R. a uma actuação tendente a prejudicar a A. nessa partilha, que terá consistido,

designadamente, na realização de contratos de cessão de quotas e de compra e venda de bens imóveis e móveis pertencentes à sociedade unipessoal por quotas criada pelo 1º R. (a também R. na acção, «CC – Sociedade Unipessoal, Lda.»), a favor de uma outra sociedade de que o 1º R. era sócio (a também R.

na acção, «DD – Sociedade de Construções, SA»), com o objectivo de esvaziar aquela de praticamente todo o seu património e de fazer reduzir o valor

efectivo da quota detida pelo 1º R. naquela sociedade e que é bem comum do casal, actuação essa em que todos os demais RR. colaboraram, em conivência com o 1º R. – e, nessa base, com fundamento em simulação, formulou a A.

pedidos de declaração de nulidade/anulação desses vários negócios e de anulação dos respectivos registos, e ainda pedidos de indemnização por alegados danos morais daí decorrentes.

Em diferentes contestações autónomas, vários RR. opuseram-se aos pedidos formulados pela A., genericamente negando qualquer actuação concertada dos RR. e lesiva dos interesses da A..

Na sequência da normal tramitação processual, e depois de saneado o

processo (com o não deferimento de excepção de erro na forma do processo suscitada por alguns dos RR.) e de estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, com subsequente ocorrência de várias vicissitudes processuais (que incluíram a realização de perícia à contabilidade das duas referenciadas sociedades e a informação nos autos da emissão de declarações de insolvência relativamente aos RR. BB, «CC – Sociedade Unipessoal, Lda.» e «EE, Lda.»), deu-se início à realização da audiência de julgamento, no decurso da qual foi proferido despacho que não permitiu que se concretizasse a audição do R. BB, em termos de depoimento de parte (e que havia sido anteriormente deferido pelo tribunal, ao abrigo do artº 512º do CPC), com fundamento em aquele ter sido entretanto declarado insolvente.

Desse despacho interpôs a A. recurso de apelação (por requerimento de fls.

959-965, em que se pediu a sua subida em separado), em relação ao qual, e não obstante a apresentação de alegações da A. e de contra-alegações da massa insolvente de BB, não chegou a ser proferido pelo tribunal a quo despacho de recebimento do recurso.

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Prosseguindo os autos o seu normal curso, após a interrupção da audiência por força do falecimento da M.ma Juiz a quo, entretanto ocorrido, e ordenado que foi o reinício daquela, com repetição da prova anteriormente produzida perante a M.ma Juiz substituta, entendeu esta não dever proceder à retoma da audiência de julgamento, mas antes à imediata prolação de decisão, em que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cfr. decisão datada de 12/11/2015 – cfr. fls. 1348-1351). Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, em síntese, o seguinte: perante a circunstância de alguns RR. terem sido declarados insolventes, e atendendo a que os

administradores de insolvência (AI) nomeados aos RR. insolventes BB e «EE, Lda.» pugnaram pela extinção da instância por inutilidade superveniente decorrente dessas declarações de insolvência, é de atender ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) do STJ nº 1/2014 (in DR, I, de 25/2/2014); a doutrina dessa decisão afirma que «transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do C.P.C.»; os pedidos formulados na presente acção têm natureza patrimonial, na medida em que era pretensão da A., com os pedidos de declaração de nulidade de contratos, valorizar a quota que o 1º R. tinha na R. sociedade unipessoal e, reflexamente, os bens comuns do casal, com consequência directa na partilha a efectuar; daí resulta a aplicabilidade da doutrina daquela AUJ e a impossibilidade de a A. prosseguir com a presente acção, sendo inviável o tribunal vir a proferir sentença com efeito útil; conclui- se pela declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente, ficando prejudicado o recebimento do recurso interposto pela A..

Inconformada com tal decisão, dela apelou a A., formulando as seguintes conclusões:

«1ª Salvo o devido respeito e melhor opinião o tribunal a quo decidiu mal e ilegalmente quando declarou a presente acção extinta por inutilidade

superveniente da lide e decorrentes consequências.

2ª Antes de mais cabe referir que a A. instaurou a presente acção contra 11 Réus.

3ª A A. fez vários pedidos contra a sociedade “DD, S.A.” (sociedade não insolvente) e réus pessoas singulares que não estão insolventes.

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4ª In casu existem muitos réus que não estão insolventes e cujas condenações se requereram.

