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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO JOSÉ CARLOS PIRES DE CAMPOS FILHO

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

JOSÉ CARLOS PIRES DE CAMPOS FILHO

Os pressupostos filosóficos do Estado ético-

jurídico na obra “A

Cidade de Deus” de Santo Agostinho

MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

JOSÉ CARLOS PIRES DE CAMPOS FILHO

Os pressupostos filosóficos do Estado ético-

jurídico na obra “A

Cidade de Deus

de Santo Agostinho

MESTRADO EM FILOSOFIA DO DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Direito do Núcleo de Pesquisa em Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia do Direito sob a orientação do Professor Livre-Docente Cláudio de Cicco.

(3)

São Paulo, São Paulo, 2012.

ERRATA

Folha (página) 1 (Folha de Aprovação da banca examinadora)

Linha 11

Onde se lê Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Leia-se Professor Titular Aposentado de Direito Constitucional na Universidade Mackenzie

Folha (página) 10

Linhas 31, 32 e 33

Onde se lê Após a morte de Teodósio, em 395 d.C, seus filhos (Honório, no Ocidente e Arcádio, no Oriente) não foram capazes de deixar unido o Império.

(4)

JOSÉ CARLOS PIRES DE CAMPOS FILHO

Os pressupostos filosóficos do Estado ético-

jurídico na obra “A

Cidade de Deus” de Santo Agostinho

Aprovada em ________

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________ Professor Livre-Docente Cláudio de Cicco Pontifícia Universidade Católica de São Paulo __________________________________________________________________ Professor Ives Gandra da Silva Martins Doutor em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie __________________________________________________________________ Professor Álvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São

(5)

Agradeço ao meu orientador, homem digno e educador brilhante, que tanto me apoiou e me ensinou nas aulas e nos encontros em sua residência durante este período de aprendizado no caminho do conhecimento da minha formação acadêmica.

Agradeço a minha competente e eficiente colega, Marília Chiaradia, na formatação desta dissertação.

(6)

Aos meus primos e tios por todo apoio.

À minha amada mãe, constante incentivadora de meus passos na vida, aos meus irmãos, Eduardo e Fernanda, e à minha querida avó. Ao Mário e a Cidinha por me quererem bem. Ao meu pai, pessoa amada e sempre presente em minha caminhada.

À minha mulher, Carla, amor de minha vida, pessoa sem a qual esta dissertação não seria possível. Amor presente que torna presente a paixão do amor a todo instante por toda a vida.

(7)

RESUMO

O objetivo desta dissertação é expor os pressupostos filosóficos centrais da teoria do filósofo Santo Agostinho sobre a natureza do Estado ético-jurídico. O pensamento é aqui compreendido como uma defesa do Estado justo e da concepção de lei natural contra as acusações de que o Cristianismo causa prejuízo à comunidade política. A concepção agostiniana de sociedade justa e feliz permite, ao contrário, aprimorar as virtudes cívicas como meio para alcançar o bem ‘comum e a paz. A ontologia agostiniana permite que a verdade seja a referência das virtudes e dos vícios, como preceitos do agir capazes de formar a

unidade de uma civilização. A “Cidade de Deus” é a alegoria de sociedade justa presente no

mundo através dos tempos em convivência com o Estado terreno.

(8)

ABSTRACT

The objective of this dissertation is to expose the philosophical assumptions of the theory of the philosopher St. Augustine on the nature of the ethical and legal State The thought here is understood as a defense of the just State and of the conception of natural law against accusations that Christianity causes injury to the political community. The Augustinian conception of a just and happy society allows, instead, enhancing the civic virtues as a means to achieve the common good and peace. The Augustinian ontology allows the truth to be the reference of virtues and vices, as precepts of action capable of forming the unity of a civilization. The "City of God" is the allegory of a just society that is present in this world through the ages in coexistence with the earthly state.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

...

9

Delimitação do tema ... 9

Método ... 13

Objetivo ... 14

1. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA “CIDADE DE DEUS”

...

15

1.1 Criação: natureza e conhecimento ... 15

1.1.1 Ontologia agostiniana ... 17

1.1.2 A ontologia agostiniana e a integralidade do homem ... 24

1.1.2.1 O conhecimento: verdade e falsidade ... 26

1.1.2.2 O homem e a lei natural racional ... 30

1.1.3 A filosofia agostiniana e o platonismo ... 32

1.1.4 A influência da ontologia agostiniana na ideia de Estado ... 35

1.2 Ordem como vontade ... 36

1.2.1 A ordem e a causa ... 37

1.2.1.1 A lei natural como vontade de conservar a ordem ... 40

1.2.2 A ordem: razão e sentido ... 41

1.2.2.1 A justiça como ordem das virtudes ... 46

1.2.3 Aspecto prático da ordem: contemplação e conduta ... 50

1.2.3.1 A conduta e o Estado ... 51

1.2.3.1.1 A Carta 134 de Agostinho a Apringius ... 54

1.2.3.1.2 Carta 153 de Agostinho a Macedonius ... 55

1.2.3.1.3 A conduta ordenada é razoável ... 56

1.2.4 A ordem como elemento constitutivo da unidade no Estado ... 57

(10)

1.3 Livre-arbítrio ... 59

1.3.1 A lei divina e a lei civil autônomas por natureza e dirigidas para o bem comum na esfera estatal ... 62

1.3.1.1 A lei civil (temporal) e a justiça (atemporal) ... 63

1.3.2 O arbítrio só é livre na verdadeira justiça ... 65

1.3.2.1 A liberdade e as virtudes ... 67

1.3.3 A justiça objetiva (divina) não prejudica o Estado e leva o homem a uma vida feliz .. 69

1.3.4 O livre-arbítrio é um bem ... 72

1.3.4.1 A liberdade e a verdade: princípio da subordinação... 73

1.3.4.1.1 A verdade e as formas: os números e a linguagem desvelam a força ontológica agostiniana ... 76

1.3.4.1.2 A verdade e a felicidade ... 80

1.3.4.2 A liberdade e a verdade: princípio da participação ... 82

1.3.5 A liberdade e a ordem dos bens ... 83

1.3.5.1 A ordem dos bens e os sistemas políticos ... 85

1.4 Graça ... 92

1.4.1 A justiça... 94

1.4.2 Os fins do Estado e da Sociedade: a paz e a felicidade ... 95

1.4.3 A lei civil: o bem e o bom ... 97

1.4.4 A lei natural como fruto da graça ... 100

1.4.5 A Carta 155 de Agostinho a Macedonius... 101

1.4.6 As Cartas 91 e 104 a Nectarius e a Carta 138 a Marcellinus ... 103

2. DELINEAMENTOS JURÍDICO-POLÍTICOS DE ESTADO NA OBRA “CIDADE DE DEUS”

...

108

2.1 Origem das Cidades celeste e terrena ... 108

2.2 As qualidades das duas Cidades indicam o Estado ético-político agostiniano ... 118

2.3 Os Estados terrenos e a Cidade de Deus: genealogia histórico-alegórica do poder ... 128

(11)

2.5 Os objetivos das cidades terrena e celeste: paz e felicidade ... 139

CONCLUSÃO

...

