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[Recensão a] Karl Strecker - Introduction à Vétude du latin médiévaly
Autor(es):
Piel, Joseph M.
Publicado por:
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos
Clássicos
URL
persistente:
URI:http://hdl.handle.net/10316.2/26135
Accessed :
21-Aug-2021 10:47:55
Vol. III
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA INSTITUTO DE ESTUDOS CLÁSSICOS
H V M A N I T A S
C O I M B R A
M C M L - M C M L IXXXVIII
Karl Strecker —
Introduction à Γétude du latin médiéval.
Traduite de l’allemand par Paulvande Woestijne. Société de Publications romanes et françaises, xxvi. Lille-Genève,Librai-rie F. Girard-LibraiLibrai-rie E. Droz, 1948. 76 pp.
A iniciativa de acolher na colecção dirigida por Mario Roques a breve, mas substancialíssima Einführung in das Mittellatein, de Karl Strecker, merece incondicional aplauso, pois coloca ao alcance dos estudiosos igno- rantes do alemão um trabalho que, em três edições sucessivas, provou ser um guia seguro nesta selva oscura que são os estudos do latim medievo, instrumento quase exclusivo da cultura da Idade Média. Chave de uma literatura muito rica e variada, este latim vem sendo, de há anos para cá, objecto de um interesse particular, que se manifesta, além de um número sempre crescente de publicações, na criação, em não poucas escolas, de cadeiras especiais destinadas a fomentar o seu estudo, que foi, durante muito tempo, prerrogativa de raros especialistas.
Em doze densos capítulos, Strecker resume, com a precisão de quem é mestre da complexa matéria, os principais aspectos atinentes à investiga- cão latino-medieval : características gerais desta língua, tida injustamente como «decadente»; instrumentos bibliográficos, formação e significação das palavras, prosódia e acentuação, morfologia, sintaxe, formas literárias (capítulo particularmente notável), textos, bibliotecas, tradição da literatura clássica e paleografia. Algumas destas secções não chegam, na verdade, a ter duas páginas; no entanto, o seu autor tem o raro dom de saber dizer muito em poucas palavras. São também preciosas as «Observações pre- liminares», onde, insistindo no carácter prático e elementar do seu manual, frisa ser o latim medieval uma disciplina autónoma, que interessa, em par- tes iguais, à filologia românica e à germânica, à história e à teologia, e que pressupõe evidentemente uma sólida cultura latino-clássica. Assim, a edi- ção de um texto medieval não pode deixar de obedecer aos mesmos cri- térios que a de um texto clássico, quer dizer — deve tomar na devida consideração os caracteres intrínsecos do latim respectivo. É precisa- mente a busca e codificação das normas e regras desta língua, cronológica e geograficamente variada, que constitui o objecto principal da filologia medieval, disciplina que exige uma especialização como qualquer outro ramo científico. Claro está que o seu ensino não se pode improvisar com a única base do latim clássico, não obstante tratar-se de uma evolução ou, melhor, de um prolongamento natural deste. É indispensável, sobretudo, um conhecimento razoável dos autores da baixa latinidade, onde se
encon-XXXIX
tram já esboçadas certas tendências peculiares do Mittellatein. Uma larga parte cabe, na fisionomia deste latim, ao latim da Igreja, profundamente impregnado de patrística. «A Idade Média inteira vive sob o signo da Igreja, a qual impóe o seu carácter em todos os domínios, imprimindo o seu cunho até à literatura profana (...). É este selo muito particular que diferencia tão fortemente o latim medievo do latim clássico e do latim dos humanistas.» (p. 16.) Um terceiro elemento importante vem a ser o latim popular, bem como, mais tarde, os idiomas vulgares nascentes.
