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A IDENTIDADE DO CARDIOPATA CRÔNICO E O SENTIDO ATRIBUÍDO À MEDICALIZAÇÃO NO TRANSPLANTE CARDÍACO

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A IDENTIDADE DO CARDIOPATA CRÔNICO E O

SENTIDO ATRIBUÍDO À MEDICALIZAÇÃO NO

TRANSPLANTE CARDÍACO

Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social

São Paulo

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A IDENTIDADE DO CARDIOPATA CRÔNICO E O

SENTIDO ATRIBUÍDO À MEDICALIZAÇÃO NO

TRANSPLANTE CARDÍACO

Tese apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de Doutora em Psicologia Social à comissão julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Antonio da Costa Ciampa.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social

São Paulo

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1. INTRODUÇÃO...

1

2. COMPREENDENDO A MEDICALIZAÇÃO NA ATUALIDADE

5

2.1 O processo de medicalização e a prática de saúde na sociedade contemporânea ... 2.2 Medicamento como mercadoria simbólica...

9

15

3. MEDICALIZAÇÃO DA CARDIOPATIA...

18

3.1 O transplante cardíaco ... 3.2 Processos para a realização de um transplante cardíaco ... 3.3 Incorporação do enxerto ...

18

21

29

4. IDENTIDADE, METAMORFOSE E EMANCIPAÇÃO ...

34

5. TÉCNICA, CIÊNCIA E RELIGIÃO...

53

6. METODOLOGIA ...

64

7. CELEBRANDO A VIDA: a história de Gabriel ...

67

8. RENASCENDO PARA A VIDA: a história de Renata ...

90

9. ROMPENDO OS OBSTÁCULOS DA VIDA: a história de Pedro ...

107

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS...

116

11.BIBLIOGRAFIA ...

119

(4)

______________________________________

_______________________________________

________________________________________

________________________________________

(5)

Aos meus pacientes, aos sujeitos que com muita disponibilidade contribuíram para que esse estudo se concretizasse.

Ao Professor Doutor Antonio da Costa Ciampa orientador e mestre, pela confiança, dedicação, paciência e estímulo para que esse trabalho fosse possível.

Aos Professores Doutores José Roberto M. Heloane e Mitsuko A. Makino Antunes pelas valiosas considerações quando do exame de qualificação.

Ao Professor Doutor Gabriel Chalita, minha gratidão eterna por toda atenção, amizade e generosidade.

Aos amigos pelo incentivo e apoio nos momentos difíceis desse percurso.

Aos meus pais pelo afeto, presença contínua e influência positiva para que esse trabalho se realizasse.

Ao Gilberto, meu irmão, tão presente nos momentos de decisão e pelo apoio espiritual e material.

A todos os Professores Doutores do Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Social da PUC pela riqueza de seus ensinamentos.

Aos meus colegas que contribuíram com trocas de material teórico, escuta e apoio no processo de construção desta tese.

(6)

desta conquista.

Dedico esta tese a todos os que sofrem e que pela dor galgam novos patamares conquistando uma nova consciência...

Aos meus pais, Dirce e Arlindo pela fibra, paciência, dedicação e amor.

Aos meus irmãos Gilberto, Marcio e José.

(7)

RESUMO

(8)
(9)

ABSTRACT

(10)
(11)

Meu coração faz sorrir

Meu coração faz chorar.

Depois de parar de andar,

Depois de ficar e ir

Hei de ser quem vai chegar

Para ser quem vai partir...“.

(12)

1. INTRODUÇÃO

Quando uma doença crônica se instala na vida de um indivíduo, diferentemente de outras doenças definidas como agudas, impõem-se mudanças muitas vezes permanentes e que o levam a uma nova forma de viver a vida.

Pude perceber isso, durante meu trabalho no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em minha atuação como psicóloga clínica, em um Centro de Saúde, onde tive a oportunidade de poder atuar com cardiopatas crônicos. A partir dessas experiências e vivências, resolvi realizar minha Dissertação de Mestrado, em 1997: Do corpo torturado ao corpo de Luz. A metamorfose de pacientes cardiopatas e hipertensos através da religiosidade: um estudo sobre identidade.

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de "seu novo coração". Portador de uma insuficiência cardiovascular grave foi hospitalizado e colocado na lista de espera. Sua cura física não chegou a se concretizar. Mas, em sua internação, ainda que brevemente, sua identidade sofreu uma grande metamorfose, influenciada por uma religiosidade que aparentemente não existia antes. Apesar de ter sido triatleta, já não mais se identificava com seu corpo, como ele mesmo dizia, mas sim com sua "alma". A partir da própria enfermidade, as transformações de sua identidade foram muito significativas, em termos de um novo sentido de vida.

Como enfrentamento ou "coping", optou pela religiosidade, tendo chegado a uma experiência profunda nesse campo. Assumiu novas personagens, integrou diferentes aspectos de sua personalidade, emancipouse, tornouse poeta -personagem que ganhou força através de suas poesias, com uma sensibilidade não experimentada anteriormente por ele. Reconheceu-se, transformou-se e renasceu para a vida, diante da possibilidade da morte.

Particularmente, essa experiência foi muito forte para mim, principalmente quando tal paciente confessou-me, um pouco antes de morrer, que havia encontrado Deus e que chegou a viver mesmo sem ter tido seu coração transplantado.

(14)

O objetivo é investigar se o enfrentamento pela tecnologia exclui ou substitui o enfrentamento pela religiosidade ou, no caso de ambos coexistirem, de que forma vêm a se relacionar entre si.

À guisa de tese, propõe-se que a técnica é necessária, mas não suficiente, havendo a necessidade da busca de um sentido, que dificilmente é oferecido aos indivíduos pela tecnologia. E é essa busca, quase sempre pela religiosidade, que freqüentemente, preenche a necessidade de sentido da vida para o indivíduo. Algumas pessoas, ao terem seus corpos invadidos e violados por aparelhos tecnológicos, constroem o sentido de estarem sendo submetidas a potências mágicas desconhecidas, que assumem a condição de reais e ativas. Tais práticas mágicas parecem ocupar o lugar vago que era reservado aos feiticeiros.

Ao mesmo tempo em que a técnica oferece a possibilidade de cura, origina uma lógica própria e um poder sem limites, à semelhança de novas potências míticas. A utilização de tecnologia específica, no caso o transplante cardíaco, é extremamente cara, o que faz da esfera da necessidade, ou seja, a realidade econômica-social do indivíduo a ser transplantado, um dos critérios que pode excluí-lo dos programas de transplante. Tal negação da possibilidade de continuar a vida pode levar o sujeito a procurar outras formas de sentido para a própria vida.

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manipulação genética ou à qualidade de vida dos transplantados são questões que acabam sendo encaradas, com freqüência, como posições reacionárias de quem não quer o progresso, tal como entendido pela moderna tecnociência.

A Ciência, ao se transformar em uma esfera autônoma que tem por domínio a pesquisa constante e a luta pelo desenvolvimento técnico contínuo de seus próprios conhecimentos, parece não oferecer condições de garantir um sentido que, além da mera sobrevivência, assegure a dignidade da vida humana.