152

BIBLIOGRAFIA...155

(12)

INTRODUÇÃO

Delimitação do tema

O objetivo do presente trabalho será mostrar as bases filosóficas sobre as quais se fundamenta a ideia de Estado na doutrina de Santo Agostinho sob a perspectiva da “Cidade de Deus” (“De Civitate Dei”). O Estado existe autônoma e institucionalmente como realidade

político-jurídico-histórica (cidade política) baseado no vínculo da concórdia que procura atingir a paz terrestre (bem comum) por meio das leis humanas em busca da felicidade (usar bem as coisas) dos homens. A Justiça é a virtude que distribui a cada pessoa o que é seu. Não pode existir Estado (República) sem Justiça.

O Estado civil poderá se aproximar da chamada Cidade de Deus (“Civitas Dei”) ou

se afastar dela. A Cidade Celeste, enquanto peregrina no mundo através dos tempos, está baseada na concórdia ordenada, mútua estima e amizade verdadeira dos cidadãos, para alcançar a paz celestial por meio da lei do amor (amor ordenado) e das virtudes (retidão da vontade para a vida beata) em busca da felicidade eterna (sumo bem = fruir de Deus) dos homens pelo conhecimento da Verdade (idêntica a si mesma).

A lei inscrita naturalmente no coração (=razão) dos homens de que não façamos ao outro o que não queremos que nos seja feito só se cumpre pela graça. É essa graça que torna livre nosso arbítrio de modo a evitar o mal e a fazer o bem. O mal não se encontrará na

natureza (“physis”), mas simna vontade (“voluntas”= vontade livre da alma racional). O fruto da graça é a caridade (“ordenata caritas”), ponto de referência das virtudes e dos vícios,

traduzida no amor de Deus e por este ao próximo (perfeição da ética natural). O amor guarda a ordem do ser (“Justus ordo naturae”). Nisso consiste a verdadeira justiça (“vera justitia”) da Cidade Celeste, e o direito reduz-se a ela. As leis positivas devem se fundamentar nas exigências da lei moral natural. A justiça a Deus pertence. O homem torna-se digno ao participar da bondade de Deus. Essa é, pois, a figura alegórica da Cidade Celeste e o ideal de sociedade justa. A Cidade de Deus será uma sociedade de homens em busca de uma paz eterna para além da paz terrestre.

(13)

antepor os bens terrenos aos celestes, ao construir a felicidade por si mesmo, ao pretender alcançar a sabedoria pela própria inteligência e fora da verdade, ao se conformar com a paz terrestre e a justiça distributiva, ao desprezo pelas coisas divinas, ao preferir os vícios às virtudes, ao se disfarçar de valor absolutamente supremo e ceder às ideias dominantes no tempo e no espaço e ao ficar fechado em seu destino meramente terrestre.

Por honestidade intelectual, não omitiremos que os conceitos mais jurídicos desta dissertação, como lei natural e justiça, originam-se e abrigam elementos de fé que desqualificariam o discurso agostiniano em uma sociedade pluralista, mas, interessantemente, trarão à tona manifestações importantes para o diálogo entre a cultura cristã e o Estado de modo a encontrar o ponto de intersecção em leis que permitam a segurança e a paz, sem desprezar a ética metafísica agostiniana que em nada prejudicará as bases seculares de um Estado justo. Sem nos aprofundarmos nas circunstâncias históricas em que vivia Agostinho,

perceberemos que escrever a obra “Cidade de Deus” terá mais um aspecto pragmático,

inclusive nas relações entre o Estado e o Cristianismo, do que ideal na medida em que o objetivo será defender os cristãos contra as falsas acusações pela ruína do império Romano.

(14)

embora tenham preservados os templos cristãos, onde cristãos e não cristãos se refugiavam, na medida em que parte dos bárbaros era da religião cristã ariana.

Não por outro motivo, Agostinho dispõe em ordem os mais variados temas do Cristianismo e do paganismo, do império e da igreja, da justiça divina e humana, da providência e do poder temporal, em que as questões da igreja e do Estado nunca estão separadas inteiramente.

É nessa atmosfera que o filósofo tentará demonstrar que o Cristianismo em nada prejudicará o Estado justo, pelo contrário, poderá fundá-lo em bases éticas sólidas com base na prática das virtudes. A Cristandade exigirá uma transformação no entendimento clássico romano das virtudes cívicas. Para tanto, buscará já em Cícero a manifestação de valores indispensáveis para a República com o intuito de desmistificar os supostos malefícios do Cristianismo para o Estado de modo a coincidir em vários pontos o próprio pensamento romano nas épocas consideradas de decência política com os valores cristãos. De igual modo, Agostinho se apossará da filosofia grega com ressalvas e da tradição judaica para demonstrar como a Cidade Celeste se manifesta na história de modo a conservar a sociedade, assim como o direito conserva a ordem social.

Assim, a relevância dessa dissertação será, justamente, descobrir as relações entre fé e razão, Estado e Cristianismo, lei natural e lei civil a partir do esquema filosófico mental em que Agostinho está implicado, a imiscuir elementos teológicos, filosóficos, políticos e jurídicos. Consideramos que o raciocínio do filósofo será precioso por enfrentar, na prática, situações teológico-político-jurídico-religiosas inseparáveis que, por assim dizer, formarão o substrato de um pensamento que atravessará o tempo. Por esses motivos, voltamos nossa atenção ao filósofo cristão da antiguidade que, a nosso ver, teve um papel decisivo para a formação desse pensamento.

Tentaremos descrever o pensamento agostiniano livre das amarras modernas do positivismo jurídico, bem como de concepções de direito natural que surgiram posteriormente. Neste trabalho não teremos a pretensão de comparar ou de tecer críticas sobre o pensador ou suas concepções de mundo. Esta dissertação não pretende, de igual forma, tecer detalhes históricos. Para essa difícil tarefa, descreveremos os pressupostos teóricos e filosóficos agostinianos e deles extrairemos naturalmente os conceitos político-jurídicos da dissertação como as noções de Estado, povo, lei e justiça, pois não há maneira mais transparente de aprendermos do que voltarmos ao esquema mental do autor estudado.

(15)

Ordem, o Livre arbítrio e a Graça. Esses quatro elementos constituirão o esquema filosófico no pensamento político do pensador cristão. Não poderemos falar em lei natural ou lei como ordem sem sabermos o que se entende pelos respectivos qualificativos. Do mesmo modo, não poderemos falar em justiça punitiva e os respectivos limites sem discorrermos sobre o papel do livre-arbítrio para o homem e para a sociedade, bem como conciliar este bem com a natureza e a ordem. Veremos, de igual modo, que a função da graça – embora mais teológica do que filosófica – permitirá compreendermos que a lei não será suficiente para sustentar uma ética no Estado, diferentemente, sua existência poderá estimular a própria violação. Com maior abrangência, a graça permitirá que Agostinho fundamente filosoficamente não retribuir o mal com o mal em questões dentro do Estado de modo a afastar a vingança da pena em termos jurídicos, a imputar a pena ao crime praticado, e, não, à pessoa.

A ideia da criação será o ponto central do pensamento de Santo Agostinho. O “logos” (Deus) é a razão criadora de todas as coisas, causa eficiente e segura do raciocínio. A criação nos fala que Deus é Deus por natureza (metafísica) e a natureza, tal como é, não é Deus (física). Esse raciocínio ontológico permitirá separar o Estado da Cidade de Deus, sem, no entanto, ficarem indenes entre si, bem como entendermos o que carrega o qualificativo

“natural” na expressão “lei natural”. Na primeira parte deste trabalho cuidaremos dos delineamentos deste ponto central que sustenta a doutrina do bispo de Hipona.

