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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM MARTA MARIA COVEZZI

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

MARTA MARIA COVEZZI

EMPRÉSTIMOS LINGUÍSTICOS DE ORIGEM FRANCESA NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:

um olhar bakhtiniano e ecolinguístico

CUIABÁ 2019

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MARTA MARIA COVEZZI

EMPRÉSTIMOS LÍNGUÍSTICOS DE ORIGEM FRANCESA NA LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:

um olhar bakhtiniano e ecolinguístico

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Doutor em Estudos de Linguagem na área de concentração de Estudos Linguísticos.

Orientadora: Profª Drª Simone de Jesus Padilha

Cuiabá 2019

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Maria Eva e Mário, pela oportunidade desta vida e pelo amor e cuidados que sempre dispensaram aos filhos.

A minha irmã Margarete, que viveu esta vida com o coração de criança.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Pai infinitamente Bom, Justo e Amoroso, que me fortaleceu nos momentos difíceis dessa jornada, e me permitiu a dádiva de pais afetuosos, filhos maravilhosos e amigos tão especiais.

No percurso para a realização deste trabalho, cruzaram meu caminho muitas pessoas amigas e próximas e outras tantas que mal me conheciam. Expresso aqui minha gratidão, reconhecimento e carinho pelo apoio que chegou até mim de formas tão diversas quanto importantes:

À Professora Doutora Simone de Jesus Padilha, que incorpora verdadeiramente em suas atitudes e em sua vida os conceitos da exotopia e da alteridade, esbanjando generosidade, acolhimento, amorosidade e carinho aos seus orientandos, amigos, colegas e que me forneceu a base do conhecimento de Bakhtin, não apenas como teoria para desenvolver este estudo e para trabalhos acadêmicos, mas também para a vida;

Aos professores da banca de defesa: Claudio Alves Benassi, Carolina Akie Ochiai Seixas Lima, Danilo Garcia da Silva, e Marilena Inácio de Souza, pelo aceite ao convite para fazerem parte do momento da conclusibilidade necessária deste trabalho;

Aos professores das bancas de qualificação: Anderson Simão Duarte, Hildo Honório do Couto, Lucyenne MatosVieira Machado, Suze Silva Oliveira e Danilo Garcia da Silva, pelas relevantes contribuições teóricas e metodológicas para a construção deste texto;

Ao professor Doutor Anderson Simão Duarte, alma brilhante e generosa, presente na essência deste trabalho, desde as primeiras ideias para o projeto, os primeiros artigos acadêmicos com a temática deste estudo, que me apresentou à Ecolinguística, senda que continuo seguindo e que muito me deu suporte na condução desta tese;

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Aos colegas da área de Língua Francesa, pela compreensão e solidariedade durante o período de afastamento para esta capacitação: Danilo, Eliane, Suze e Jacqueline. E à Thaisa e à Fabiana, pelas substituições responsáveis, dedicadas e comprometidas;

Ao Danilo, pelas tantas vezes que me incentivou, sempre me ouvindo com interesse sobre as teorias que eu começava a desvendar, com o suporte logístico digital, pelo apoio e orientação em diversas questões, pela leitura atenciosa e pelas muitas contribuições para o aperfeiçoamento deste texto;

À Marcinha, amiga irmã, companheira de todas as horas, pelas parcerias nas produções e apresentações de trabalhos, na partilha das angústias e alegrias desse percurso do doutorado, nas trilhas da vida, do cuidado com os filhos e na busca pela espiritualização;

Ao Cláudio, amigo e companheiro de estudos, das dores físicas e da alma, voz amiga que tanto me incentivou e ajudou a conduzir meus passos neste trabalho com as questões específicas sobre a Libras;

Aos companheiros parceiros do grupo Rebak, pelos conhecimentos, afetos e apoios partilhados ao longo destes quase cinco anos de convívio: Sebastiana, Nilsa, Rose, Domingos, Cláudio, Marcinha e Suleima;

Aos meus filhos, Leticia, Mateus e Isadora, amores da minha vida, luzes dos meus dias, por quem encontro entusiasmo para viver, para buscar aprender mais, para fazer a diferença em suas vidas e lhes servir de exemplo;

A minha irmã Marinete, pela presença amorosa, reconfortante, protetora, que sempre me impulsionou a seguir adiante, pelo apoio indispensável e precioso no cuidado com meus filhos, por sua trajetória profissional, acadêmica e de vida como exemplo que sempre me motivou;

À Sebastiana, que tanto me apoiou durante todos os momentos deste trabalho, sempre com uma palavra amiga, de incentivo e de perseverança;

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Ao Luiz Horta, amigo querido, pelo carinho, pela atenção e pelos cuidados durante os altos e baixos desta caminhada acadêmica e nos percalços da vida;

Às queridas amigas Eliane e Suze, pela amizade, pelo companheirismo e pelas parcerias felizes na trajetória acadêmica e nos momentos difíceis;

Aos queridos amigos Jonas Schmidt e Nelcileno Virgílio, pelos muitos bate-papos, risos, vinhos partilhados e pelo ouvido amigo em momentos menos fáceis;

