Exploração sexual: notas sobre a
experiência de vida de adolescentes
no Brasil
Jornada Internacional Sobre Desaparecimento e Exploração
Sexual de Crianças e Adolescentes e III Seminário Projeto
Caminho de Volta
Profa Dra Renata Maria Coimbra Libório
Departamento de Educação e Programa de Pós-Graduação da FCT UNESP Campus de Presidente Prudente
Caracterizando a realidade
estudada
Presidente Prudente – cidade médio porte interior de SP;
Anos de 1999/2000 – pesquisa de Doutorado “Desvendando vozes silenciadas: adolescentes em situação de exploração sexual;
Anos de 2001/2005 – formação de profissionais que atuavam no Programa Crescer e Sentinela, e demais serviços nos quais as adolescentes eram usuárias;
2009 – Reuniões com profissionais do programa Sentinela
- Apresentação de uma caracterização sócio-econômica e familiar de um grupo de adolescentes em situação de exploração sexual;
- Descrição do perfil das adolescentes em relação a: faixa etária, grupo étnico/ racial, escolaridade, conhecimentos e práticas de saúde e
sexualidade e a história de seu envolvimento com a rede de exploração sexual;
- Participaram da pesquisa 14 adolescentes do sexo feminino residentes, no ano de 1999/2000, no município de Presidente
Prudente.
Atualmente no Programa Sentinela são atendidas :06 (frequência
constante); encaminhadas por Fórum e CT em 2009 – 09, só 01 aderiu (após visita); idades (14 e 15 anos):
Caracterização
As adolescentes que participaram da pesquisa já se
encontravam envolvidas na ESCA por um período que
variava de 6 meses a 3 anos e sua faixa etária era de
13 a 17 anos
Idade das adolescentes na época das entrevistas
13 anos ---1adolescente
14 anos---5 adolescentes
15 anos---2 adolescentes
16 anos---3 adolescentes
17 anos---3 adolescentes
caracterização
Raça/ etnia das adolescentes
Branca --- 6 adolescentes Afro-descendente --- 8 adolescentes
Pessoas com as quais as adolescentes moravam
Com amigas --- 5 adolescentes Com mãe e irmã --- 3 adolescentes Com pai e irmãos --- 2 adolescentes Centro de reabilitação (drogas) --- 1 adolescentes Com aliciador --- 1 adolescentes
Exclusão social - famílias
Ao pensarmos nas condições de vida das
adolescentes e/ ou seus familiares, podemos
considerar que, das catorze adolescentes,
um número significativo (11 delas) viviam
em regiões da cidade que apresentam
problemáticas sociais sérias, caracterizadas
com apresentando índices de exclusão
social decorrentes da ausência de políticas
públicas voltadas para populações de baixa
renda, expressando uma dimensão da
Escolaridade
Freqüência à escola no período de realização das entrevistas ;
continuidade dessa situação, com caracterização da escola e
de seus profissionais negativas; escolas tem grande
dificuldade de receber as adolescentes e denunciar (estigma)
(pesquisa PIBIC)
Sim 0 --- adolescente
Não14 --- adolescentes
Nível de escolaridade
Até a 3a série do ensino fundamental --- 1 adolescente
Até a 4a série do ensino fundamental --- 4 adolescentes
Até a 5a série do ensino fundamental --- 5 adolescentes
Até a 6a série do ensino fundamental --- 4 adolescentes
Abandono do lar
A adolescente saiu de casa? Sim --- 11 adolescentes
Não --- 3 adolescentes
A maioria respondeu afirmativamente a essa questão, ou seja, relatou ter
abandonado sua casa e sua família em algum período de sua vida, por uma ou várias vezes
Motivos responsáveis pelo abandono do lar
- Devido a conflitos freqüentes vividos com os pais e/ ou com padrasto
--- 7
Pela curiosidade de conhecer o “mundo lá fora” --- 1
Devido revolta por ter sido estuprada pelo pai --- 1
Porque achou que estava grávida --- 1
Porque apanhava muito --- 1
Conflitos intra-familiares respondendo pela saída das adolescentes de
Experiência sexual
Idade na qual as adolescentes tiveram sua primeira
experiência sexual
Aos 7 anos --- 1 adolescente
Aos 10 anos --- 1 adolescente
Aos 11 anos --- 1 adolescente
Aos 12 anos --- 3 adolescentes
Aos 13 anos --- 2 adolescentes
Aos 14 anos --- 4 adolescentes
Aos 15 anos --- 1 adolescente
Aos 16 anos --- 1 adolescente
Experiência sexual
Indivíduos com os quais as
adolescentes tiveram sua primeira
experiência sexual
Com o namorado --- 7 adolescentes
Com o estuprador --- 3 adolescentes
Com um amigo --- 1 adolescente
Com um cliente --- 1 adolescente
