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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Geisa Rodrigues Gomes

Práticas de socioeducação à luz da Justiça Restaurativa: potencialização de mudanças?

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Geisa Rodrigues Gomes

Práticas de socioeducação à luz da Justiça Restaurativa: potencialização de mudanças?

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social sob orientação da Professora Dra Maria Cristina Gonçalves Vicentin.

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTO

Agradeço...

Ao Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e à Marlene em especial.

À Capes pela bolsa concedida durante o Mestrado.

À minha orientadora Maria Cristina G. Vicentin por abalar minhas convicções e por sua disponibilidade durante todo o processo.

Às Professoras Doutoras Miriam Debieux Rosa e Isa Maria Ferreira da Rosa Guará pelas contribuições com este estudo, e pela delicadeza com que fizeram.

Aos colegas do Núcleo de pesquisa em Lógicas Institucionais e Coletivas e aos colegas da Disciplina Instituições e Figuras da Subjetividade pelo suporte e enriquecedoras discussões.

Ao Dr. Egberto Penido pelo conhecimento, apoio e exemplo de atitude restaurativa. À Fundação CASA pelo apoio à pesquisa, ao Décio e Vera por sustentá-la.

Ao Wellington e Josué pela prontidão e leitura cuidadosas. À Marina e ao Bruno pelo tempo e ajuda dedicados.

Ao Grupo de Trabalho Volunia, Brunini, Roseli, Sheila, Andréia, Flaviana, Maria, Natália e Elisangela pela trajetória de cumplicidades.

À Daniela, Violeta e Célia pelas confidencias e por me ajudarem a resgatar o possível, dentro do existente, quando não acreditei.

À Carmem pelos almoços filosóficos, por sua energia contagiante e renovadora da minha vontade.

Ao Vicente, Ana Maria, Ana Amélia, Renato (em memória), Gisele, Sonia, Adriana e Luciane pela amizade e torcida honestas.

À minha mãe pela aposta incondicional de sempre.

Às minhas irmãs, cunhados e sobrinhos pelo afeto, alegria e presença, dando leveza a este percurso.

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RESUMO

GOMES, Geisa Rodrigues. Práticas de socioeducação à luz da Justiça Restaurativa: potencialização de mudanças?

Com a Constituição Federal, ECA e SINASE, temos embasamento jurídico para uma ação socioeducativa junto a autores de atos infracionais, consoante a uma prática garantista. No entanto, não são observados na execução da medida socioeducativa de internação, avanços substanciais em direção à superação de um modelo de atendimento repressivo-correcional. Um dos desafios está na mudança de mentalidade entre todos os atores do sistema socioeducativo em consonância com as referidas leis. Com este enfoque, e no contexto da Fundação CASA, o presente estudo apresenta e discute uma experiência da própria pesquisadora na formação de socioeducadores em dois Centros de Internação. Através de um método da Justiça Restaurativa, mais especificamente dos Círculos de Paz, tal capacitação buscou mobilizar deslocamentos na perspectiva ideológica dos servidores, sob a qual se assenta a prática socioeducativa. Cotejada a partir dos aportes teóricos da Justiça Restaurativa, sob os vetores conflito, participação e justiça em três situações conflitivas que tomaram centralidade neste processo de formação: 1) a apresentação de um Modelo de Atendimento denominado Centro de Convívio Social; 2) os discursos dos funcionários quanto ao modo de se relacionarem com os adolescentes; e 3) um tumulto ocorrido nos dois Centros de Atendimento. Apesar de não ter sido possível concluir o processo de formação, esta experiência pontual sugere que, com o auxilio de especialistas em Justiça Restaurativa, apoiada por processos de pesquisa e avaliação, a Justiça Restaurativa voltada aos socioeducadores pode qualificar a ação socioeducativa. Além disso, considerando os riscos deste proceder ser desvirtuado para finalidades disciplinatórias, especialmente quando utilizado com adolescentes em um contexto coercitivo como de um Centro de Internação, a Justiça Restaurativa direcionada aos funcionários, pode ser uma interessante alternativa, se estiver acompanhada de transformações no âmbito da cultura institucional como um todo. Nesta tímida experiência pudemos indicar, entre outros ganhos, a possibilidade de transformação das abordagens punitiva e assistencial como oportunidade de reflexão coletiva para uma prática transdisciplinar e garantista, em que os jovens deixem de ser vistos como vítimas ou algozes, e passem a ser reconhecidos como sujeitos de direito e de responsabilidade.

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ABSTRACT

Socio-educational practices based on Restorative Justice: would that potentiate changes?

With the Federal Constitution, ECA and SINASE, there is legal basis for social educative action along with the authors of infractions acts, according to a ensure rights practice. However, it is not observed in the execution of this social educative measure that substantial progress toward overcoming a repressive-correctional model is being implemented. One of the challenges is the change of mentality among all sectors of the childcare system in accordance with mentioned laws. With this point of view, and in the Fundação CASA (Foundation Center of Socio-educative Atendment to the Teenager) context, this study presents and discusses an experience of the research author in forming socio-educationers in two detention centers. Through the method of Restorative Justice, more specifically Peace Circles, we have tried to influence change in the ideological perspective of the civil servants, whom work in the socio-educative practice. This experience will be analyzed from the theoretical contributions of Restorative Justice, under the concepts of conflict, participation and justice in three conflictive situations that stood out in this training process: 1) The introduction of an approach to the adolescent model named Centro de Convívio Social (Social Interaction Center); 2) Speeches of officials about the way they relate to the teenagers; and 3) Riots occurring in both Service Centers. Although it was not possible to complete the training, this specific experience suggests that, with the help of experts in Restorative Justice, supported by research and evaluation processes, Restorative Justice when directed to socio-educators can qualify the socio-educative action. Moreover, considering the risks of this proceeding to be distorted to disciplinary purposes, especially when used with adolescents in a coercive context as an internment center, Restorative Justice directed the officials, may be an interesting alternative, if accompanied by changes in institutional culture as a whole. In this experiment we were able to point out, among other gains, the possibility to turn the care and punitive approaches into an opportunity of collective reflection for a ensure of rights and transdisciplinary practice, in which young people are no longer seen as victims or victimizers, and start to be recognized as people of rights and responsibilities.

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LISTA DE ABREVIATURA

CCS – Centro de Convívio Social CP – Círculos de Paz

CDHEP – Centro de Direitos Humanos e Educação Popular ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ESR – Educação Social de Rua

FASE – Fundação de Atendimento Socioeducativo FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

Fundação CASA – Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente GT – Grupo de Trabalho

ONG – Organização Não Governamental PIA – Plano Individual de Atendimento SAM – Serviço de Assistência ao Menor

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1- CONTEXTUALIZANDO A SOCIOEDUCAÇÃO ... 13

1.1- Da Situação Irregular à Proteção Integral ... 13

1.2- Doutrina da Proteção Integral: Ambiguidades e Tensionamentos ... 19

1.3- Ação Socioeducativa ... 26

1.3.1- Ação Socioeducativa: Dimensões Políticas e Metodológicas ... 27

1.3.2- Ação Socioeducativa: Dimensão Relacional e Formação do Socioeducador ... 33

1.3.3- Ação Socioeducativa: Dimensão Institucional ... 43

2- JUSTIÇA RESTAURATIVA E SOCIOEDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL? ... 47

2.1- Justiça Restaurativa: Alguns Elementos Histórico-Conceituais ... 47

2.2- Justiça Restaurativa na Socioeducação de Autores de Ato Infracional: Desafios e Possibilidades ... 57

2.2.1- Possibilidades e Problematizações ... 58

2.2.2- Desafios e Recomendações ... 68

2.2.3- Aproximações com a Pesquisa de Campo: Conflito, Participação e Justiça à luz da Justiça Restaurativa ... 71