Aos colegas do Departamento de Letras: Lirian, Carolina e Ana Paula, pelos tantos compartilhamentos e pelo apoio em momentos de dores e alegrias, de labutas e de amenidades, no trajeto profissional, nos períodos de coordenação do curso de Letras e pela vida;

Às queridas colegas, amigas e professoras de Francês: Delcinha, Thérèse, Marie-Annik, Maria Lúcia (Suka), Eliana, Neuza e Rachel, que contribuíram de forma carinhosa e amiga com suas experiências e conhecimentos para a minha formação acadêmica na trilha da Língua Francesa;

Ao Departamento de Letras e à Universidade Federal de Mato Grosso, em particular aos colegas professores, aos servidores e chefias responsáveis pelos encaminhamentos administrativos necessários durante o doutoramento, que me deram a tranquilidade para cumprir todas as tarefas que culminaram com a produção desta tese;

Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, em especial ao coordenador Professor Doutor Vinícius Carvalho Pereira, pelo atendimento sempre solícito e amigo as minhas necessidades e por todas as orientações, esclarecimentos e encaminhamentos;

Ao INES –Instituto de Educação de Surdos – RJ, em especial à Divisão de Estudos e Pesquisas e à professora Solange Rocha, que me recebeu muito atenciosamente, auxiliando-me quando da visita para coleta de dados;

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Aos servidores Tradutores Intérpretes do curso de Letras-Libras, pelo gentil empréstimo do conjunto de dicionários trilíngues de Libras que me serviram de importante fonte de dados e pelo belo trabalho de interpretação em Libras da minha defesa;

Aos estudantes do curso de Letras Libras, por tantas trocas durante as reuniões do Grupo Rebak Sentidos e outros encontros, sempre prazerosos e profícuos. Em especial, agradeço à Maria Emília, pela amabilidade com que se dispôs a me auxiliar com questões específicas da Libras;

A todos que me acolheram tão amavelmente em seus lares durante as viagens para Seminários, Congressos e pesquisa, em especial, meu carinho à Leila, à Carolzinha e ao Sérgio e à dona Terezinha;

Minha imensa gratidão à Universidade Federal de Mato Grosso, enquanto instituição pública e gratuita, que me proporcionou a formação acadêmica desde a graduação até a pós-graduação, assim como a todos aqueles que lutaram e continuam lutando para mantê-la como tal;

E a todos os que indiretamente e anonimamente contribuíram para que este trabalho se concretizasse.

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RESUMO

Esta pesquisa contribui com os estudos sobre a constituição da Língua Brasileira de Sinais – Libras, aprofundando especificamente os conhecimentos sobre os empréstimos linguísticos de origem francesa. Propomo-nos, como objetivo geral, a investigar as línguas em contato, Língua Francesa Oralizada – LFO, a Língua de Sinais Francesa – LSF e a Libras e como objetivos específicos: esclarecer a formação de sinais da LSF apresentando traços históricos e etimológicos de sua origem e da trajetória percorrida até a forma atual; demonstrar os indícios da influência desses sinais na formação dos sinais da Libras; identificar influências da LFO na constituição dos sinais da LSF e da Libras; suscitar uma discussão sobre o papel que os empréstimos linguísticos podem assumir no ensino da Língua Brasileira de Sinais, a partir do conhecimento de suas origens; demonstrar a importância do conhecimento da origem dos empréstimos linguísticos e da formação histórica da Libras para sua estabilidade. Trata-se de pesquisa qualitativa de cunho interpretativo e de análise documental e bibliográfica, fundamentada no método indiciário de Ginzburg, centrado nos vestígios tomados como pistas para esclarecer aspectos da realidade. Fundamentamo-nos em teorias com concepções holísticas da linguagem: a abordagem enunciativo-discursiva dos estudos bakhtinianos em diálogo com a Ecolinguística. A trajetória dos sinais na LSF e na Libras, a semântica intrínseca às configurações de mão na LSF, a etimologia e as motivações das formas dos sinais esclarecem em que aspectos se deram os empréstimos linguísticos e como a Língua Francesa Oralizada influencia a formação dos sinais da LSF e também os da Libras. Os tipos de contato de línguas atrelados à teoria bakhtiniana subsidiaram a construção de um provável caminho dos sinais de herança francesa, contribuindo para a compreensão da constituição da Libras. Palavras-chaves: Empréstimos Linguísticos. Libras. Língua de Sinais Francesa. Estudos Bakhtinianos. Ecolinguística

