UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO
JOELMA PINTO DE SOUSA
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL INDÍGENA: Os Tapuia Paiacu do município de Apodi/RN
MOSSORÓ-RN
2019
JOELMA PINTO DE SOUSA
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL INDÍGENA: Os Tapuia Paiacu do município de Apodi/RN
Monografia apresentada à Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) como requisito para obtenção do título de Licenciada em Educação do Campo com Habilitação em Ciências Humanas.
Orientadora: Prof.ª. Dr.ª. Gerciane Maria da Costa Oliveira.
MOSSORÓ-RN
2019
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JOELMA PINTO DE SOUSA
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL INDÍGENA: Os Tapuia Paiacu do município de Apodi/RN
Monografia apresentada a Universidade
Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)
como requisito para obtenção do título de
Licenciada em Educação do Campo com
Habilitação em Ciências Humanas.
AGRADECIMENTOS
Com a conclusão desta monografia, não posso deixar de agradecer a algumas pessoas que me ajudaram direta ou indiretamente nesta jornada tão importante para minha vida.
Primeiramente quero agradecer a Deus, por estar presente em todos os momentos da minha vida, por ter me dado sabedoria, saúde e disposição para alcançar os meus objetivos.
Agradeço a minha família meu pai Sebastião Francisco, minha mãe Maria Raimunda, meu esposo Francisco das Chagas e meus irmãos, por estarem sempre ao meu lado me dando apoio e força.
A minha professora e orientadora Drª. Gerciane Maria da Costa Oliveira pelo apoio, orientação no período dessa trajetória.
Aqui presto também o meu agradecimento à família LEDOC (Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo), a todos docentes do curso, aos colegas de turma, os funcionários da UFERSA e os amigos que fiz ao longo da minha vida acadêmica, por me proporcionado momentos de lutas, desafios e conquistas, pelas experiências e conhecimentos adquiridos ao longo dessa jornada e pelo crescimento pessoal e acadêmico.
Ao professor Dr. Emerson Augusto de Medeiros, pelo incentivo e motivação que dava em sala de aula, estava sempre nos apoiando nas dificuldades a não desistir de buscar os nossos sonhos.
As minhas amigas Jocasta Maia e Silva e Marcia Gabriela Costa, que ajudaram e contribuíram para desenvolvimento desse trabalho.
À Lúcia Maria Tavares, pela sua contribuição.
Aos docentes da banca examinadora Ms. Maria Mônica de Freitas e Drª. Janaiky Pereira de Almeida, pelas colaborações e informações, foram fundamentais para minha pesquisa.
Agradeço ainda ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), considerando que este estudo que se inscreve no projeto “Para além das fazendas em pedra e cal: um estudo sobre o patrimônio rural (ambiental e cultural) no Semiárido Nordestino (CNPq/Universal 2016)".
Durante a minha vida acadêmica, muitas pessoas se fizeram presente em minha vida, e
foram essenciais para eu ter chegado até o fim. A palavra é GRATIDÃO a todos.
“Patrimônio é tudo o que criamos, valorizamos e queremos preservar: são os monumentos e obras de arte, e também as festas, músicas e danças, os folguedos e as comidas, os saberes, fazeres e falares. Tudo enfim que produzimos com as mãos, as ideias e a fantasia”.
Cecília Londres (2001).
RESUMO
O presente trabalho se propõe a trazer uma análise sobre o patrimônio cultural imaterial indígena dos Tapuia Paiacu do Município de Apodi, estado do Rio Grande do Norte. Os Tapuia Paiacu são originários do grupo Tarairiú, disseminados por todo o Sertão Nordestino, no período do Brasil Colonial. Foram estes índios os primeiros habitantes do Vale do Apodi, vivendo as margens da lagoa, nos rios e na chapada (PACHECO; BAUMANN, 2006).