2.2.3.1- Conflito ... 72

2.2.3.2 Participação ... 77

2.2.3.3 Justiça ... 79

3- O PERCURSO DA PESQUISA: UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DE SOCIOEDUCADORES ATRAVÉS DE METODOLOGIA RESTAURATIVA ... 84

3.1- Contextualizando a Experiência ... 86

3.1.1- Da Metodologia Circulo de Paz ... 91

3.2- Apresentação do Corpus da Pesquisa... 94

3.2.1- Análise dos Discursos dos Funcionários do Centro 1 ... 95

3.2.1.1- Conflito em Relação à Proposta CCS ... 95

3.2.1.2- Conflitos Quanto aos Modos de Pensar a Relação Educativa com o Adolescente ... 98

3.2.1.3- Conflito Quanto aos Modos de Pensar e Agir em Relação ao Tumulto ... 103

3.2.2- Análise dos Discursos dos Funcionários do Centro 2 ... 105

3.2.2.1- Conflito em Relação a Proposta CCS ... 106

3.2.2.2- Conflito Quanto aos Modos de Pensar a Relação Educativa com as Adolescentes .. 114

3.2.2.3- Conflito Quanto aos Modos de Pensar e Agir em Relação ao Tumulto ... 118

4- CONSIDERAÇÕES ENTRE AÇÃO SOCIOEDUCATIVA E JUSTIÇA RESTAURATIVA ... 125

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11 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990), tornaram-se um marco histórico a dar mostras ao respeito aos direitos humanos de crianças e adolescentes. O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), lei que regulamenta as medidas socioeducativas, por sua vez, mediante o detalhamento das propostas contidas no ECA, vem a oferecer maior pressão na efetivação dos avanços da referida legislação. No entanto, vemos atualmente na execução das medidas socioeducativas1, dificuldades na implantação de um modelo com vistas a apoiar os jovens numa perspectiva emancipatória para o pleno exercício da vida cidadã.

As referidas leis favoreceram um campo social de mudança paradigmática, mas a história nos mostra que estas não têm sido suficientes para a superação de um sistema tutelar e repressivo-correcional, para a efetivação de um sistema garantista. Assim, apesar dos reconhecidos avanços junto aos autores de ato infracional no Brasil, a ação socioecucativa apresenta hibridismos das duas perspectivas, apontando para a necessidade de ampliar a discussão política, teórica, metodológica que tais legislações provocam para possibilidades de mudanças no campo.

Com a implantação da Justiça Restaurativa na Fundação CASA, o objetivo inicial deste estudo intencionava investigar a possibilidade dos princípios e valores da Justiça Restaurativa operarem nas relações de poder presentes na socioeducação, uma vez que, para além de um método de resolução de conflitos, a Justiça Restaurativa propõe mudanças na forma de entender o conflito e, portanto, no posicionar-se frente ao seu manejo. Mas por problemas institucionais, a serem mencionados no corpo do estudo, a implantação da Justiça Restaurativa não foi possível até o momento, mas ainda permanece como pauta de discussão.

Assim, este estudo passou a versar sobre a apresentação e discussão de alguns aspectos de uma experiência da própria pesquisadora, na utilização de método da Justiça Restaurativa no contexto de formação de profissionais em dois Centros de Atendimento de Internação da Fundação CASA. Apesar das dificuldades em realizar a proposta na íntegra, teceremos

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12 considerações iniciais acerca desta experiência que intencionava interceder na perspectiva ideológica dos servidores, sob a qual se assenta a prática socioeducativa, própria ou não de um modelo garantista.

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13 1- CONTEXTUALIZANDO A SOCIOEDUCAÇÃO

Este capítulo pretende discorrer sobre as mudanças paradigmáticas das doutrinas que vem pautando o atendimento de crianças e adolescentes no Brasil. Será dado enfoque aos marcos legais da Justiça Juvenil que hoje organizam o atendimento de adolescentes autores de atos infracionais, problematizando a efetivação de uma prática garantista. A partir desta fundamentação legal e, portanto, da apresentação das bases em que se sedimenta a socioeducação, apresentaremos as dificuldades em observar tais fundamentações legais traduzidas nos modelos de atendimento socioeducativo, mais especificamente nos programas de internação. Procuramos apresentar a ação socioeducativa a partir das considerações de estudiosos do tema, destacando alguns aspectos do panorama que compõe os desafios e possibilidades no que tange o atendimento ao adolescente autor de ato infracional no Brasil.

1.1- Da Situação Irregular à Proteção Integral

Apontar considerações e problematizações acerca do debate atual da socioeducação requer mencionar o processo histórico que o envolve, ainda que brevemente, apesar de largamente discutido por diversos autores2. Insistiremos neste percurso, pois, além de necessário ao embasamento das reflexões contidas neste capítulo, gostaríamos de mencionar novamente que as lutas, avanços e recuos de uma história que ainda hoje atinge a vida de crianças e adolescentes brasileiros, mais particularmente àqueles menos favorecidos, relembrando aos que se debruçarem nessa leitura, quanto à responsabilidade integral sobre tais posicionamentos frente a essa realidade.

Rizzini (2005) esclarece que a tradição da institucionalização de crianças e adolescentes das camadas pobres da população segue desde o período colonial, sendo que a passagem de práticas essencialmente caritativas e religiosas para intervenções especializadas se inicia no regime republicano.

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14 Anteriormente ao Código de Menores – primeira legislação brasileira especial para a infância e adolescência que vigorou de 19273 até a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990 –, o Código Criminal de 1830 era a normativa que tratava a menoridade no Brasil. Na ocasião, eram considerados inimputáveis crianças e adolescentes até 14 anos e, a partir de então, estariam todos sujeitos à Lei com atenuantes em razão da idade. Todavia, crianças e adolescentes até 14 anos que cometessem crimes, seriam submetidos à análise do discernimento, ou seja, uma avaliação da compreensão racional que tinham ou não da ilicitude da ação (MORELLI, 1999). Assim, crianças e adolescentes poderiam ser recolhidos em Casas de Correção pelo tempo que o juiz determinasse, desde que não excedesse os 17 anos de idade (RIZZINI, Irene, 2011).

De acordo com a autora, somente a partir de 1850 surgiram as primeiras tentativas de elaborar um regramento para as Casas de Correção. Previam-se tratativas de cunho educativo para crianças e jovens, os quais seriam atendidos em alas separadas das alas destinadas aos adultos. A péssima condição dos estabelecimentos correcionais que misturavam crianças e adolescentes com adultos, pelas mais diversas razões, quer seja por serem mendigos, capoeiras, vagabundos, ociosos ou ladrões4, agregavam mais um elemento para o já instalado problema da infância.

As medidas de repressão à delinquência passam a ser significativas a partir do final do século XIX e início do século XX, com o aumento da incidência de crimes cometidos por crianças e adolescentes. Embora na ocasião o debate versasse sobre a prevalência da educação sobre a punição, o novo Código Penal de 1890 rebaixou a idade penal de 14 para 9 anos de idade. Apesar da problemática da infância e adolescência em risco ou em conflito com a lei envolverem questões que ultrapassassem os limites da justiça, as discussões sobre tal problemática era notoriamente liderada pelos juristas na época. Assim, tanto o problema da infância pobre e desassistida (moralmente abandonada) quanto da delinquência, tiveram as bases de sua regularização estabelecidas na trajetória jurídico-assistencial.