Idade na qual as adolescentes
envolveram-se na exploração
sexual
10 anos --- 1
11 anos --- 2
12 anos --- 4
13 anos --- 3
14 anos --- 3
15 anos --- 1
Motivos que interferiram no
encaminhamento para a exploração sexual
Para ganhar dinheiro e comprar roupas bonitas (4 adolescentes);
Porque estava necessitando de dinheiro (3 adolescentes)
Porque aliciadora a convenceu que essa seria uma forma fácil de
ganhar dinheiro (3 adolescentes)
Porque necessitava de dinheiro para comprar drogas e roupas (2
adolescentes);
Devido revolta por estupro sofrido e porque necessitava do dinheiro
(1 adolescente);
Por influência dos membros da gangue do namorado (1
Fatores que interferem na
manutenção da adolescente na
exploração sexual
Porque necessita do dinheiro para cobrir
despesas com aluguel, alimentação, água e luz,
cobrado pelo aliciador 06;
Porque é “viciada na rua” 02;
Porque precisa do dinheiro para comprar drogas
02;
Porque ganha “dinheiro fácil” 01;
Porque é forçada pelos companheiros de
gangue 01
Fatores de risco
Existência de explorador (a) sexual – aliciador (a) na
vida das adolescentes
Sim --- 9 adolescentes
Não --- 5 adolescentes
Fatores de risco que intensificam o envolvimento da
adolescente na exploração sexual, dificultando seu
rompimento:
- presença do aliciador em sua vida;
- abuso de drogas;
Caracterização da ESCA
Local e formas de pagamento
Permanência em pontos de prostituição nas ruas centrais da cidade e/ ou próximos à
rodoviária (pagamento em dinheiro) --- 8 adolescentes
Combinação de programas com clientes por telefone (pagamento em dinheiro e/ ou
benefícios)--- 3 adolescentes (CELULAR AUMENTOU ESSA PRÁTICA)
Realização de programas em troca de favores (proteção e/ ou drogas)
--- 1 adolescente
Casas de favorecimento à prostituição --- 1 adolescente Rodovias --- 1 adolescente Tempo de permanência nas ruas, expostas aos programas Aproximadamente 6 horas (das 21 às 3 hs) --- 8 adolescentes Aproximadamente 10 horas (das 14 às 00 hs) --- 1 adolescente Não tem horário fixo-combina por telefone --- 3 adolescentes Não respondeu --- 2 adolescentes
Caracterização da ESCA
Freqüência de realização de programas
Todos os dias --- 5 adolescentes Duas ou três vezes por semana --- 5 adolescentes Cinco a seis vezes por semana --- 2 adolescentes Sempre que dava certo --- 1 adolescente Não respondeu --- 1 adolescente
Explorador sexual – os clientes, em relação à faixa etária,
estado civil e nível sócio-econômico
Homens acima de 45 anos e considerados como possuindo ótima condição
econômica (ricos) pelas meninas (07 adolescentes) ; Indistintamente homens casados e solteiros, considerados ricos pelas meninas (03 adolescentes);
Indistintamente homens jovens (18 – 25 anos) e mais velhos (acima de 45
Gravidez – Um dos motivos do abandono do
Programa Sentinela (2009)
(Pesquisa de Campo , 1999/2000)
Sim --- 7 adolescentes Não --- 7 adolescentes
Idade das adolescentes ao engravidarem 13 anos --- 3 adolescentes
14 anos --- 2 adolescentes 16 anos --- 2 adolescentes Informações sobre abortamentos Sim --- 3 adolescentes Não --- 4 adolescentes Natureza do abortamento
Aborto natural --- 2 adolescentes Aborto provocado ----1 adolescentes
DST e AIDS
Conhecimentos das adolescentes sobre doenças sexualmente transmissíveis Dizem não saber “nada” --- 5 adolescentes
Dizem saber um “pouco” --- 3 adolescentes Sabem sobre as formas de transmissão --- 3 adolescentes Sabem o nome de alguma(s) DST(s) --- 3 adolescentes Conhecimentos das adolescentes sobre a AIDS
Adolescente diz não saber “nada” --- 5
Adolescente diz saber que é uma doença perigosa, transmitida por relação sexual vaginal e oral
sem preservativo e seringas --- 4
É uma doença transmitida por relação sexual sem preservativo --- 2 É uma doença perigosa --- 1
Adolescente diz saber ‘’tudo’’ --- 1 Não respondeu ---
Drogas
Conhecem
Maconha --- 13 adolescentes Cocaína --- 11 adolescentes Crack --- 11 adolescentes Cola/tiner (inalantes) --- 8 adolescentes Heroína --- 1 adolescente Cigarro --- 1 adolescente Usam /usaram com mais freqüência
Maconha, cocaína, crack e cola/ tiner --- 7 Maconha e Crack --- 2 Somente maconha --- 2
Maconha, cocaína, crack, cola/ tiner e cigarro --- 1 Só cocaína --- 1
Modalidades da ESCA