Entende-se por patrimônio cultural imaterial “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – assim como, os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como fazendo parte integrante de seu patrimônio cultural” (IEPÉ, 2006 p.10). Na pesquisa em questão verificou-se como espaço fundamental de observação o Centro Histórico – Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa do Apodi e o Museu do Índio Luiza Cantofa, no qual é possível encontrar peças líticas e um acervo histórico de informações que mostram as manifestações culturais e os modos de vida da comunidade Indígena Tapuias Paiacus no município de Apodi. Para a composição de dados da pesquisa foram empregadas pesquisas bibliográficas, pesquisa de campo por meio de roteiros de observação e entrevista semiestruturada.
Palavras-chave: Patrimônio imaterial. Histórico-cultural. Indígena. Tapuia Paiacu.
ABSTRACT
The present work proposes to bring an analysis on the indigenous intangible cultural heritage of the Tapuia Paiacu of the Municipality of Apodi, state of Rio Grande do Norte. The Tapuia Paiacu originate from the Tarairiú group, spread throughout the Northeastern Sertão, in the period of Colonial Brazil. These Indians were the first inhabitants of the Apodi Valley, living on the banks of the lagoon, in the rivers and on the plateau (PACHECO; BAUMANN, 2006).
Intangible cultural heritage is understood as “the practices, representations, expressions, knowledge and techniques - as well as the instruments, objects, artifacts and cultural spaces associated with them - that communities, groups and, in some cases, individuals recognize as being an integral part of their cultural heritage ”(IEPÉ, 2006 p.10). In the research in question, the Historical Center - Cultural Tapuias Paiacus of Lagoa do Apodi and the Museu do Índio Luiza Cantofa were found as a fundamental observation space, in which it is possible to find lithic pieces and a historical collection of information that show cultural and cultural manifestations. the ways of life of the Tapuias Paiacus Indigenous community in the municipality of Apodi. For the composition of the research data, bibliographic researches, field research through observation scripts and semi-structured interviews were used.
Keywords: Intangible Heritage. Historical-cultural. Indigenous. Tapuia Paiacu.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Noção de patrimônio cultural ... 17
Figura 2 – Arte dos índios Tupi. ... 28
Figura 3 – Arte dos índios Tapuia. ... 29
Figura 4 – Dança Tapuia arte do holandês Albert Eckhout ... 30
Figura 5 – Representação da abordagem do quadro 2. ... 34
Figura 6 – Localização geográfica da tribo dos Paiacu no RN. ... 35
Figura 7 – Pinturas rupestres do Lajedo de Soledade. ... 36
Figura 8 – Mapa da localização do município de Apodi/RN. ... 45
Figura 9 – Centro Histórico-Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa do Apodi. ... 46
Figura 10 – Novo local do CHCTPLA. ... 46
Figura 11 – Mulher guerreira indígena Lúcia Tavares. ... 51
Figura 12 – Peças expostas na “Feira de Artesanato – Divinas Mãos” em Apodi/RN. ... 52
Figura 13 – Desfile 7 de Setembro (étnicos do Apodi/RN). ... 53
Figura 14 – Autoafirmação dos Tapuia Paiacu de Apodi/RN. ... 54
Figura 15 – Famílias indígenas auto afirmadas. ... 55
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Localização geográfica onde aparecem citações bibliográficas das nações
Potiguares nos atuais municípios. ... 33
Quadro 2 – Localização geográfica onde aparecem citações bibliográficas das nações Tapuia nos atuais municípios. ... 33
Quadro 3 – Diversidade cultural dos Tapuia Paiacu. ... 42
Quadro 4 – Informações sobre os artefatos do Centro Histórico. ... 48
Quadro 5 – Acervos de peças artesanais do Centro Histórico. ... 49
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CE – Ceará
CHCTPLA – Centro Histórico – Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa do Apodi CIMI – Conselho Indígena Missionário
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONGs – Organizações não Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas PB – Paraíba
PNPI – Programa Nacional do Patrimônio Imaterial RN – Rio Grande do Norte
SPI – Serviço de Proteção ao Índio
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 14