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No artigo De criança infeliz a menor irregular - vicissitudes na arte de governar a infância, Arantes (1999) refere que o período de vigência do Código de Menores se estendeu de 1927 a 1990, no entanto, cabe esclarecer que em 1979 o referido Código passou por pequena revisão, mas manteve “a mesma linha de arbitrariedade, assistência e repressão” (Lorenzi, 2007, p. s/n).

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15 De acordo com Rizzini e Rizzini (2004) a investida médico-higienista a partir do fim do século passado, aliado às contribuições de saberes como da psiquiatria, psicologia e ciências sociais, pressionaram o poder público a subsidiar a assistência à infância e adolescência dentro do preconizado pelo avanço das ciências. Em decorrência disso, iniciaram-se movimentações na elaboração de leis para a proteção e assistência à infância, modificando a posição da infância de objeto de caridade para objeto de políticas públicas. Todavia, Arantes (1999) avalia que os desdobramentos na formatação do atendimento não promoveram alterações na vida das crianças, adolescentes e suas famílias, servindo mais como estratégia de criminalização e medicalização da pobreza.

O Código de Menores, resultado deste período de intensa produção de decretos e leis, oferecia amplos poderes para o juiz privar de liberdade por tempo indeterminado ou até em caráter perpétuo, crianças e adolescentes suspeitos ou autores de crime, independente da gravidade. Ou ainda, o juiz poderia retirar das famílias crianças e adolescentes que tinham seus direitos violados pela condição de pobreza e colocá-los em adoção, ou institucionalizá-los até os 21 anos de idade (MACHADO, 2006).

Apesar dos grandes escândalos envolvendo as instituições em que os maus tratos, a tortura, e violência, bem como corrupção administrativa eram práticas comuns (OLIVEIRA, 2004), a internação prosseguiu como prestação de assistência às crianças e adolescentes em situação irregular, definida como:

I- Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis provê-las; II- Vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III- Em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV- Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V- Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI- Autor de infração penal. (CODIGO DE MENORES, 1979, Artigo 2º)

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16 as quais eram passíveis de serem consideradas como “irregulares” em qualquer momento, e institucionalizadas até a cessação da situação de “irregularidade”.

Com o auxílio dos técnicos ou trabalhadores sociais, juízes davam operacionalidade à sentença proferida em razão da pobreza, justificando a internação mediante conteúdo médico-psico-social-cultural ou, nas palavras da autora, por uma ressocialização”, uma “pena-tratamento” de sua condição. Irma Rizzini (2011) esclarece que os estudos sobre o menor eram praticados desde a década de 1920, sendo que a partir de meados da década de 30 os serviços de observação, exame e investigação do menor subsidiavam os juízes sobre o tratamento da infância abandonada e delinquente. Como resultado, começam a crescer em importância as causas físicas, psíquicas, sociais e econômicas no entendimento dos desvios de comportamento, superando o domínio das explicações de cunho exclusivamente moral. Segundo a autora, embora o discurso dos agentes reconhecesse a importância das causas sociais e econômicas da criminalidade, estes exames técnicos auxiliavam os juízes atribuir ao indivíduo as causas de seu comportamento desviante e legitimar, cientificamente, uma prática de exclusão e discriminação:

E foi o que os psicólogos, médicos, assistentes sociais e educadores ofereceram, como integrantes do assim chamado “complexo tutelar” ou “rede de proteção à infância”: um conteúdo psico-social, uma essência, uma natureza, uma “psicologia” da “irregularidade jurídica”. Ao oferecerem uma “natureza” da irregularidade, os técnicos não apenas legitimaram como ajudaram a produzir uma das mais curiosas e perversas distinções encontradas na prática social brasileira: a que separa “criança” de “menor” - curiosa distinção que não diz respeito à faixa etária, mas à classe social, e que faz com que a “sentença” recaia no menor, e não na situação. É o menor que passa a ser visto como irregular, já que porta sua “natureza”: valores anti-sociais, carências de todos os tipos, comportamentos inadequados, agressividade, periculosidade, etc (ARANTES, 1999, p. s/n).

A presença de um corpo técnico na assistência não favoreceu em nada a situação de crianças e adolescentes sob o regime do Código de Menores conforme vimos. Todavia, cabe considerar sua sedimentação gradativa neste percurso, ancorando mudanças no atendimento. Nesta perspectiva, podemos encontrar no próprio Código 1979, a indicação de medidas aplicáveis às crianças e adolescentes que levassem em conta o estudo destes especialistas (FARJADO, 1999).

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17 primeira política pública estruturada para o tratamento dos menores (RIZZINI, 2005). Sua estrutura previa atendimento diferenciado para adolescentes infratores – reformatórios e casas de correção – e para menores carentes e abandonados – patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos. No entanto, a partir da década de 1950, o SAM passa a ser conhecido como “SAM – sem amor ao menor”, “escola do crime”, “fábrica de criminosos”, “sucursal do inferno” em razão de importantes denúncias de tortura, maus tratos e morte (RIZZINI, Irma, 2011).

Com o golpe militar de 1964 o SAM é extinto, cria-se a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e a Fundação Estadual do Bem-Bem-Estar do Menor (FEBEM) em todos os Estados da Federação. Os princípios do sistema institucional foram embasados na Doutrina da Segurança Nacional, e a eficácia do programa de assistência aos menores pautava-se na militarização da disciplina dos internatos e o reforço da segurança externa (FAJARDO, 1999).

Segundo a autora, os movimentos críticos das políticas para a infância vigentes, quais sejam, Código de Menores de 1979 e Política Nacional do Bem-estar do Menor, chegam à década de 80 demonstrando franco esgotamento, de maneira que os movimentos sociais desta década chegaram à Doutrina da Proteção Integral. No entanto, Farjado (1999) elucida que as legislações brasileiras sempre enfatizavam a proteção da infância, se opunham aos castigos físicos e priorizavam a assistência através de sistemas mais abertos do que fechados. Aos autores de ato infracional, o Código de Menores de 1979 previa medidas semelhante às do ECA, todavia, ainda que a lei fosse respeitada, sua aplicação estava submetida à arbitrariedade da Doutrina da Situação Irregular.

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18 fim, destituiu os autores de crime, inimputáveis em razão da idade, ao direto da reserva legal5, do contraditório6, culpabilidade7 e da ampla defesa8, em razão da natureza “protetiva” da medida.

A Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são o marco legal de ruptura com o paradigma arbitrário que norteava a tratativa de crianças e adolescentes em risco e em conflito com a lei. Tal ruptura parte do pressuposto de que a garantia a todas as crianças e adolescentes à cidadania, humanidade e dignidade são a possibilidade de construir perspectivas de futuro (ARANTES, 1999). Ambas legislações foram inspiradas no paradigma da Proteção Integral, base principiológica dos pactos internacionais9, em função de um campo propício decorrente de período histórico vivido por nós brasileiros, em que urgiam demandas por liberdade democrática e respeito aos direitos humanos (KONZEN, 2007).

Com a Constituição Federal de 1988, portanto, crianças e adolescentes foram elevados à condição de sujeito de direitos e, em razão de estar em situação especial de pessoa em desenvolvimento, dispõe de direitos especiais e adicionais em relação ao adulto. O ECA regulamenta a Constituição Federal, pormenorizando este sistema especial de proteção aos direitos fundamentais, bem como criando instrumentos para garanti-los.

Dentre os avanços Farjado (1999) evidencia a inovação conceitual, visto o embasamento em fontes internacionais, a inovação da mudança de gestão com a descentralização das ações e participação popular e, por fim, a inovação metodológica de práticas socioeducativas em substituição às assistencialistas, bem como a concepção garantista em substituição à discricionariedade da situação irregular. Ainda no que se refere à concepção garantista, Machado (2006), por sua vez, acrescenta que a partir da legislação vigente, houve a separação rígida entre a resposta do Estado frente às situações que envolvem, e as que não envolvem crime regulamentando, respectivamente, as medidas socioeducativas

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Não permite que o crime e sanção sejam tipificados genericamente, sem prévia lei.

