PERSPECTIVAS E DESAFIOS PARA APLICAÇÃO DA SOLDAGEM SUBAQUÁTICA MOLHADA NA PETROBRAS
Autores: Ricardo Reppold Marinho 1 , Marcelo Torres Piza Paes 1 , Ezequiel Caires Pereira Pessoa 2 , Alexandre Queiroz Bracarense 3 , Valter Rocha dos Santos 4 , Fernando
Cosme Rizzo Assunção 4 , Maurício de Jesus Monteiro 5 , José Roberto Domingues 6 ,
1 PETROBRAS/CENPES, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Betim, MG, Brasil,
3 Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil,
4 PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil,
5 Instituto Nacional de Tecnologia, Rio de Janeiro, RJ, Brasil,
6 ESAB Ind. e Com Ltda., Belo Horizonte, MG, Brasil Trabalho a ser apresentado durante a Rio Welding 2014
As informações e opiniões contidas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade dos autores.
RESUMO
Historicamente, os procedimentos de soldagem molhada são certificados (qualificados) como classe B de acordo com a norma internacional de soldagem subaquática AWS D3.6M. Por esse motivo, a soldagem molhada pelo processo de eletrodos revestidos é utilizada apenas em reparos não estruturais ou em situações emergenciais. Um dos impedimentos para a obtenção de soldas classe A está relacionado com as características do tipo de eletrodo revestido utilizado. Os eletrodos do tipo rutílico são largamente utilizados em soldagem molhada devido à boa estabilidade do arco e a facilidade de operação e manuseio. Entretanto, apresentam defeitos como porosidade e microtrincas que afetam o alongamento e a ductilidade do metal de solda resultando em reprovação nos ensaios de tração e dobramento. Já os eletrodos do tipo oxidante são menos utilizados devido à baixa estabilidade do arco e dificuldades de operação e manuseio.
Estes eletrodos também não alcançam os requisitos exigidos para classe A devido a
baixos valores de limite de resistência e defeitos como trincas na raiz. Outro obstáculo
que dificulta a obtenção de classe A e não está diretamente relacionado com o tipo de
eletrodo é a elevada dureza na zona afetada pelo calor (ZAC). Este artigo discute cada
um desses desafios acima mencionados e descreve os resultados obtidos com o desenvolvimento de um novo eletrodo tipo oxi-rutílico que tem conseguido em testes de laboratório e campo alguns importantes resultados no sentido de alcançar a classe A.
Visando a uma maior aceitação futura da soldagem molhada como solda de reparo permanente, exclusivamente para unidades flutuantes de produção, são oferecidas sugestões às partes envolvidas quanto à filosofia de qualificação de procedimentos de soldagem e quanto a modificações em alguns critérios de aceitação.
INTRODUÇÃO
Considerando as restrições de ordem econômica para a docagem das estruturas de produção flutuantes na costa brasileira (navios e plataformas semi-submersíveis), há necessidade da disponibilidade de técnicas e de consumíveis para manutenção e reparos
“in situ” evitando assim paradas de produção. A soldagem subaquática molhada pelo processo “eletrodos revestidos” é um dos métodos de reparo estrutural ‘in situ” já aplicado em diversas situações tanto pela PETROBRAS como por companhias estrangeiras e cujas principais vantagens são a simplicidade, a versatilidade e o baixo custo. No Brasil, intervenções como as de reparo de trincas na monobóia de Marimbá e na estrutura da plataforma P-27 são exemplos de aplicação onde a soldagem molhada foi a opção considerada mais recomendada sob critérios técnicos e econômicos [1] . No exterior, numerosas intervenções para reparos estruturais por soldagem subaquática molhada em plataformas foram relatadas, sendo notáveis aqueles realizados em plataformas fixas do Golfo do México, danificadas por furacões. Conforme recente publicação [2] , de 34 plataformas reparadas por esta técnica, 29 permanecem em operação.
São vislumbradas como situações futuras de aplicação da soldagem molhada dentre outras: reparos e instalações de componentes nas plataformas fixas em operação, reparos de trincas e regiões corroídas em plataformas semi-submersíveis e reparos de trincas de fadiga em componentes estruturais de plataformas semi-submersíveis e em bolinas de FPSOs.
É verificada internacionalmente a tendência de emprego de estruturas flutuantes (navios e plataformas semi-submersíveis) na produção de petróleo offshore. Contudo, consideráveis prejuízos podem ocorrer se for necessária a interrupção da produção para docar a unidade flutuante visando sua manutenção e reparo. Por exemplo, a parada de produção por um mês de uma plataforma, com produção média de 50.000 barris/dia, pode implicar em lucros cessantes da ordem de R$ 300.000.000,00. Portanto, é importante aperfeiçoar métodos de reparo estrutural operacionalmente simples e versáteis como a soldagem subaquática molhada para reparos “in loco” pelo processo de soldagem de eletrodos revestidos. Esta técnica oferece melhores resultados quando aplicada em águas rasas (profundidades de até 20m), correspondendo às profundidades máximas dos componentes estruturais das unidades flutuantes quando em operação.