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2. COMPREENDENDO A MEDICALIZAÇÃO NA ATUALIDADE

Ao se falar em medicalização, faz-se necessário especificar alguns aspectos que podem ser associados a esse termo, já amplamente utilizado, a partir de 1960, em estudos de análise crítica do consumo médico. Assim, a medicalização pode ser entendida como a forma pela qual a continuada evolução tecnológica vem modificando a prática da Medicina, por meio de inovações na área de métodos, diagnósticos e terapêuticos da indústria farmacêutica e de equipamentos médicos, evolução que tem como conseqüência um aumento, muitas vezes, exagerado no consumo de atos e produtos voltados para a área médica. (CORDEIRO, 1980)

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A medicalização social imposta, pode se referir a novas descrições de eventos fisiológicos, tais como gravidez, partos, envelhecimento, cardiopatias, condutas sociais desviantes, tais como o alcoolismo e o uso de drogas, inadaptação ao trabalho, agressividade e formas de exercício da sexualidade, que acabam tendo efeitos sobre o consumo médico e a produção de conhecimentos pela Medicina. Todos os fenômenos submetidos à normalização médica remetem a formas de intervenção com alguma prática especializada, como é o caso dos transplantes cardíacos, no sentido de se medicalizar tanto um "novo coração” quanto a própria vida.

Dessa forma, segundo Corrêa (2001), o conjunto de recursos técnico-científicos, de que dispõe a Medicina moderna, voltado para a realização do bem-estar físico do homem, tem, efetivamente, produzido a medicalização. De um lado, a ampliação de atos e de produtos do consumo médico; de outro, a interferência da Medicina no cotidiano das pessoas, por meio de normas de conduta e padrões que atingem um espectro importante de comportamentos individuais, bem como a construção da subjetividade, freqüentemente extrapolando a natureza técnica dessa normatividade.

(18)

O avanço da medicalização para toda e qualquer situação da vida1, em casos limites, tem negado, de forma radical, a relação entre Medicina e cura, ao prolongar artificialmente a sobrevivência, a ponto de impor-se a "medicalização da morte", que vem a ser o desenvolvimento, no sujeito medicado, de novas doenças decorrentes dos procedimentos médicos. Com o desenvolvimento tecnológico, as formas atuais de organização da Medicina, com alto grau de complexidade, delimitam o interesse pela cura e bem-estar do indivíduo, acabando por afastar as pessoas comuns das tomadas de decisão relativas ao próprio corpo e ao destino de suas vidas, criando uma falta de autonomia na expressão da subjetividade.

Como afirma Cordeiro (1980), a cientificidade e a profissionalização da Medicina, ao mesmo tempo em que expropriam os indivíduos do conhecimento da vida e da morte, geraram elas mesmas novas doenças e reativaram dependências. Nem mesmo os avanços tecnológicos ou transformações políticas seriam capazes de reduzir a iatrogenia2 da Medicina. Ao contrário, qualquer medida aumentaria a ira da instituição que, reagindo, provocaria novas iatrogenias. Tal pesquisador sugere o caminho da desprofissionalização do cuidado médico, priorizando o estímulo ao autocuidado, o retorno a um trabalho preventivo, devendo-se tomar por prioridade as práticas de higiene, de vida saudável, tendo como foco principal a desmedicalização da vida, pondo em questão certos abusos da Medicina.

1 - por exemplo, os antidepressivos tornaram-se panacéia para todos os males e pseudomales criados socialmente, são usados para emagrecer, parar de fumar, hiperatividade, dentre outras. As técnicas dermatológicas servem ao mercado da beleza e devem ser consumidos como remédios apesar de serem cosméticos, tanto que são comercializados no mesmo espaço físico, farmácias – comumente chamadas de drogaria e perfumaria. Segundo Sant’Anna (1995) no contexto de uma sociedade em que o lugar do médico é fundamental para a organização moral e social das famílias de elite, a falta de beleza, traduzida em termos de doença, merece o exame médico e o tratamento com remédios. Tendência que confirma a importância da tecnologia médica, dos remédios na vida cotidiana.

(19)

O combate aos diversos aspectos da medicalização social teve grande expansão, sobretudo na década de 1970, tendo chegado a constituir foco de debate social, como ocorreu, por um lado, com a crítica às formas tradicionais de abordagem médica de desvios sociais e, por outro, com a denúncia do aumento progressivo do consumo médico implicado na expansão tecnológica da Medicina no combate à intensa farmacologização da prática clínica e à progressiva multiplicação de atos diagnósticos.

No entanto, esse movimento crítico não foi capaz de reverter tais tendências, mas provocou um forte impacto social, tendo sido, em grande parte, responsável pela modificação do mercado de oferta de serviços médicos, com o ressurgimento da homeopatia, da acupuntura e de todo um conjunto de práticas, que acabaram sendo identificadas como Medicina Alternativa. (CORRÊA, 2001)

(20)

2.1 O processo de medicalização e a prática de saúde na sociedade Contemporânea

Considerado como tecnologia, o medicamento é visto como produto da Ciência, representando um avanço constante do homem no controle e na prevenção das agressões exógenas e endógenas que afetam o equilíbrio do organismo.

Embora o consumo de medicamentos, assim como o consumo de qualquer outro bem material, deva ser apreendido a partir de sua produção como um momento de realização do valor da mercadoria-medicamento, há uma especificidade nesse tipo de consumo que acaba por diferenciá-lo dos outros bens materiais. As articulações com a prática médica e as condições de prestação de serviços de saúde caracterizam tal especificidade.

A medicalização da vida é parte integrante da institucionalização industrial. A indústria da saúde está presente nos produtos de primeira necessidade, que acabam possuindo características de mercadorias industriais. Nesse sentido, a produção de saúde está ligada não só a interesses relacionados à Medicina, mas também à indústria farmacêutica.

(21)

pelos indivíduos. Trata-se de algo bastante importante, pois a intensificação do uso de medicamentos em termos de consumo desnecessário ou excessivo pode vir a produzir conseqüências graves, pondo em risco não só a saúde, mas a própria vida das pessoas.

Segundo Illich (1975), certos medicamentos criam hábitos, outros lesões, outros ainda têm ação mutogênica, que pode vir a ocorrer quando entram em sinergia com o paciente. Lopes (2000) aponta os riscos decorrentes do consumo de medicamentos por idosos, associados a fatores biofisiológicos. Ressalta que diversos produtos utilizados para tratar mal-estares crônicos interferem no metabolismo e na eliminação natural dos medicamentos pelo organismo. Alguns deles diminuem o apetite, outros causam náuseas, irritam o estômago, impedem a absorção de nutrientes, causam avitaminoses e deficiências, podendo chegar até a alterar o equilíbrio fisiológico em geral.

A agressão cirúrgica constituída por intervenções inúteis transformou-se num fenômeno generalizado. Seu efeito varia conforme o país, dependendo da ideologia médica, do receio de cirurgiões perderem o emprego e do interesse na experimentação ou, simplesmente, por depender de interesses pessoais visando benefícios monetários.

(22)

Cordeiro (1980), na mesma linha de pensamento de Dupuy e Karsenty (1980), afirma que o consumo de medicamentos não cumpre funções exclusivamente técnicas. Prioriza ir além da relação do paciente com os serviços de saúde, recolocando a questão em um contexto social mais geral. O consumo não decorreria, portanto de processos de causalidade linear, mas de determinações ligadas ao contexto econômico-sócio-cultural da sociedade. No contexto social, ainda segundo Cordeiro (1980), o consumo é dimensionado no âmbito das sociedades modernas, que se constituem em um modo de produção heterônomo, caracterizado pela transformação de todos os valores de uso em valores de troca, quer sejam bens materiais ou não materiais.

Para esse mesmo autor, a produção e o consumo crescentes de valores de troca provocam dependência aos bens produzidos, ao mesmo tempo em que paralisam a capacidade autônoma de o indivíduo se relacionar com o ambiente.

