• Nenhum resultado encontrado

Uma Conversa com Sara Pain sobre Psicanálise

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Uma Conversa com Sara Pain sobre Psicanálise"

Copied!
9
0
0

Texto

(1)

Uma Conversa com Sara Pain sobre Psicanálise

Esta entrevista foi realizada por Lino de Macedo 1 , Marly T. M. Goulart* e Sonia Maria B. Albuquerque Parente 2 em 1988.

A entrevistada Sara Pain, é doutora em Filosofia pela Universidade de Buenos Aires, consultora da Unesco para assuntos educacionais da América Latina e tem se dedicado ao estudo do processo de desenvolvimento cognitivo e simbólico da aprendizagem humana. É professora na Universidade de Paris XIII e Faculdade de Educação, em Toulouse.

SONIA - Em uma oportunidade recente, conversamos a respeito de alguns temas ligados à psicanálise. Um deles se referia à pulsão de morte. Poderíamos pensar que é ela que põe o aparelho psíquico em funcionamento?

SARA - Você quer saber se é a pulsão de morte que está na base da estrutura inconsciente? Não se pode pensar na pulsão de morte isoladamente. Somente se pode pensá-la frente à outra. Na visão de Freud, ela é dialética a uma outra que estranhamente não é a pulsão de vida. Em uma primeira formulação, se poderia pensar que tinha oposto a vida à morte. Mas nas últimas versões nas quais vai fazer uma reanálise do sado-masoquismo, vai opor o amor à morte. É Eros o par de Tanatos. E isto é importante para desenvolver o campo psíquico. Agora, se Eros em realidade é o instinto, Tanatos teria que ser a morte. É a morte do instinto que instaura a vida. Ou seja, esta falta, esta carência de objeto, com a qual nasce o homem até o ponto em que nem mesmo o objeto sexual está tão determinado; tem que determinar-se por outros signos. O homem não tem objetos. Tem que construir seus objetos e é o amor a causa disso. Então, provavelmente mais do que a morte, mais do que o instinto de morte está posto a morte do instinto.

Outra coisa é em Lacan; tem outro sentido. Lacan disse que a vida seria insuportável e a morte é o que dá possibilidade à vida e ao amor. Porque quando alguém diz: posso sofrer, sofrer... mas se quero. Se não quero mais sofrer sempre posso morrer. Sempre tenho esse recurso e isto faz com que alguém se conforme. Para Lacan, a idéia de suicídio, a idéia de terminar com a vida é sempre constante no ser humano. Bem... Isto é como poderia ser pensado a participação da morte na vida psíquica, que permite todo o fantasma, porque depois de tudo, ninguém vai sofrer mais do que queira.

SONIA - Você coloca que o ser humano é um ser dramático e que busca ser autor do próprio destino. Então o medo e a culpa seriam formas de ir organizando esta dramaticidade. Você também fala que o homem é o único ser que pode antecipar a morte. Há uma relação entre estas duas idéias?

(2)

SARA - Bem isso provavelmente, mas eu não sei qual é causa de qual. Provavelmente o fato de que todos teremos um fim trágico e não dramático, porque o drama termina bem. As obras dramáticas terminam bem. Ao contrário, nossa vida, em geral, é uma tragédia porque vamos morrer. Mas não poderia definir se... Realmente qual é a causa de qual. Se o fato de que nós antecipamos nossa morte, quer dizer, antecipamos a tragédia, convence a todos em uma ida até o final ou se é justamente para que este final não seja trágico que se constrói, quer dizer, por uma evitação.

Pode ser que seja segundo o tipo de civilização; o lugar da morte me parece que muda segundo a cultura. Uma cultura, como a nossa que é mais racionalista onde alguém não crê verdadeiramente em um mais além, não acredita em algo mais, não acredita nem nele mesmo nem em uma transmutação, então alguém morrer é muito mais trágico como imposição. E isto creio que Nietzche colocou muito bem; com a caída dos Deuses há morte realmente; a vida do homem tem um destino trágico.