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Résumé

Cette recherche contribue aux études sur la constitution de la langue des signes brésilienne - Libras, en approfondissant plus particulièrement les connaissances sur les emprunts linguistiques d'origine française. Nous proposons comme objectif général d’étudier les langues en contact, la Langue Française Oralisée – LFO, la Langue des Signes Française – LSF et Libras et comme objetifs spécifiques: éclairer la formation de signes de la LSF présentant des caractéristiques historiques et étymologiques de leur origine et de la trajectoire parcourue jusqu’à la forme actuelle; démontrer l'évidence de l'influence de ces signes sur la formation des signes de la Libras; identifier les influences de la LFO sur la constitution des signes de la LSF et de la Libras; susciter une discussion sur le rôle que les emprunts linguistiques peuvent jouer dans l'enseignement de la Libras, à partir de la connaissance de leurs origines; démontrer l'importance de connaître l'origine des emprunts linguistiques de la formation historique de la Libras pour son stabilité. Il s'agit d'une recherche qualitative de nature interprétative et d'analyse documentaire et bibliographique, basée sur la méthode indiciaire de Ginzburg, centrée sur les traces prises comme indices pour clarifier des aspects de la réalité. Nous nous basons sur des théories fondées sur des conceptions holistiques du langage: l’approche énonciative-discursive des études bakhtiniennes en dialogue avec l’écolinguistique. La trajectoire des signes à la LSF et Libras, la sémantique intrinsèque des configurations des mains dans la LSF, l'étymologie et les motivations des formes des signes élucident les aspects où les emprunts linguistiques se sont produits et la manière dont la LFO influence la formation des signes de la LSF aussi bien que ceux de la Libras. Les types de contact de langues associés à la théorie bakhtinienne ont soutenu la construction d'un chemin probable des signes d’héritage français, contribuant à la compréhension de la constitution de la Libras.

Mots-clés: Emprunts linguistiques. Libras. Langue des Signes Française. Études bakhtiniennes. Ecolinguistique

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ABSTRACT

This research contributes to the studies on the constitution of the Brazilian Sign Language - Libras, specifically deepening knowledge about the inheritance of French origin. We propose, as a general objective, to investigate the languages in contact, Oralized French Language - LFO, French Sign Language - LSF and Libras and as specific objectives: to clarify the formation of LSF signs presenting historical and etymological features of their origin and the trajectory traveled to the present form; demonstrate evidence of the influence of these signals on the formation of Libras signs; identify LFO influences on the constitution of LSF and Libras signs; to raise a discussion about the role that linguistic loans can play in teaching Libras, from the knowledge of its origins; demonstrate the importance of the origin of linguistic loans and the historical formation of Libras for their stability. It is a qualitative research of interpretative nature and documental and bibliographical analysis, based on Ginzburg's indicative method, centered on the traces taken as clues to clarify aspects of reality. We are based on theories with holistic conceptions of language: the enunciative-discursive approach of Bakhtinian studies in dialogue with Ecolinguistics. The trajectory of the signals in the LSF and Libras, the intrinsic semantics of the hand configurations in the LSF, the etymology and the motivations of the forms of the signs clarify in what aspects the linguistic loans occurred and how the LFO influences the formation of the signs of the LSF and also the Libras. The types of language contact linked to the Bakhtinian theory subsidized the construction of a probable path of the signs of French heritage, contributing to the understanding of the constitution of Libras.

Keywords: Linguistic Loans. Libras. French Sign Language. Bakhtinian Studies. Ecolinguistics

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LISTA DE SIGLAS

ASL – American Sign Language

CBDS – Confederação Brasileira de Desportos de Surdos CEAADA – Centro Educacional Apoio Deficiente Auditivo CEFET – Centro Federal de Educação Tecnológica

DDHCT – Departamento de Desenvolvimento Humano, Científico e Tecnológico DEBASI – Departamento de Educação Básica

DIESP – Divisão de Estudos e Pesquisas DVD – Digital Video Disc

EFL – Ecossistema Fundacional da Língua ELiS – Escrita da Língua de Sinais

FENEIDA – Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos.

FENEIS – Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos IFG – Instituto Federal de Goiás

IFT – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás INES – Instituto Nacional de ducação para Surdos

INJS – Institut des Jeunes Sourds L – Língua

LFO – Língua Francesa Oralizada LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais LSF – Langue des Signes Française MA – Meio Ambiente

P - Povo

SECITEC – Secretaria de Ciências e Tecnologia SEL – Sistema de Escrita de Sinais

T - Território

UAB – Universidade Aberta do Brasil

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro UESB – Universidade Estadual da Bahia

UFAM – Universidade Federal do Amazonas UFBA – Universidade Federal da Bahia UFCE – Universidade Federal do Ceará

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UFG – Universidade Federal de Goiás

UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso UFPE – Universidade Federal de Pernambuco UFPI – Universidade Federal do Piauí

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFS – Universidade Federal do Sergipe

UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina UFSM – Universidade Federal de Santa Maria UNAM – Universidad Autónoma Nacional de México UnB – Universidade de Brasília

UNICAMP – Universidade de Campinas USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 17

OS CAMINHOS DA PESQUISA ... 27

1.1 Método indiciário ... 29

1.2 Viagem ao INES ... 30

1.3 Huet – o personagem do INES ... 31

1.3.1 Nome: Huet. Prenome: Incerto ... 32

1.3.2 Huet: vida e obra... 34

1.4 Contextualização histórica da Língua de Sinais Francesa e da Língua Brasileira de Sinais ... 37

1.5 Fontes de Pesquisa... 45

1.5.1 Dictionnaire Étymologique et Historique de la Langue de Signes Française – Yves Delaporte ... 45

1.5.2 Iconographia dos Signaes – Gama ... 46

1.5.3 Iconographie des signes faisant partie de L’enseignement primaire des sourds-muets – Pélissier ... 47

1.5.4 Linguagem das mãos- Oates ... 48

1.5.5 Língua das Mãos – Oates – edição revisada e atualizada por Simone Vecchio ... 49

1.5.6 Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe: Língua de Sinais Brasileira – Capovilla e Raphael ... 50