prostituição nas ruas centrais da cidade e próximas à rodoviária; - em postos de gasolinas, na saída para a rodovia (cujo exploradores
sexuais - clientes principais eram os caminhoneiros);
-a combinação de programas com os clientes por telefone;
- a permanência em casas de prostituição (estabelecimentos como
prostíbulos e boates);
- uma forma de prostituição voltada para traficantes que controlavam
gangues em bairros periféricos da cidade;
- tráfico interno (de Presidente Prudente para interior de São Paulo, Mato
Grosso do Sul e Paraná) de adolescentes para fins sexuais, comandado por prostitutas mais velhas e donos de casas de prostituição e boates; dessa rede de exploração sexual também faziam parte taxistas que
transportavam as adolescentes e outros que falsificavam suas carteiras de identidade.
-presença de turismo sexual (identificada pela pesquisa diagnóstica do
Pacto SP) em cidades com potencial turístico como balneários, em cidades como Rosana /Primavera e Panorama( além de relatos de aluguel de
Categorias analíticas
a) Aspectos da sexualidade das adolescentes e representações sobre corpo
(desgaste e envelhecimento precoce/desvalorização);
b) Alternativas de trabalho e outras atividades de geração de renda
vislumbradas pelas adolescentes;
c) Importância do grupo de pares e das intervenções dos educadores
sociais (redes de apoio/eventualmente religiosidade/fé/familia);
d) Aspectos relacionados à saúde física e mental;
e) Presença de poucas redes de apoio pessoal e social e poucos fatores de
proteção em suas vidas e de suas famílias – falhas nas redes de
proteção do Estado e família desde infância das adolescentes e falta de articulação entre secretarias, CT, Judiciário no acompanhamento;
Categorias analíticas
f)vivência no mundo das drogas e na ESCA (percepção do estigma
– desejo de ser “normal”);
g) relacionamento com os órgãos de segurança(viol. física,
psicológica e sexual) e judiciário;
h) presença de múltiplos fatores de risco (mulher/adolescente/
pobre/baixa escolaridade/violência) durante o desenvolvimento
psicossocial das adolescentes;
i) perspectivas de futuro e desejos (clínica desintoxicação/república/
apoio afetivo e recursos materiais);
j) relacionamento afetivo das adolescentes e as várias formas de
vivenciar a sexualidade (sujeito sexual/direitos sexuais/diferenças
entre clientes e namorados);
k) aspectos da dinâmica familiar;
POLÍTICAS SOCIAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA
VIOLÊNCIA SEXUAL – reflexões e encaminhamentos
possíveis a partir da pesquisa utilizada
Violação de direitos e estado de abandono social (ausência de fatores de proteção)
modelo econômico do país – produtor de exclusão social ;
fortalecimento do papel do Estado – cumprimento de funções com populações em situação de
exclusão social;
Valores culturais (morais) e sociais que resistem a concepção das crianças e adolescentes como
sujeitos de direitos;
necessidade de criminalização e responsabilização dos que cometem crimes contra a população
infanto-juvenil;
elaboração de políticas públicas na várias esferas para garantir um atendimento integrado,
contínuo e de qualidade às famílias em situação de pobreza / exclusão social (evitar fragmentação);
Levantamento diagnóstico para verificação dos locais de maior concentração e fluxo de crianças
Enfrentamento
Atendimento dentro do paradigma de redes;
Maior diálogo institucional entre equipamentos sociais que atendem
famílias e crianças (evitando contradições, resistência e revitimização e favorecendo atendimento articulado e coerente);
Inversão da lógica institucionalizante – necessidade de priorizarmos a
re-vinculação da crianças e adolescentes em situação de rua ou ESCCA com suas famílias e comunidades;
Problematizar aspectos valorativos sobre relações assimétricas de poder
Enfrentamento
Promover integração das políticas educacionais, de saúde, assistência social,
esporte, cultura e lazer;
formação de profissionais que atuam na área da infância e adolescência
(inicial e continuada de professores; psicólogos, assistentes sociais, advogados, médicos pediatras e ginecologistas e que atuam no IML);
Revisão na estrutura e funcionamento das instituições educativas, com
políticas educacionais que garantam maior qualidade na educação pública, evitando a lógica excludente;