LINO - No teu curso ontem, você falou bastante de Melanie Klein e hoje de Lacan. Estas duas formas de pensar a psicanálise são muito comuns aqui no Brasil. Como você as vê?

SARA - Bem, pode-se pensar que elas são contrárias, desde que se pense que uma delas é que tem a razão. Quer dizer, se alguém trata de colocar a razão ou a objetividade neste domínio. Para mim, o domínio é essencialmente subjetivo. É como se você me perguntasse se acho melhor o budismo ou o cristianismo. Como sou atéia, os dois me parecem bons. Alguém pode usá-los como paradigma de nossa visão. Eu posso usar a Bíblia ou a Torah, justamente porque eu não creio. Como também não creio na teoria psicanalítica neste sentido, quer dizer: que está é a verdadeira. Parece-me que todas elas são magníficos cenários dramáticos sobre as relações humanas. Então eu não tenho porque dar razão à Melanie Klein ou Lacan.

Eu vejo... crianças, sobretudo crianças impulsivas onde vejo mais o cenário de Melanie Klein; criança muito maniqueísta, que não pode relativizar-se, então este cenário cai bem. Como vou fazer para aplicar Lacan, por exemplo, em uma criança que não fala? Impossível. Tenho que aplicar um cenário que convenha e é o de Klein trabalhou tanto com crianças... O discurso kleiniano ortodoxo é muito difícil. Se alguém vê os kleinianos que trabalham com adultos, verifica, geralmente, como eles vão deixando a ortodoxia.

Mas se tenho um paciente que tem uma linguagem que faz muitos lapsos e que me oferece sonhos e onde há muito material significante, bem, eu aplico Lacan. Mas para isto não é preciso crer. É preciso ter uma atitude que nós poderíamos chamar cínica ou céptica.

(3)

LINO - Estava lendo há tempos atrás, o livro de Laplanche: Teoria da Sedução Generalizada e ele fala coisas nesta linha. Tem um artigo: "É preciso queimar Melanie Klein”? A idéia que ele tem é que a teoria kleiniana tem a vantagem (e neste sentido ela não precisaria ser queimada), ele até usa o termo de fazer trabalhar, fazer operar, ou seja, a teoria que nos é útil é aquela que nos permite pensar, fazer algo circular, movimentar, quer dizer, eu posso operar com ela. SARA - Claro... Mas ele o diz em função (pelo menos é o que tenho escutado)... ele o diz em função das características de analista, por características próprias. Eu creio que é pela característica do paciente. Certamente há teorias que, às vezes, caem melhor a alguém, pessoalmente. Eu, por exemplo... Penso que um analista, a mim teria que interpretar lacanianamente... Mas, quando alguém está... sobretudo quando se trabalha com crianças, às vezes com adultos, mas creio que Laplanche fala mais no sentido do analista, não em função do que se lhe apresenta. Pode ser que algum dia se possa significar... a técnica e se fazer algo mais contínuo.

Eu creio que mesmo ainda haveria de se ver qual o grau de crença necessário. Quanto alguém tem que crer? Porque eu não faço Psicanálise. Eu faço Psicopedagogia, com o que tenho um interesse mais na parte objetiva. Então na parte subjetiva, eu posso mover-se de tal a qual teoria. Creio que quando alguém faz Psicanálise, a necessidade de crença é grande.

LINO - É, porque sua posição, se eu entendo bem, é funcional, pragmática. Ou seja, você trabalha com aquilo que lhe é mais útil naquele momento...

SARA - Sim, na clínica eu sou pragmática. "É muito difícil fazer Psicanálise e não crer. Porque alguém passaria ao imaginário rapidamente, não estaria no simbólico”.

LINO - Mas em uma perspectiva puramente psicanalítica, talvez você tenha que ter algo mais que uma visão pragmática.