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Direito a acareação, juiz imparcial e igualdade de condições no processo.

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Não há crime sem culpa

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Direito ao silencio, não produzir provas contra si mesmo, defesa técnica por advogado.

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19 aplicáveis em razão do cometimento de ato infracional, e as medidas protetivas passíveis de aplicação na medida em que crianças e adolescentes tiverem seus direitos violados.

No entanto, tais rupturas que se expressam na legislação, vem sendo implementadas por meio de tensionamentos envolvendo um híbrido de práticas garantistas e tutelares, num processo em que se engajam, tanto dimensões socioculturais, políticas, institucionais, quanto técnicas, metodologias e modelos de atenção socioeducativa. A seguir destacamos um desses tensionamentos.

1.2- Doutrina da Proteção Integral: Ambiguidades e Tensionamentos

Atualmente, podemos encontrar grupos que defendem a doutrina da Situação Irregular – os chamados menoristas – por entenderem que o Estado deve oferecer para nossas crianças e adolescentes somente medidas de proteção e, portanto, não punitivas. Encontramos, também, grupos que entendem a medida socioeducativa como puramente pedagógica, com função reparatória aos prejuízos sociais sofridos por essa parcela de nossa população – os neomenoritas (MENDEZ apud KONZEN, 2007, p. 31). Partilhamos do entendimento de Konzen (2007), o autor que oferece tal panorama, que tanto os menoristas quanto os neomenoristas adquirem, a partir de suas perspectivas, um caráter discricionário e subjetivista que, em nome da proteção, cometem violações de direitos. Mas encontramos também tensionamentos entre os próprios defensores do paradigma da Proteção Integral que, de um lado, o defendem como Direito Penal Juvenil e de outro, contrariamente, afirmam que a doutrina da Proteção Integral e o ECA são avessos ao Direito Penal, entendimentos estes que procuraremos discorrer a seguir.

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20 Situação Irregular, uma vez que a primeira surge para resistir à discricionariedade do Estado, e contempla regras10 limitadoras com esta finalidade.

Em discordância com linhas de entendimento que associam o Direito Socioeducativo ao Direito Penal, o jurista argumenta que o Direito Penal não é a única área do Direito responsável por proteger o cidadão do arbítrio Estatal já que esta é uma conquista do Direito como um todo. Assim, garantias penais podem ser incorporadas por outras áreas do Direito, sem que se transformem em Direito Penal. Acrescenta que um sistema de responsabilização não é tarefa exclusiva do Direito Penal, uma vez que o Direito é, concomitantemente, um Código de Deveres e um Código de Direitos, no entanto, no ECA, o Sistema é de responsabilização, diferentemente da penalização previsto no Sistema Penal. O Sistema Socioeducativo visa construir e desenvolver, portanto, “valores que permitam ao adolescente enfrentar os desafios do convívio social sem os recursos da violência e da ilicitude” (PAULA, 2002 apud BORGHI, 2012, p. 87). Neste sentido, para o autor, a doutrina da Proteção Integral é a finalidade deste ramo do Direito e bastaria para não haver justificativas em associar as medidas socioeducativas a um ordenamento penal juvenil.

Arantes (2005) ressalva que, embora a época das discussões do Estatuto, garantias processuais fossem mencionadas para o adolescente autor de ato infracional, os movimentos sociais em defesa da doutrina da Proteção Integral não pretendiam interpretá-la como Direito Penal. Enfatiza a diferença entre a Doutrina da Proteção Integral e Direito Penal pontuando: o Estatuto fala de prática de ato infracional e não de crime; a responsabilização é socioeducativa, de natureza pedagógica e não penal; e o direito penal trata dos efeitos, enquanto o direito da criança e do adolescente intenciona interceder nas causas da delinquência. Mediante entendimento dos autores que consideram o Estatuto como totalmente diferente do Direito Penal, a autora refere que as dificuldades da execução das medidas socioeducativas, defendida por tais estudiosos, decorrem do desconhecimento do Estatuto por parte dos promotores de justiça, magistrados e advogados.

Outra linha de pensamento, também partidária da doutrina da Proteção Integral, entende que aproximando o Direito Socioeducativo ao Direito Penal incorre-se em menos riscos de práticas discricionárias favorecendo, portanto, práticas garantistas. Nesta

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21 perspectiva, a previsão de imputação de natureza penal a adolescentes considerados inimputáveis, reconhece o adolescente como sujeito de responsabilidade. Mas oferece através do ECA, o Direito Socioeducativo, um direito especial porque voltado para pessoas em condições especiais de desenvolvimento, não vistas como incapazes, mas com capacidades diferentes. Assim, em relação ao paradigma antecedente, a mudança central está no nascimento de garantias protetoras da liberdade pessoal de pessoas com menos de 18 anos de idade que cometeram ato infracional11 (KONZEN, 2007).

Machado (2006) acrescenta que, a partir de então, em razão de prática delitiva cometida pelo adolescente ficam guardadas todas as garantias de natureza penal e processual penal conferidas aos adultos (garantia da reserva legal, da culpabilidade, do contraditório, da ampla defesa). E, em respeito à condição peculiar de pessoa em fase de desenvolvimento, conforme anunciado anteriormente, assegurou-se ainda garantias especiais e adicionais, exclusivas de crianças e adolescentes. Dentre as garantias exclusivas está a inimputabilidade de crianças e adolescentes até 18 anos de idade, resguardando a privação de liberdade somente para adolescentes entre 12 e 18 anos de idade, ficando impedido tratamento mais gravoso que aquele atribuído ao adulto. Outra garantia especial é excepcionalidade e a brevidade da atribuição de quaisquer medidas socioeducativas, inclusive para as infrações em que possa se justificar sua imposição, já que adolescentes estão em situação jurídica mais favorável. Além disso, exclusivo aos adolescentes, é o sistema de soltura quando de prisão em flagrante, de apresentação imediata ao Promotor de Justiça quando preso em flagrante e a garantia de oitiva pelo Promotor previamente ao início do processo, entre outras garantias.

Por outro lado, para a mesma autora, a introdução da reserva legal no Estatuto não surgiu na sua plenitude, causando interpretações contrárias aos princípios constitucionais e violações nos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Assim, não raro, ambiguidades na redação do ECA favorecem que medidas protetivas sejam aplicadas com caráter sancionatório, bem como medidas socioeducativas impostas com intencionalidade protetiva ou ainda medidas socioeducativas em situações que não seriam necessárias. Outros aspectos que favorecem a não garantia de direitos para a autora, é a ausência de definições

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22 rígidas da quantidade e conteúdo das sanções, bem como a ausência de parâmetros melhor definidos das sanções que podem incidir para determinado delito. A ausência de sistematização do sistema de regressão, e ausência de regramento necessário para a garantia da culpabilidade também podem ferir direitos. E, por fim, a autora aponta outros riscos: a não garantia de direitos no que se refere à execução da medida socioeducativa, especialmente no que tange a ausência de definição do grau de constrição de liberdade permitido, ausência de definição das faltas disciplinares e das sanções de natureza administrativa decorrente e ainda, sobre as consequencias de tais faltas na sistemática de regressão/progressão na execução das medidas socioeducativas.