Por essa Razão criadora, a criação tem sua ordem (sentido), titulada de ordem natural ou ordem justa da natureza. O conceito de Natureza (“physis”) indica os seres inanimados e animados, inclusive o homem. A ordem da natureza que está nas leis naturais e no gênero humano traduz, notadamente, a moralidade do próprio ser que apela à consciência. O respeito pela criação indica o respeito pela Razão (fonte de conhecimento). Poderemos dizer que a criação sustenta o racionalismo filosófico de Santo Agostinho enquanto conhecimento.

O Estado será autônomo, mas tanto mais perfeito quanto mais se aproximar da ordem da criação, traduzida na Cidade Celeste. Assim como o ser humano será tanto mais perfeito quanto se aproximar da ordem moral do próprio ser (amor ordenado). Essa ordem do ser será o fundamento do dever (virtudes morais). A ideia de ordem permitirá legitimarmos a justiça punitiva, bem como encontrarmos nas virtudes a concretização da ordem no Estado. É nesse sentido que Agostinho define lei natural como ordem. Na segunda parte desta dissertação, trataremos dos delineamentos doutrinários da ideia de ordem na filosofia agostiniana.

(16)

por sua vez, pressupõe o reto crer. O Estado valerá o que valem os seus cidadãos e, então, passa a ser possível ter as boas e as más formas de governo. Assim, o problema do livre-arbítrio consistirá nosso terceiro ponto a ser investigado.

Na terceira parte desta exposição discorreremos sobre a graça como dom que torna livre nosso arbítrio, e que tem como fruto a caridade. A graça será peça chave para a Justiça na medida em que as leis humanas devem atender à lei natural inscrita no coração do homem até à perfeição de amar a Deus e ao próximo. A lei civil, por si só, não será capaz de fazer com que os homens se tornem éticos (a lei natural é, em certo sentido, ética), ao contrário, poderá ser capaz de atiçá-los a descumpri-la pelo prazer da maldade, muito embora seja considerada um bem em si mesma como a existência do Estado o é. Sem a graça, o homem não alcançará a verdadeira Justiça consistente em fruir de Deus. A verdadeira justiça conduzirá a Cidade Celeste através dos tempos.

Por fim, trataremos da origem e atributos da Cidade de Deus e da Cidade terrena, bem como dos respectivos aspectos dos dois tipos de sociedade do ponto de vista histórico-alegórico e histórico-temporal, a demonstrar que a Cidade de Deus não terá a pretensão de ser um Estado em termos humanos, mas, sim, conduzir os homens de modo justo no Estado, na medida em que o objetivo da Cidade de Deus é escatológico, isto é, direcionar os homens para Deus. Por isso, a razão e o amor constituirão as bases da Cidade Celeste. A concórdia, vínculo jurídico entre os cidadãos, deverá ser autêntica enquanto amizade verdadeira ordenada para o bem comum em busca da paz. As virtudes serão o caminho enquanto estiverem centradas nas noções de ordem e amor, as quais todos os bens, inclusive o homem, são ordenados em Deus. A felicidade será a finalidade do Estado enquanto sumo bem que consistirá no fruir de Deus, início e fim de todas as coisas.

Método

A metodologia seguida terá como base o livro “A Cidade de Deus” entendida como a

obra de maior interesse na busca das lições de Estado e lei no pensamento de Santo Agostinho.

(17)

do Estado Justo, sem ignorarmos que razão e fé andam juntas no pensamento agostiniano, sem se excluírem mutuamente.

Na perspectiva doutrinária, não teremos a ambição de expor pormenorizadamente todas as posições delimitadas pelos autores que escreveram sobre o tema. O que se pretende é descrever as ideias centrais e principais entendidas pela doutrina que, de uma maneira ou de outra, repousam no pensamento do filósofo Agostinho originariamente. Os livros VIII e XI contêm a síntese da filosofia agostiniana e os livros XVIII, XIX, XXI e XXII a alegoria da

“Cidade de Deus”,

Por este motivo, outros livros nos ajudarão traçar a base de sustentação da “Cidade Celeste”, como “O livre-arbítrio”, “A Trindade”, “A graça”, “Confissões”, “Contra os acadêmicos”, “A ordem”, “A grandeza da alma”, “O mestre”, “Sobre a vida feliz” e alguns

escritos políticos do pensador cristão.

A pesquisa se desenvolverá no âmbito das obras de Santo Agostinho, as quais

propiciarão aclarar o entendimento de como alcançar o Estado de Direito “ideal” e na

existência de uma lei natural como fundamento do Direito, na qual as leis positivas devem atender às exigências daquela.

Assim, trataremos de desvendar os pressupostos filosóficos da Cidade de Deus pela leitura conjunta dessa obra com as demais citadas. Falaremos, pois, da Criação, da Ordem, do Livre-arbítrio e da Graça de forma a torná-los visíveis no tratado político por excelência de Santo Agostinho.

Objetivo

O objetivo do trabalho será descrever os pressupostos filosóficos do Estado ético-jurídico como alegoria da cidade celeste contida na obra “A Cidade de Deus” que traduz o

(18)

1.

PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS

DA “CIDADE DE DEUS”

1.1 Criação: natureza e conhecimento

O objetivo subjacente a esse subtítulo é descrever o conceito de Criação como ponto central da base filosófica do pensamento de Santo Agostinho. Por meio do conceito de Criação, é possível reconhecer o Estado como fato político-jurídico autônomo em relação a Deus, bem como entender a razão pela qual aquele não deve ser indiferente a Este. A ideia de Criação permite ligar dois pontos centrais: a Cidade terrena – parte do mundo - e a Cidade Celeste – peregrina no mundo -, as virtudes e os vícios com a ideia de Verdade. A Verdade, por sua vez, é alcançada pelo conhecimento racional e moral entendido em termos agostinianos. A construção do Estado justo depende do conhecimento verdadeiro. Conhecimento e natureza constituem o cerne da ontologia1 agostiniana da criação.

O conhecimento humano se tornará mais verdadeiro quanto mais se aproximar de Deus. Cristo é a manifestação de Deus na história humana segundo o filósofo cristão. Teologicamente, é o Verbo de Deus não criado e consubstancial ao Pai criador de todas as coisas. O Cristianismo, para ele, está baseado na razão, porquanto fonte de saber como plenitude da Verdade. Os cristãos são os seguidores de Cristo, mediador dos homens que

conduz os homens à “imortalidade feliz”2, a tê-Lo por fundamento de vida. O ato da criação

está intimamente relacionado com a felicidade na medida em que o conhecimento da Verdade ensina, na visão agostiniana, que tudo foi criado e disposto segundo a vontade do Sumo Bem em perfeita harmonia.

Para o filósofo antigo, Deus é o criador do universo e essa verdade reverbera no homem e na natureza criados. No Livro X, item 5, da obra “Confissões”, indaga ao lembrar dos filósofos gregos: “Quem é Deus”3? Interroga o ar, o céu, as estrelas, o sol, lua, os animais

e tudo o que é corpóreo exclama que não é Deus. Continua a interrogar e pede para o Universo dizer, e obtém a resposta: “Não sou eu, mas foi Ele que me criou”4. Os homens

podem interrogar sobre as belezas do mundo “para verem as perfeições de Deus,

1Estudo do ser.

2AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista: Editora

Universitária São Francisco, 2007, p. 356.

3AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo: Folha

de São Paulo, 2010, p. 144.