SARA - Sim, porque é muito difícil fazer Psicanálise e não crer. Porque alguém passaria ao imaginário rapidamente, não estaria no simbólico. Se alguém não crê, estaria no imaginário com o qual em pouco tempo poderia transformar o sistema de transferência. Então é melhor que creia.

MARLY - Há uma frase em um de seus artigos que achei muito interessante e gostaria que você comentasse. A frase é a seguinte: "Não nos parece que o desejo esteja mais ligado ao prazer do que à inteligência, pois ambos têm que colaborar para reconstruí-lo na cultura".

(4)

SARA - Bom, porque geralmente se põe o prazer ao lado do desejo: o prazer, o gozo. Lacan faz uma diferença entre prazer e gozo. No gozo não há posição, há simplesmente um... estado de apropriação, mas não de posição. Esta diferença justamente é a que nos permite jogar com o que é da ordem do gozo e com o que é a ordem do prazer. A aprendizagem é prazerosa, porque é uma função de reprodução e neste sentido pertence à sexualidade (no sentido amplo). Não é que haja um prazer de aprender porque o aprender esteja significando a sexualidade propriamente dita, e sim porque há um prazer próprio da função, assim como há o prazer de respirar, porque alguém tem o funcionamento que permite fazer isto com gosto, quer dizer, não há que "ressignificar" a aprendizagem para que a aprendizagem seja prazerosa. Porque, em geral, há uma grande tendência a buscar o prazer de aprender em outro lado, como se isto necessitasse de outro aparato. Por exemplo, a teoria da curiosidade de Freud me parece inconcebível. Quer dizer, que toda a vida mental, toda a vida intelectual vai ser o equivalente da sexualidade, da curiosidade... Todo este aparato?! A natureza vai inventar todo este aparato de pensar, somente para cobrir esta curiosidade sexual, que curiosamente em muitas culturas não é um segredo? Além do mais, o que é que é segredo na sexualidade? O que é que é segredo? E neste sentido, Freud também pertenceu a uma época e se comportou como victoriano; e à parte da era victoriana, ele era judeu, onde se juntam os puritanismos multiplicados. Quer dizer, que foi seu puritanismo, na verdade, que gerou assim esta idéia. Como? Esta é uma idéia que pode parecer estranha, mas não é estranha, conhecendo-se a história, a biografia de Freud. Que todo o aparato mental está em função de uma curiosidade? O que é esta curiosidade? E curiosidade de quê? ...E vendo isso como curiosidade do que se passa no quarto com a mamãe e o papai? Isto é um absurdo! Muitas interpretações que têm como fundo a cena primária, o que na realidade não é um ato que se possa contar, que alguém possa relatar e, além disso, a criança tem, com a masturbação, uma experiência do que é o gozo. Porque a mesma idéia de Freud descartava que a criança "sabe" o que é o gozo. A criança sabe o que é o gozo auto-erótico. E é isto o que não é contável. Que não se pode relatar. Agora, todas as teorias da Aprendizagem que passam por semelhante idéia: de que tudo que se aprende, tudo que se sabe, toda a construção do conhecimento é gerado por um enorme "buraco", pela teoria da curiosidade sexual, quer dizer, não se trata disto. Realmente em toda a civilização? No meu entender é absurdo.

"Porque para conhecer algo, é preciso resignar-se de não saber tudo... Então, em todo conhecimento, há uma resignação”.

LINO - Deixa eu entender. Você já falou disto, mas em síntese, para você o que é o desejo de saber? No que ele consiste?

(5)

de construção do conhecimento. O desejo de saber é o de saber sem aprender, sem esforço, sem trabalho. De saber e de sabê-lo todo, o que é impossível. Porque sempre são recortes. Então, há desejo de saber, mas desejo de saber não é conhecimento, ao contrário. Desejo de saber, esse é o que vai permitir "postular" a função da ignorância, que vai ser uma representação suplementar do que não se sabe e que vai permitir algum dia ser conhecimento. E para ser conhecimento, justamente como resignação de seu saber. Porque para conhecer algo é preciso resignar-se de não saber tudo... Então, em todo conhecimento, há uma resignação. A isso não se resignam os racionalistas... os que seguem Krishnamurti, porque querem ter toda a sabedoria, então eles supõem que a sabedoria é o vazio do pensamento. Se alguém estuda este tipo de sabedoria oriental... Ou mesmo ocidental que são totalizantes... Trata-se de expressões de desejo. Mesmo Jung, de certa maneira.