Porém, é necessário que a confiabilidade destes reparos seja reconhecida tanto pelas operadoras quanto pelas sociedades classificadoras envolvidas para avaliações de integridade estrutural, sob a ótica da qualidade para uso específico, sejam aceitas.
Ainda, a aplicação da soldagem molhada em instalações flutuantes de produção
aumenta em viabilidade técnica considerando que os aços utilizados nas construções
navais apresentam boa soldabilidade, resultando em menor risco de fissuração a frio
durante a soldagem.
Em soldagem subaquática usualmente referencia-se o código AWS D3.6M:2010
“Underwater Welding Code” [3] , onde as soldas estruturais são classificadas em duas categorias. Para as soldas classe A estão presentes requisitos de tenacidade, resistência, ductilidade, dureza e dobramento em níveis semelhantes aos exigidos pelos principais códigos de engenharia em soldagem atmosférica que raramente são alcançadas em soldagem molhada. Para as soldas classe B, conceituadas como soldas com qualidade estrutural limitada, tanto os testes aplicados na qualificação de procedimentos quanto os critérios de aceitação são menos rigorosos que os referentes ao tipo A. Para a aceitação de procedimentos de soldagem que resultam em soldas classe B, onde o nível de qualidade especificado é aquele adequado à aplicação em questão, estudos adicionais são usualmente necessários para garantir a integridade estrutural da instalação.
Significativos avanços na tecnologia da soldagem molhada por eletrodos revestidos foram obtidos recentemente por meio de projetos de pesquisa realizados no Brasil por PETROBRAS, PUC-Rio, UFMG e ESAB [4] . Estes projetos tiveram como objetivo:
- desenvolver um eletrodo oxi-rutílico para soldagem molhada cuja operabilidade fosse superior à dos eletrodos do tipo oxidante e cuja soldabilidade metalúrgica (no que se refere à suscetibilidade a trincas por hidrogênio) fosse superior à dos eletrodos de base rutílica;
- levantar propriedades do eletrodo desenvolvido por meio de testes soldagem molhada em simulador hiperbárico em pressões equivalentes a 0,5m, 10m e 20m de profundidade;
- qualificar procedimentos de soldagem molhada com mergulhadores-soldadores válidos para aplicação até 15m de profundidade, empregando o eletrodo oxi-rutílico nas posições plana, vertical descendente e sobre cabeça.
Parte dos resultados destas pesquisas foram divulgados em periódicos e congressos [5-9] e apresentados no capítulo “principais resultados” a seguir, destacando- se o desenvolvimento de um eletrodo revestido oxi-rutílico, com teor de hidrogênio difusível menor que 20ml/100g de metal depositado, com o qual foram produzidas soldas com baixa porosidade, ausência de microtrincas no metal de solda (MS) e na zona afetada pelo calor (ZAC). Os valores de ductilidade, assim como os de tenacidade Charpy são superiores ao mínimo exigido pelo código AWS D3.6M classe A, código de soldagem subaquática comumente adotado por operadoras e classificadoras .
PRINCIPAIS RESULTADOS
O eletrodo oxi-rutílico desenvolvido, aqui denominado “WW70”, apresentou
resultados promissores no sentido de substituir os eletrodos comerciais do tipo oxidante
e do tipo rutílico existentes no mercado nacional e internacional para reparos nas
profundidades testadas (até 20m), vide tabelas 1 e 2. A tabela 1 apresenta alguns
resultados comparativos obtidos por soldagem mecanizada por gravidade em
laboratório. O teor de hidrogênio difusível do eletrodo WW70 e, portanto, o risco de
fissuração pelo hidrogênio é tão baixo quanto o do eletrodo oxidante comercial testado,
aqui denominado “A1”. Sua tenacidade e sua ductilidade equivalem ou superam àquelas
dos principais eletrodos comerciais do tipo rutílico aqui denominados “W1” e “S1”,
disponíveis no mercado internacional. A resistência mecânica do metal de solda do
eletrodo supera 460 Mpa, permitindo enquadrá-lo na classe AWS E70XX. Os resultados
de propriedades mecânicas mostrados na tabela 2, exceto quanto ao ensaio de
dobramento e dureza na ZAC (não apresentados aqui), atendem aos requisitos do
D3.6M:2010 classe A para soldagem de aços navais com limite de escoamento superior a 350 Mpa. Foram alcançados, com grande frequência, valores de alongamento superiores a 18%. O hidrogênio difusível e a porosidade do eletrodo WW 70 mostraram-se pouco sensíveis ao aumento de profundidade até 20m.
Tabela 1 - Comparação de algumas propriedades do metal de solda depositado pelo eletrodo WW70 com os eletrodos comerciais rutílicos (W1 e S1) e com o eletrodo oxidante comercial (A1) em testes de laboratório.