A manifestação de bloqueio da ação individual reflete-se nas condutas do doente face às normas sociais que definem a doença, às suas condições de vida e à relação com as instituições de saúde. A demanda do paciente constitui-se em uma busca de reparação e, ao mesmo tempo, de ajuda. Reparação de algo que não funciona bem e, simultaneamente, apoio afetivo.

(23)

Dessa forma, uma intervenção técnica capaz de solucionar problemas que se traduziram por alterações somáticas é aceita socialmente, pois "para todos os males pode haver um remédio". A fadiga, o estresse, o nervosismo, a ansiedade, a depressão e tensões provocadas pelo trabalho, por relações sociais, pela desesperança social e política são ordenadas como "doença" pela intervenção médica e pela prescrição de um medicamento ou de um tratamento que materialize um conjunto de queixas e sensações de mal-estar. As práticas de automedicação e aprendizagem de autodiagnóstico são traduzidas também por uma medicalização crescente, e representariam condutas socializadas na história de vida pessoal pelos contatos, muitas vezes, insatisfatórios com os atuais serviços de saúde. (CORDEIRO, 1980)

Na relação com a instituição médica através de consultas com médicos, cria-se um sistema de dependência do indivíduo medicalizado. Com a institucionalização da doença, a livre escolha de condutas de consumo de bens não existe, pois pesa sobre o indivíduo o controle das instituições que sobre ele intervêm. (DUPUY e KARSENTY, 1980).

Segundo Dupas (2006),

(24)

considerado sadio. A cada rebaixamento dos índices, segue-se recomendação de medicação preventiva "para atenuar riscos". (p. 172)

Considera-se hoje que não há indivíduos sãos, apenas doenças ainda não diagnosticadas.

A força da medicalização vincula-se à lógica de retorno do investimento da grande indústria do "setor da saúde” ·

A medicalização desconhece limites e faz a doença ser percebida como normal, até mais normal do que a condição de se estar saudável. O enorme avanço técnico da contemporaneidade na área da saúde gerou um grande déficit ético, que é acompanhado de um déficit simbólico, do ponto de vista de valor e significado da doença. (DUPAS, 2006)

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número de pacientes consultados num mesmo período de tempo). Medicalização como controle político e social, eficiência como critério econômico do trabalho médico e eficácia pela aparente precisão técnica do diagnóstico e da intervenção são conceitos relevantes para a análise das relações entre a Medicina, pacientes e a indústria farmacêutica.

Illich (1975), ao criticar o processo de medicalização, supõe que ele nada mais é senão o resultado da invasão da Medicina burocrática, tecnificada e monopolizante sobre todos os domínios da vida social. A especialização, juntamente com a conseqüente divisão social do trabalho, está na base da burocratização das instituições. O saber e o poder do médico e da Medicina como instituição residiriam na expropriação da saúde e das formas de conhecimento e de intervenções da doença, características das sociedades modernas.

É um monopólio do saber fundado na apropriação das qualidades e propriedades que as pessoas têm de enfrentar crises. A burocracia médica produz, simultaneamente, a ilusão da efetividade do cuidado médico e as conseqüências iatrogênicas decorrentes dessa intervenção. (ILLICH, 1975,apud CORDEIRO, 1980)

(26)

• de uma organização administrativa fundada em uma autoridade médica, não simplesmente como autoridade por seu saber, mas uma autoridade social que toma decisões sobre uma região, uma cidade, um bairro, uma instituição;

• da intervenção sobre as coisas: o ar, a água, os prédios, as construções, os cemitérios, os esgotos;

• do surgimento da instituição hospitalar como espaço terapêutico, transformando os hospitais dos séculos antecedentes ao séc. XVIII em locais de assistência aos pobres, e não em lugares para tratamentos médicos específicos;

• do surgimento de mecanismos de administração médica como registro de dados estatísticos vitais.

Deve-se entender a medicalização, em síntese, não como um fenômeno recente da Medicina, mas sim como a conseqüência de seu desenvolvimento tecnológico e histórico como prática, associado a condições e possibilidades de instauração de novos tipos de saber médico e avanços tecnocientíficos.

Assim, o fenômeno da medicalização, segundo Foucault (1979), pode ser visto como uma articulação da prática social da Medicina, associada a outras práticas sociais de controle do corpo social de disciplinarização e normatização.

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Lefèvre (1989), contribui com o estudo da medicalização quando nos remete ao medicamento como objeto de mercado, e suscita a discussão acerca da normatização da saúde. O medicamento passa a ser utilizado para todos os fins que respondam e correspondam a essa normatização. E transforma-se em uma das múltiplas formas de que se reveste a hegemonia da mercadoria em formações sociais capitalistas e o considera como um dos símbolos, ao lado de outros, de saúde. Afirma ainda o mesmo autor que, por ter seu consumo permitido, o medicamento passa a ser um simbolizante, materialização de um simbolizado, que é a saúde. O sentido do medicamento não se dá apenas por ser mentalmente consumido: ele é também organicamente experimentado.

Para Peirce (1975), a relação simbólica com o medicamento é, muitas vezes, uma relação que o sujeito "individual ou coletivo" mantém com uma coisa que está substituindo, ou está representando outra coisa ou estado.

A proposta da relação simbólica como fetiche3 envolve uma relação produtiva, na qual está embutida a possibilidade da existência de uma crença base por parte do sujeito dessa relação, na eficácia simbólica do fetiche como objeto de poder ou de possibilidades de produzir efeitos concretos.

Peirce (1975) também afirma que a relação simbólica do medicamento enquanto fetiche é complexa, porque a crença na eficácia simbólica está associada à crença na eficácia simbólica da ciência e da tecnologia, das quais o remédio é produto. A medicalização pode ser um símbolo de si mesmo, de um agente

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quimioterapêutico como, por exemplo, o placebo que, apesar de não ser nada, funciona como medicamento, pois encontra-se simbolicamente no lugar do medicamento. Funciona também o placebo como um símbolo da relação terapêutica, na qual o médico deve estar em posição de força, de representante do poder, cujo objetivo é promover a cura.

Segundo Lefèvre (1991), o medicamento é vivido pelo indivíduo-paciente-consumidor no contexto do desejo de obtenção da máxima eficiência e eficácia na eliminação da doença/dor e na obtenção da saúde/prazer da vida. O medicamento vivido como "objeto bom" pode ser entendido num contexto "desejante", em que o desejo se encontra com a possibilidade de rápida e magicamente realizar-se a morte da dor e o triunfo da vida.

Ainda segundo o mesmo autor, o paciente produz o sentido do medicamento influenciado pela sua condição de portador de sintomas transformados pelo sistema social inclusivo, e internalizado pelo paciente como necessidades. Portanto, o consumidor busca respostas sob a forma de mercadorias que possam vir a resolver essas necessidades.

A saúde, nesse sentido, é erigida como valor social, sendo uma importante exigência, uma vez que a própria sociedade marginaliza os não-produtivos. A saúde é adaptada à lógica do mercado, representada pela mercadoria incentivada pelo consumo. Há também a medicalização da angústia básica perante a morte, que se transformou num objeto científico contra o qual a invasão terapêutica luta, tirando proveito através da mercadoria como indústria da saúde.