1 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL INDÍGENA: QUESTÕES TEÓRICAS . 16 1.1 Conceitos e definições ... 16
1.2 Proteções e valorizações ... 20
1.3 Contextualização histórica do povo indígena no Brasil: Tupi e Tapuia ... 23
1.3.1 Cenário indígena do Rio Grande do Norte e Apodi ... 30
1.3.2 Diversidade Cultural Indígena: Tapuia Paiacu do município de Apodi/RN ... 38
2 PERCURSO METODOLÓGICO ... 43
3 ANÁLISE DO ESTUDO: UM OLHAR SOBRE O CENTRO HISTÓRICO- CULTURAL TAPUIAS PAIACUS DA LAGOA DO APODI (CHCTPLA) ... 45
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 57
REFERÊNCIAS BIIBLIOGRÁFICAS ... 59
APÊNDICE A ... 63
ANEXO A ... 65
ANEXO B ... 69
INTRODUÇÃO
Este trabalho de pesquisa objetiva pensar sobre o conjunto de expressões que caracterizam o patrimônio cultural imaterial indígena da comunidade Tapuia Paiacu do município de Apodi, estado do Rio Grande do Norte, olhando principalmente para a sua dimensão imaterial e sua representação no município. Como objetivos secundários, procurou- se compreender de que modo se deu a participação da população indígena Tapuia Paiacu na formação do município de Apodi/RN, analisando os dados históricos que tratam da cultura indígena Tapuia Paiacu local, entendendo o papel do Centro Histórico Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa do Apodi – CHCTPLA e do museu do Índio Luiza Cantofa, trabalhando no reconhecimento e valorização do patrimônio cultural imaterial indígena dos Tapuia Paiacu.
Como problemática, procurou-se compreender como o patrimônio cultural imaterial dos Tapuia Paiacu se apresenta no município de Apodi.
O patrimônio cultural imaterial é definido pelas tradições e expressões orais, inserindo a língua como veículo do patrimônio cultural imaterial, dança, música e artes da interpretação convencionais, os hábitos sociais, os rituais e comemorações festivas, os conhecimentos e os usos relacionados à natureza e ao mundo, e os métodos artesanais tradicionais (IEPÉ, 2006).
Esta foi uma das razões que colaboraram para que despertasse na pesquisadora o interesse pelos aspectos simbólicos do lugar, principalmente quanto as suas questões imateriais.
A começar disto, se teve um aprofundamento da temática “patrimônio cultural imaterial indígena dos Tapuia Paiacu”, focando principalmente o Município de Apodi/RN no sentido de descobrir os motivos e a relevância da permanência de algumas expressões culturais como costumes, características físicas, saúde, linguagem, alimentação, e crenças que marcam as tribos indígenas que habitavam o território Potiguar, em evidência a comunidade local, podendo contribuir para o fortalecimento e a valorização de sua identidade. Destacando a importância do Centro Histórico Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa do Apodi (CHCTPLA), como espaço de afirmação da cultura indígena.
Baseando-se em Cavignac (2003), os traços indígenas se apresentam na nossa cultura cotidiana de modo frequente, e encontramos ferramentas que faz alusão a existência indígena, na linguagem, na vida diária e mesmo na designação dos norte-rio-grandenses que, quando não são chamados de “PapaJerimum”, adquirem a nomenclatura de “Potiguara” 1 , relembrando os primeiros habitantes da costa.
1
Cavignac (2003, p.70) "Potiguara", de origem tupi designa o comedor de camarão (Ferreira s.d.: 1123).
No município de Apodi, também não se pode negar a forte ligação que há entre o próprio nome do lugar com o nome “Pody”, associado justamente ao nome do rio na língua falada pela tribo que habitava às suas margens. Palavras cotidianas que têm herança cultural bastante associada ao contexto do Tapuia Paiacu, como a palavra que identifica um pássaro da região: o pacu. Também se tem nomes de peixes, como: o piau, o cará, a traíra e a curimatã. Palavras estas que têm um vínculo muito estreito com as origens indígenas (FREITAS, 2018, p.117).
Diante deste contexto, tem-se em Apodi, o CHCTPLA, um espaço que representa a identidade e a memória indígena. O mesmo possui um conjunto expressivo de peças líticas de populações que povoaram a região do município. Ou seja, o local é uma boa opção para os estudiosos que buscam mais aprofundamento quanto aos conhecimentos acerca do patrimônio material/imaterial e histórico que expressa fatores da formação cultural dos povos que se constituiu no semiárido do Nordeste, onde hoje é a região do médio e alto oeste potiguar.