LINO -Toda teoria científica tem que resignar-se a tratar de algo que é específico, que é particular, ter um método.

SARA - Começar a definir o campo do que se conhece e o campo do que não se conhece, quer dizer, que é um ato de humildade. Ao contrário, o desejo de saber... É o desejo de saber. Mas tem que ficar sem desejo, porque é impossível saber. Saber é absolutamente impossível. Fica sempre indeterminado. Fica na ordem do desejo, onde não há conhecimento algum.

SONIA - E o desejo é do campo do impossível...

SARA - Quer dizer, se o desejo de conhecer é impossível, o conhecimento do desejo também. Dos dois lados, há impossibilidade. O desejo de conhecer e o conhecimento do desejo são dois impossíveis. O âmbito do desejo... não é objeto do conhecimento. Por isso, em Psicanálise, por exemplo, o inconsciente psicanalítico, dramático, não pode ser objeto de conhecimento. De conhecimento neste sentido científico, segundo a epistemologia. O que não altera seu valor... (risos)... Não é uma crítica...

SONIA - É um rigor... De colocar as coisas nos seus lugares...

SARA - Sim, porque pode ter uma elaboração, pode-se elaborar, mas não no sentido do conhecimento... Porque, quando se vai conhecer o inconsciente? Quando o inconsciente puder traduzir-se de uma maneira biológica, quer dizer, quando pudermos saber (e eu não creio) quais são suas mudanças químicas? E neste momento não vai ter mais o sentido, não vai ser o inconsciente. Isto não vai nos dar a chave da dramaticidade humana.

SONIA - Estou pensando: o inconsciente opera, quer dizer, produz efeitos. Então, no trabalho analítico, os lacanianos falam que a transferência é o desejo do analista e que as coisas ocorrem neste encontro.

(6)

SARA - O desejo do analista qual é? Qual é o seu desejo? LINO - É analisar o inconsciente (risos).

SARA - Sim, o que passa é... Bem, o desejo do analista é entender... Que o paciente produza algo que lhe permita fazer coincidir seu desejo, seu desejo de certa maneira, de que a teoria funcione. Porque como o analista lacaniano fala em nome de alguém, quer dizer, de uma teoria: teoria que primeiro quando Lacan dizia de outro ser referia a Freud. Quem fala em nome de Lacan, quer que Lacan tenha razão. Tem que justificar a Lacan. Então, está seguindo a outro e com ele, o paciente também quer que seu analista se cumpra. Sonha com seu analista. Sonhar, quero dizer, segundo a teoria. É extraordinário ver em um congresso, a diferença entre os sonhos dos pacientes lacanianos e dos pacientes kleinianos (risos). São absolutamente diferentes. Porque cada um esqueceu os sonhos que não correspondiam à teoria.

LINO - Os sonhos lacanianos são cheios de palavras. SARA - Cheios de palavras e lapsos.

LINO - E o dos kleinianos... cheios de fantasias.

SARA - E de formas, conteúdos, obeliscos (risos). Não sei como se passa, mas é assim. Por seleção do analista ou por seleção do paciente? Quer dizer que aí se cumpre um desejo. Se cumpre no sentido de se realizar... E é tão terrível o vocabulário dos psicanalistas, no sentido de expressão de desejo, que às vezes é difícil de entender... É um vocabulário que sempre nos leva a expressão de desejos. Porque se alguém lê a obra de Freud, pensando que esta obra é uma expressão de desejo, creio que só facilita a leitura, ainda que não tenha que crer. Por exemplo, toda Psicanálise fala de objeto: objeto... Que é o objeto que alguém pode pensar. Quer dizer, é um desejo: tomara que haja um objeto, tomara que seja um objeto... Toda a obra de Freud se alguém a lê, em função de desejo... Toda a obra de Freud pode ser lida como uma grande, enorme, expressão de desejo.