Konzen (2007), assim como Machado é também favorável a um modelo garantista aos adolescentes, entendendo a responsabilidade penal como protetora de direitos. Além dos apontamentos de Machado, o autor levanta ainda outras questões no que se refere ao jurisdicional e administrativo:

Nada de definição do que é o Estado ou do Município ou das possibilidades de contribuição das organizações da sociedade civil. Nada de formas procedimentais, na perspectiva de que forma é oportunidade de oposição à subjetividade e à discricionariedade, tenha a determinação origem administrativa ou jurisdicional. Nada de condições ou requisitos para a inscrição dos programas. Nada sobre organização e funcionamento desses mesmos programas, muito pouco sobre a responsabilidade do dirigente, nada de mínimos de qualificação técnica dos recursos humanos e da estrutura das instalações (KONZEN, 2007, p. 49).

O autor alerta que esta situação abre campo para o “território do improviso, local do arbitrário do eu acho, do eu penso, do eu determino, do cumpra-se” (p. 49) assemelhando-se ao antigo juizado de menores. Sem norteadores legislativos, as respostas atendem à lei daquele com mais poder e nem sempre o interesse do adolescente faz parte dos fundamentos. Defende como necessário, portanto:

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23 Direito. Na inexistência da norma, o limite habita a subjetividade moral do titular do poder, o certo ou errado segundo a lei do mais forte (KONZEN, 2007, p. 50).

Desde os anos noventas, buscando evitar ou limitar a discricionariedade, e fazer avançar as conquistas do ECA, há um movimento nacional envolvendo operadores do direito, profissionais das diversas áreas do conhecimento e militantes de defesa dos direitos da criança e do adolescente para a formulação de uma Lei de Execução das Medidas Socioeducativas (TEIXEIRA, 2006). Em 2006 a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente apresentaram o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)12 que, a partir de parâmetros mais objetivos, visa sistematizar o atendimento socioeducativo. Ao clarificar diretrizes específicas às instituições e a todos os atores do sistema socioeducativo, pretende-se evitar interpretações equivocadas do ECA sistematizando os aspectos pouco aprofundados sobre a operacionalização das medidas.

O SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução da medida socioeducativa. Este sistema nacional inclui os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todas as políticas, planos e programas específicos de atenção a esse público (CONANDA, 2006, p.22)

Neste sentido, o SINASE vem oferecer maior pressão na efetivação de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos Direitos Humanos para a efetiva implementação da doutrina da Proteção Integral, na direção também do apontado anteriormente por Machado (2006) e Konzen (2007). Inclui princípios e normas que regem a política de atenção à criança e ao adolescente promovida pelas três esferas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os três poderes (Executivo, legislativo e Judiciário) e sociedade civil (eixos Promoção, Defesa e Controle Social), através de implantação de nova interconexão com os órgãos que compõe o Sistema de Garantia de Direitos (Sistema Único de Saúde, o Sistema Educacional, o Sistema Único de Assistência Social, o Sistema Judiciário), priorizando o atendimento à criança e ao adolescente em situação de vulnerabilidade e risco social. Ainda, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em complemento ao SINASE, produziu uma

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24 série de livros técnicos que abordam detalhadamente os princípios, estratégias e metodologias para a ação socioeducativa (Guará, 2011a).

No processo para o sancionamento da Lei do SINASE 12.594 de 18 de janeiro de 2012, segundo Frassetto et al (2012), o texto original sofreu alterações com a supressão do regramento de algumas temáticas e incorporação de novas regras. Dentre as problematizações realizadas pela professora Dra Isa Maria Ferreira Rosa Guará13 acerca da nova lei, está o obscurecimento da questão pedagógica, sobressaindo-se as temáticas que envolvem a saúde, o trabalho e o regime disciplinar, demonstrando os avanços e recuos no tempo em termos de política.

Diante do já mencionado, os avanços e dificuldades na implementação do Paradigma da Proteção Integral, podemos dizer, se configura num híbrido de práticas garantistas na socioeducação.

Fajardo (1999) também identifica o hibridismo entre o sancionatório com o pedagógico no ECA, em que se sustenta o discurso pedagógico das medidas socioeducativas manifestando, na prática, ausência do caráter pedagógico e violação do caráter garantista, próprios do modelo penal. A autora trata de outros hibridismos presentes nesta lei, mas decidimos dar destaque a esta ambiguidade do modelo de atendimento, pois isto nos aproxima dos atravessamentos expressos nos impasses relacionais que veremos tomar forma no atendimento socioeducativo:

[...] apesar de garantir direitos individuais coerentes com a normativa internacional, incorre em vicissitudes decorrentes da concepção pedagógica que, em si mesma, é anti-garantista, ao mesmo tempo em que acolhe princípios garantistas questionáveis quanto ao seu caráter pedagógico. Exemplo da primeira contradição é a duração indeterminada das medidas sócio-educativas, que atende a critérios pedagógicos, mas viola o direito de segurança jurídica. Da segunda, é exemplo o direito de não falar nada que possa comprometer o processo de ampla defesa, que atende a critérios garantistas, mas interfere no processo pedagógico, através do direito de mentir ou omitir a verdade, ou de não assumir responsabilidades pela própria conduta. (FAJARDO, 1999, p. s/n)

Parafraseando Gómez (2012), podemos dizer que a realidade brasileira nunca chegou a implementar um paradigma realmente garantista; o hibridismo representa de forma mais

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25 aproximada a situação atual dos marcos jurídicos e das práticas de execução que oscilam entre posturas mais garantistas e mais tutelares.

Ainda que tal hibridismo possa ser conduzido por ambiguidades na redação do ECA, ou mesmo por desconhecimento da lei, conforme entendem os defensores do paradigma da Proteção Integral, comparativamente à situação de crianças e adolescentes à época da doutrina da Situação Irregular, os avanços foram muitos.

O que gostaríamos de evidenciar, na perspectiva do entendimento de Farjado (1999), é que sendo o Direito Socioeducativo um Direito Penal Juvenil ou não, ambas perspectivas defendem um modelo de justiça ancorado no paradigma da Proteção Integral. No entanto, a transformação paradigmática a que se propõem não foi integralmente incorporada pelos profissionais da área e pela sociedade.

Ainda assim, continuamos a adotar este percurso em busca de avanços no campo com discussões envolvendo a necessidade de maior normatização do sistema socioeducativo ou não, visando práticas e fluxos em consonância com o paradigma da Proteção Integral. A relevância das normativas é a configuração histórica de condições sociais para sua implementação, todavia, o que a história mostra é que precisamos ampliar a discussão politica, teórica, metodológica que tais legislações suscitam.

O que pode favorecer a transformação da punição em responsabilidade, da tutela em garantismo e do autoritarismo em pedagogia? Para um processo efetivamente responsabilizatório, garantista e pedagógico ao adolescente autor de ato infracional, como manejar a convivência das perspectivas antagônicas do sancionatório e do pedagógico, especialmente na medida socioeducativa de internação?

Apoiada em Foucault, o estudo de Borghi (2012) problematiza: “a partir de como cada modelo lê a doutrina da proteção integral, identificaremos a vontade de verdade14 dificilmente

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26 visualizada por trás dele. A prática não depende do discurso, mas sim da vontade de verdade que o rege. Se ela não for alterada, a prática não se altera (p.83).”

1.3- Ação Socioeducativa15

Preliminarmente, é importante destacar que, apesar da representação alcançada pelo termo socioeducação, seu conceito ainda não está unificado entre os próprios atores do sistema socioeducativo. De acordo com Pinto (2011), o termo socioeducação é utilizado pelos operadores do atendimento socioeducativo para referenciar modelos de práticas de intervenção realizados no atendimento ao jovem autor de ato infracional, em cumprimento de medida socioeducativa. Zanella (2011) por sua vez, esclarece que na legislação vigente, o conceito socioeducação somente aparece vinculado à trajetória jurídica e processual do adolescente em situação de conflito com a lei e, no sistema de políticas públicas, convencionou-se chamar de socioeducação todos os programas que atendem crianças e adolescentes independente se a ação realizada é de proteção ou de socioeducação voltada aos adolescentes em conflito com a lei. Analogamente, Oliveira (2010a), menciona que a socioeducação possui duas modalidades: uma de caráter protetivo, voltada ao atendimento de crianças e adolescentes que tiveram seus direitos violados por ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado, e a outra modalidade orientada ao trabalho social e educativo, tendo como público os adolescentes autores de ato infracional, com vistas a prepará-los para o convívio social.