5ª A sociedade “DD, S.A.”, titular dos bens imóveis, adquiridos através de contratos simulados, continua titular de tais bens e decorrentemente tem bastante imobilizado (os referidos bens), e não está insolvente.

6ª Irrelevante é, portanto, o facto do R. BB e “CC Unipessoal, Lda.”, estarem insolventes.

7ª Até porque um dos desideratos desta acção é precisamente anular

contratos de compra e venda de imóveis (simulados), a fim de determinados bens imóveis voltarem ao património da 7ª R. insolvente. Sendo que a quase totalidade do imobilizado da R. “DD, S.A.” adveio-lhe de contratos simulados que fez com a 7ª R. “CC Unipessoal, Lda.”.

8ª Da presente acção o desiderato stricto sensu desta não é um mero crédito que a A. tenha sobre o R. BB, mas sim um bem próprio (1/2 da quota titulada por Joaquim Vinagre na sociedade unipessoal “CC, Lda.”) numa sociedade (CC, Unipessoal, Lda.”) que está insolvente, mas que se os bens que lhe pertencem efectivamente (a quase totalidade dos bens da R. “DD, S.A.”),

decerto não estaria insolvente, porque é dona de vário imobilizado não tido em conta na insolvência.

9ª Aliás, só se a sociedade “DD, S.A.” fosse declarada insolvente é que,

eventualmente, a presente acção seria inútil supervenientemente. Porém, não é o caso, a R. “DD, S.A.” tem avultado património imobiliário.

10ª O tribunal a quo, ao decidir da forma que decidiu, violou o estabelecido no artº 277º, al. e), a contrario, do N.C.P.C.. Aliás,

11ª Sempre seria inconstitucional, por violação dos arts. 13º, 18º, 32º, 202º, 203º, 204º e 205º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), o

estabelecido no artº 277º, al. e), a contrario, do N.C.P.C. (o tribunal a quo erradamente faz referência ao vetusto artº 287º-c, do C.P.C, não em vigor) e nos arts. 1º e 128º do C.I.R.E., se interpretados no sentido de que, proposta acção contra vários réus, tendo a mesma como desiderato a nulidade e/ou anulabilidade de contratos/negócios simulados, e alguns desses réus que não têm na sua titularidade os bens (imóveis) objecto de tais contratos/negócios simulados nulos e/ou anuláveis, sejam declarados insolventes, a acção é extinta por inutilidade superveniente, apesar de os bens (imóveis) objecto da acção estarem na titularidade de demais réus não declarados insolventes e de

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haver pedidos indemnizatórios a demais réus não declarados insolventes. É assim que,

12ª O V. Trib. Relação deverá revogar a decisão/sentença aqui “atacada”, com todas as consequências legais daí decorrentes, o que se requer, e,

decorrentemente, deverá ser determinado o prosseguimento dos autos para realização de audiência de discussão e julgamento, o que igualmente se requer, com todas as consequências legais daí advenientes.»

A apelada Massa Insolvente de BB contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr.

artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo

conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das transcritas alegações de recurso da A. apelante resulta que a matéria a decidir se resume a apreciar do acerto da decisão recorrida, enquanto nela se determinou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, com fundamento na declaração de insolvência de alguns RR., em face da circunstância de haver outros RR. que não foram declarados insolventes e de a presente acção não ter por objecto o

reconhecimento de um crédito, mas a anulação de contratos e a recomposição de um alegado bem comum do casal.

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Estando assentes os elementos descritos no relatório, apreciemos então a matéria em discussão.

Antes, porém, importa delimitar claramente a matéria sobre a qual caberá a este Tribunal de recurso pronunciar-se, tendo em conta que nos presentes autos foram interpostos dois recursos, um relativo a uma decisão

interlocutória (indeferindo a audição em depoimento de parte do 1º R.) e outro

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relativo à decisão final que pôs termo ao processo (declarando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide).

Embora não tenha havido uma impugnação conjunta, mas sucessiva, dessas duas decisões, afigura-se evidente haver aqui fundamento para aplicar, por identidade de razões, a regra que aflora no regime do artº 660º do NCPC (e que já, em certa medida, enformava também as soluções dos artos 691º, nº 4, e 710º, nº 2, do anterior CPC): os recursos das decisões interlocutórias só devem ser apreciados quando tenham interesse para o recorrente

independentemente da decisão final ou quando aquelas decisões tenham influído nessa decisão final.