1.5.7 Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais: Desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez – Honora e Frizanco ... 51

1.6 Metodologia de coleta de dados ... 52

1.7 Metodologia de análise de dados... 52

DIÁLOGOS BAKHTINIANOS E ECOLINGUÍSTICOS ... 54

2.1 Conceitos convergentes sobre linguagem nos estudos bakhtinianos e na ecolinguística ... 54

2.1.1 Língua e linguagem ... 54

2.1.2 O estudo do léxico pela Ecolinguística ... 60

2.1.3 A perspectiva bakhtiniana de palavra ... 63

2.1.4 Endoecologia – Sistema da língua ... 66

2.1.5 Sobre as mudanças linguísticas e o termo evolução: o que dizem a ecolinguística e Bakhtin ... 67

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3.1 Língua padrão, norma culta, variações linguísticas: uma contribuição da

sociolinguística ... 71

3.2 Estado do Conhecimento sobre empréstimos linguísticos na Libras ... 79

3.3 Ecologia do contato de línguas ... 82

3.4 O contato de línguas no estudo dos empréstimos linguísticos ... 83

TRAJETO SÓCIO-HISTÓRICO DOS EMPRÉSTIMOS LINGUÍSTICOS: A LANGUE DES SIGNES FRANÇAISE COMO BASE PARA A COMPREENSÃO DA CONSTITUIÇÃO DOS SINAIS DA LIBRAS ... 95

4.1 O estudo etimológico dos sinais da LSF ... 95

4.2 A semântica das configurações de mão na Língua de Sinais Francesa ... 97

4.2.1 Configuração em chave ... 100

4.2.2 Configuração em feixe ... 102

4.2.3 Configuração em garfo ... 105

4.2.4 Configuração em dedo médio ... 108

4.2.5 Configuração em pinça ... 109

4.2.6 Configuração em punho ... 111

4.3 Vestígios históricos e etimológicos da Libras nos sinais da LSF ... 115

4.3.1 Descrição dos sinais da LSF e da Libras, suas correlações e analogias . 118 FRANÇA E BRASIL / LSF E LIBRAS – Esmiuçando os achados ... 167

5.1 França e Brasil – laços linguísticos, culturais e sociais ... 167

5.2 LSF e Libras: o problema do conteúdo, do material e da forma ... 169

5.3 Análise dos sinais ... 170

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 186

REFERÊNCIAS ... 197

APÊNDICE A ... 203

APÊNDICE B ... 212

(17)

A palavra não é um objeto, mas um meio constantemente ativo, constantemente mutável de comunicação dialógica. Ela nunca basta a uma consciência, a uma voz. Sua vida está na passagem de boca em boca, de um contexto para outro, de um grupo social para outro, de uma geração para outra.

(18)

17

INTRODUÇÃO

“Por que você não fez um projeto na sua área de atuação

acadêmica e profissional?”

Esta foi uma das perguntas a mim dirigidas durante a arguição para o ingresso no doutorado, em meados de 2015. Recebi1 questionamentos quanto à

“ousadia” em me afastar da área de atuação acadêmica e profissional: o ensino da Língua Francesa e o estágio supervisionado de ensino da Língua Francesa, para me ‘aventurar’ pelos caminhos da Língua Brasileira de Sinais - Libras e, extrapolando, com o suporte das teorias Bakhtiniana e Ecolinguística, das quais também não tinha embasamento.

Então, vamos entender como cheguei a este imbroglio.

Minha história profissional começa ainda em 1979, no antigo segundo grau, cursado parcialmente em Naviraí - MS, à época, um pequeno município localizado próximo à divisa com o Paraná, com opção única para Magistério, e concluído em Cuiabá-MT, na Escola Presidente Médici, no ano de 1981. Com uma já manifesta paixão pelo inglês como língua estrangeira e certa facilidade em língua portuguesa, alguma resistência à Matemática, a alternativa mais óbvia era o curso de Letras no vestibular, e também por tratar-se de uma licenciatura e eu já ter iniciado a formação na área da educação. Assim, em 1982, lá estava eu iniciando o Curso de Letras Português-Inglês na UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso, concomitantemente ao acesso ao mundo do trabalho, em uma escola estadual no Bairro Novo Terceiro, como monitora de Pré-escolar (um tipo de auxiliar da professora titular da turma).