É impossível focar no quadro de uma simples resenha todos os méri- tos do vade-mécum prático de Strecker, cheio de informações nutridas e de bons conselhos, inspirados na experiência pessoal. Temos a certeza de que vai dar um impulso novo ao estudo do latim medieval, do qual bene- ficiarão também os estudos linguísticos medievais da Península, muito atrasados em relação aos dos países de além-Pirenéus. É curioso notar que em todo o livro de Strecker não se encontra — se a memória nos não trai — uma única alusão à Espanha-e a Portugal. Se é um facto que, devido às vicissitudes da sua história, a Península viveu durante vários séculos à margem da civilização latina especificamente europeia, não é menos certo que o latim hispânico apresenta, por esta razão mesma, matizes peculia- res dignos de atenção. É conhecida a opinião de Menéndez Pidal (Orí-
genes del español, pp. 480 ss.), fundada em sólidos argumentos, de que no
reino leonés existiam, a par do romance, dois tipos de latim, um de cunho literário (parecido com o dos outros países europeus) e outro que conti- nuava a reger-se pelos moldes do latim falado na corte de Toledo ante- riormente à conquista árabe, e que nos dá uma ideia do que seria o latim na França e na Alemanha sem aquele movimento de reforma conhecido pelo nome de Renascimento Carolíngio. Por enquanto são muito mal conhe- cidas as características do latim medieval hispânico; mais uma razão, cremos, para que se indicasse, no cap. π, o importante livro de Américo Castro, Glosarios latino-españoles de la Edad Media ( ï g36), que estuda exaustivamente três obras lexicográficas espanholas e as suas relações com glossários congéneres de outros países. No que toca a Portugal, Paulo Merêa exemplificou, numa breve, mas notável miscelânea, o cami- nho a seguir na investigação lexicográfica (1). A este propósito
lembra-(1) Cf. Para um glossário do nosso latim medieval, in Biblos, xvi ( 1940), pp. 55-64· Trata dos termos jurídicos gasalianes, tolerare, mallum, gen-
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remos os indices vocabulares parciais dos Portugaliae Monumenta Histo-
rica, que, embora insuficientes, sempre seriam aproveitáveis numa visão
de conjunto das diferenças geográficas do léxico latino-medieval, aspecto a que a Einführung de Strecker se refere só de passagem. Entre os traba- lhos citados a pp. ig, não deveria faltar a obra capital de W. von Wartburg (em curso de publicação), Französisches etymologisches Wörterbuch (1), de primacial importância para a história do léxico vulgar latino.
Uma futura reedição da Einführung não poderá deixar de tomar em consideração os resultados, em parte de todo inesperados, do excepcional livro, recentemente publicado, de E R. Curtius, Europäische Literatur und
lateinisches Mittelalter (Berna, 1g48). Nesta vasta, erudita e ao mesmo
tempo muito sugestiva obra, o seu autor procede a uma espécie de inven- tário da herança que o latim medievo legou às literaturas europeias, tanto no campo das ideias como no das formas. Finalmente (e isto é de bom augúrio para o futuro dos estudos latino-medievais), existe uma segunda obra de primeiro plano, à qual convirá dar um lugar de honra no texto. Referimo-nos ao trabalho do P.e J. de Ghellinck, L’essor de la littérature
latine au XIIe siècle (2 vols., Bruxelas-Paris, 1946), mencionado apenas nos aditamentos bibliográficos, e que vem completar de um modo muito feliz os dois estudos de conjunto preexistentes, de G. Gröber e M. Manitius (2).
Diga-se ainda, para terminar, que a versão francesa do importante livro de Strecker se baseia na 3.a edição alemã, de 1g3g, e que o Tradutor,
van de Woestijne, da Universidade de Gand, não se limitou a dar-nos um texto fiel e bem legível, mas julgou do seu dever valorizar a publicação, completando e pondo em dia as informações bibliográficas de Strecker, trabalho em que se revela também como excelente medievista. O Prefá- cio, de F. L. Ganshof, é o mesmo que figurava na primeira edição.
JosephM. Piel.
(1) Publica-se desde 1g28. Os últimos fascículos saídos abrangem a letra /.
(2) É sabido que o P.e Ghellinck é também autor de uma Littérature
latine au moyen-âge, cujos dois primeiros volumes (igSg) tratam da época
até ao Renascimento Carolíngio e até Santo Anselmo, respectivamente· E. R. Curtius publicou em Romanische Forschungen, l x ( 1947), pp. 617-630, uma superior apreciação e caracterização individual das histórias literá- rias de Gröber, Manitius e Ghellinck, digna também de figurar na Einfüh-