Ora, no caso presente, é manifesto que não há uma relação de causalidade entre as duas decisões recorridas (pelo que cada recurso poderia ser

autonomamente apreciado, sem interinfluência) e que o recurso da decisão interlocutória não tem relevância própria (porque perderá interesse para o recorrente se a decisão final vier a ser confirmada). Esta situação aponta pois, necessariamente, para não haver uma apreciação por ordem cronológica dos recursos em questão, mas antes uma apreciação, em primeira linha, do

recurso da decisão final – sendo que, em caso de confirmação dessa decisão (i.e., no sentido da extinção da instância), ficará prejudicada a apreciação do recurso da decisão interlocutória (por, sendo extinta a instância, deixar de relevar se uma das partes pode ou não ser ouvida na audiência de julgamento em depoimento de parte). Apenas recuperará interesse o recurso da decisão interlocutória se o recurso da decisão final vier a ser julgado procedente (i.e., no sentido do prosseguimento dos autos, com a realização da audiência de julgamento) – o que obriga à prévia apreciação do recurso da decisão final. E é que passaremos a fazer de seguida, deixando para o momento final dessa

apreciação a formulação de um juízo sobre a consequência da respectiva decisão para o destino a dar ao outro recurso.

Como se descreveu no relatório supra, o tribunal de 1ª instância fez terminar o presente processo com uma decisão que declarou a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artº 277º, al. e), do NCPC, tendo como fundamento a declaração de insolvência de alguns dos RR. e a aplicação da doutrina constante do citado AUJ-STJ nº 1/2014. E é a verificação da ocorrência das circunstâncias de aplicação dessa doutrina que importa aqui considerar.

Recorde-se o teor daquela doutrina e o essencial da argumentação que a

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sustentou.

Como se transcreveu supra, declarou-se naquele aresto a seguinte solução:

«Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa

proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do C.P.C.».

E justificou-se deste modo tal solução (respigando nós os trechos mais relevantes do ponto de vista da questão em apreço neste recurso):

«(…)

[O] direito [de acesso e tutela jurisdicional efectiva] mais não é, no essencial, do que o direito a uma solução jurisdicional dos conflitos, em prazo razoável, e com garantias de imparcialidade e independência, como está pacificamente firmado há muito na Jurisprudência do Tribunal Constitucional. [O exercício desse direito requer naturalmente a existência (…e constância), dentre outros pressupostos, do chamado interesse processual (interesse em agir, na

linguagem dos autores italianos), que consiste – na definição usada por

Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora – na necessidade de usar do processo, de instaurar e fazer prosseguir a acção.

(…) a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à

pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio (…).

Por outro lado, a finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art. 1º/1 do CIRE – postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum‘, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor (…).

No actual CIRE (…) [dispõe] o art. 85º quanto aos efeitos processuais da declaração de insolvência sobre as acções (declarativas) pendentes [que] (…)

“declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o

devedor (…) são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na

conveniência para os fins do processo” – nº 1 do art. 85º.

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A apensação continua, pois, por regra, a reportar-se às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente,

intentadas contra o devedor (…ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa) (…).

O efeito da declaração de insolvência sobre os créditos que se pretendam fazer pagar pelas forças da massa insolvente vem categoricamente

proclamado no art. 90º: “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”. (…)

“O carácter universal e pleno da reclamação de créditos determina uma verdadeira extensão da competência material do tribunal da insolvência, absorvendo as competências materiais dos Tribunais onde os processos pendentes corriam termos, já que o Juiz da insolvência passa a ter

competência material superveniente para poder decidir os litígios emergentes desses processos na medida em que, impugnados os créditos, é necessário verificar a sua natureza e proveniência, os montantes, os respectivos juros, etc.”. (…)

Ante o exposto, importa então saber se, após a declaração da insolvência da R.

– decretada na pendência da presente acção, por sentença transitada em

julgado, e em cujo processo (de insolvência) a recorrente reclamou os créditos que aqui peticiona/va – subsiste alguma utilidade ou fundada razão,

juridicamente consistente, que justifique a prossecução de acção, maxime até ao posterior momento da sentença de verificação de créditos (…).

(…) mesmo que [a recorrente] obtivesse atempadamente o reconhecimento judicial do seu pedido na acção pendente, a respectiva sentença, valendo apenas inter partes, mais não constituiria do que um documento para instruir o requerimento da reclamação/verificação de créditos (art. 128º/1), não

dispensando a recorrente de reclamar o seu crédito no processo de

insolvência, nem a isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter de aí fazer toda a prova relativa à sua existência e conteúdo. (…)

Certo é que, não dispondo a A., ao tempo da declaração de insolvência da R., de sentença proferida na acção pendente, a mesma, enquanto credora da insolvente, apenas poderá exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código e durante a pendência deste processo, como prescreve o seu art. 90º.