Quanto aos recursos metodológicos, utilizamos pesquisas bibliográficas, descritiva, qualitativa e pesquisas de campo, através de uma entrevista semiestruturada e visita de observação ao Centro Histórico Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa do Apodi – CHCTPLA e ao museu do Índio Luiza Cantofa. Na ocasião, foi possível coletar dados por imagens e conhecer objetos pertencentes a essa cultura, possibilitando uma maior compreensão do contexto histórico-cultural dos povos indígenas Tapuia Paiacu.
O trabalho escrito se inicia com a introdução, na qual mostra a temática abordada acerca da compreensão do contexto histórico-cultural dos povos indígenas Tapuia Paiacu, e na sequência, se divide em três capítulos. O primeiro capítulo é composto pelo referencial teórico, no qual apresenta: as reflexões sobre os conceitos e definições acerca do assunto abordado; a proteção e valorização do tema; e a contextualização histórica do povo indígena no Brasil. Em seguida, o segundo capítulo trata do desenvolvimento metodológico, expondo os instrumentos empregados para a execução do trabalho de pesquisa. O terceiro capítulo segue com as análises e interpretação dos dados coletados, se tratando das reflexões acerca dos resultados. Logo após, são apresentadas as considerações finais, as referências utilizadas como apoio, os anexos e apêndices da pesquisa.
Nessa perspectiva, a pesquisa propõe, por fim, uma reflexão sobre a importância do
reconhecimento e valorização da cultura desses povos, na sua própria representação simbólica
da sua identidade, cultura, história e memória na sociedade apodiense.
1 PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL INDÍGENA: QUESTÕES TEÓRICAS
O primeiro capítulo tem a finalidade de abordar um breve contexto histórico, mostrando os principais conceitos e definições; as instituições de proteção e valorização, relacionadas ao patrimônio cultural imaterial indígena; e apresentando um contexto histórico dos primeiros habitantes do Brasil, os indígenas das nações Tupi e Tapuia, assim como, fazendo relação dos europeus que chegaram ao Brasil com os povos que aqui já viviam, neste caso, os índios das nações Tupi e Tapuia.
1.1 Conceitos e definições
A concepção de patrimônio cultural, para Pereira (2012), refere-se à riqueza produzida e repassada de geração para geração, como uma herança que influencia a identidade dos sujeitos e conjuntos sociais, porém, esse pensamento pode ser equivalente à compreensão que se deseja valorizar. “As definições podem partir de diferentes relações, por exemplo, a relação afetiva, a econômica, a ambiental, a cultural, entre outras” (PEREIRA, 2012, p. 7).
Na França, no início da década de 1980, surge o conceito de patrimônio cultural (CALCO, 1995 apud PÉREZ, 2009) e que redefine as concepções de cultura popular, cultura tradicional e folclore. De acordo com Paiva e Cunha (2018, p. 21), os patrimônios culturais, foram fruto da Revolução Francesa, com a finalidade de
Construir referenciais comuns a todos que habitava um mesmo território, unir as pessoas em torno de pretensos interesses e tradições comuns, e facilitando o processo de dominação a partir da imposição de uma língua nacional, de costumes nacionais, de uma história nacional, que se sobrepõe às memórias particulares e regionais.
Podemos definir o patrimônio cultural como uma herança do passado e como uma
representação simbólica das identidades dos grupos sociais. Transmitido através de um povo
formado pelo conjunto dos fazeres, saberes, expressões, práticas e seus produtos, que
remetem à história, à memória e à identidade desse povo (BRAYNER, 2007). Na visão
antropológica (Figura 1), a noção de patrimônio cultural não é bem a noção de patrimônio e
nem a de cultura.
Figura 1 – Noção de patrimônio cultural
Fonte: PÉREZ (2009, p. 152).