4AGOSTINHO, Santo. Confissões.Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo: Folha

(19)

considerando-as nas obras criadas”5. Não por outro motivo, refuta os filósofos gregos que

pensavam serem corporais6 os princípios da natureza no Livro VIII, Capítulo V, da “Cidade de Deus”:

Assim, Tales os recolocou na água; Anaxímenes, no ar; os estóicos, no fogo; os epicuristas, nos átomos, isto é, em certos corpúsculos infinitamente pequenos que não podem dividir-se nem sentir-se, e outros inúmeros filósofos cuja numeração seria inútil e longa. Uns e outros disseram que a causa e o princípio dos seres são os corpos, querem simples, quer compostos, quer careçam de vida, quer a tenham, mas sempre corpos. Alguns deles, por exemplo, os epicuristas, acreditam poderem as coisas vivas originar-se das não vivas. Outros atribuem exclusivamente a seres vivos, mas corpóreos, corpos geradores de corpos, o poder de produzir coisas vivas e sem vida. Os estóicos pensaram que o fogo, ou seja, um corpo dos quatro elementos de que se compõe o mundo visível, tem vida, é sábio, criador do próprio mundo e de tudo quanto nele existe e, ademais, que o fogo é deus. Esses e os demais filósofos que se parecem com ele puderam pensar apenas o que seus corações, sujeitos aos sentidos da carne, lhes pintaram.7

A partir desse fato, a Verdade pode ser encontrada no homem que a tem dentro de si. O pensamento agostiniano nos mostra que Deus é um Deus que fala ao homem interiormente que

tudo quanto começa a existir ou deixa de existir só principia ou acaba quando se conhece, na Vossa Razão eterna, que tudo isso deve ter começado ou terminado, ainda que nela nada comece e nada desapareça.

O Vosso Verbo é esta mesma Razão e Princípio de todas as coisas, o qual também nos fala interiormente. Assim falou-nos no evangelho por meio do seu c orpo. Ressoou essa voz exteriormente aos ouvidos dos homens para que acreditassem. Nele, o buscassem dentro de si mesmos e o encontrassem na eterna Verdade, onde o bom e único Mestre ensina a todos os discípulos.8

A Criação expressa que “Deus é Deus por natureza (metafísica), mas a natureza como

tal não é Deus”9. Deus é a causa eficiente do mundo10. Deus é o princípio vivo, a significar a

existência autônoma em relação ao mundo criado. Na obra “A Trindade”, Agostinho afirma

5AGOSTINHO, Santo. Confissões.Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010, p. 144.

6Anaximandro, da mesma forma, coloca em um princípio corporal o início das coisas. Henri Bergson afirma que

“Segundo Anaximandro, o princípio das coisas não é mais a água, como sustentava Tales, é o infinito [...] uma

certa matéria que tem por característica própria não ser limitada [...] muito provavelmente uma mistura indeterminada mas homogênea, que não é tal ou qual elemento em particular, mas que possui vagamente, na condição de tendência, as características da maior parte deles [...] Consequentemente, procura uma matéria que não tenha nada de determinado para que seja possível representar-se mais facilmente a transformação universal”.

BERGSON, Henri. Curso sobre a Filosofia Grega. Tradução Bento Prado Neto. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 192-195.

7AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista: Editora

Universitária São Francisco, 2007, p. 307.

8AGOSTINHO, Santo. Confissões.Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo: Folha

de São Paulo, 2010, p. 175.

9RATZINGER, Joseph; D’ARCAIS, Paolo Flores. Deus existe?. Tradução de Sandra Martha Dolinsky. 1. ed.

São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2009, p. 15.

10Cf. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista:

(20)

que “o cosmo está grávido de causas germinais (...) Tais causas são criadas pela essência divina na qual nada nasce, nada morre, nada começa, nada deixa de existir”11.

Todas as coisas animadas ou inanimadas, racionais ou irracionais, foram criadas pelo Criador que, por sua vez, não tem causa criadora. Nesse sentido, Agostinho compara o pensamento de Plotino12 à filosofia cristã ao partir da beleza da criação presente nos objetos mais ínfimos e nas mais frágeis das criaturas, que, por sua vez, tendem para Deus13.

Essa harmonia da criação mostra que as coisas existem de modo a se adaptarem perfeitamente no tempo e no espaço14. Deus é o Criador do tempo e tem a história em suas mãos. O tempo como elemento criado e pertencente ao mundo e o conhecimento de todos os tempos passados, presentes e futuros como presciência estabelecem a separação entre Deus e o mundo sem desprezar a liberdade dos homens.

O problema do tempo leva Agostinho a responder à objeção “Que fazia Deus antes de

criar o céu e a terra?”15. Em um primeiro momento não responde em razão da dificuldade do

problema para, em seguida, colocar o tempo como categoria do mundo criado e, assim, afastar o questionamento impróprio na medida em que Deus não está submetido ao tempo16. O tempo é elemento do mundo medido pelo homem, apesar de não medirmos tempo algum17. Por conseguinte, Deus e a natureza (coisas criadas) são categorias distintas. A primeira precede a segunda e esta só tem razão de existir na primeira.

A Criação é, pois, a ligação necessária para uma ontologia agostiniana de certeza e verdade acima das opiniões do mundo.

1.1.1 Ontologia agostiniana

11AGOSTINHO, Santo. A Trindade.Tradução do original latino e introdução Agustinho Belmonte; revisão e notas complementares Nair de Assis Oliveira. 4 ed. Livro II. Capítulo 9. São Paulo: Paulus, 2008, p. 128.

12Neoplatônico.

13Cf. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista:

Editora Universitária São Francisco, 2007, p. 387.

14Cf. AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo:

Folha de São Paulo, 2010, p. 103.

15Cf. AGOSTINHO, Santo. Confissões.Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo:

Folha de São Paulo, 2010, p. 176.

16Cf. AGOSTINHO, Santo. Confissões.Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo:

Folha de São Paulo, 2010, p. 176-177 e 187.

17“Com efeito, medimos os tempos mas não os que ainda não existem ou já passaram, nem os que não têm

relação alguma, nem os que não têm limites. Não medimos, por conseguinte, os tempos futuros nem passados, nem os presentes, nem os que estão passando. Contudo, medimos os tempos!”. AGOSTINHO, Santo.

(21)

No Livro VI, capítulo VIII, da obra “Cidade de Deus”, Santo Agostinho afirma a separação entre Deus e a natureza para refutar a chamada teologia mítica e civil18 e, por conseguinte, a ideia que os pagãos tinham de venerar vários deuses para alcançarem a vida eterna. Diz que Deus é Deus por natureza, mas nem toda natureza é Deus. Assim expõe:

Embora aquele que é verdadeiro Deus seja Deus, não por opinião, mas por natureza, nem toda natureza é Deus, porque indubitável que a natureza do homem, a do animal, a da árvore ou a da pedra é natureza, mas nenhuma delas é Deus.19

A expressão “não por opinião” tirada do texto acima indica a existência autônoma de Deus. Deus independe do homem20 e do mundo para existir. Deus não necessita do homem21. Por outro lado o homem depende de Deus para alcançar a Verdade. Deus é identificado como Verdade22. A Verdade nesses termos é independente do pensamento humano na concepção filosófica agostiniana.

A genialidade do bispo de Hipona está em afirmar a existência autônoma de um Deus Uno como razão criadora fonte de conhecimento humano, que, por sua vez, é dependente

d’Aquele para chegar à Verdade (identidade), o que nos leva à conclusão de que o

conhecimento é verdadeiro em Deus. O conhecimento é, pois, logocêntrico, isto é, centrado

no “logos”. Nisso reside a ontologia de Agostinho.