Projetos integrados na escola que visem discussões sobre direitos da
população infanto-juvenil e ações na área de educação afetivo-sexual em uma perspectiva emancipatória e problematizadora, que vá além de visão
:
- ATENDIMENTO ESPECÍFICO ÀQUELAS JÁ INSERIDAS NA ESCA
- Criar espaços abertos de permanência voluntária, com apoio integral
e com possibilidades de elaboração de novos projetos de vida;
-
Oferecimento de atendimento de saúde constante e/ ou
emergencial, que contemple espaços formativos;
-
Oferecimento de serviços na esfera legal (recebimento de
orientações jurídicas e/ou defesa legal);
-
Apoio educacional e formação quanto à serviços de geração de
renda (com enfoques participativos) que permitam a elas o acesso a
atividades e serviços que não tenham o caráter exploratório;
-
Às adolescentes mães, que seja garantida a inclusão de seus filhos
em espaços educativos, enquanto elas participam de projetos
destinados
ao seu atendimento
.Conjunto dos fatores
macro-contextuais
adolescentes e suas famílias expostas à diversos fatores
de risco social: exclusão social , pobreza, desemprego;
tolerância da sociedade quanto à violação dos direitos à
que estão expostos crianças e adolescentes;
tolerância / conivência / complacência da sociedade
frente ao cometimento da violência sexual contra
crianças e adolescentes;
políticas públicas insuficientes para a promoção de
inclusão social de famílias em situação de pobreza e
outras formas de exclusão social;
redes de proteção (família, Estado e comunidade)
pouco articuladas, dificultando a promoção, garantia e
defesa dos direitos de crianças e adolescentes em
Macro-contextuais
fragmentação das políticas sociais de atendimento às populações em situação de
exclusão social;
- concepções equivocadas sobre a sexualidade na infância e adolescência que
tendem a homogeinizar o modelo de sexualidade genital;
- respostas da sociedade frente aos crimes cometidos contra a população
infanto-juvenil, na medida em que os exploradores sexuais (clientes e aliciadores) são pouco punidos / repreendidos e transforma as adolescentes nessa situação em culpadas / responsáveis pela condição na qual se encontram;
- presença de relações assimétricas de gênero;
- dupla moral a respeito do papel social / sexual do gênero feminino, dicotomia santa
X prostituta ;
- influência da dimensão raça / etnia nos processos de exclusão social; - a existência prévia de mercado sexual envolvendo mulheres;
- supervalorização do corpo belo e jovem, estimulado pela mídia televisiva,
propaganda e marketing, promovendo a erotização precoce e mercantilização de crianças e adolescentes;
- consumismo-influência do mercado;
- poucas opções de geração de renda para adolescentes do sexo feminino e com
Micro situacionais e relacionais
famílias disfuncionais;
- abandono do lar em idade precoce e quebra de vínculos familiares; - presença de violência doméstica durante a infância; - uso de
drogas por parte dos pais;
- fracasso / exclusão escolar e baixa escolaridade; - envolvimento
com grupos marginalizados socialmente (prostitutas, população de rua, traficantes e aliciadores);
- uso / abuso de drogas lícitas e ilícitas por parte das adolescentes; - influência do grupo de pares (amigas exploradas sexualmente); - existência de rede de exploração sexual comercial no município e
região;
- encontro com o explorador sexual, ocupando o espaço vazio deixado
Fatores psicológicos
- processo de vulnerabilização (maior susceptibilidade à
fragilizar-se frente a situações adversas da vida ), gerado pela exposição à diversos fatores de risco pessoal e social;
- comprometimentos na saúde mental, dentre os quais, presença de traços
depressivos;
- comprometimentos na auto-estima, aparecimento da auto-desvalorização; - identificação com grupo de pares (já inseridos na exploração sexual); - dificuldade na elaboração de novos projetos de vida para além da
estigmatização incorporada;
- processo de culpabilização psicológica;
- distanciamento afetivo, provocado pela dessensibilização, negação de
sentimentos e uso abusivo de drogas, que diminuem capacidade de reação, auto-proteção e de discernimento das situações em que vivem;
- fusão / indissociação entre identidade pessoal e social;-
- incorporação da identidade estigmatizada, dificultando o rompimento com a