Em seguida, após ser aprovada em concurso para professora da rede estadual, assumi, na Escola Estadual Elmaz Gattas Monteiro, Várzea Grande-MT, em 1983, a função de professora de Alfabetização, para a qual me sentia pouco apta, sem qualquer experiência de ensino, o que me trouxe muita insegurança. Na sequência, em 1985, foram disponibilizadas, para que eu ministrasse, as aulas de Língua Inglesa do primeiro e do segundo graus, experiência ao mesmo tempo prazerosa e decepcionante; o prazer estava em ensinar uma disciplina para a qual

1 Peço licença para me expressar na primeira pessoa do singular para narrar minha trajetória acadêmica e profissional.

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18 eu me preparava e me dedicava com grande satisfação na graduação, porém me causou decepção a triste realidade da escola pública, principalmente devido à escassez de recursos: não havia aparelho de som, nem televisor, nem possibilidade de reprodução de materiais escritos, nem livro didático para os estudantes, o que dificultava muito o trabalho de ensino de língua estrangeira, além de uma reação negativa dos estudantes à disciplina porque não conseguiam vislumbrar a relevância do ensino daquele idioma.

Também dei início ao curso de Letras Português-Francês, assim que terminei a primeira graduação, com o objetivo de ter contato com a Língua Francesa; idioma que me inspirava curiosidade, por nunca ter tido oportunidade de estudar; as línguas estrangeiras me encantavam tanto para o ensino como para a aprendizagem. Em1987, nos períodos de férias letivas, também participei de um curso de Especialização em Língua Portuguesa oferecido pelo Departamento de Letras-UFMT. Continuava lecionando Inglês e Português, porém, já começava a me aproximar da Língua Francesa, envolvendo-me de forma bastante agradável com o idioma. Assim que concluí a segunda graduação, tive a oportunidade de participar de um concurso para professor efetivo de Língua Francesa, em 1991, para atuar no curso de Letras Francês da UFMT, tendo sido admitida em agosto daquele mesmo ano, em meio a uma greve histórica e longa de professores das Universidades Federais brasileiras.

A equipe de professores da área de Língua Francesa (que contava com as professoras Maria Lúcia Paiva (Suka, querida amiga que já nos deixou), Delcinha Peccini, Thérèse Margotti (que também já partiu), Rachel Dettoni, Eliana Duarte, Neuza Gomes e Marie-Annik Bernier) acolheu-me amorosamente e de forma muito generosa. Gradativamente, vou me pondo à vontade nessa nova fase da carreira à qual me dediquei com todo empenho em meio a acontecimentos marcantes felizes e menos felizes na vida pessoal: casamento (1992), nascimento dos três filhos (1994, 1997 e 2006) e divórcio (2012), falecimento de uma irmã (2005) e da minha mãe (2012).

Dando sequência à formação acadêmica, no fim do ano 2000, ingressei no Mestrado em Educação no Instituto de Educação da UFMT, por dificuldade de me afastar de Cuiabá e por não existir ainda um Mestrado da área de Letras na UFMT. Minha dissertação, que investigou as reações dos professores de língua estrangeira

(20)

19 de escolas públicas de Cuiabá ao documento Parâmetros Curriculares Nacionais de

Língua Estrangeira-1996, teve a orientação generosa e competente da professora

Dra. Maria Inês Pagliarini Cox, por quem tenho grande admiração e gratidão. Essa etapa concluiu-se em fevereiro de 2003.

Após retomar as atividades na UFMT, em 2003, fui eleita para a Chefia do Departamento de Letras para o biênio março/2004-março/2006, tendo me afastado no início de 2006 em licença gestacional para o nascimento da minha terceira filha. Entre 2003 e 2007, aposentam-se quatro colegas professoras da equipe de Francês, em tempos bastante desfavoráveis à liberação de vagas para novos concursos públicos, e restamos apenas minha colega e amiga Eliane das Neves Moura e eu como efetivas do quadro para darmos conta das disciplinas específicas de francês do curso de Letras, contando, a partir de então, com o auxílio de professores substitutos. Em 2008, a professora Suze Oliveira veio integrar nosso grupo como professora efetiva e, em 2014, mais dois professores, Danilo Garcia e Jacqueline Brunet, juntaram-se a nós, via concurso público.

Foi então que tive a oportunidade de pedir afastamento para usufruir licença capacitação de 90 dias, em 2015/1, e consegui frequentar uma disciplina de pós-graduação, ainda em nível de mestrado, em busca de embasamento teórico para elaborar um Projeto de Pesquisa e concorrer a uma vaga do doutorado ofertado pelo PPGEL – Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, vinculado ao Instituto de Linguagens da UFMT, Campus de Cuiabá.

E assim, após submeter-me à seleção, fui, de certa forma, alertada, por alguns membros da banca de arguição do projeto de pesquisa, para as dificuldades que eu certamente encontraria durante o curso, por estar me “distanciando” da minha área de atuação na UFMT, como professora de língua francesa e de Estágio da licenciatura em Letras Português-Francês. Diante daqueles questionamentos, decidi fortalecer-me, não esmorecer, para cumprir as atividades de pesquisa, de publicações, de participação em eventos e das disciplinas do doutorado.

Segui adiante com a proposição deste estudo em que lanço mão dos conhecimentos da Língua Francesa para subsidiar a investigação sobre a constituição da Língua Brasileira de Sinais com base nos empréstimos linguísticos gerados do encontro das línguas de sinais francesa e brasileira.