Segundo Oliveira (2007), os objetivos socioeducacionais voltados ao adolescente em conflito com a lei visam favorecer o acesso às oportunidades de superação da condição de exclusão, e à formação de valores positivos para participação na vida social. Assim, a proposta político-pedagógica destas instituições deve partir da compreensão junto ao adolescente em conflito com a lei como o resultado de uma realidade multifacetada, buscando,

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27 a partir disso, práticas que atuem sobre os diversos aspectos das condições pessoais e sociais da vida destes jovens para a promoção do desenvolvimento pessoal e das condições objetivas de seu entorno, favorecendo um novo projeto de vida. Em Costa (2006c) temos que o objetivo da ação socioeducativa junto ao adolescente autor de ato infracional é a preparação do adolescente para a convivência social, traduzida no oferecimento de escolarização formal, educação profissional, atividades artísticas, culturais, práticas esportivas, assistência religiosa, abordagens sociais, psicológicas e demais atividades dirigidas ao jovem, cujo propósito está em desenvolver e aprimorar os potenciais dos educandos.

Guará (2011b) amplia a ideia de socioeducação ao incorporá-la à educação para o convívio social, portanto, ao direito de toda criança e adolescente durante seu período de formação. E, ao mesmo tempo, à educação específica e diferenciada quando aplicada como medida judicial, neste caso definida como:

[...] a ação profissional diversificada que incide em diferentes domínios e contextos socioinstitucionais nos quais se oferece ao adolescente que cumpre medida socioeducativa as oportunidades de desenvolvimento pessoal e social para garantir e promover seus direitos e responsabilidades e um projeto educativo motivador, humanizado e acolhedor de suas demandas. Incluem-se, especialmente, as estratégias, recursos, técnicas e práticas educativas ou terapêuticas para a formação, apoio, atenção e orientação do adolescente com vistas à sua inserção social de acordo com os padrões de conduta esperados pela sociedade (p.115).

A autora acrescenta que tais ações socioeducativas devem se adaptar à individualidade do adolescente, haja vista a convergência entre este processo de ações e oportunidades coletivas e o processo de construção de subjetividade. Para Guará (2011b), a confrontação do adolescente com sua história e ressignificação de sua conduta é um processo que demanda forte apoio profissional para o desenvolvimento de sua identidade e vinculações sociais que ofereçam suporte contínuo.

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28 No que se refere ao levantamento da produção de conhecimento na área, em pesquisa recente16, Guará (2011b) identifica que a falta de investimento em estudo e pesquisa faz com que a ação socioeducativa se paute no senso comum e, especialmente nos programas privativos de liberdade, “na repetição mimética de procedimentos e atitudes historicamente condenados, muitos deles herdados do sistema prisional, que se mantém impregnados na cultura institucional” (p. 121), configurando um percurso histórico dual, ora prevalentemente violento, ora tutelar ou convivendo com seus respectivos excessos. A inexistência de informações organizadas e disponíveis sobre a prática contribui para a manutenção da problemática uma vez que inviabiliza a leitura crítica da realidade, pautada em informações acumulativas a partir de comparações de longo prazo, com vistas à busca do enfrentamento das dificuldades na fundamentação da ação socioeducativa, bem como das políticas de garantia de direitos.

A partir das produções pesquisadas, a autora verificou que o tema da socioeducação nas práticas e programas aparece mais como referencia do que como metodologia de ação, abordando apenas indiretamente a ação do profissional. Pode ser verificado o descompasso entre a aplicação das medidas e sua tradução na intervenção socioeducativa que considere as especificidades de cada medida, e os diferentes adolescentes. Neste sentido, observou-se que os projetos socioeducativos se amparam somente nos parâmetros legais que regulam o Sistema de Atendimento, os quais não oferecem subsídios para a estruturação de um modelo de atendimento de abordagem pedagógica e social que auxilie na ação socioeducativa junto a estes jovens.

O estudo de Pinto (2011) buscou analisar a proposta da ação socioeducativa contida no SINASE assim como a bibliografia especializada sobre o tema, e faz desvelamentos interessantes acerca das concepções contemporâneas de atuação junto ao adolescente autor de ato infracional.

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29 A autora identificou que a prioridade dos norteadores contidos nos documentos pesquisados está na perspectiva da não reincidência, o que sugere uma tendência ou propensão do adolescente para a prática delitiva e que, portanto, o delito está ligado a uma patologia do jovem:

A ideia de uma internação voltada a prevenir reincidência parte do princípio de que o autor de um crime seria naturalmente propenso a repeti-lo. Alguma falha nos mecanismos internos de regulação, frenagem dos impulsos brutos, permitiriam a eclosão do crime ou a introdução o universo infracional. Assim, hão de ser tais falhas identificadas e sanadas. Caso contrário, assim que puder, a pessoa tornará a transgredir. Tal hipótese supõe a transgressão como sintoma de um quadro “patológico” em geral estrutural. Ocorre que, há toda evidência, nem todo envolvimento infracional pressupõe algum desvio subjetivo de seu autor (FRASSETTO, 2005 apud PINTO, 2011, p. 48).

A lógica da formulação de ações socioeducativas voltadas ao combate da reincidência, faz com que a socioeducação se reduza à mudança de comportamento do jovem, em que o saber psi17 acaba se sobrepondo aos demais campos do conhecimento, com vistas a interceder no modo de ser do adolescente. Outro apontamento do estudo da autora que queremos destacar é a ideia do protagonismo e empreendedorismo presentes nas intervenções socioeducativas, com o objetivo de levar o jovem ao mundo do trabalho e à identificação com a noção de competência pessoal e capacidade de modificar o próprio destino. No entendimento da autora, o desenvolvimento de competências para o exercício da vida cidadã como estratégia de adaptação do jovem às normas de convívio social, guarda relação com a inteligibilidade neoliberal pela qual o mercado rege comportamentos individuais e ações governamentais. Pinto (2011) defende que as perspectivas voltadas à prevenção da reincidência e ao empreendedorismo, favorecem a atribuição exclusiva ao jovem sobre a responsabilidade por suas dificuldades e superações, sem a devida análise e intervenção nos condicionantes multifacetados que envolvem a prática delitiva.

A autora reconhece no SINASE e entre os autores que tratam do tema, a ausência de fundamentação pedagógica e da ciência da educação como força predominante, visto que as propostas socioeducativas envolvem compilações de práticas e técnicas sem embasamento de

17

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30 uma teoria da socioeducação. Nesta confluência, referindo-se particularmente ao SINASE, Guará (2011b) identifica que:

A nova lei, que detalha no Capítulo V as recomendações relativas à atenção integral à saúde de adolescente em cumprimento de medida socioeducativa e dedica capítulo especial aos regimes disciplinares (Capítulo V) e à capacitação para o trabalho (Capítulo III), não apresenta a mesma preocupação com os aspectos pedagógicos do atendimento. O “socioeducativo” da medida, à luz da nova lei, precisará ser encontrado em indicações formais sobre os direitos individuais ou deverá ser detalhado nos Planos de Atendimento Socioeducativo (Artigo 18) a serem posteriormente elaborados pelas instituições de atendimento (p.116).