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traz em seu cerne a ambigüidade, ou seja, a saúde e a doença” , devido a lembrança contínua da condição de doente, “a presença de uma falta, uma prótese química e, a garantia da continuidade da vida, do silêncio da doença” (p.106)

3. MEDICALIZAÇÃO DA CARDIOPATIA

3. 1 O transplante cardíaco

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Devido a rejeição ao órgão, os primeiros pacientes transplantados não sobreviveram, o que levou os médicos a considerarem que as drogas imunossupressoras4 fundamentais a qualquer pós-operatório de qualquer transplante, empregadas na época, não eram totalmente eficazes. Tal fato, como conseqüência, levou à interrupção dos transplantes, por um período superior a uma década. Só em 1980 houve a retomada das cirurgias de transplante, devido ao desenvolvimento da tecnologia médica e de novos medicamentos imunossupressores.

Para Pereira (1999),

o transplante cardíaco constitui hoje um importante tópico na zona de fronteira entre a doença e a morte, abrangendo vários problemas de ordem psicológica, médica, social e ética. A participação de fatores psíquicos nos resultados de qualquer procedimento médico é um consenso, não só para os pesquisadores da área, como também para a opinião leiga. Na área de transplantes de órgãos, essa acepção passa a ser incorporada formalmente, para a elegibilidade dos casos e análise dos resultados. Não se trata de uma apreciação exclusiva de transtornos situacionais de crise, por ocasião do agravamento da patologia cardíaca e indicação desse tipo de procedimento cirúrgico. (p.2)

4 A partir de 1980 a ciclosporina foi introduzida na prática do transplante cardíaco. Como ela apresenta uma ação mais seletiva na resposta imunológica celular, rapidamente se tornaram evidentes seus benefícios. Ela hoje faz parte de todos os protocolos de imunossupressão, com exceção daqueles que utilizam drogas novas, ainda em fase inicial de avaliação (...) Utilizada em associação com os corticóides no princípio, atualmente a tendência é o emprego de múltiplas drogas em doses baixas para minimizar os efeitos colaterais das mesmas. Entre os

(31)

Impõe-se uma perspectiva evolutiva no quadro da história do transplantado. Para que o transplante ocorra, faz-se necessário um procedimento altamente seletivo, no qual deve ser identificado o paciente com maiores chances de resultados satisfatórios.

Há um número insuficiente de doadores, e as implicações de risco são uma das justificativas para essa triagem. Trata-se de uma situação criada para propiciar, por um lado, a restituição do bem-estar físico do paciente e, por outro, colocá-lo diante de uma imprevisibilidade de ocorrências, quer aquelas decorrentes do estado clínico, tais como infecções, rejeições e doenças secundárias à imunossupressão, quer aquelas que participaram de sua biografia, com as quais terá que lidar. (PEREIRA, 1999, p. 2).

A cirurgia de transplante cardíaco é indicada para pacientes que apresentam cardiopatia terminal refratária ao tratamento clínico, sem possibilidade de tratamento clínico convencional, que se encontram em classe funcional III e IV, da New York Heart Association - NYHA. Na classe funcional I, estão classificados os pacientes assintomáticos; na II, aqueles que apresentam sintomas aos esforços habituais; na III, os pacientes que apresentam sintomas aos mínimos esforços e, na IV, os que apresentam sintomas, mesmo em repouso.

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nosso meio, ele foi responsável pela exclusão de 11,3% dos pacientes, em levantamento realizado por Freitas et. al., em 1994, e citado por Pereira (1999, p. 4).

Há condições específicas, que funcionam como determinantes para a exclusão de pacientes em casos de transplante: presença de diabetes mellitus; insulino dependentes; úlceras pépticas ativas; embolia pulmonar recente (menos de 03 meses); obesidade; imunodeficiências adquiridas; infecções ativas; diverticulose; aterosclerose sistêmica ou cerebral avançada; disfunção hepato-renal não secundária à insuficiência cardíaca; neoplasias; hipertensão pulmonar e algumas doenças neurológicas específicas. Obviamente, todos esses fatores são decididos por critérios médicos individualizados.

Berlinguer (1996, apud Pereira, 2002),

com relação à ética na saúde, ressalta as dificuldades encontradas desde sempre pela Medicina, para propiciar uma eqüidade de direito à saúde, visto ter sempre sido entrecortada por diversidades genéticas, comportamentais, sociais, culturais e econômicas. Na área de transplantes de órgãos, as questões éticas costumam recair sobre dois tópicos: no primeiro, discute-se sobre a legitimidade de se deslocar os escassos recursos financeiros que poderiam ser aproveitados para a prevenção e tratamento de doenças de interesse em saúde pública, para a realização de um procedimento com alto custo, para atender um percentual reduzido de pacientes; no segundo deles, as preocupações giram em torno da doação de órgãos, das condições de sobrevivência terminal e da legalidade da comercialização de órgãos. (p. 5)

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discussões éticas relacionadas à realização de transplante para um paciente que, passiva ou ativamente, poderá inviabilizar a preservação do enxerto, não comprometendo apenas a sua sobrevivência individual, mas também tirando a oportunidade de sobrevivência de outro paciente cadastrado na lista de espera, no aguardo de mesmo doador compatível. (PEREIRA, 1999)

3. 2. Processo para a realização de um transplante cardíaco

Há condições determinantes para que ocorra um transplante cardíaco. Normalmente, esse procedimento dever ser reservado para pacientes que se encontram em estágio final da doença cardíaca, independente da cardiopatia, com um potencial de vida menor que 12 meses, para os quais não haja perspectivas de outras terapias adequadas. (HYEROVITZ, 1997).

Uma vez feito o diagnóstico, os pacientes recebem por parte do corpo clínico todas as explicações necessárias, bem como informações sobre todos os passos característicos do pré e do pós-cirúrgico, além de outras informações sobre todas as perspectivas de vida após o transplante, uma vez que conviver com os efeitos de drogas imunossupressoras gera conseqüências, que provocam alterações no comportamento.

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de modo geral, pode dificultar aos pacientes seu ajuste ao programa de transplante. É um período marcado por muito medo, raiva e desespero, em que há necessidade de os pacientes adequarem-se do ponto de vista emocional, no sentido de aceitarem a possibilidade de morte prematura.

Por outro lado, nota-se também nesse período uma rápida deterioração física e, nesse sentido, o tempo desse ajuste torna-se curto, agravado pela falta de previsão de uma data para o transplante. (O'BRIEN, 1985)

Segundo Lamosa (1989), o sucesso do transplante cardíaco depende de uma boa seleção do receptor, e os critérios psicossociais devem ser tão cuidadosos quanto os critérios médicos.

Quanto aos critérios psicológicos, deve-se identificar:

• Estabilidade emocional: ausência de sinais de psicose, depressão severa não reativa, síndromes psiconeurológicas, história progressiva de tentativa de suicídio ou atos autodestrutivos, demência, retardo mental severo, coeficiente de inteligência menor que 50, sinais de negligência e não-adesão a esquemas e regimes médicos anteriores.

• Ausência de alcoolismo e adesão às drogas, já que a ciclosporina é hepatotóxica e deve ser metabolizada por um fígado sadio.

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• Quanto às relações familiares, deve-se identificar a uniformidade dos anseios e necessidades entre o paciente e membros de sua família, a solidez das relações e a firmeza de vínculos.