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20 Como ponto de partida à realização desse intento, a seguir, fazemos um breve relato para demonstrar as relações de proximidade entre o Brasil e a França e, em consequência, entre a Língua Portuguesa e a Língua Francesa e, ainda, como reiteramos e esclarecemos ao longo deste trabalho, entre a Libras e a Língua de Sinais Francesa.

Remontamos à Belle Époque brasileira, período que compreende aproximadamente os anos de 1889 a 1931, em que houve uma profunda ligação entre o Brasil e a França. Paris era considerada o centro cultural do mundo e os intelectuais brasileiros deveriam ir ao menos uma vez ao ano à França para se manterem a par das novidades. A França exerceu, durante esse período, uma influência muito grande no campo das artes, dos costumes, das ideias no Brasil e, consequentemente, na língua, resultando na inserção de muitos galicismos na língua portuguesa.

Segundo Ferreira (2011), muitas expressões francesas acabaram por se instalar em nossa cultura, passando a fazer parte do uso popular de forma quase natural. Por exemplo, a palavra quadrilha, nome de uma dança tradicional da corte francesa: quadrille. No Brasil, é uma dança típica em festas juninas, empregamos ainda as expressões balancer (balancê), en avant (anavant), retourner (retournê),

tour (tur) para nomear alguns de seus movimentos. Também observamos essa

influência nos nomes de movimentos ou passos do balé, como o pas de deux (dança a dois), o pas de valse (passo de valsa) e o plié (dobra de joelhos) etc. A autora também destaca a palavra marchand que tem, na língua francesa, um sentido abrangente de ‘comerciante’ e que, no Brasil, assumiu apenas o sentido de comerciante de obras de arte, em geral, quadros; a pintura é outro campo das artes brasileiras com forte influência cultural da França.

Ainda conforme a autora, palavras que herdamos do francês trazem consigo uma carga de conhecimento histórico, como a palavra ‘greve’. Na antiga Place de

Grève, em Paris, hoje denominada Place de l’Hôtel de Ville, funcionou a Bolsa do

Trabalho em que se cadastravam trabalhadores sem emprego, local que passou a ser o ponto de encontro dos trabalhadores que, deliberadamente, paravam de trabalhar e faziam protestos reivindicatórios. Faire grève significava, então: “agrupar na praça os que não têm trabalho”. Atualmente, a palavra greve assumiu o sentido de “paralisação” das atividades de trabalho, luta por um objetivo comum: salário,

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21 condições de trabalho, protestos contra atos do governo etc. E assim, muitos outros vocábulos já se incorporaram em nosso uso diário, assumindo formas aportuguesadas ou não: baguete, champanhe, menu, croquete, croissant, petit

gâteau, petit pois, bijuteria, lingerie, suflê, buquê, ateliê, matinê, canapê, purê,

abajur, toilette ou toalete, metrô, sutiã, garçom, maquiagem, chofer, tailleur, coiffeur,

chemisier, nécessaire, bistrô etc. Da mesma forma, certas expressões francesas,

como: à la carte, déjà vu, savoir-faire, grand prix, avant-première, mise-en scène estão incorporadas ao léxico e ao uso cotidiano da língua portuguesa.

No movimento inverso, confirmando a interferência de mão dupla, ou digamos, de muitas mãos e direções, que ocorrem entre as línguas vivas em contato, encontramos na língua francesa, certamente em número bem menor, a incorporação de vocábulos do português brasileiro, dos quais citamos alguns exemplos encontrados em dicionário francês en ligne: favela, lambada, samba, saudade, caïpirinha, cachaça, feijoada, capoeira, bossa nova, bérimbau, manioc - do tupi (mandioca), jacaré, candomblé, umbanda, carioca (LAROUSSE, 2018).

Evidencia-se assim a influência da língua francesa na língua portuguesa, e o movimento inverso também, ambas línguas oralizadas, fenômeno que se percebe igualmente em outro contexto, recentemente instaurado na esfera educacional brasileira: o das línguas de sinais. Essa proximidade entre a LSF e a Libras se deu, conforme registros, a partir da vinda do Professor francês E. Huet ao Brasil para fundar a primeira escola de língua de sinais em 1857.

Porém, a Libras só obteve maior relevância e visibilidade muito mais recentemente em virtude da aprovação de leis que geraram iniciativas de implementação de novas políticas educacionais envolvendo a área (conforme explicitamos na seção de contextualização histórica no Capítulo I, subtítulo 1.4).

Retornando a nossa motivação para a realização desta pesquisa, em 2014, com a aprovação do curso de Licenciatura Letras Libras na Universidade Federal de Mato Grosso, a comunidade visual2 fez-se presente nos corredores do Instituto de

Linguagens - IL e na sala das coordenações dos Cursos de Letras da UFMT. Essa movimentação criou uma necessidade de comunicação com os estudantes que chegavam e gerou também curiosidade na comunidade acadêmica (professores e estudantes dos outros cursos de Letras e também nos servidores que conviviam

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22 com esses novos frequentadores do espaço do IL), ou seja, houve um tipo de perturbação causada por situações com as quais não sabíamos ao certo como lidar.