Aqui pensamos ser necessário tecermos algumas considerações sobre a filosofia de Descartes, Kant e Hume para nos ajudar a raciocinar com a lógica agostiniana de maneira que possamos nos despir de nossas noções de conhecimento e natureza influenciados por estes e, assim, deixar-nos levar pela filosofia do Estado que nos propusemos no começo do trabalho. A distinção é, pois, indispensável para identificarmos o que se entende por realidade e a repercussão nas esferas científica, ética e jurídica.

18 Marco Varrão é mencionado na obra “Cidade de Deus” como o sintetizador do pensamento pagão acerca dos deuses. Para ele, existem três tipos de teologia: a mítica, a natural e a civil. A primeira, própria do teatro, usada para descrever as fábulas –mythos em grego – usadas por poetas e filósofos para expressar os deuses; a segunda, própria do mundo, se fala sobre a essência, lugar, espécie e qualidades dos deuses e o terceiro gênero, próprio das cidades, diz que as pessoas e os sacerdotes devem pôr em prática na urbes o culto, o rito e os sacrifícios aos deuses. Posteriormente, reconhece se deva tributar culto ao único Deus, alma do mundo como razão e movimento, apesar de não o defender publicamente e ainda longe do Deus cristão. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007, p. 241-243 e 181.

19 AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme.v. I. 10. ed. Bragança Paulista: Editora

Universitária São Francisco, 2007, p. 247-248.

20Santo Agostinho observa que Deus é o criador da própria alma, e não a alma que governa o mundo. Faz isso

para elogiar Varrão, pensador dos gentios, ao concluir pela existência de um único Deus, mas corrigi-lo para afirmar que Deus é o criador da alma. Cf. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007, p. 182 e 267.

21Cf. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista:

Editora Universitária São Francisco, 2007, p. 374 e 388.

22Cf. AGOSTINHO, Santo. A Trindade.Tradução do original latino e introdução Agustinho Belmonte; revisão

(22)

O raciocínio ontológico parece antever uma crítica posterior no tempo, mas atual no âmbito do entendimento humano, da filosofia iluminada a partir do pensamento de Descartes, Kant e Hume sobre os limites do conhecimento humano, na qual Agostinho, à época, viveu intensamente ao discutir com os céticos acadêmicos23 e filósofos24 sobre a existência da Verdade e o limite da razão humana em conhecer o que é verossímil e sensível. O problema do conhecimento repercute diretamente sobre o modo como pensamos e vivemos, inclusive, na esfera ética, em uma tensão contínua entre o existir e o pensar.

Descartes afirma a existência de Deus como princípio para garantir a harmonia25 entre o objeto cognoscível e o sujeito cognoscente apenas. Em seu entendimento, Deus é o princípio hipotético que garante a verdade do método cartesiano em busca do conhecimento

exato das coisas. Descartes, na quarta parte na obra “Discurso do Método e Princípios da Filosofia”, elege o “penso, logo existo” como sendo o primeiro princípio da filosofia. O filósofo francês constrói o seu raciocínio da seguinte forma:

Percebi então, que a verdade “penso logo existo” era tão sólida e tão exata (...)

concluí que não deveria ter escrúpulo em aceitá-la como sendo o primeiro princípio da filosofia (...) de modo que eu, isto é, a alma, pela qual sou o que sou, é totalmente diversa do corpo e mesmo mais fácil de ser reconhecida do que este e, ainda que o corpo não existisse, ela não deixaria de ser tudo que é.

Depois, considerei, em geral, sobre o que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e exata (...) Após isso, meditando sobre o fato de que eu estava duvidando e, por conseqüência, o meu ser não era inteiramente perfeito, pois era para mim claro que perfeição maior do que duvidar era conhecer, veio-me à mente a ideia de descobrir de onde aprendera a pensar em alguma coisa mais perfeita do que eu, e encontrei a evidência de que devia existir algo de natureza mais perfeita (...) Desse modo, chegava à conclusão que em mim fora inculcada por uma natureza realmente mais perfeita do que eu e enfeixando em si todas as perfeições das quais eu pudesse fazer uma ideia, isto é, para que eu me explique em uma só palavra: Deus.26

23Cf. AGUSTIN, San. Obras completas de San Agustín: Cartas (1ª).Tradução de Lope Cilleruelo.v. VIII. 3. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1986, p. 31.

24Cf. AGUSTIN, San. Obras completas de San Agustín: Escritos varios (2º). v. XL. Madrid: Biblioteca de

Autores Cristianos, 1995, p. 618-619.

25Cf. FOULCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução: Roberto Cabral de Melo Machado e

Eduardo Jardim Morais, supervisão final do texto Léa Porto de Abreu Novaes...et al. J. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2003, p. 19.

26No original: “Et remarquant que cette vérité: je pense, donc je suis était si ferme et si assurée, que (...) je jugeai que je puvais la recevoir, sans scrupule, pur le premier principe de la philosophie (...) En sorte que ce moi, c’est -à-dire l’âme par laquelle je suis ce que je suis, est entièrement distincte du corps, et même qu’elle est plus aisée à connaître que lui, et qu’encore qu’il ne fût point, elle ne laisserait pás d’être tout ce qu’elle est.

Après cela, je considerai em general ce qui est requis à une proposition pour être vraie et certaine (...) En suíte de

quoi, faisant réflexion sur ce que je doutais, et que, par conséquent, mon être n’était pás tout parfait, car je voyaus clairement que c’était une plus grande perfection de connaître que de douter, je m’avisai de chercher d’où j’avais appris à penser à quelque chose de plus parfait que je n’étais; et je connus évidemment que ce devait être de quelque nature qui fût em effet plus parfait (...) De façon qu’il restait qu’elle eût été mise em moi par une

nature qui fût véritablement plus parfaite que je n’étais, et même qui êut en soi toutes les perfections dont je puvais avoir quelque idée, c’est-à-dire, pour m’expliquer em um mot, qui fût Dieu”. DESCARTES, René.

(23)

Se dissermos que a nossa existência depende do nosso pensar, Deus é reduzido a uma categoria do pensamento humano27. O homem ganha autonomia intelectual e, consequentemente, o conhecimento passa a ser antropocêntrico. O antropocentrismo será o primeiro passo para a indiferença de Deus na construção do mundo pelos homens. Isso indica que Deus perde o patamar de Ser autônomo, divino, para ser colocado como categoria do pensamento humano, pressuposto do conhecimento exato. Deus se torna o fundamento de certeza da ciência simplesmente.

Deus de princípio vivo no pensamento agostiniano passa a ser princípio teórico no cartesiano para garantir a firmeza dos fundamentos do conhecimento humano. O conhecimento fundado em uma verdade objetiva no pensamento agostiniano (metafísico28) está no limiar para se tornar subjetivo a partir do pensamento de Descartes (imanentismo29) com sua prova ontológica. O conhecimento da realidade, outrora também de viés metafísico (Deus), passa a tender ao subjetivismo e encontrar seus fundamentos na ciência como entendemos hoje (física)30 simplesmente. Em outras palavras, põe em evidência a teoria do conhecimento em detrimento da filosofia da existência31.