O “patrimônio” é uma noção que define todos os recursos que se herdam bens mobiliários e imobiliários, capitais e outros (PÉREZ, 2009, p. 140). O principal objetivo do patrimônio é garantir a sobrevivência dos grupos humanos e também ligar as gerações com as próximas. Assim, pode-se considerar que o patrimônio, pode ser acumulado, modificado ou desaparecido de uma geração a outra (Rodríguez Becerra, 1997, apud PÉREZ, 2009).
O termo patrimônio supõe, portanto, uma relação com o tempo e seu transcurso. Em outras palavras, refletir sobre o patrimônio significa, igualmente, pensar nas formas sociais de culturalização do tempo, próprias a toda e qualquer sociedade humana (GUIMARÃES, 2012, p. 99, apud NOGUEIRA, 2014, p.51).
O termo patrimônio é compreendido conforme Uzeda (2010) como tudo seja uma herança que nos ficou espolia por gerações passadas, e que seja vista com importância de conservar para transmitir às futuras gerações.
No campo cultural define-se “linguagem, a produção artística e científica, a música, o sistema de crenças, a culinária, as festas, o vestuário, as normas sociais e de comportamento”
(UZEDA, 2010, p.15). Desta forma, a cultura é vista como um conjunto de conhecimentos, práticas, costumes, valores espirituais, praticados e aprimorados pelos sujeitos de um mesmo grupo, no qual, tem uma relação de identidade e memória entre eles.
Na concepção antropológica, a cultura apresenta dois pontos de vista: no primeiro, a
cultura não deve ser entendida como um modelo sólido de conduta-usos, hábitos e
comportamentos, mas sim, como um composto sistema de domínio-plano, receitas, regras e
instruções. Já no segundo, a ideia consiste devido o homem ser o animal que depende mais do
comando extragenéticos que determina as suas atitudes (GEERTZ, 1989 apud NUNES,
2011).
Pode-se notar que o aspecto originário da significação do termo cultura diz respeito á intervenção do homem para modificar o ambiente natural, sendo que, já nos tempos clássicos, foi agregada a este a compreensão de refinamento progressivo de dita intervenção, incluindo aí o interesse pelas artes, pela ciência, filosofia, ética, enfim, por tudo o que o homem vem produzindo e que o induz ao aprimoramento integral, a partir de práticas vinculadas a elevados valores, o que era sintetizado pela expressão paidéia, cuja intelecção aproximada resulta do somatório depurado dos conceitos de civilização, cultura, tradição, literatura e educação. Mas a paideia não era um fim em si, saliente-se; buscava atingir a areté, suja tradução seria ‘virtude, na sua acepção não atenuada pelo uso puramente moral, e como expressão do mais alto ideal cavaleiresco unido a uma conduta cortês e distinta e ao heroísmo guerreiro (CUNHA FILHO, 2004, p. 49 apud RABELO, 2010, p.12-13)
No decorrer da história, todavia, estes elementos que fundamentavam o conceito de cultura, encontram-se envolvidos em princípios sociais, e se modificaram de maneira que os antropólogos passaram a considera-la, puramente verdadeira, como instrumento da ação humana (RABELO, 2010). Conforme Cunha (2009, p.273) apud Konig; Becker (2017, p. 8)
As culturas constituem para a humanidade um patrimônio de diversidade, no sentido de apresentarem soluções de organização do pensamento e de exploração de um meio que é, ao mesmo tempo, social e natural. (...). Quando se fala do valor da sociodiversidade, não se está falando de traços culturais e sim de processos. Para mantê-los em andamento, o que se tem de garantir é a sobrevivência das sociedades que os produzem.
Para Nunes (2011), a cultura pode ser entendida como um conjunto de representações simbólicas com significações partilhadas por sujeitos de determinado agrupamento do meio social, onde as razões e as significâncias estão inseridas nas suas atitudes e na relação entre elas.
A cultura como espelho de símbolos e códigos do indivíduo e/ou do grupo está propensa a todas as influências e adaptações desse contexto, é possível observar que comportamentos, hábitos, costumes, crenças, modo de vida e necessidades variam e adaptam se às demandas; constata-se, com isso, a dinamicidade da cultura como reflexo das alterações do meio. Acrescenta-se ainda que exista contemporaneamente determinado aceleramento desse processo de alteração que é provocado pelos meios de comunicação, tecnologias e globalização (NUNES, 2011, p. 92).