Por fim, considera a recorrente que a interpretação, assim feita, do art. 287º, e), do C.P.C. viola os arts. 13º e 20º, nºs 1 e 5, da C.R.P. Ainda aqui, por tudo quanto se expendeu atrás (…), não acompanhamos os seus argumentos. A interpretação feita do art. 287º, e), do CPC, nesta dilucidada perspectiva, não afronta, por óbvias e consabidas razões, contrariamente ao invocado, o

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princípio programático da igualdade, plasmado no art. 13º, nº 2, da C.R.P..

Como não cerceia, pelo que se deixou explicitado acima, por qualquer modo atendível, o acesso ao direito e aos Tribunais, salvaguardado no art. 20.º, n.ºs 1 e 5, da Lei Fundamental. (…)»

Perante a doutrina e fundamentos deste aresto importa, antes de mais, ter presente que, eliminado que foi o instituto dos «assentos», enquanto

jurisprudência que continha doutrina com força obrigatória geral (cfr. o revogado artº 2º do C.Civil), os acórdãos de uniformização (conceito que se estendeu aos anteriores «assentos», por força do disposto no artº 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12/12) não têm hoje carácter vinculativo, apesar de revestirem um valor argumentativo reforçado, por efeito da sua natureza uniformizadora com intervenção do pleno das respectivas secções no STJ, que impõe aos outros tribunais um especial dever de fundamentação em caso de divergência (com consagração expressa em matéria processual penal, no artº 445º, nº 3, do CPP, e implícita em processo civil, face à plena recorribilidade de todas as decisões contrárias a jurisprudência uniformizada do STJ, nos termos do artº 678º, nº 2, al. c), do anterior CPC e do artº 629º, nº 2, al. c), do NCPC). Contudo, afigura-se-nos integralmente válido o sentido da citada

jurisprudência uniformizada, sem que vislumbremos qualquer razão para divergência, pelo que a ela damos a nossa plena adesão.

A transcrição que vimos de fazer da motivação do AUJ-STJ nº 1/2014 é, segundo cremos, e pela sua eloquência, bem reveladora das razões que justificam a declaração de inutilidade superveniente da lide das acções declarativas pendentes à data da declaração de insolvência de devedor demandado nessas acções, sendo que o critério definidor do objecto das acções em que aquela declaração deve ter lugar é fornecido pelo próprio artº 85º, supracitado, do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de

Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3): trata-se de

«acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa».

Tendo presentes as considerações ínsitas no transcrito aresto e o mencionado critério definidor do objecto das acções suceptíveis de se enquadrar na

aplicação daquela jurisprudência uniformizada, afigura-se-nos ser evidente que a presente acção se apresenta como elegível para aplicação daquela orientação. Estamos, com efeito, perante uma acção em que se discute questão relativa a bens que, em caso de procedência da acção, com a

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pretendida declaração de nulidade dos contratos invocados e de que aqueles são objecto, se irão inscrever no património de sociedade declarada falida e que passarão a integrar a respectiva massa insolvente (a aqui R. «CC – Sociedade Unipessoal, Lda.»). E mesmo que nos confinemos ao conceito de reconhecimento de créditos usado na parte dispositiva do AUJ-STJ nº 1/2014 (e só aparentemente mais restritivo que o de questões relativas a bens), não podemos deixar de reconhecer assistir razão ao tribunal a quo quando afirma que a presente acção tem um fim exclusivamente pecuniário, na medida em que os pedidos de nulidade têm como escopo final uma valorização

patrimonial de que a A. pretende beneficiar – e isso traduzir-se-á, em caso de procedência da acção, e de forma indirecta, no reconhecimento de um direito de natureza creditícia da A..

Posto isto, cremos que a solução decorrente da aplicação do AUJ-STJ nº 1/2014 apenas deixará de ter lugar (ao menos, na sua plenitude) se for entendido como relevante o argumento da apelante de que a declaração de insolvência não abrange a totalidade dos RR. da presente acção – o que poderia determinar o prosseguimento desta, pelo menos em relação aos RR.

não insolventes.