Sob a influência e o incentivo do coordenador de graduação do curso Letras Libras, professor Anderson Simão Duarte, aproximamo-nos da área de Libras, começamos a buscar leituras teóricas e específicas, participamos de aulas de Libras, integramos o grupo de pesquisa REBAK Sentidos3, que realizava reflexões,

discussões e formação a respeito da educação inclusiva, com foco sobre o ensino-aprendizado da Libras e Língua Portuguesa, tendo por bases teóricas os estudos bakhtinianos, a Subjetividade de González-Rey e os estudos ecolinguísticos, coordenado pelo professor Anderson Simão Duarte, e também contava com a participação de professores e estudantes do curso de Letras Libras, passamos a integrar o grupo REBAK – Relendo Bakhtin, grupo que estuda e desenvolve pesquisas com base nos estudos bakhtinianos, conduzido pela Professora Doutora Simone de Jesus Padilha. Pudemos observar o empenho dos professores do curso de Letras Libras, por meio de estudos teóricos e pelos relatos de experiências em sala de aula, envolvendo os estudantes em pesquisas e produções científicas, em um esforço para dar mais qualidade a um curso de graduação ainda em fase de estabilização e aceitação na esfera acadêmica. E assim, ouvindo e tentando entender as discussões específicas sobre os problemas enfrentados com as primeiras turmas, as dificuldades de compreensão de conceitos e abstrações pelos alunos visuais, as preocupações e a busca de soluções a essas questões, fomos nos envolvendo e nos aproximando do nosso objeto de pesquisa.

Julgamos conveniente, de antemão, esclarecer o termo sujeito visual4, em

virtude da sua ocorrência em nosso texto. O conceito foi cunhado pelo Professor pesquisador Anderson Simão Duarte em analogia à concepção de sujeito ouvinte que remete e dá ênfase à habilidade linguística visual requerida da pessoa que não ouve, ressaltando seu potencial linguístico e não a ausência da audição.

Também encontramos fundamento para o uso deste termo em Campello (2008), professora visual que, em sua tese de doutorado, defende a visualidade como aspecto essencial a ser considerado na educação das pessoas visuais e intitula o primeiro capítulo de seu trabalho Minha Identidade Visual, no qual ressalta

3 Em 2017, o grupo se desfez, após a transferência do professor Anderson para o campus da UFMT de Rondonópolis.

4 Mesmo optando pelo termo visual, mantivemos o termo surdo em títulos de obras, nomes de instituições, de organismos, de eventos e nas citações diretas que continham o termo.

(24)

23 que seu sinal visual a fazia reconhecer-se como alguém que realmente compreendia ter uma identidade. Ou seja, identificava-se como visual porque sua visualidade a fazia comunicar-se, entender e interagir com o mundo. E ela assim se expressa de forma a nos fazer compreender como a percepção e interpretação do mundo se dá pela visualidade:

Assim, as pessoas Surdas que não conhecem ou nunca ouviram um “som”, como se salientou, sentem, muitas vezes, a sua presença pelos elementos que os acompanham, apreendem aquilo que dá significado ao percebido e que permite a interpretação, por exemplo: sentir as nuvens prenunciando a chuva e seus ruídos; quando um carro vai chocar com outro; perceber quando alguma coisa vai cair e imaginar qual o tipo de barulho que vai causar; perceber a expressão de desagrado das pessoas expressa em suas faces quando ouvem um risco de giz em um quadro negro. Essas são as interpretações visuais que imaginamos como se fossem os sons. São os “sons” imaginários que substituem o “não poder ouvir”. Em contrapartida, a ausência é substituída pela visão, que é condicionada de acordo com a percepção visual que vai sendo construída no e do mundo. (CAMPELLO, 2008, p. 205).

Ainda conforme Duarte, o termo visual é o que melhor reflete o sujeito pelas características de sua língua espaço-visual, ressaltando ainda que o uso do termo visual não propõe o esquecimento das lutas políticas e ideológicas nem o abandono das conquistas da comunidade visual. E enfatiza que “A honra da sociedade não está nas ações do apontar ou panfletar as diferenças nas deficiências, mas de colocar-se de forma humana e igualitária às diferenças nas experiências e saberes” (DUARTE, 2016, p. 261).

Com base no exposto, neste trabalho, fazemos a opção pelo uso do termo

visual sempre que nos referirmos à pessoa surda por concordarmos com a ênfase

positiva ao seu potencial linguístico, em detrimento da sua deficiência.