Muitos pacientes apresentam desordens relativas à ansiedade, na etapa pré-cirúrgica, devendo-lhes ser dada a possibilidade de expressarem suas preocupações e medos. Uma depressão no pré-operatório pode significar, segundo Watts (1984), um aumento de risco cirúrgico, criando-se, assim, a necessidade de um tratamento antes do procedimento cirúrgico. Quando uma pessoa se torna candidata a um transplante, inevitavelmente, traz consigo a possibilidade de morte enquanto aguarda sua cirurgia, havendo, dessa forma, uma espera interminável que suscita medos e ansiedades relacionados à possibilidade da própria morte. É um período estressante, não só para o paciente, como também para a família, mesmo porque há carência de doadores e a espera por um deles pode vir a ser longa.

Lamosa (1989) explica que, para se evitar hostilidade e agressões em relação à equipe multidisciplinar que vai trabalhar com o paciente, é importante ter-se muita cautela e tomar-se cuidados, a fim de que ela esteja sempre a par dos critérios de seleção para a recepção do coração, quando surgir o doador.

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• Grupo sangüíneo: a compatibilidade é necessária em relação a todos os tipos sangüíneos envolvidos no sistema ABO, mas excluindo-se o fator RH.

• Idade: atualmente, não há uma idade pré-estabelecida; o que se procura são indivíduos relativamente saudáveis que tenham, de preferência até 50 anos.

• Peso e altura compatíveis entre doador e receptor.

• Tamanho da caixa toráxica adequado.

A doação é contra-indicada quando há, por parte do doador, qualquer cardiopatia, lesão cardíaca, infecção sistêmica, presença de neoplasias, Doença de Chagas, Aids, dentre outras.

O doador deve ser um indivíduo saudável, vítima de um traumatismo craniano ou de um acidente vascular cerebral, que evolui para o estado de morte encefálica (ZERBINI, 1992/1993).

Para que se possa obter órgãos sadios e bem preservados, faz-se necessário que os doadores sejam tratados com o mesmo rigor com que os pacientes internados em terapia intensiva o são.

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junto à comunidade médica e à população em geral. Nesse sentido, a Internet tem sido de grande auxílio. O período de espera do órgão é o período mais crítico de todo o processo, segundo Osório et al (1994). Episódios de agudização da doença podem levar o paciente a óbito, devido à exacerbação de sintomas cardiovasculares. Por outro lado, segundo Maricle et al. (1991), há pacientes que obtêm melhora acentuada do quadro clínico, após sua inclusão no programa de transplante.

Quando a espera é longa, segundo Lamosa (1989), a família também se desvitaliza e perde o seu controle externo e interno, à medida que o tempo passa. O sentimento de abandono e solidão experimentado pelo paciente reporta-se ao fato de ele estar afastado de seu ambiente social, de sua rotina. Nesse período, sua preocupação é a de não morrer antes da chegada do doador, mas essa espera pode vir a ser longa.

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O procedimento do transplante cardíaco tem duração média de 6 a 7 horas. Trata-se de uma cirurgia minuciosa, com alta carga de dramaticidade. Após a captação do órgão sadio, que deve ficar bem preservado em solução específica e armazenado em baixa temperatura, o transplante tem horas contadas para acontecer. Um primeiro receptor é avisado, ficando outro de sobreaviso, caso ocorra algum problema, para que não se perca o órgão esperado tão ansiosamente.

No período correspondente ao pós-operatório, são freqüentes possíveis rejeições e complicações, que podem vir a ocorrer imediata ou tardiamente. Segundo observações de O'Brien (1985) acordar vivo de uma cirurgia em que órgãos foram trocados é sempre um momento de muito impacto, em que se misturam sentimentos de euforia, alegria de viver e gratidão, constantes no operatório imediato.

Muitos pacientes se surpreendem, quando a ameaça de morte é eliminada e sintomas como angina, dispnéia e dor desaparecem, com o aumento diário da força física (CHRISTOPHERSON, 1986).

No período correspondente ao pós-operatório tardio, há a adaptação às limitações que se impõem ao indivíduo, aderência ao tratamento, fisioterapia, realização de exames de controle, necessidade de repouso e licença médica, que acabam por afastá-lo ainda mais de seu ambiente de trabalho. A recuperação é lenta, bem como a sua autonomia corporal que, só aos poucos, vai sendo readquirida.

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estreitamentos. Como os nervos do coração transplantado foram cortados, os pacientes nem sempre sentem angina (dor no peito) quando as artérias coronárias não suprem o músculo cardíaco com oxigênio suficiente. Além disso, realiza-se uma angiografia coronária anualmente, para detectar-se a formação de tumores nos pacientes, especialmente nos gânglios linfáticos, pois as medicações aumentam as chances de risco de ocorrências dessa ordem. São os efeitos iatrogênicos da medicalização gerando outras doenças.

A expectativa de sobrevida é colocada como sendo inferior a dois ou três anos, podendo-se chegar a mais do que isso, dependendo das diferentes variáveis que ocorrem de indivíduo para indivíduo.

Blacher (1972) aponta que as biópsias endomiocárdicas colocam os pacientes em estado de ansiedade, ao implicarem diretamente o seu tempo de sobrevida. Caso haja sinais de rejeição, os pacientes, ao receberem altas doses de corticosteróides, correm o risco de desenvolvimento de distúrbios cognitivos e afetivos. Podem também vir a desenvolver depressão, ao perceberem que ainda são cardiopatas, apesar de submetidos a transplante. Segundo o autor citado, é freqüente o sentimento de troca de uma forma de doença por outra.

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reações do organismo e conhecimento sobre as medicações que podem ou não ser usadas sem prévia consulta à equipe médica. São inúmeros os cuidados a serem tomados nesse estágio.

A alta hospitalar, segundo Watts (1984), pode trazer dificuldades de ajustamento aos pacientes, principalmente por terem se sentido doentes por muito tempo e, devido à crença nesse sentido, pode vir a ser difícil para o indivíduo abandonar esse papel de doente, este ponto será melhor discutido no próximo capítulo, quando trataremos da Identidade.

Por outro lado, também encontramos pacientes mais integrados e conscientes, com objetivos estabelecidos, força egóica maior, pulsão de vida, que reagem positivamente à doença e ao transplante, facilitando, assim, sua adaptação à nova situação.

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ou indiretamente, comprometida, devendo-se, portanto investigar os fatores determinantes de falhas no autocuidado.

3. 3. Incorporação do enxerto

Pereira e colaboradores (2002) informam que a incorporação psíquica do coração designa o resultado do processo de projeção e introjeção, sendo que o alvo de projeção é o próprio coração transplantado ou o doador, e que a incorporação psíquica sustentar-se-á nas vivências de cada indivíduo, em função da estrutura de sua personalidade, da construção de sua identidade.

Pereira (1999) menciona as pesquisas de Bunzel et al (1992) referentes à questão do doador e do coração enxertado, nas quais são identificados três padrões de resposta a esse tema: num grupo, constatou-se a presença de negação maciça sobre esse aspecto; um outro grupo de transplantados admitia ter consciência de evitar pensar sobre o assunto; um terceiro grupo reconhecia haver conexões com o doador. Esses mesmos autores demonstraram que 79% dos pacientes estudados (N=47) revelaram não terem percebido qualquer mudança em sua "personalidade". Em 50%, houve manifestações de mudanças, mas pelo evento de vida em si, e não pela presença do enxerto, resposta esta que parece ser a mais adaptativa à situação. Apenas três casos declararam mudanças de sentimentos e reações atribuídas ao coração doado.

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diagnóstico rico para prevenção e, assim, visando-se a uma boa resposta adaptativa, é importante a não-ocorrência de interferências ou de preocupações dessa natureza. Dessa forma, o anonimato entre a família do doador e o receptor deve ser garantido pela equipe, para que sejam evitados problemas maiores.