Kant será o maior expoente do subjetivismo: a) primeiro ao afirmar que a intuição se refere ao conhecimento a priori de toda experiência possível, ou seja, de todo conhecimento

científico do mundo na obra “Crítica da Razão Pura”32 e b) segundo ao afirmar que a

27Na meditação Sexta da obra “Meditações”, Descartes reduz a essência ao pensamento da seguinte forma: “[...] E, portanto, pelo próprio fato de que conheço com certeza que existo, e que, no entanto, noto que não pertence necessariamente, nenhuma outra coisa à minha natureza ou à minha essência, a não ser uma coisa que pensa, concluo efetivamente que minha essência consiste somente em que sou uma coisa que pensa ou uma substância da qual toda essência ou natureza consiste apenas em pensar. E, embora talvez (ou, antes, certamente, como direi logo mais) eu tenha um corpo ao qual estou muito estreitamente conjugado, todavia, já que, de um lado, tenho uma idéia clara e distinta de mim mesmo, na medida em que sou apenas uma coisa pensante e inextensa, e que, de outro, tenho uma idéia distinta do corpo, na medida em que é apenas uma coisa extensa e que não pensa, é certo que este eu, isto é, minha alma, pela qual sou o que sou, é inteira e verdadeiramente distinta de meu corpo e

que ela pode ser ou existir sem ele.”. GUINSBURG, J., ROMANO, Roberto, CUNHA, Newton. Descartes: obras escolhidas. Tradução: J. Guinsburg, Bento Prado Jr., Newton Cunha e Gita K. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2010, p. 193.

28A palavra metafísico indica aqui o conhecimento ontológico, ou seja, da existência do ser em sua integralidade

no sentido de descobrir a essência das coisas com o pensamento voltado para o Ser supremo.

29A palavra imanentismo indica aqui o conhecimento adquirido pelo sujeito cognoscente a partir das coisas em

si mesmas a partir do puro conhecimento ou de experiências sensíveis.

30O termo física aqui significa matéria, visível ou invisível, e não o significado mais abrangente de ordem

natural, física e moral, do mundo.

31Santo Agostinho, teologicamente, afirma o perigo da ciência se unir à caridade ao refutar a ideia de que existem demônios bons da seguinte forma: “Se consultarmos os Livros Sagrados, a própria origem do nome de

demônio apresenta particularidade digna de ser conhecida. Chamam-se daimones (demônios), por causa da ciência, pois a palavra é grega. Mas o Apóstolo, inspirado pelo Espírito Santo, disse: A ciência infla e a caridade edifica. Quer dizer que a ciência não é útil senão quando acompanhada pela caridade e, sem a caridade, a ciência

infla o coração e o enche de vento da vanglória”. AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme.v. I. 10. ed. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007, p. 362.

32Duas condições unicamente sob as quais o conhecimento de um objeto é possível: primeiro intuição, pela qual

(24)

existência de Deus é um postulado33 da razão prática, ou, mais claramente, Deus é uma

hipótese não verificável. Essa passagem está na obra “A crítica da razão prática”, primeira

parte, Livro II, Capítulo II:

Não se quer dizer que é necessário admitir a existência de Deus como fundamento de toda obrigação geral, pois tal fundamento repousa unicamente sobre a autonomia da própria razão. O que interessa aqui à ideia de dever é trabalhar para produzir e para promover o soberano Bem no mundo, Soberano Bem cuja possibilidade pode ser postulada, mas que nossa razão não considera pensável a não ser supondo uma inteligência suprema; admitir a existência desta está, pois, ligado a consciência do nosso dever, se bem que este fato mesmo de admiti-lo seja assunto da razão teórica, conforme a qual somente ele pode, considerado como fundamento da explicação, ser chamado de uma hipótese, enquanto que relativamente à inteligibilidade de um objeto que nos é seguramente imposto como função da lei moral (o Soberano Bem), portanto de uma necessidade na intenção prática que pode ser chamado uma crença e, mais precisamente, uma pura crença racional, porque a razão pura unicamente é a fonte donde ele brota.34

essa intuição. Do que se disse acima, no entanto, resulta claro que a primeira condição, unicamente sob a qual podem ser intuídos objetos, de fato subjaz aos objetos, segundo a forma, a priori na mente. Todos os fenômenos concordam, portanto, necessariamente com esta condição formal da sensibilidade, pois somente mediante esta aparecem, isto é, podem ser intuídos e dados empiricamente. Ora pergunta-se se conceitos a priori não são também antecedentes como condições unicamente sob as quais algo, embora não intuído, é todavia pensado como objeto geral; com efeito, então todo conhecimento empírico dos objetos é necessariamente conforme tais conceitos porque, sem a sua pressuposição, nada é possível como objeto da experiência. Ora, além da intuição dos sentidos pela qual algo é dado toda a experiência ainda contém um conceito de um objeto que é dado na intuição ou aparece; logo, conceitos de objetos em geral subjazem a todo conhecimento de experiência como condições a priori. Por isso, a validade objetiva das categorias enquanto conceitos a priori repousa sobre o fato de que a experiência (segundo a forma do pensamento) é possível unicamente por seu intermédio. Com efeito, então as categorias se referem necessariamente e a priori a objetos da experiência, porque só mediante elas podem chegar a ser pensado um objeto qualquer da experiência.

A dedução transcendental de todos os conceitos a priori possui, portanto, um princípio ao qual tem que se dirigir toda investigação, a saber, que eles precisam ser conhecidos como condições a priori da possibilidade da experiência (seja da intuição, que é encontrada nela, seja do pensamento). Conceitos que fornecem o fundamento objetivo da possibilidade da experiência na qual são encontrados não é a sua dedução (mas sim ilustração) porque nela os conceitos seriam apenas casuais. Sem esta referência originária da experiência possível, na qual ocorrem todos os objetos do conhecimento, absolutamente não poderia ser concebida a referência de tais conceitos a um objeto qualquer. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura.Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 118-119.

33Miguel Reale define postulado: “(...) uma verdade se põe como um postulado quando ela se impõe pela força imperiosa de suas consequências e, notadamente ante o absurdo a que levaria a tese oposta”. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 24. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 196.

34No original: On ne veut pas dire non plus par là qu’il est nécessaire d’admettre l’exitence de Dieu comme um

fondement de toute obligation em général (car ce fondement, comme cela a été suffisamment prouve, repose

uniquement sur [V, 126] l’autonomie de La raison elle-même). Ce qui seul releve ici du devoir, c’est de travailler

à produire et à promouvoir le souverain Bien dans Le monde, souverain Bien dont la possibilite peut done être

postulée, mais que notre raison ne trouve pas pensable autrement qu’en supposant une intelligence suprême: admettre l’existence de celle-ci est donc lié à la conscience de notre devoir, bien que ce fait même de l’admettre

soit du ressort de la raison théorique, au regard de laquelle seule Il peut, considere comme fondement de

l’explication, être appelé une hypothèse, alors que relativement à l’intelligibilité d’um objet qui nous est

assurément imposé comme tache par la loi morale (le souverain Bien), partant, d’um besoin dans une intention

pratique, il peut être appelé une croyance et, plus précisément, une purê croyance rationnelle,parce que la raison purê seule (aussi bien suivant son usage théorique que suivant son usage partique) est la source d’où il jailit”.

(25)

Mas é, a nosso ver, na obra “Metafísica35dos Costumes” que Kant afasta Deus da vida

pública, da ética e do direito, definitivamente. As leis éticas e as leis jurídicas são espécies das leis morais, ambas procedentes da razão humana. As primeiras são “dirigidas meramente a

ações externas e à sua conformidade à lei” e as segundas “requerem que elas próprias (as leis)

sejam os fundamentos determinantes das ações (...) tanto no uso externo como interno de

escolha”36. A visão kantiana não se contenta apenas em suportar um Deus fora do mundo;

com mais força pretende afastá-la da esfera pública – o que para Agostinho é inadmissível na medida em que a Cidade de Deus é peregrina neste mundo através dos tempos e da impiedade37. Para o bispo de Hipona tirar Deus do debate significaria tirar o amor (perfeição da lei identificada na lei natural), presente na História, deste mundo.