Eletrodo
Hdif (ml/100g) Prof.: 0,5m
Tenacidade Charpy 0ºC (J) Prof.: 20m
Porosidade (Área%) Prof.: 20m
L. R.
(Mpa) Prof.:
0,5m* e 10m**
Alongamento (%) Prof.: 0,5m* e
10m**
W1 97,2 35,3 2,36 515* 11,0*
S1 85,4 41,9 2,17 522* 6,6*
A1 20,4 37,3 0,41 456* 24,0*
WW70 21,3 41,3 0,06 490** 18,2**
Hdif=hidrogênio difusível
L.R.=Limite de resistência à tração
Tabela 2 – Propriedades do metal de solda em juntas soldadas em laboratório com o eletrodo oxi-rutílico desenvolvido (WW70) em posição plana, nas profundidades equivalentes de 0,5m, 10m e 20m.
Profundidade equivalente (m)
L.E.
(MPa)
L.R.
(MPa) Al (%)
Tenacidade Charpy 0ºC (J)
Porosidade (%)
Hdif ml/100g
0,5 429 500 15,6 46,3 0,00 21,3
10,0 424 490 18,2 47,0 0,07 28,9
20,0 371 495 16,6 41,3 0,06 32,8
L.E.=Limite de escoamento
L.R.=Limite de resistência à tração Al=Alongamento
Hdif=hidrogênio difusível medido em corpos de prova soldados sob pressão equivalente
a 0,5m 10m e 20m de profundidade
O avanço mais significativo alcançado neste desenvolvimento é o conjunto consistente de resultados de alongamento (acima de 14%) abrindo novas possibilidades para a obtenção de soldas molhadas com qualidade estrutural plena (classe A do AWS D3.6M: 2010). A tenacidade situa-se em patamar pouco superior comparado aos demais resultados. A baixa porosidade e ausência de microtrincas no metal de solda são as características principais responsáveis por esse avanço (vide figuras 1 e 2). Os resultados obtidos, em geral, atendem à maioria dos requisitos do AWS D3.6M: 2010 classe A, são pouco influenciados pela profundidade e são superiores à maioria dos resultados obtidos na literatura internacional sobre soldagem molhada (figura 2). Nesta figura, alguns resultados relativos a propriedades dos eletrodos oxi-rutílicos produzidos em diferentes fases do projeto são comparados com resultados de eletrodos oxidantes, ácidos e rutílicos obtidos na literatura especializada. Por outro lado, foram obtidos os seguintes resultados negativos quanto ao atendimento dos requisitos do AWS D3.6M:
2010 classe A:
- inconsistência na obtenção de resultados aprovados no ensaio de dobramento;
- dureza máxima na zona afetada pelo calor do metal de base dos passes de acabamento superior ao especificado;
- foi constatada uma maior tendência à formação de trincas de raiz na soldagem com o eletrodo oxi-rutílico comparativamente aos do tipo rutílico testados;
- aprisionamento de escória quando da soldagem na posição vertical descendente;
e maior dificuldade de remoção de escória comparativamente aos eletrodos do tipo rutílico testados.
Para reduzir o risco de formação de trincas de raiz foi desenvolvido um eletrodo de base rutílica, denominado WW70RP destinado unicamente à soldagem do passe de raiz. Testes de laboratório (mecanizados) e de campo (com soldador-mergulhador) utilizando este procedimento híbrido (raiz com o eletrodo WW70RP e enchimento com WW70) apresentaram resultados positivos quanto à redução da incidência de trincas de raiz.
Testes de campo a 5m de profundidade foram realizados com metal de base de
especificação ASTM A 131/A 131M – 08 AH36. Foi utilizado um procedimento
híbrido com eletrodo rutílico no passe de raiz e acabamento com eletrodo oxi-rutílico
objetivando evitar a formação de trincas de raiz. Os resultados de ensaios mecânicos
obtidos estão apresentados na tabela 3 em conformidade com os requisitos para
enquadramento no AWS D3.6M:2010 classe B nas posições plana e sobre-cabeça para
juntas em ângulo. Entretanto, na posição vertical descendente não foram obtidos
resultados satisfatórios devido à presença de descontinuidades do tipo inclusão de
escória acima do especificado. Em relação ao atendimento aos requisitos da classe A, os
corpos de prova falharam no ensaio de dobramento devido à presença de inclusões de
escória e a dureza máxima da ZAC ultrapassou em alguns pontos 325 HV que é o valor
limite especificado pelo AWS D3.6M:2010. Houve aprovação quanto às demais
propriedades mecânicas (tabela 3).
0,5 m
10 m
20 m
Fig. 1 – Macrografias
representativas das juntas soldadas em laboratório com o eletrodo WW70 nas profundidades
equivalentes de 0,5m, 10m e 20m.
Fig. 2 - Resultados de tenacidade, alongamento e porosidade obtidos com os eletrodos oxi- rutílicos desenvolvidos no projeto de pesquisa comparados com resultados publicados por diversos autores na literatura técnica especializada. [10-15] .
0 5 10 15 20 25 30
0 5 10 15 20 25 30
mínimo AWS D3.6 LSS - Class A
mínimo AWS D3.6 HSS - Class A