Neste sentido, a cultura pode ser compreendida como um conjunto de elementos simbólicos com significados e representações inerentes a um grupo social que pode ou não passar por modificações ao longo do tempo, dependendo da valorização dada pelas gerações em preservar ou deixar a serviço do tempo.
Cultura abrange a língua e as diferentes formas de linguagem e de comunicação, os
usos e costumes quotidianos, a religião, os símbolos comunitários, as formas de
apreensão e de transmissão de conhecimentos, as formas de cultivo da terra e do mar
e as formas de transformação dos produtos daí extraídos, as formas de organização política, o meio ambiente enquanto alvo de ação humanizadora. Cultura significa humanidade, assim como cada homem ou mulher é, antes do mais, conformado pela cultura em que nasce e se desenvolve (JORGE MIRANDA, 2006, p. 1 apud RABELO, 2010, P.13).
Entende-se que os indivíduos fazem parte de grupos sociais diferentes, onde, pode ou não ser do mesmo lugar, como grupo das mulheres, da igreja, arte, dos músicos, dos comerciantes e outros. Portanto, cada indivíduo no decorrer da sua vida constrói sua própria representação simbólica da sua identidade, da sua cultura e da sua história. Ou seja, são os valores, os significados atribuídos pelas pessoas a objetos, lugares ou práticas culturais que os tornam patrimônio de uma coletividade (ou patrimônio coletivo) (BRAYNER, 2007).
A cultura e a memória são elementos que fazem com que as pessoas se identifiquem umas com as outras, ou seja, reconheçam que têm e partilham vários traços em comum. Nesse sentido, pode-se falar da identidade cultural de um grupo social (BRAYNER, 2007, p. 07).
Para Brayner (2007), a identidade do indivíduo é construída baseada em vários aspectos como “sua história de vida, a história de sua família, o lugar de onde veio e onde mora, o jeito como cria seus filhos, fala e se expressa, enfim, tudo aquilo que a torna única e diferente das demais” (BRAYNER, 2007, p. 06).
A ideia de patrimônio cultural, segundo Rabelo (2010, p. 17) “está ligada à identidade dos povos, vinculada ao sentido de pertença e multiplicidade de elementos formadores da sociedade humana e à preservação de sua memória”. Segundo Iepé (2006, p. 10) o patrimônio cultural imaterial é definido como
As práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – assim como os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como fazendo parte integrante de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio cultural imaterial – que se transmite de geração em geração – é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu entorno, de sua interação com a natureza e sua história, e lhes fornece um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo assim a promover o respeito pela diversidade cultural e a criatividade humana.
É definido também pelas tradições e expressões orais, inserindo a língua como veículo
do patrimônio cultural imaterial, dança, música e artes da interpretação convencionais, os
hábitos sociais, os rituais e comemorações festivas, os conhecimentos e os usos relacionados à
natureza e ao mundo, e os métodos artesanais tradicionais (IEPÉ, 2006).
Os povos indígenas trazem uma importante contribuição ao incremento da diversidade cultural brasileira. A população indígena no Brasil é de aproximadamente 817 mil pessoas (IBGE, 2010), organizadas em 270 etnias falantes de 180 línguas indígenas distintas.
Grupos indígenas no Brasil, sobretudo os de contato mais antigo com a população neobrasileira, foram induzidos a falar línguas novas, primeiro a língua geral, derivada do tupi e propagada pelos jesuítas, mais tarde o português por imposição expressa do Direito dos Índios Pombalino. Processos de discriminação contra as línguas indígenas foram usados nas escolas salesianas contemporâneas. São conhecidas ainda as situações, impostas pelo desprezo dos regionais pelos
‘caboclos’ ou ‘bugres’, em que os índios se envergonhavam do uso de suas línguas.