Kant tira a religião do espaço público ao restringi-la à experiência individual do sujeito e ao situá-la fora “de uma moral puramente filosófica”38 caracterizada por relações

entre as pessoas (dever objetivo e racional) “compreensíveis por nós”39, muito embora a

considere como “uma parte integral da doutrina geral dos deveres”40. Diz Kant que do ponto

de vista formal a religião opera um conjunto de deveres somente para o sujeito (obrigação

subjetiva e transcendente), pois a relação com a vontade de Deus é “um dever para consigo

mesmo (...) a favor do fortalecimento do incentivo moral na nossa própria razão

legisladora”41; enquanto do aspecto material, os deveres seriam conhecidos empiricamente

por meio da religião revelada na História (aplicada), “a qual não é derivada exclusivamente da razão”42.

35Kant utiliza a expressão metafísica para se referir ao sistema de princípios da ciência natural, seja adquiridos

a priori ou a partir experiências particulares, seja juízos morais a priori.Em resumo, todo conhecimento a priori. Cf. KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010, p. 37-45.

36Cf. KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010, p. 45.

37Cf.AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus.Tradução de Oscar Paes Leme. v. I. 10. ed. Bragança Paulista:

Editora Universitária São Francisco, 2007, p. 27.

38KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo,

2010, p. 222.

39KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo,

2010, p. 223.

40KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo,

2010, p. 221.

41KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo,

2010, p. 221.

42KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo,

(26)

Se para Kant podemos falar de uma “religião nos limites da simples razão”43 por ter

seus ensinamentos na História; no pensamento agostiniano poderíamos arriscar e dizer a razão para além do mundo, por ter seus conhecimentos na Razão e não somente no espaço-tempo.

Sem embargo, podemos considerar duas observações em relação ao pensamento de Kant: a) ter o mérito de considerar o homem como um ser ético capaz de agir de acordo com princípios (imperativos categóricos)44, e não somente em critérios utilitaristas (de necessidade) como Hume45 e b) a capacidade do homem de entrar em contato com a religião e um Ser Supremo pela experiência individual.

O subjetivismo do pensamento kantiano repercute não só na esfera da ciência, mas também nas esferas pessoal e estatal. Deus é uma hipótese não verificável - pois Deus não é um objeto empírico -, o qual o pensamento humano pode dispensar para a construção da ciência, da ética e do direito apesar do homem ser capaz de conhecer a realidade invisível pela experiência.

Todo esse subjetivismo-imanentista inverte a lógica da criação de que só pensamos porque existimos e só existimos porque Deus é existência autônoma criador de todas as coisas. Sem o existir não podemos viver nem pensar. A Criação é, pois, elementar no pensamento agostiniano ao permitir o encontro do Ser (Deus) com o ser (homem) e abrir as categorias humanas, quaisquer que sejam – ética, política ou jurídica –, à Verdade e ao Amor. A filosofia de Agostinho é ontológica na medida em que o conhecimento (visão) de Deus “é

43KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo,

2010, p. 222.

44 Nesse conceito de liberdade, que é positivo (de um ponto de vista prático), estão baseadas leis práticas

incondicionais, denominadas morais (...) as leis morais são imperativos (comandos ou proibições) e realmente imperativos (incondicionais) categóricos (...) Obrigação é a necessidade de uma ação livre sob um imperativo categórico da razão. Um imperativo é uma regra prática pela qual uma ação em si mesma contingente é tornada

necessária (...) Um imperativo categórico (incondicional) é aquele que representa uma ação como objetivamente necessária e a torna necessária não indiretamente através da representação de algum fim que pode ser atingido pela ação, mas através da mera representação dessa própria ação (sua forma) e, por conseguinte, diretamente (...) O imperativo categórico, que como tal se limita a afirmar o que é a obrigação, pode ser assim formulado: age com base em uma máxima que também possa ter validade como uma lei universal. Tens, portanto, que primeiramente considerar tuas ações em termos dos princípios subjetivos delas; porém, só podes saber se esses princípios têm também validade objetiva da seguinte maneira: quando tua razão os submete à prova, que consiste em conceber a ti mesmo como também produtor de lei universal através deles, e ela qualifica esta produção

como lei universal”. KANT, Immanuel. A Metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. 1. ed. São Paulo: Folha de São Paulo, 2010, p. 45-48.

45Para Hume a moral é um conjunto de condutas aprovadas pelas pessoas em geral e se conformam à ao prazer

que proporcionam, a encontrar sua origem nos sentimentos. É, pois, um sentimento de aprovação ou reprovação. Parece-nos que Hume incide no mesmo erro que quer combater, ou seja, tira do ser o dever-ser.

(27)

um ato intelectual que se verifica na alma como resultado da união do entendimento e do

objeto conhecido”46.

Parece-nos, então, ser de meridiana clareza que a filosofia metafísica implica uma concepção de realidade mais abrangente, mas não excludente, do que a filosofia imanentista. De igual modo, Agostinho reconhece a importância do conhecimento humano (gnosiologia) na filosofia. Podemos identificar a realidade como a soma da natureza criadora e criada para Agostinho, enquanto para a vertente imanentista a realidade se resume à natureza criada, logicamente, não nesses termos linguísticos.

1.1.2 A ontologia agostiniana e a integralidade do homem

Agostinho pretende elevar o mundo, o homem e o Estado, ao conhecimento de todas as realidades, inclusive metafísicas, a partir de fundamentos racionais filosóficos que garantem a existência de uma natureza diversa do mundo e, por isso, o conhecimento humano se torna um processo de harmonia entre o sujeito e o objeto. Não sem razão, na obra “O livre

-arbítrio” conclui-se haver três realidades presentes no mundo a partir do diálogo com o amigo Evódio47: o existir, o viver e o entender. Somente o homem possui as três como elementos da sua natureza, sendo que a inteligência supõe o existir e o viver48.

Nesse sentido, o pensador cristão consegue manter a metafísica ao raciocinar o homem e Deus sempre juntos de modo que o conhecimento humano não fique reduzido às coisas do mundo e à lógica subjetiva do pensamento humano. João Paulo II49, por ocasião do aniversário do XVI centenário da conversão de Santo Agostinho, aponta o binômio

46 No original: “es um acto intelectual que se verifica en el alma como resultado de la unión del entendimento y del objeto conocido”.AGUSTIN, San. Escritos filosóficos (1º): Solilóquios. v. I. 6. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1994, p. 451-452.

47 Evódio foi amigo e discípulo de Agostinho. Ajudou a fundar o monastério de Uzalis (Tunísia) e se tornou

bispo de 395/397. Esforçou-se para combater o donatismo. Cf. ATKINS, E.M., DODARO, R.J. Augustine: political writings. New York: Cambridge University Press, 2011, p. 235.

48 AGOSTINHO, Santo. O livre-arítrio.Tradução, organização, introdução e notas Nair de Assis Oliveira;

revisão Honório Dalbosco. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2008, p. 81.