Agora, bom, a transferência é outro ponto. Porque dizer que a transferência é o desejo do analista, é porque o analista a impõe, porque é uma neurose de transferência. Não é a transferência comum, é a transferência analítica. A transferência neurótica é o desejo do analista. Porque com as primeiras interpretações, o analista instaura uma relação: a relação de que ele é sempre significado, que o sujeito não pode fazer nada que não possa ser tomado como uma reação frente a ele. Quer dizer, uma pessoa fala. O analista diz: você quer me dizer ou você quer dizer a mim que... Quer dizer, que alguém não tem maneira de não fazer algo. Se não fala, o analista também vai dizer. Então o que o analista faz é nos pôr neuróticos, porque não podemos deixar de significar.

(7)

Sempre vamos significar algo, onde ele vai ser o pólo desta significação e ao mesmo tempo, ele, não como ele, mas como pai, mãe, com todas outras significações. Mas o que nós não vamos poder fazer é nos significar. Não vamos poder chegar a um grau de (in) significância completa. Isto vai ser ao mesmo tempo o desejo do analista, o desejo de nos por nesta situação e nós vamos entrar no desejo do outro, porque nós, neste desejo, vamos ser interessantes. Então, o desejo do psicanalista vai ser o nosso desejo, mesmo para aquele que está em silêncio e faz uma transferência mais ou menos negativa. Agora, quando há transferência negativa completa, neste caso, o paciente resistiu a entrar no desejo dele... Mas sempre é com relação a este desejo. Quer dizer, negativo ou positivo, o paciente não pode fazer nada. Se ele se vai da análise, sempre foi em função do desejo do outro... Em função de que ele não aceitou o desejo do outro, mas sempre com relação a isto. Nunca vai estar tranqüilo de que deixou a análise por si mesmo. Sempre vai ficar com a idéia de que ficou atado. Uma análise interrompida fica mais atada do que uma análise interminável. Mesmo que seja por quatro, cinco meses.

MARLY - Recentemente tivemos, no centro de estudos ao qual pertencemos, uma experiência muito interessante, onde lacanianos, freudianos e kleinianos puderam discutir em conjunto sobre alguns aspectos da psicanálise. Um dos aspectos que se percebe que é diferente para as diversas abordagens, é o fim da análise. O que você pensa a esse respeito?

SARA - É diferente na fantasia, porque na realidade quase todas as análises terminam da mesma maneira. Terminam de maneira diferente, mas para todos igual.

Há os pacientes que começam, ficam um pouquinho e se vão porque não aceitam o período de transferência. Outros que aceitam a situação de transferência, passam por um período eufórico, mas não aceitam a depressão. São os que ficam mais frustrados. Porque os que aceitam a depressão embarcam em uma análise longa. Creio que metade das pessoas que procuram análise não chega aí. Há também os pacientes que começam as elaborações longas e não podem seguir por problemas de sua vida pessoal como, por exemplo, mudança de cidade.

Não creio que haja análises terminadas. Creio que o que termina é a relação com um analista, que de algum modo se esgotou. Se esta pessoa seguisse com outro analista, teria o que elaborar. Creio que o que se termina é uma possibilidade, porque os dois inconscientes já estão esgotados em seu código mútuo.

"A análise é o único tecido onde alguém pode bordar a sua história"

(8)

LINO - O que sustenta uma relação analítica tantos anos?

SARA - Creio que o que sustenta é em primeiro lugar uma situação social. Temos que pensar que antes da psicanálise havia algo que cumpria esta função. Havia a religião e famílias grandes junto com as ocorrências onde as pessoas se encontravam: casamentos, mortes, nas quais se falava muito da infância. A maioria das pessoas que vão ao consultório se não é atéia, é descrente. Eu creio que no mundo de hoje há muita solidão, muito que não se fala, há muito pouco imaginário pelo qual há muito pouca comunhão. Agora se não se fala com o analista...

