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A continuidade do cuidado a mulher e recém-nascido após o parto e nascimento: perspectivas de um cuidado integrador e autonomizante

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Academic year: 2021

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A continuidade do cuidado a mulher e recém-nascido após o parto e nascimento: perspectivas de um cuidado integrador e autonomizante

Ruth Hitomi Osava1 INTRODUÇÃO

Em nosso meio, a atenção ao pré-natal e parto tem recebido, universalmente, maior investimento público. Do mais rico ao mais pobre, a cobertura aumentou em todas as classes sociais. Victora et al, 2011(1), em recente publicação sobre a situação da saúde materna e infantil no Brasil, destaca que, em 1996, 71,6% das mulheres do quinto mais baixo de renda recebiam atenção durante o parto por pessoal treinado. Dez anos depois, esta cobertura aumentou para 96,8%, para o mesmo extrato de renda.

Se a ampliação da cobertura na atenção ao parto foi notável para todos, o mesmo não ocorreu com a atenção pós-parto. De acordo com Bick et al, 2008(2), ―um fator comum

a todos os países que tem investigado os resultados de saúde após o parto, seja em um país desenvolvido ou em desenvolvimento, é a aparente invisibilidade do período pós-natal e a falta de reconhecimento sistemático que o cuidado após o parto é uma continuidade essencial do cuidado na gravidez e parto.‖

No presente, aspectos relevantes serão destacados, com o intuito de refletir sobre estratégias que possam garantir a continuidade do cuidado a mulher e recém-nascido após o parto e nascimento e, em particular, as potencialidades da enfermagem obstétrica como elemento indutor deste processo.

A INVISIBILIDADE DA ATENÇÃO PÓS-PARTO

Ceccim e Merhy, 2009(4) analisando os desafios da implementação de uma política brasileira para melhorar a qualidade da resposta assistencial e gerencial do sistema de saúde, denominada Política Nacional de Humanização, destacam que a prática de atender nos estabelecimentos de saúde está marcada pela presença de forças

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Enfermeira Obstetra. Professor Doutor do Curso de Obstetrícia da Escola de Artes Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. Endereço: Rua Mauro, 462 apto 71-A Saúde São Paulo CEP 04055-014

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externas, antecedentes ao encontro, numa espécie de ausência de interação: relação fria, tecnicista, excessivamente objetiva, centrada em procedimentos, onde as pessoas são tomadas por objeto, por um diagnóstico de doença, por um histórico de queixas ou por uma situação de risco.

Todas as puérperas tem demandas, sejam físicas, psicológicas, sociais ou espirituais. Mas quando estas queixas não são de ordem biológica, costumam ser desvalorizadas, como observaram Cabral e Correa, 2010(3). A análise das falas de entrevistados, médicos e enfermeiros integrantes de Equipes de Saúde da Família evidencia que estes tendiam a naturalizar os fenômenos presentes no pós-parto de puérperas adolescentes. E ao ser naturalizadas, questões relativas à saúde delas não eram valorizadas como demandas de saúde, tornando-se, portanto, invisíveis.

O caso da atenção ao parto é um exemplo impressionante da perda crescente de autonomia da mulher e da despersonalização da assistência. De um evento social, que se estendia sem interrupções do parto ao pós-parto, envolvendo uma rede feminina de solidariedade, o fenômeno do nascimento foi reduzido a um evento médico, visto apenas pela óptica biológica.

Os historiadores tendem a assumir que a rede de solidariedade das mulheres no parto desapareceu no momento em que homens começaram a atender. Leavitt, 1988(5), discorda: não foi a entrada de homens que quebrou as redes de solidariedade femininas - as mulheres continuaram a ajudar umas as outras e a controlar os eventos do nascimento enquanto o parto era assistido fora do hospital. É no ingresso ao hospital que se esgarçaram essas redes.

A Confederação Internacional de Parteiras, 2008(6), defende o modelo de atenção caracterizado por um continuum do cuidado, em lugar do cuidado segmentado (e fragmentado) vigente nas maternidades. A segmentação da assistência é peculiar ao modelo tecnocrático e tal situação tem levado enfermeiros obstetras e obstetrizes a preferir o atendimento ao parto e nascimento em contextos menos medicalizados, como os Centros de Parto Normal, as Casas de Parto ou o parto domiciliar.

A Casa de Parto de Sapopemba (CPS), foi inaugurada em setembro de 1998. Tratou-se da primeira Casa de Parto integrada ao Sistema Único da Saúde (SUS) com

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abrangência de 400.000 habitantes. A CPS iniciou uma experiência de integração Programa Saúde da Família (PSF) - Casa de Parto, concentrando a resolução de todo o processo gravídico-puerperal e ao recém-nascido normal dentro da atenção básica.

A experiência deu origem ao procedimento ―parto e nascimento fora do hospital‖ dentro do sistema público da saúde. A escolha por enfermeiros especializados como elemento obrigatório e não substituível representou, sobretudo, uma estratégia para evitar a reprodução do modelo intervencionista e segmentado nesse novo ambiente. A Casa de Parto abre perspectivas para a reintegração das dimensões de cuidar e de curar. Assim, procura se distanciar do formato dos serviços de saúde convencionais, caracterizados pela resolutividade imediata e falta de continuidade. O importante para a humanização é justamente a permeabilidade do técnico ao não-técnico, o diálogo entre essas dimensões interligadas (Ayres, 2004)(7).