49“El otro gran binomio que Agustín estudió sin descanso es el de Dios y el hombre. Liberado, como dije arriba,

de materialismo que le impedia tener uma noción justa de Dios – y por lo tanto también uma veradera noción del hombre – fijó este binômio los grandes temas de su invertigación y los estúdio siempre conjuntamente: el

hombre pensando em Dios y Dios pensando em el hombre, cuya imagen es”.

Tradução nossa: “O outro grande binomio que Agostinho estudou sem descanso é o de Deus e o homem. Libertado, como disse acima, do materialismo que o impedia de ter um conceito adequado de Deus – e, portanto, também um verdadeiro conceito do homem –, fixou neste binomio os grandes temas da sua pesquisa e os estudou sempre em conjunto: o homem a pensar em Deus e Deus ao pensar no homem, que é a sua imagem”.

BRASIL. PAULO II, João. Augustinum Hipponensem. In: Carta Apostólica En el centenário de La conversión

de San Augustín, agosto de 1986, p. 7-8. Disponível em

(28)

Deus/homem como uma resposta ao materialismo que lhe impedia de ter a verdadeira noção de si e do próprio Deus, isto é, não encerra o conhecimento para a metafísica, ao esclarecer a noção tríplice de Deus:

É o Ser de quem procede, pela criação do nada, todo o ser; a Verdade que ilumina a mente humana para que esta possa conhecer com certeza a verdade; o Amor do qual procede e para o qual se dirige todo o verdadeiro amor. Com efeito, Deus, como ele

repete tantas vezes, é “a causa do ser, a razão do pensar e a norma do viver”; ou, para citar outra fórmula sua, “a causa do universo criado, a luz da verdade que percebemos e a fonte da felicidade que saboreamos. 50

O homem tem algo de grande e excelente em sua natureza: a razão. Acima da razão somente Deus como Ser superior a qualquer outro ser51. A vida e a razão humana estão sujeitas a mutações enquanto Deus é uma realidade eterna e imutável. O existir, o viver e o pensar humano estão intimamente ligados com Deus, a causa da existência, a norma do viver e a razão do pensar. Em outras palavras, Agostinho consegue, filosoficamente, atribuir unidade ao conhecimento ao direcionar todas as formas – existir, pensar e viver – para Deus. Isso significa que o conhecimento humano – racional, experimental ou moral – implica o conhecimento de Deus para ser verdadeiro.

Apesar da separação entre Deus e o universo, o homem é capaz de entender ao ouvir

“a voz vinda de fora com a verdade interior”52, a qual se inclui a lei natural. Aqui constatamos dois aspectos importantes do pensamento: a capacidade do homem em conhecer o mundo por meio da verdade na medida em que é parte da criação e é capaz de ter conhecimento de si mesmo.

O filósofo cristão afirma o “penso, logo existo”, contudo, sem restringir a existência

da realidade ao puro conhecimento do homem de modo que só existe e só é verdadeiro o que a inteligência é capaz de compreender. Na extraordinária obra Solilóquios, Livro II, Capítulo 1, item 1, em que a razão dialoga com o próprio Agostinho em busca da Verdade, coloca-se o problema do entendimento da seguinte forma:

Pois como penso que ninguém é desprezado por sua sabedoria, provavelmente se conclui que no entendimento é que se manifesta a bem-aventurança. Mas somente é

50No original: “Ser de quien procede, por creación de la nada, todo ser; Verdad que ilumina la mente humana para que pueda conocer la verdad com certidumbre; Amor del cual procede y hacia em cual se dirige todo veradero amor. Dios, em efecto, como el repite tantas veces, es ‘la causa del subsistir, la razón del pensar y la norma del vivir’, o, por citar outra célebre fórmula suya, ‘la causa del universo creado, La luz de La verad que percibimos, y la fuente de la felicidad que gustamos”. BRASIL. PAULO II, João. Augustinum Hipponensem.

In: Carta Apostólica En el centenário de La conversión de San Augustín, agosto de 1986, p. 7-8. Disponível em http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_letters/documents/hf_jpii_apl_26081986_augustinum-hipponensem_sp.html. Acesso em 05 de out. 2011.

51Cf.AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio.Tradução, organização, introdução e notas Nair de Assis Oliveira;

revisão Honório Dalbosco. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2008, p. 92-93.

52AGOSTINHO, Santo. Confissões. Tradução: J. Oliveira Santos, A. Ambrósio de Pina. 1. Ed. São Paulo: Folha

(29)

bem-aventurado aquele que vive, e ninguém vive se não existe; tu queres ser, viver, entender, e existir para viver, e viver para entender. Depois, sabes que existes, sabes que vives, sabes que entendes. E ainda queres dilatar o teu saber e averiguar se estas coisas hão de sobreviver sempre, ou se hão de fenecer, ou se alguma delas ficará para sempre e alguma outra não, ou se admitem aumento e diminuição, supondo que sejam eternas.53

A obra “Solilóquios” desenvolve-se em ritmo de diálogo do começo ao fim em torno do problema do entendimento humano em conhecer a Verdade54. Um dos últimos diálogos do Livro I de Solilóquios discute se os termos “verdadeiro” e “verdade” são uma coisa só ou significam duas55 diferentes. Chegam à conclusão que são coisas diferentes a partir de um exemplo prático: a castidade é uma coisa e o casto é outra. O verdadeiro existe pela verdade, como no exemplo retro em que o casto pode deixar de sê-lo, mas a castidade permanece. O verdadeiro pode deixar de existir, a verdade não. Porém, onde se encontra a verdade, uma vez que o que existe, existe em algum lugar?

A razão de Agostinho percebe que a verdade, por subsistir ao verdadeiro, não pode estar nas coisas mortais, pois, do contrário, desapareceria; assim como, não pode ser corpórea e estar em algum lugar pelo mesmo motivo. A verdade existe e não está em nenhum lugar56. O que nos leva à conclusão da ontologia, no Livro II, Capítulo II, item 2, da obra

“Solilóquios”, de que existem coisas imortais e o verdadeiro não pode existir sem a verdade57.

A verdade parece assim ser uma necessidade da ontologia cristã.

1.1.2.1 O conhecimento: verdade e falsidade

53No original: “Pues como pienso que nadie es desdichado por la sabiduría, probablemente se concluye que em

el entendimiento se constituye la bienaventuranza. Pero solo es bienaventurado el que vive, y nadie vive si no existe; tú quieres ser, vivir, entender, y existe para vivir, y vivir para entender. Luego sabes que existes, sabes que vives, sabes que entiendes. Y aún quieres ensanchar tu saber y averiguar si estas cosas han de sobrevivir siempre, o si han de fenecer, o si quedará alguna de ellas para siempre y alguna outra no, o si aditen aumento y

disminución, suponiendo que sean eternas”. AGUSTIN, San. Escritos filosóficos (1º): Solilóquios. v. I. 6. ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1994, p. 475.

54 Cf. AGUSTIN, San. Escritos filosóficos (1º): Solilóquios. v. I. 6. ed. Madrid: Biblioteca de Autores

Cristianos, 1994, p. 490.

55 Cf. AGUSTIN, San. Escritos filosóficos (1º): Solilóquios. v. I. 6. ed. Madrid: Biblioteca de Autores

Cristianos, 1994, p. 469.

56 Cf. AGUSTIN, San. Escritos filosóficos (1º): Solilóquios. v. I. 6. ed. Madrid: Biblioteca de Autores

Cristianos, 1994, p. 471.

57 Cf. AGUSTIN, San. Escritos filosóficos (1º): Solilóquios. v. I. 6. ed. Madrid: Biblioteca de Autores

Referências

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