E, em princípio, esta solução pareceria a mais adequada, por o próprio regime do CIRE estabelecer essa conexão entre a declaração de insolvência e

determinadas consequências para as acções pendentes em que o insolvente seja demandado e por referência a este enquanto devedor insolvente, sendo concebível que possam prosseguir essas acções apenas quanto a co-

demandados não-insolventes – como sucederá, v.g., quando esteja em causa uma obrigação solidária, em que faz sentido ser declarada a extinção da instância quanto ao co-obrigado declarado insolvente e prosseguir a acção contra os demais co-obrigados solidários, até pela totalidade da dívida (cfr., sobre tal hipótese, e com essa solução, Ac. RP de 29/2/2016, Proc.

204654/09.1YIPRT-A.P1, idem).

Porém, não se pode olvidar que o próprio artº 85º, supracitado, do CIRE se refere a «acções intentadas (…) mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa», tendo por isso em mente acções que tenham necessariamente de ser intentadas contra outras pessoas que não apenas o devedor insolvente – como acontecerá nos casos de litisconsórcio necessário (cfr. artº 33º do NCPC), sendo que aí não poderá a solução AUJ-STJ nº 1/2014 deixar de abranger subjectivamente toda a acção.

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Ora, entre as hipóteses de litisconsórcio necessário avultam as situações em que seja necessária a intervenção dos «vários interessados na relação

controvertida» (na fórmula do nº 1 do citado artº 33º), nas seguintes condições: «quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja

necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal» (cfr. nº 2 do artº 33º do NCPC). E é sabido que, na doutrina sobre o tema, um dos casos paradigmáticos de aplicação desse conceito legal (o designado

«litisconsórcio necessário natural») é precisamente o das acções de anulação, em que não oferece dúvida que tais acções, para que as respectivas decisões produzam caso julgado em relação a todos os intervenientes (assim

produzindo o seu efeito útil normal), têm de ser propostas contra todos aqueles (neste sentido, e por todos, v. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil II, ed. AAFDL, Lisboa, 1980, pp. 227-228).

No caso presente, evidencia-se que a A. configurou a acção em termos de pretender demandar todos aqueles que, de um ou outro modo, tiveram

intervenção nos contratos (ou colaboraram na sua celebração) cuja declaração de nulidade ou anulação pretende obter. Ou seja: foi a própria A. que

demandou os vários RR. no quadro de um litisconsórcio necessário natural por si estabelecido, sendo óbvio que não faz qualquer sentido prosseguir a

presente acção contra apenas alguns dos demandados intervenientes naqueles contratos e sem que a respectiva nulidade ou anulação pudesse depois ser oposta aos demandados insolventes (neste caso, e desde logo, os próprios putativos responsáveis principais pelas simulações invocadas: o R. BB e a sociedade R. «CC – Sociedade Unipessoal, Lda.»).

Afigura-se-nos, pois, assistir plena razão ao tribunal a quo na sua decisão de declarar, com integral abrangência subjectiva (por se estar perante uma situação de litisconsórcio necessário, nos termos do artº 33º, nº 2, do NCPC), a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do artº 277º, al. e), do NCPC, com fundamento na declaração de insolvência de alguns dos RR., e em aplicação da doutrina constante do AUJ-STJ nº 1/2014.

Ainda uma última nota para fazer uma breve menção à alegação da apelante de ocorrência de inconstitucionalidades: apenas para nos louvarmos na argumentação do próprio AUJ-STJ nº 1/2014, que analisa a suscitação de questões relativas à pretensa violação de preceitos constitucionais e que as rebate, com fundamentação que merece a nossa plena adesão, improcedendo assim a arguição deduzida pela apelante.

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Em consequência, fica prejudicada a apreciação do recurso interposto da decisão interlocutória que indeferiu a audição do 1º R., em depoimento de parte, na audiência de julgamento (e na medida em que esta não deverá ter lugar, dado o sentido da decisão do recurso respeitante à declaração de

extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, confirmativa dessa declaração).

Acolhem-se, assim, os fundamentos da decisão recorrida (de fls. 1348-1351) e não se vislumbra, pois, qualquer razão para a alterar. E, como tal, deverá improceder integralmente a presente apelação.

Em suma: o tribunal a quo não violou as disposições legais mencionadas nas conclusões das alegações de recurso, pelo que não merece censura a decisão recorrida (de fls. 1348-1351).

*

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão recorrida (de fls. 1348-1351).

Custas pela A. apelante (artº 527º do NCPC), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (v. fls. 194-198).

Évora, 19/05/2016

Mário António Mendes Serrano

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto) Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)

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