As Casas de Parto acompanham as mães após o parto, pelo tempo que elas precisarem, constituindo-se em uma referência de saúde e, também, uma referência afetiva. Os resultados das Casas de Parto vêm estimulando o desenvolvimento da enfermagem obstétrica dentro da noção de continuidade do cuidado, e podem ser percebidos como uma estratégia que permite a convergência de interesses da clientela e da profissão, tanto como um meio para os parteiros ganharem maior autonomia profissional, como também para se construir um caminho para o aperfeiçoamento da fisiologia do parto e nascimento.

Um ponto essencial na emergência de novas modalidades de assistência é a confiança que suscita. Alain Peyrefitte, 1999(8), estudando sociedades que se desenvolveram mais que outras, concluiu que são os traços mais imateriais de uma civilização - religião, preconceitos, atitudes perante a autoridade, tabus, comportamentos no tocante à mudança – que exercem uma influência decisiva sobre o desenvolvimento.

O autor caracterizou estas sociedades como sociedades de confiança. É uma sociedade em expansão, do ganhar-ganhar ("se você ganha, eu ganho"); uma sociedade de solidariedade, de projeto comum, de abertura, de intercâmbio, de comunicação. Numa sociedade da confiança, a mola do desenvolvimento reside na confiança depositada na iniciativa pessoal, na liberdade exploradora e criativa - em uma liberdade que conhece

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suas contrapartidas, seus deveres, seus limites, em suma, sua capacidade de responder por si mesma.

Ceccim e Merhy, 2009(4) ressaltam que quando se olha com mais acuidade o cotidiano das práticas de saúde, nota-se que os profissionais não agem de modo igual, mesmo aqueles de igual categoria profissional, no interior da mesma situação de atenção à saúde. Mesmo trabalhando sob as mesmas determinações, os profissionais são bem diferentes entre si na maneira de cuidar, parecendo - muitas vezes - que uns cuidam e outros não, ou que uma dada equipe de saúde ocupa-se do cuidado e outra não.

Os autores apontam uma micropolítica do trabalho em saúde, que se oporia - ou parece resistir - à macropolítica do gerenciamento, da protocolização, da corporativização ou das racionalidades: um trabalho vivo, em ato, fazendo oposição aos modelos assistenciais impostos ou impositivos.

A fundação de novos modelos de atenção deve se ancorar na ética e na compaixão. E isso só ocorre no interior de uma sociedade que abre espaço para a ação criativa, amorosa e despretensiosa de seus membros, uma sociedade onde são deliberadamente favorecidos os comportamentos emancipadores, e superados os comportamentos entorpecedores.

A exploração de novas vias — não apenas geográficas — sempre comporta um risco. A atenção no pós-parto é um campo fértil para a atuação dos parteiros. É preciso, contudo, inovar as práticas, ficar ao lado das mulheres. A autonomia dos parteiros deve influir positivamente na autonomia das mulheres. Cresce uma, cresce outra, proporcionalmente. Quando se leva em conta que o modo como uma mulher dá à luz e o modo como estabelece o vínculo e a maternagem, podem afetar completamente o resto de sua vida, aprofunda-se nos profissionais envolvidos com a assistência a mulher e a criança, a consciência do alcance de suas ações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. The Lancet,London, p.32-46, maio. 2011. Disponivel em:htpp://download.thelancet.com

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2. Bick D, Bastos MH, Diniz, SG. Revelando o potencial do cuidado eficaz para a saúde materna e infantil por toda a vida: a necessidade de abordar o serviço ―invisível‖no período pós-natal. (Editorial). Rev. esc. enferm. USP v.42 n.3 São Paulo set. 2008

3. Cabral FB, Oliveira DLLC de. Women's vulnerability in the puerperium from the view of Family Health Teams: emphasis on generational aspects and adolescence. Rev.

esc. enferm. USP [online]. 2010, vol.44, n.2, pp. 368-375. ISSN 0080-6234.

4. Ceccim RB, Merhy EE. Um agir micropolítico e pedagógico intenso: a humanização entre laços e perspectivas. Interface (Botucatu) [online]. 2009, vol.13, suppl.1, pp. 531-542. ISSN 1414-3283.

5. Leavitt JW. The Medicalization of the Childbirth in the Twentieth Century. Trans

Stud College Pshys Philadelphia. 11(4): 299-319, 1989

6. International Confederation of Midwives (2008). Disponível em

http://www.internationalmidwives.org/Documentation/ICMGlobalStandardsCompete nciesandTools/GlobalStandardsEnglish/tabid/980/Default.asp

7. Ayres JRCM. (2004) O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saúde e Sociedade, setembro/dezembro; 13(3):16-29

8. Peyrefitte A. A sociedade da confiança; ensaios sobre a origens e a natureza do desenvolvimento. São Paulo: Topbooks, 1999

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