Pereira (1999), em seu trabalho, sugere como hipótese que o caráter simbiótico de dependência total na relação entre receptor e doador já esteja demarcado pelo próprio ato médico na troca do coração, que deve ser mantida pela imunossupressão, diminuindo a responsividade imunológica frente ao corpo estranho, o que corresponderia, no psiquismo, a manter-se indiferenciado o Eu e o Outro (o doador). Segundo essa autora:

"O trabalho de Machado Nunes (1996) indica uma escotomização da realidade psíquica no pré-operatório, como uma descatexe do coração, numa aparente racionalização do órgão - máquina não funcionante - para dar lugar e preparar o paciente, após a cirurgia, de uma nova catexe5 emocional e afetiva no novo

órgão, como possível 'apropriação', de qualidades ou características dos doadores. Este autor considera que o sucesso no processo de internalização do coração transplantado

5 Segundo Laplanche e Pontalis catexia significa investimento, é um conceito econômico. É o fato de uma determinada energia psíquica se encontrar ligada a uma representação ou grupo de representações, a uma parte do corpo, a um objeto etc.

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depende do nível de regressão alcançado no decorrer do agravamento da cardiopatia. Quando a regressão é profunda observa-se a projeção, no exterior, de sentimentos hostis e persecutórios que representam o 'órgão novo agressor..”.

(MACHADO NUNES, 1996, apud Pereira, 1999, p.40).

A negação da realidade psíquica preconizada por Melanie klein (1946) e denominada como escotomização diz respeito, no caso do transplantado, a um mecanismo de defesa visando a proteção de sua realidade psíquica.

Podem surgir dificuldades psicológicas para a aceitação do novo coração devido ao fato do órgão ser sentido como não pertencente ao paciente.

Dessa forma, medo, desconforto referente a mudança de identificação do sexo, culpa pela morte de outra pessoa, medo pela rejeição, efeitos negativos da imunossupressão e mudança de expressão dos sentimentos podem ser intensificados pelo fato de o coração representar simbolicamente o centro dos afetos.

Um fator psicológico importante do candidato ao transplante é a capacidade de sentir a dor frente a perda ou “amputação” do seu órgão, bem como, a possível renúncia do seu estilo de vida para que haja a adesão ao tratamento. Caso a capacidade de o indivíduo suportar a perda do coração, a iminência da morte seja intensa e exceda os limites toleráveis, poderá recorrer e transitar como opção para não se sentir desintegrado a um “lugar” designado como refúgio psíquico (Steiner,1997). É uma posição fronteiriça entre a posição esquizoparanóide e a depressiva6 no qual o indivíduo não se sente ameaçado, não entrando em contato

6

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com as ansiedades persecutórias e depressivas, modelo utilizado por Pereira (2006).

O paciente pode se abrigar num estado mental de refúgio defendendo –se do seu extremo sofrimento, da possível morte da perda, desde que temporária até garantir sua sobrevivência protegidos por objetos religiosos (Pereira, 2006) e ou tecnológicos.

Com relação a integração psíquica do órgão transplantado e do doador, Pereira (2006) faz referência a autores psicanalistas entre os quais ressalta Goetzman (2004) que utiliza o modelo de fenômeno transicional de Winnnnicot. Parte do principio de que o paciente transplantado assimilaria o órgão e o doador como objetos transicionais7, no qual o doador seria percebido pelo receptor como alguém significativamente presente cedendo-lhe seus atributos pessoais, como exemplo, o receptor com idade bem superior a do doador, adquirindo vitalidade e jovialidade física e sexual, constatado no Gabriel, sujeito desta pesquisa.

Blacher (1972) aponta fatores que contribuem para o desencadeamento de um quadro psicótico, no pós-operatório, em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com exposição do coração. Na cirurgia de revascularização, transplante e troca de valva cardíaca, onde o coração é cortado, suturado, episódios de alucinações e/ou ilusões, amnésia e confusão são ocorrências comuns, fato observado em Renata, também sujeito desta pesquisa.

atacar a mãe ambivalentemente amada e perdê-la como objeto externo e interno. Essa experiência dá origem a sofrimento de culpa e sentimentos de perda. A posição esquizoparanóide trata da primeira fase do desenvolvimento, caracteriza-se pela relação com o objeto, pela prevalência da divisão (splitting) no ego, e no objeto e pela ansiedade paranóide.

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O referido autor também observou que o índice de psicose em indivíduos que fizeram cirurgia cardíaca sem exposição do órgão foi de até 20% e com exposição do órgão entre 30% e 57% constituindo,desta forma, um dado muito significativo.

Ainda segundo o mesmo autor, a experiência vivida na sala de recuperação, idade, sexo, severidade da doença antes da cirurgia e nível de pânico, são fatores que podem contribuir para o aparecimento de quadro psicótico.

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4. IDENTIDADE, METAMORFOSE E EMANCIPAÇÃO

O tema "identidade" tem atraído o interesse de vários pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento, contribuindo, assim, para a compreensão do ponto de vista individual e grupal, no que tange às condutas e formas de relacionamento como expressões da identidade.

A identidade envolve tanto a concepção do indivíduo sobre si mesmo como dos outros sobre ele, bem como, define sua posição no mundo. A representação que fazemos dos outros e de nós mesmos refere-se à identidade. Dessa forma, a existência do outro no processo de formação da identidade é uma condição constitutiva do ser humano.

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Para que o ser humano se torne um membro efetivo da sociedade, deve participar de uma relação dialética, desenvolvida com as pessoas mais próximas, que se constituem como seus "outros significativos" (Berger e Luckmann, 1976), os quais são os responsáveis pelos cuidados necessários à sua sobrevivência e ao seu desenvolvimento. Como citado anteriormente, nascemos humanizáveis, desprovidos de uma programação natural que nos possibilite sobreviver. No entanto, temos a condição de nos constituirmos como seres sócio-históricos, o que concretiza a metamorfose humana.

Segundo Berger e Luckmann (1976), o indivíduo não nasce sendo membro da sociedade: nasce potencialmente sociável e, conforme os eventos acontecem, desenvolve-se o processo dialético no qual ele é formado socialmente. A primeira fase de socialização pela qual as pessoas passam, descrita pelos autores como "socialização primária", é aquela em que uma criança adquire a capacidade de interiorizar um acontecimento objetivo, percebendo-o, interpretando-o de maneira subjetiva e dotando-o de sentido, através de outros significativos. Há, então, a identificação de modelos apreendidos, apesar de a interiorização ocorrer sem distinção crítica da realidade, pois a criança permanece ainda num processo de maturação biológica e emocional. As mensagens simbólicas ocorrem através de processos neurocognitivos que são sustentados e estimulados por uma alta carga de afetividade.

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Entretanto, como organismo individualizado, tem capacidades corporais e conscientes inerentes à espécie humana. Por sua vez, o agir dos outros em relação à criança é determinado por esquemas de ação, que provêm do "reservatório de sentido" de sua sociedade.