A interferência nas culturas tradicionais atingiu também a religião, os costumes matrimoniais, a organização política, a tecnologia, os hábitos alimentares, estes já afetados pela de pauperização dos territórios de caça e pesca. A resistência indígena a essa interferência manifestou-se no apego a alguns traços culturais que, enfatizados, preservavam a identidade do grupo (CUNHA, 2009, p. 251 apud KONIG; BECKER, 2017, p. 8).
Há uma diferença de caraterísticas entre os grupos indígenas no Brasil, ou seja, o povo indígena tem o jeito de falar, o hábito de pinturas no corpo ou adereços, a maneira de construir sua moradia 2 , as formas de festejarem (danças, cantos, jogos e entre outros), e narrações de seus mitos, destinadas aos jovens mais novos.
1.2 Proteções e valorizações
Na Conferência do México, no ano de 1985, as políticas culturais, foram baseadas no conceito amplo de cultura. Paiva e Cunha (2018, p. 22) “esboça o princípio de uma política cultural fundada no reconhecimento da diversidade cultural e das identidades culturais”.
Segundo os mesmos autores, “a Convenção de Paris sobre a Salvaguarda do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, datada de 1972, foi um importante marco na legislação internacional sobre o patrimônio cultural” (PAIVA e CUNHA, 2018, p. 22).
Quanto ao patrimônio cultural imaterial, em 2003, foi aprovada a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial e cujo objeto é a proteção da sociodiversidade, entendida por ela como diversidade cultural. A citada convenção conceitua patrimônio imaterial como as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhe são inerentes - que as comunidades, os grupos, e em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural.
(PAIVA e CUNHA, 2018, p. 22).
2
As moradias dos índios podem ser construídas de palhas (ocas) e de alvenaria (casas).
O reconhecimento e a valorização através de uma política efetiva voltada também para a salvaguarda de práticas e manifestações culturais de povos indígenas fazem parte da história recente da política federal de patrimônio cultural brasileira (AMARAL, 2017).
Desta Forma, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN gera uma política que passou a ser chamada de “patrimônio imaterial”. Então surge, como marco legal de uma nova política do patrimônio cultural imaterial o Decreto nº 3551, de 04 de agosto de 2000. Por meio deste Decreto foi criado o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial – PNPI. Este programa é uma forma do governo federal dar suporte e incentivar, através da formação de parcerias, “projetos de identificação, reconhecimento, salvaguarda e promoção do patrimônio cultural brasileiro” BRAYNER (2007, p. 23).
Os objetivos do PNPI são o de implementar uma política nacional de inventário, registro e salvaguarda de bens culturais de natureza imaterial; contribuir para a preservação da diversidade cultural do país e para a divulgação de informações sobre o patrimônio cultural brasileiro para toda a sociedade (BRAYNER, 2007, p.
23).
Outra ferramenta de que se utiliza para a proteção do patrimônio cultural é o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial. Segundo Pereira (2012, p. 13), o principal ponto desse registro é a inscrição do bem em um dos quatro Livros estabelecidos:
Livro de Registro dos Saberes – para a inscrição de conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Registro das Celebrações – para rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social; Livro de Registro das Formas de Expressão – para o registro das manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas; e Livro de Registro dos Lugares – destinado à inscrição de espaços como mercados, feiras, praças e santuários, onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas (PEREIRA, 2012, p. 13-14).
A inscrição de bens nos livros de registro do IPHAN colaborou desta forma, para a valorização e o reconhecimento da função de certa expressão cultural na composição da cultura no Brasil. Esse feito colaborou ainda para incentivar o comprometimento da sociedade na obrigação de proteger essas riquezas, de modo a, gerar situações com finalidade de dar suporte real na sua proteção por parte de entidades públicas e privadas, em âmbito federal, estadual e municipal, de organizações internacionais e, mais ainda, de cada pessoa (BRAYNER, 2007).
A Constituição Federal de 1988, através do artigo 216, apresenta o patrimônio material
e imaterial brasileiro, no qual relata sobre os bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, onde se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, art. 216).