Apesar da demanda para uma ação socioeducativa efetiva, a polêmica sobre sua eficácia é fomentada justificadamente pelo insucesso materializado nas rebeliões e denúncias de violação de direitos. O debate sobre propostas de avanços no atendimento ao jovem autor de ato infracional, em geral, alia-se ao apoio midiático que veicula episódios de violência envolvendo adolescentes, e intensificam alternativas voltadas à redução da maioridade penal, métodos mais repressivos, aumento do tempo de internação, sendo que os argumentos científicos para embasar propostas educativas em detrimento das punitivas, não estão suficientemente organizados (GUARÁ, 2011b).

Rosa e Vicentin (2010) analisam que tal debate ganha ênfase nos discursos do âmbito judicial aliado a discursos médico-psiquiátricos que podem criminalizar/patologizar adolescentes autores de ato infracional para dar respostas à demanda de ordem e segurança da população, focalizando a irrecuperabilidade e a periculosidade de setores da juventude pobre. Apontam que tal perspectiva estigmatizante pode encobrir ou desconsiderar as múltiplas causalidades do ato infracional, impedindo a leitura dos fenômenos sociais de exclusão, de vulnerabilidade social e subjetiva que também o determinam. Pode ainda favorecer a desresponsabilização do adolescente, na medida em que dificulta o reconhecimento de determinações psíquicas e sócio-históricas para um novo modo de laço social que supere as circunstancias que está inserido, bem como pode produzir a desresponsabilização do sistema socioeducativo. Estes rótulos são um modo de exercício de poder que impede que o adolescente exercite a responsabilidade de decisão e escolha, imputa à juventude a demonização de tudo que pareça rebeldia e desobediência, favorecendo a exclusão social ou genocídio contra a juventude.

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31 acolhimento e inclusão dos jovens com vivência infracional nos serviços e programas locais. A ação policial, nem sempre fundamentada em provas concretas do ilícito, obriga o jovem à submissão reforçando o estigma da subalternidade e o sentimento de discriminação. Os elementos histórico, culturais e sociais contribuem para a conformidade da situação de exclusão social, de exacerbação da violência, contribuindo para a instabilidade e fragilidade pessoal, social e moral desses jovens. Por outro lado, estas são algumas das motivações da adesão do adolescente aos grupos que lhe dão maior continência e poder, na construção de nova imagem de si mesmo.

Quanto à resposta social ao delito, a autora defende posição mais equilibrada entre punição e desresponsabilização, em que a imposição do limite, sem violência, leve à aquisição de normas, gerando o exercício da cidadania e do bem comum.

Segundo Vicentin (2006), é especialmente no âmbito da adolescência que temos um campo propício a pensar um sistema de justiça articulado à política de direitos humanos singularizada. Conforme foi visto anteriormente, para a autora, a patologização da adolescência pode desresponsabilizar o jovem e o sistema socioeducativo, sendo que a responsabilidade relacional está no escopo do paradigma da Proteção Integral. Assim sendo, não há responsabilidade penal juvenil se o sistema de justiça, o sistema socioeducativo e as forças sociopolíticas não se responsabilizam pela construção do direito a ser, a crescer, a conviver e a se desenvolver. Para este objetivo, no entanto, é preciso ampliar a disponibilidade de os sistemas de justiça e socieducativo correrem riscos e aumentarem sua margem de responsabilização trabalhando, tal como propõe Baratta, a partir de concepção menos excludente, mais solidária de “segurança”:

Desde o ponto de vista jurídico, mas também desde o ponto de vista psicológico, “seguros” podem e deveriam ser, sobretudo, os sujeitos portadores de direitos fundamentais universais [...]. Seguros em relação ao desfrute daqueles direitos, diante de qualquer agressão ou não cumprimento realizado por parte de outras pessoas (BARATTA, 2005, apud VICENTIN, 2006, p. 170).

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32 violência, levando à aquisição das normas que geram cidadania e bem comum (SEDA, 2000 apud GUARÁ, 2011b, p. 130).

A autora aponta a exacerbação do dilema entre punição e educação no quotidiano do Centro pela dinâmica interna dos programas, dada às estratégias de vitimização e culpabilização. Os próprios educadores ficam confusos quanto ao papel que assumem na relação com o jovem, ou seja, “é ao mesmo temo manifesto e obscuro: o papel de educador e de carcereiro” (p.133).

Na perspectiva de Konzen (2007), a proposta socioeducativa não é produzir normalizações, mas favorecer um processo de emancipação. Assim, para o autor, nenhuma das medidas socioeducativas se justifica por quaisquer instrumentais pedagógicos que ofereçam e, se assim o for, o jovem será desrespeitado pela pretensão de educá-lo pela punição, e serão desrespeitados os métodos pedagógicos contemporâneos supondo “que a pedagogia ainda bebe na sabedoria do medievo, [...] o pedagógico deve ser uma qualidade relacional dos educadores do programa de atendimento em que se executa a medida, no lugar de uma propriedade, uma qualidade ou um conteúdo” (p.43). O autor defende que o fazer pedagógico dos agentes do programa de atendimento não se destina à modificação da subjetividade dos adolescentes, tendo em vista que ela não pode ser determinada por métodos educativos. Mas destina-se ao auxílio e estímulo relacional de forma que o jovem possa ver reconhecida sua condição de sujeito de dignidade e assim superar as necessidades não atendidas manifestadas pela transgressão.

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33 1.3.2- Ação Socioeducativa: Dimensão Relacional e Formação do Socioeducador

Os primórdios da socioeducação, enquanto ação socioeducativa, remonta à Educação Social de Rua (ESR) nos idos da década de 1970. Este importante movimento social, parte da História da Educação das Américas, teve como um de seus principais resultados a promulgação do ECA (OLIVEIRA, 2004). Mas o que nos interessa destacar da ESR é a proposta relacional entre educador e educando na ação socioeducativa, dimensão importante do presente estudo.

Oliveira (2004), referindo-se especificamente ao suporte teórico da pedagogia Freireana18, esclarece que o Educador Social de Rua busca exercer uma postura política através de leitura acerca dos aspectos econômicos e sociais, no entendimento e desmonte do sistema cultural dominante. Procura construir e manter um vínculo com a criança ou adolescente em situação de rua e, a partir desse vinculo, se dispõe a expandir as possibilidades de realização do educando através da construção e efetivação de um “projeto de vida”.

É necessário, contudo, que o educador tenha uma atitude respeitosa para a cultura do educando, entendendo seu contexto de vida, de sua comunidade e de sua posição existencial. Propõe uma reestruturação de relações entre o educador e o educando permeada por maior equidade, em que o educador adote uma postura disposta a aprender com o educando não apenas em nível intelectual, mas em um nível mais profundo. O educador social permite ser tocado pelo educando, revendo aquele seus próprios valores, rompendo com elementos que ameaçam o sistema social, com os muros que nos distanciam dessa população.

Os estudos de Costa (1997) se voltam quase que exclusivamente para a dimensão relacional entre socioeducador e educando. Em seu entendimento, é a partir desta vinculação que se aprofunda o trabalho socioeducativo e que pode ser estabelecida uma relação de ajuda19. Para a construção da relação de ajuda, ideia chave da presença educativa, elucida que

18

Segundo o autor, inicialmente, os Educadores Sociais de Rua, despidos de uma prática estruturada ou supervisão, inspiraram sua atuação na pedagogia libertária, na filosofia de Paulo Freire, na Teologia Libertária e, ainda, em Makarenko, Freinet, Erving Goffman e Michel Foucault.