Com o tempo, a criança começa a entender as reações do outro como espelho de seu próprio comportamento, podendo compreender seus modos de proceder como ações típicas à luz dos padrões historicamente dados de experiência e ação. A própria criança começa, então, a se posicionar em relação às reservas sociais de sentido. Berger e Luckmann (2004) afirmam que:

“todas as instituições corporificam um sentido “primitivo de ação que se confirmou na regulamentação definitiva do agir social numa área funcional determinada (...) As mais importantes são aquelas cuja função são o controle da produção e a transmissão de sentido. (...) Ao controle da produção de sentido associa-se a comunicação de sentido. Através da educação ou da doutrinação orientada visa-se que o indivíduo só pense e faça o que corresponde às normas da sociedade.”(p.22-23)

E que:

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Para Berger e Luckmann (2004), é nesse processo que se desenvolve a identidade pessoal. Assim que entende o sentido de seu agir, a criança também entende que lhe cabe responsabilidade sobre ele, e é isso que constitui a essência da identidade pessoal: controle subjetivo sobre uma ação pela qual é responsável objetivamente. A identidade, então, se desenvolve, apesar de "crises de sentido", em concordância com as características biográficas e o sistema de valores do reservatório histórico de sentido de sua sociedade.

Quando nascemos o significado nos é dado pela coletividade, que a princípio são nossos pais, ou as pessoas que cuidam de nós; portanto o significado é coletivo. O sentido que é individual, pessoal, se desenvolve no processo de individuação permitindo a externalização da subjetividade. “O sentido se constitui na consciência humana: no indivíduo que se individualizou num corpo e se tornou uma pessoa

através de processos sociais” (BERGER e LUCKMANN, 2004, p.14)

Há uma complexidade de experiências por que passam os seres humanos a cada dia. Nesse sentido, segundo esses mesmos autores, a "solução" subjetiva de experiência e ação, as objetivações "primárias" de sentido, por assim dizer, que se tornam intersubjetivamente recordáveis através da comunicação com os outros, são processadas socialmente em "instâncias" bem diversas, no decorrer da história. O agir do indivíduo é moldado pelo sentido objetivo colocado à disposição pelos acervos sociais do conhecimento e comunicado por instituições, através da pressão que exercem para seu acatamento. (BERGER e LUCKMANN, 2004)

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conceito de crise subjetiva de sentido, principalmente quando há a dificuldade em se discernir o sentido socialmente compartilhado de um comportamento.

Quando a criança começa a interiorizar progressivamente os papéis sociais desempenhados pelos outros significativos, não somente internaliza esse outro concreto, como também é capaz de abstrair e generalizar esses papéis, em outra situação do seu cotidiano. Esse processo, conhecido como "formação do outro generalizado", significa a abstração da sociedade interiorizada, e marca a passagem para a socialização secundária.

"A socialização primária termina quando o conceito do outro generalizado foi estabelecido na consciência do indivíduo. Neste momento é um membro efetivo da sociedade e possui subjetivamente uma personalidade e um mundo. Mas esta interiorização da sociedade, da identidade e da realidade não se faz de uma vez para sempre. A socialização nunca é total e nem está jamais acabada . Este fato põe diante de nós dois outros problemas: primeiro, como é mantida na consciência a realidade interiorizada na socialização primária?; segundo, como ocorrem novas interiorizações - ou socializações secundárias - na biografia ulterior do indivíduo?" (BERGER e LUCKMANN, 1976, p. 84)

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podendo tanto se identificar como se diferenciar de outras pessoas que exercem esses mesmos papéis. Começa, então, a adquirir características próprias, que lhe permitem traçar sua biografia.

O processo de formação de identidade pressupõe a condição de o indivíduo agir em busca de decisões, cada vez mais autônomas. No processo de socialização secundária, há a interiorização de submundos institucionais, que são determinados pela divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento. Nesse processo, exige-se a aquisição de vocabulários específicos e funções nas quais haja interiorização de campos semânticos, que estruturam a área institucional.

"Os 'submundos' interiorizados na socialização secundária são geralmente realidades parciais, em contraste com o 'mundo básico' adquirido na socialização primária. Contudo, eles também são realidades mais ou menos coerentes, caracterizadas por componentes normativos e afetivos assim como cognoscitivos".

(BERGER e LUCKMANN, 1976, p. 185)

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Para maior compreensão dos processos de constituição da identidade, Berger e Luckmann (1976) destacam a importância do significado simbólico, para o entendimento e a orientação da conduta do indivíduo na sociedade. Definem "universo simbólico" como a matriz de todos os significados socialmente objetivados, os quais, na medida em que são compartilhados, tornam-se subjetivamente reais. Toda biografia de um indivíduo, bem como a sociedade histórica, se passa dentro desse universo.

"O universo simbólico é evidentemente construído por meio de objetivações sociais. No entanto sua capacidade de atribuição de significações excede de muito o domínio da vida social, de modo que o indivíduo pode 'localizar-se' nele, mesmo em suas mais solitárias experiências"..(BERGER e LUCKMANN, 1976, p. 132)

É através do universo simbólico que há a ordenação para a apreensão subjetiva da experiência biográfica, de modo que haja integração pela incorporação ao mesmo universo de significação. Dessa forma, permite ao indivíduo reencontrar sua consciência em circunstâncias segundo as quais tenha se desviado do caminho, em conseqüência de situações marginais ou caóticas, podendo retornar à realidade cotidiana, superando crises.

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A identidade enquanto categoria psico-sócio-histórica surge, desenvolve-se e transforma-se na realidade da vida cotidiana. O mundo da vida cotidiana apresenta-se como uma realidade interpretada subjetivamente e dotada de apresenta-sentido, de uma maneira que vai se tornando coerente. Esta realidade que já aparece constituída e objetivada tem na linguagem o instrumento que marca o rumo da vida das pessoas dando sentido aos objetos deste mundo. Não se pode existir na vida cotidiana sem estar em contínua interação e comunicação com os outros.

O estudo da identidade, segundo Ciampa (1984/1992), inicia-se quando se tenta responder a seguinte questão: Quem sou eu? E a reposta surge de um olhar especial para o mundo da vida cotidiana que se origina no pensamento e nas ações de pessoas comuns. A identidade humana é constituída por um indivíduo que desempenha papéis, encarna personagens, em permanente metamorfose tentando

buscar a emancipação durante a vida (CIAMPA, 1987/2005), ou seja, a identidade é entendida como movimento sempre, movimento contraditório, múltiplo e mutável.

Na medida em que o indivíduo se expressa e legitima os papéis, vai delineando sua história de vida, apropriando-se dos atributos e predicados como elementos constituintes da sua identidade. Ao apropriar-se dos predicados, apropria-se dos papéis sociais. O deapropria-sempenho de papéis pressupõe a interiorização da normatividade social, que define a expectativa de certas condutas com sentido próprio.

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ideologia. No seu conjunto, as identidades constituem a sociedade, ao mesmo tempo em que são constituídas, cada uma por ela. A questão da identidade, assim, deve ser vista não como questão apenas científica, nem meramente acadêmica: é sobretudo uma questão social, uma questão política." (CIAMPA, 1987/2005, p. 127)

A mudança nas situações sociais, a mudança na história de vida, e nas relações sociais determinam um processo contínuo de representações de si, do outro e da sociedade em que está inserido. O autor diz ainda que, algumas vezes, o indivíduo passa por um processo de reverberação de si mesmo, denominando esse movimento como "fetichismo da personagem", passando a impressão de não transformação, pois fica preso a determinados padrões repetitivos de comportamento. Para ele, é importante lembrar que, por mais que seja imperceptível a mudança, a metamorfose continua a ocorrer, através do que denomina o "processo de reposição".