Na mesma legislação, a definição de patrimônio engloba construções arquitetônicas, urbanísticas e artísticas de alto valor (patrimônio material), assim como, as expressões de natureza imaterial. Deste modo, o patrimônio imaterial refere-se às expressões culturais incluindo visões de mundo, saberes, costumes, relações sociais e representativas, e experiências referentes às identidades dos grupos sociais que constituem a sociedade brasileira (VIEIRA, 2016).
A carta constitucional brasileira de 1988 propõe o reconhecimento e uma recompensação histórica a que as comunidades têm direito, respeitando deste modo, o lugar do outro. Assegurou ainda que as expressões indígenas sejam respeitadas de acordo com as atribuições de valores e expressões singulares de cada sujeito e grupo social (XXVII simpósio Nacional de História, 2013).
Segundo Baniwa (2006), a Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), reconhece a diversidade cultural do mundo como patrimônio comum da humanidade. Com relação à diversidade cultural indígena ou das populações tradicionais, ou tribais, a mesma é vista como patrimônio da humanidade pela “Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada (reconhecida como Lei do país) pelo Brasil em 2003” (BANIWA, 2006, p. 49).
Com isto, a UNESCO impulsionou os estados nacionais a exercerem práxis mais respeitosas com as populações indígenas que habitam em seus locais. Desta forma, a UNESCO estabeleceu algumas metas:
A salvaguarda do patrimônio material e imaterial, a promoção da educação
multilingüe e multicultural, tanto formal como informal assim como a promoção dos
direitos culturais, a definição de mecanismos de mediação que facilitem a
participação dos povos indígenas nos processos de tomada de decisão, a valorização
dos sistemas de conhecimento locais e indígenas e sua transmissão entre gerações, o
fortalecimento dos povos indígenas através de parcerias eqüitativas com parceiros não-indígenas, o suporte à criação de corpos consultivos nacionais e de redes de intercâmbio entre e com povos indígenas (IEPÉ, 2006, p. 61-62).
Essas metas têm como objetivo melhorar a qualidade das políticas públicas já criadas pelos estados nacionais que estão relacionadas aos grupos indígenas. A recente estratégia da UNESCO aconselha, em contrapartida, para garantir o fortalecimento das populações indígenas, os estados têm que, estabelecer trabalhos em parcerias com instituições não governamentais (ONGs) e com instituições representativas das populações indígenas (IEPÉ, 2006) . Com o decorrer dos anos, a política indigenista 3 no Brasil foi se fortalecendo, e, depois da proclamação da República, teve importantes marcos, como:
A criação do Serviço de Proteção aos Índios – SPI; a constitucionalização do direito indígena; a criação da Fundação Nacional do Índio – FUNAI; a elaboração do Estatuto do Índio e o rompimento com a política integracionista na Constituição Federal de 1988 (LEDESMA; RODRIGUES, 2016, p. 116).
Segundo Ledesma e Rodrigues (2016, p. 116), “a FUNAI, pessoa jurídica de direito público, constituída sob forma de autarquia federal, foi criada com a finalidade de atender os interesses dos indígenas e tutelá-los”. A FUNAI foi criada no lugar do Serviço de Proteção aos Índios. A mesma é uma entidade do governo brasileiro tem como função executar a política indigenista no território nacional; proteger o patrimônio indígena; estudar as populações indígenas que vivem no território brasileiro; assegurar, zelar e delimitar as terras historicamente povoadas pelos indígenas (LEDESMA; RODRIGUES, 2016).
1.3 Contextualização histórica do povo indígena no Brasil: Tupi e Tapuia
Compreender a organização social, cultural, política e econômica dos Tupi e Tapuia é essencial para se estabelecer um cenário histórico desses povos indígenas, principalmente quando se trata dos registros, relatos histórico-culturais e diversidade cultural dos indígenas Tapuia Paiacu no Rio Grande do Norte. Segundo Baniwa (2006, p. 47), os povos indígenas que:
Representam culturas, línguas, conhecimentos e crenças únicas, e sua contribuição ao patrimônio mundial – na arte, na música, nas tecnologias, nas medicinas e em outras riquezas culturais – é incalculável. Eles configuram uma enorme diversidade
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