19

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34 são necessárias quatro habilidades20 básicas, as quais podem ser aprendidas. O autor considera que estar junto do educando sem que isso se constitua como entrega ilimitada, incondicional, irrestrita e irrefletida, ou ainda mera obrigação funcional, é tarefa que envolve alto nível de exigência e implicação do educador no ato de educar. Alerta que as transgressões dos jovens, entendidas como reivindicações por respostas mais humanizadas às suas necessidades possam, com o tempo, fazer com que o socioeducador não consiga ser capaz de ouvir e entender a estes apelos:

Quando o quotidiano se transforma em rotina, a inteligência e a sensibilidade fecham-se para o inédito e o específico de cada caso, de cada situação. O manto dissimulador da familiaridade vai aos poucos cobrindo e igualando pessoas e circunstâncias numa padronização cuja resposta são as atitudes estudadas, as frases feitas, os encaminhamentos automatizados pelo hábito. (COSTA, 1997, p. 21)

Para Teixeira (2006) o desafio na implementação da medida socioeducativa é a mudança na mentalidade dos educadores, da opinião pública e dos três poderes – Legislativo, Judiciário, Executivo – no sentido de romper com a associação adolescência-violência, criminalidade e adolescentes pobres, e em considerar os autores de ato infracional como sujeitos de direitos. Destaca que a forma com que o educador conduz a ação socioeducativa, revela sua concepção de adolescência, de sociedade e do delito, na qual fundamentará os objetivos estabelecidos.

Sustenta a importância do aspecto relacional nas ações socioeducativas, justificando que programas massivos e exclusivamente burocráticos pouco funcionam e em raros casos obtêm sucesso. O apoio ao jovem para que consiga organizar um padrão de conduta e um projeto de percurso existencial de ruptura com a prática do ato infracional, só poderá ser obtido em um processo educacional que considere as características do adolescente como ponto de partida.

Vemos refletida na valorização do Plano Individual de Atendimento (PIA)21, a ênfase que hoje é atribuída à individualização e à qualificação do atendimento. Frassetto et al (2012)

20

Atender: comunicar, de maneira não verbal, disponibilidade e interesse pelo ajudado; responder: comunicar corporal e verbalmente, compreensão pelo ajudado; personalizar: mostrar ao ajudado sua parcela de responsabilidade no problema que está vivendo; orientar: avaliar, com o ajudado, as alternativas de ações possíveis e facilitar a escolha de uma delas.

21

(35)

35 refere que através do PIA é possível singularizar o atendimento e oferecer oportunidade ao jovem em reconstruir significados, pois na medida em que as intervenções tocam a individualidade do adolescente pode se processar o replanejamento de sua biografia em direção ao futuro. Isto envolve disponibilidade do educador para a escuta e acompanhamento de um percurso, por vezes árduo, em que o educando e sua família demandarão forte apoio emocional. Os autores reconhecem que a exigência legal do PIA insere o adolescente em novo patamar de garantias legais, todavia as exigências e pressões da judicialização do PIA podem torná-lo meramente burocrático, sem o envolvimento efetivo do jovem, da família, além de limitar as inovações e dificultar o aprofundamento do conhecimento do adolescente pelo educador.

Evidencia-se, portanto a importância da dimensão relacional da ação socioeducativa, entretanto parece que estamos diante de um grande desafio metodológico e pessoal junto aos socioeducadores, em construir uma proposta educativa que considere satisfatoriamente os aspectos relacionais.

Se os aspectos relacionais estão implicados na ação socioeducativa, a alternativa é somente trabalhar a perspectiva ideológica dos socioeducadores? Qual a formação necessária para o socioeducador? Do que o socioeducador precisa para desenvolver uma ação socioeducativa efetivamente garantista?

Conforme mencionado anteriormente, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, em complemento ao SINASE, produziu cinco livros técnicos que abordam detalhadamente os princípios, estratégias e metodologias para a ação socioeducativa, os quais se constituem como orientadores para o trabalho do socioeducador:

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36 normativa internacional dos direitos da criança e do adolescente e aponta dez princípios ético-pedagógicos em que devem ser estruturados os programas socioeducativos. A seguir, Os Regimes de Atendimento no Estatuto da Criança e do Adolescente, é um guia destinado, principalmente, aos dirigentes e técnicos que desenvolvem suas atividades nos órgãos de aplicação e execução das medidas socioeducativas. Partindo da especificidade dos regimes de atendimento em meio aberto e fechado, se discute como deve funcionar cada um deles e o que precisa ser feito na “transição da intenção à realidade”, como enfatiza o autor. A quarta publicação, Sócio-Educação – Estrutura e Funcionamento da Comunidade Educativa, objetiva delinear as bases para a ação socioeducativa em unidades de internação, incluindo aspectos organizacionais e de gestão. Por último, Parâmetros para a formação do sócio-educador, traz a reflexão sobre as competências técnicas e relacionais dos operadores do sistema de administração da justiça juvenil, englobando a área jurídica, de execução das medidas socioeducativas e da segurança pública. O autor enfatiza a conexão de saberes na socioeducação como estratégia fundamental para contemplar a interdimensionalidade nos programas de atendimento. (COSTA, 2006c, p. 5)

O livro que se detém mais especialmente na formação do socioeducador aborda o núcleo comum entre todos os profissionais que trabalham nos Centros, mas faz a consideração à importância do conhecimento acadêmico específico dos servidores como um saber-fazer na ação socioeducativa.

Neste material, são recomendados os conhecimentos abaixo elencados, dentre os quais podem ser identificados como requisito as competências pessoais e relacionais conforme discutido acima:

1) Os fundamentos da socioeducação: fundamentos jurídicos, fundamentos políticos, fundamentos sociológicos, fundamentos éticos, fundamentos pedagógicos, fundamentos filosóficos e fundamentos históricos;

2) Estrutura e funcionamento do sistema de administração da justiça juvenil: o policiamento ostensivo, a polícia judiciária, o ministério público, a justiça da infância e da juventude, a defensoria, os órgãos responsáveis pela execução das medidas sócio- educativas;

3) Política de atendimento dos direitos da infância e da juventude: as políticas sociais básicas, as políticas de assistência social, as políticas de proteção especial e as políticas de garantias de direitos;

(37)

37 5) Técnicas da ação socioeducativa: a atenção individualizada, a condução do processo grupal, a prevenção e a negociação de conflitos, as medidas de contenção e segurança, o enfrentamento de situações-limite, as relações com os meios de comunicação, as relações com o entorno sócio-familiar e comunitário dos adolescentes, relações com o entorno institucional governamental e não-governamental;

6) Os regimes de atendimento: orientação e apoio sócio-familiar, apoio social e educativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo, liberdade assistida, semiliberdade e internação;

7) Crimes e contravenções administrativas praticadas contra crianças e adolescentes: disposições gerais, dos crimes em espécie, das infrações administrativas;

8) O reordenamento político-institucional dos sistemas de atendimento: as mudanças no panorama legal, reordenamento institucional, a melhoria das formas de atenção direta; 9) Interdisciplinaridade e interprofissionalidade na ação socioeducativa;

10) A interdimensionalidade na ação socioeducativa: a dimensão do logos (razão), a dimensão do pathos (sentimentos), a dimensão do eros (corporeidade), a dimensão do mytho (espiritualidade), da interdisciplinaridade à interdimensionalidade.

Durante o levantamento de estudos que tratassem da formação dos socioeducadores, encontramos duas pesquisas que, a partir de entrevistas com estes profissionais, trazem interessantes dados acerca de algumas de suas necessidades na ação socioeducativa. Estas pesquisas focam, obviamente, um recorte de tais necessidades, mas com isso, gostaríamos de destacar a importância também dos próprios socioeducadores sugerirem temáticas a serem abordadas em sua formação, a partir de suas demandas.

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