Na relação do indivíduo com outras pessoas “as identidades” vão sendo re-postas e cada reposição não é a mesma. As condições objetivas são outras, outros significados vão sendo dados e internalizados, mesmo que a priori pareçam insignificantes, o ser humano encontra-se em constante transformação. Nesta relação que implica a singularidade do sujeito – há o movimento que constrói a individualidade. (CIAMPA: 1987/2005)

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para manter a mesmice. O ser humano também se transforma, inevitavelmente. Alguns, à custa de muito trabalho, de muito labor, protelam certas transformações, evitam a evidência de determinadas mudanças, tentam de alguma forma continuar sendo o que chegaram a ser num momento de sua vida, sem perceber, talvez, que estão se transformando numa ... réplica, numa cópia daquilo que não estão sendo, do que foram. De qualquer forma, é o trabalho da re-posição que sustenta a mesmice". (CIAMPA, 1987/2005, p.165)

A mesmice, ou a não superação da identidade se dá devido às condições subjetivas e objetivas do cotidiano. Nas condições objetivas, incluem-se as estruturas sociais, as organizações, os grupos de referência e os sistemas político-ideológicos; nas condições subjetivas, incluem-se a memória crítica e a percepção individualizada através do quanto o indivíduo apropriou-se de determinado contexto da realidade, de forma idiossincrática, ao encarnar "personagens", quando desempenha seus papéis sociais. (CIAMPA, 1987/2005; idem, 1992)

O sintagma "identidade - metamorfose - emancipação", proposto por Ciampa, faz-nos refletir a respeito da identidade enquanto metamorfose, associada ao processo de concretização do sujeito humano, que busca sua emancipação -formação e trans-formação de forma inacabada, num contínuo vir-a-ser, encarnando múltiplas personagens com diferentes contextos de sociabilidade vivenciados cotidianamente.

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preservar o sentido das mesmas. E, nesse processo estabelecer condições objetivas que garantam a possibilidade de recriar essas experiências no futuro. Caso contrário pode-se criar novas condições para sua negação, conquistando, assim, a superação, que por sua vez pressupõe antes a concretização, isto é, só se pode superar aquilo que já foi concretizado, externalizado, e isso se dá pela atividade mediante o exercício de reflexão – diálogo efetivo ou internalizado anteriormente.

A identidade também é ocultação e revelação – revelação é condição para a ocultação. Perante determinadas condições objetivas é revelada uma dada personagem e ocultada outra. Pode-se ressaltar também que a identidade é construída por elementos opostos: diferença e igualdade, objetividade e subjetividade, ocultação e revelação, humanização e desumanização, mesmice e mesmidade; e, para compreendê-la, é necessário articular essas dimensões aparentemente contraditórias a fim de superar a dicotomia indivíduo-sociedade que constitui a problemática da identidade desde a origem do termo.

Ciampa (1987/2005) discute a mesmidade através da articulação entre atividade e consciência - “mesmidade de pensar e ser” (p. 143). Este elemento caracteriza também a identidade enquanto movimento e plasticidade, pois se dá pelo ato de refletir sobre o que temos sido e o que podemos ser.

Estamos apenas mostrando que, à medida que vão ocorrendo transformações na identidade, concomitantemente ocorrem transformações na consciência (tanto quanto na atividade).

(CIAMPA, 1987/2005, p. 186)

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permanentemente, sem a mediação da reflexão, que nas palavras do autor traduz-se como "mesmice de si imposta”. Nesta afirmação subentende-se que o sujeito é levado a reproduzir uma identidade por força dos processos sociais que o tem como "tipo". Identificamos aqui a negação da humanidade do indivíduo, a qual é veiculada a partir de interesses que fogem ao seu controle. Muitas pessoas são tolhidas de se transformar, ou seja, são forçadas a reproduzir-se como réplicas de si, involuntariamente, a fim de preservar interesses estabelecidos e situações convenientes ao sistema. E, se analisarmos estes interesses e conveniências, notaremos que são interesses e conveniências inerentes ao sistema capitalista.- o trabalho de reposição que sustenta a mesmice.

A identidade segundo Ciampa (1984/1992) é verbo, o que subentende ação/atividade. O autor fala da identidade enquanto processo de identificação que começa no primeiro grupo social, a família, na qual as duas dimensões da identidade começam a se constituir – igualdade e diferença. “Nosso primeiro nome (prenome) nos diferencia de nossos familiares, enquanto o último (sobrenome) nos

iguala a eles. Diferença e igualdade” (CIAMPA, 1984/1992, p. 63).

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“Na medida em que o sujeito que cresce através do processo de socialização e incorpora inicialmente aquilo que as pessoas de referencia esperam dele, passando em seguida a integrar e a generalizar, através da abstração, as expectativas múltiplas, inclusive as contraditórias, surge um centro interior de auto comando do comportamento, imputável individualmente. Tal instancia da consciência significa ‘um grau de individuação que exige uma diferenciação de papéis, uma distancia em relação às expectativas alimentadas por outros quando nós desempenhamos esses papéis. Tal separação e individuação surge quando, no decorrer da história de nossa vida, se manifestam expectativas conflitantes (...)”

(HABERMAS, 2002, p. 185-186)

Tornar-se uma pessoa individualizada significa adquirir competências que lhe permitam orientar-se de forma autônoma; significa ter consciência das determinações gerais que constituem o indivíduo, apropriando-se, criticamente, de sua própria vida com responsabilidade. É através do entendimento com os outros e consigo mesmo que a autonomia se desenvolve:

A elaboração internalizada desses conflitos leva a uma

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Para Habermas (1996), o elemento individual deve ser caracterizado como sendo essencial. Recorrendo ao pensamento de Durkheim, Habermas diz:

"Ser uma pessoa significa ser uma fonte autônoma do agir. O homem só adquire essa qualidade na medida em que possui algo em si mesmo, que o individualiza, onde ele é mais do que uma simples encarnação do tipo especial de sua raça e de seu grupo ..." (p. 184).

Habermas (2002) refere-se à guinada em direção a um modo de ver intersubjetivista, quando se refere à individualidade na qual a consciência, que parece estar centrada no Eu, não é imediata ou simplesmente interior. Pelo contrário, para esse autor, a autoconsciência forma-se através da relação simbolicamente mediada que se tem com um parceiro de interação, num caminho que vai de fora para dentro. Nessa medida, para Habermas, a autoconsciência possui um núcleo intersubjetivo. Sua posição excêntrica testemunha a dependência contínua da subjetividade face à linguagem, que é o meio através do qual alguém se reconhece no outro, de modo não-objetivador.

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O conceito meadiano de identidade delineado intersubjetivisticamente, oferece um meio para uma distinção nítida entre aspectos contrários da individualização social . (p. 228)

A identidade afirma-se no reconhecimento do outro e o entendimento se dá através da intersubjetividade do mundo da vida. O indivíduo situa-se nesse mundo assimilando e compartilhando intersubjetivamente sua história de vida, de forma consciente, guiado por uma individualidade, que foi adquirida e que deseja ser identificada como alguém que se fez por conta própria.

O significado de 'individualidade' deve ser esclarecido com o auxílio da autocompreensão ética de uma primeira pessoa que se relaciona com uma segunda pessoa. Só pode possuir um conceito de individualidade que aponta para além da mera singularidade aquele que sabe - perante si mesmo e os outros - quem ele é e quem gostaria de ser (...)” (HABERMAS, 2002, p. 202/203)

O mundo da vida refere-se ao cotidiano no qual a vida se dá, compreendendo toda uma gama de atividades rotineiras, inclusive as não relevantes, também incluindo o papel da tradição e os mais variados modos de pensar e de agir da comunicação. Sendo assim, é no mundo da vida que se dá o agir comunicativo.

Referências

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