A análise é o único tecido onde alguém pode bordar a sua história. É necessário que o analista se proponha como um outro que por um lado é neutro e por outro lado, tenha o direito de fazer do outro um par. Por exemplo, uma mãe que faz com que não somente se possa falar, mas também que se possa revi ver as emoções.

Creio que a análise termina quando alguém tenha podido reconstruir sua história, quando possa interiorizá-la, a tenha dentro e possa seguir.

Por que nos Estados Unidos a psicanálise pura nunca atuou muito? Porque nos Estados Unidos não há pessoa que não pertença a uma confraria. O aspecto social é ainda muito gregário. As confrarias mais ou menos mágicas protegem as pessoas, lhes permitem comunicarem-se, lhes permitem essa comunhão e não necessitam tanto da psicanálise.

Na Argentina, sobretudo em Buenos Aires, ao contrário, tem muitos psicanalisados. É uma sociedade pudica em diversos aspectos e se passou de uma grande força da religião ao ceticismo total. A análise cumpre uma função muito grande, de comunidade; porque as pessoas que fazem análise sentem que pertencem aos "analisados", quer dizer, tem um vocabulário especial, uma experiência comum. Mas nesse momento isso já diminuiu e é ocupado por outro tipo de prática, há muitos grupos: grupos de teatro, grupos de cinema, grupos... Grupos que são psicológicos sem serem psicanalíticos: análise transacional, experiências com psicodrama, toda uma série de técnicas que não são de psicanálise de divã.

Na França o que se passa é que a Psicanálise tomou força com Lacan. Mas aí é outro problema, porque Lacan não pertence ao movimento psicanalítico, mas ao movimento surrealista. Na Argentina, há um bom movimento surrealista, temos uma tradição surrealista muito grande na literatura, mas nossos psicanalistas jamais mexeram nesses autores, não viram o surrealismo. Na França, tem bem poucos psicanalistas que exerçam. E psicanalisados tem menos; salvo os estrangeiros que vêm do Brasil e da Argentina. A população não se psicanalisa e

(9)

(risos) tem que ser muito importante; vai tratar que o seguro social pague. E como o seguro social não paga psicanálise, vai tomar medicamentos. Onde a psicanálise lacaniana teve muita influência, foi na vida intelectual.

1

Professor Adjunto no Departamento de Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo.

Referências

Documentos relacionados

Entendendo que a ludicidade faz parte da vida do ser humano, como destaca De Paulo (2017) o jogo normalmente é uma atividade apreciada, não apenas por crianças, mas também por

Os estudos sobre a infância vêm paulatinamente crescendo no mundo acadêmico nos últimos anos como também abrindo espaço no meio social, no sistema educacional, nas

Dissertação (Mestrado em Agronomia: Fitotecnia) – Universidade Federal Rural do Semi- Árido (UFERSA). O Brasil é um dos maiores produtores de frutas do mundo, no entanto

Apresento aqui minha dissertação, com um estudo que tem, como ineditismo, a aplicação de um instrumento genérico de autopercepção de qualidade de vida, o World Health

ABSTRACT: Taking into account that the sampling intensity of soil attributes is a determining factor for applying of concepts of precision agriculture, this

Olá, sou Juliana Schmidt , e em primeiro lugar, obrigado pela sua confiança em ter digitado seu e-mail para receber este pequeno guia. Estou há algum tempo neste mundo do

Para verificar se a autonomia de gestão financeira, o conselho escolar e a eleição para diretores cumprem plenamente seus papéis de proporcionar os meios necessários para

Os parâmetros definidos pelo método proposto são calculados com base nas necessidades das tarefas que o robô deve realizar, como as dimensões do volume de trabalho, a carga que o