Seguindo com nossa justificativa, o fato de sabermos que a Língua Francesa poderia subsidiar uma pesquisa relevante para um curso de inclusão fomentou a vontade de contribuir, ao mesmo tempo em que provocou grande receio por tratar-se de uma área totalmente nova aos nossos conhecimentos: a das línguas de sinais. De alguma forma, no entanto, sentíamos uma identificação entre áreas (da Língua Francesa com a Libras). Dentro da UFMT, percebemos um tipo de “preconceito acadêmico” em relação a essas áreas, ainda que por motivos diversos. Há uma tendência a não considerar a Língua Francesa relevante como curso de licenciatura, pela falta de “mercado de trabalho” para professores de Francês em Cuiabá e no estado de Mato Grosso pelo fato de o idioma não constar dos currículos das escolas

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24 públicas. A Libras, por sua vez, tem um vasto campo de atuação profissional, também é uma licenciatura, em fase inicial, que conta com profissionais envolvidos e responsáveis buscando capacitação acadêmica, porém é uma língua que carece de estabilidade e consolidação. Então, por que não duas áreas “menos reconhecidas”, assim dizendo, das Letras, se apoiarem?

A Universidade, enquanto espaço de universalização de saberes e conhecimentos, precisa garantir que a formação acadêmica se dê para além das necessidades do mercado, visando unicamente a formação de mão-de-obra; deve priorizar a formação humana integral, social, inclusiva adotando, portanto, uma visão multicultural e plurilinguística, que exija currículos e programas de cursos que assumam verdadeiramente seu papel social.

Portanto, visando colaborar com os estudos linguísticos sobre a Libras e fornecer alguns elementos para enriquecer a discussão e fortalecer essa área de estudos, desenvolvemos o projeto deste trabalho investigativo, empregando o conhecimento da Língua Francesa para o acesso a materiais no idioma oralizado que deu origem à Língua de Sinais Francesa que, por sua vez, contribuiu de forma relevante para a formação da Língua Brasileira de Sinais e de muitas outras pelo mundo, como, por exemplo, a Língua de Sinais Americana – ASL, nos Estados Unidos e a Língua de Sinais Mexicana, nas Américas; a maioria das línguas de sinais dos países da Europa, da Espanha, da Bélgica, da Itália etc.

Especificamente, acreditamos que o estudo sobre os empréstimos linguísticos de origem francesa à Libras nos trouxe informações relevantes para compreender a formação dos sinais em Libras, assim como contribuiu com a discussão sobre a necessidade da estabilidade e consolidação dessa língua.

Este estudo foi conduzido pelo objetivo geral de investigar as línguas em contato, Língua Francesa Oralizada – LFO, a Língua de Sinais Francesa – LSF e a Libras e teve como objetivos específicos: esclarecer a formação de sinais da LSF apresentando traços históricos e etimológicos de sua origem e da trajetória percorrida até a forma atual; demonstrar os indícios da influência desses sinais na formação dos sinais da Libras; identificar influências da LFO na constituição dos sinais da LSF e da Libras; suscitar uma discussão sobre o papel que os empréstimos linguísticos podem assumir no ensino da Língua Brasileira de Sinais, a partir do conhecimento de suas origens; demonstrar a importância da origem dos

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25 empréstimos linguísticos e da formação histórica da Libras para sua estabilidade. E buscamos responder às seguintes perguntas de pesquisa: 1) Em que aspectos da Língua Brasileira de Sinais revela-se a influência da Língua Francesa Oralizada e da Língua de Sinais Francesa?; 2) Que papel o conhecimento sobre os empréstimos linguísticos pode assumir no ensino da Língua Brasileira de Sinais? e 3) O estudo dos empréstimos linguísticos pode contribuir para a estabilidade da Língua Brasileira de Sinais?

O texto está estruturado, além desta Introdução, em cinco capítulos e nas Considerações Finais. O primeiro Capítulo, Os Caminhos da Pesquisa, especifica as opções metodológicas, anuncia os conceitos teóricos que são explicitados no Capítulo II e aplicados para a análise dos dados, contextualiza a institucionalização do ensino das línguas de sinais francesa e brasileira, traz dados biográficos do Professor Huet, fundador do INES, e descreve as fontes bibliográficas que forneceram os dados para a análise.

O Capítulo II, Diálogos Bakhtinianos e Ecolinguísticos, é dedicado às concepções teóricas: explicita pontos conceituais dos estudos bakhtinianos em aproximação com os conceitos da Ecolinguística que assumimos como fundamentos teóricos da pesquisa.

No Capítulo III, Empréstimos Linguísticos, delineamos a concepção de empréstimos linguísticos assumida para o estudo, apresentamos o estado de conhecimento sobre empréstimos linguísticos à Libras. Desenvolvemos uma discussão sobre as variações e mudanças linguísticas na Língua Portuguesa, na Libras e na LSF. Por fim, discorremos sobre a Ecologia do contato de línguas demonstrando alguns exemplos de empréstimos analisados com o suporte deste conceito ecolinguístico.

O Capítulo IV, Trajeto Sócio-histórico dos empréstimos linguísticos: a Langue

des Signes Française como base para a compreensão da constituição dos sinais da Libras, traz as denominações das configurações de mão da LSF, as motivações

originais de uma seleção de sinais da LSF, informações históricas e etimológicas desses sinais e mostra sua influência na Libras, revelando assim um provável caminho percorrido por esses sinais, desde sua origem na LSF, e posteriormente, na Libras.

(27)

26 No Capítulo V, retomamos o entrelaçamento existente entre as culturas francesa e brasileira, trazemos as contribuições do texto bakhtiniano O problema do

conteúdo, do material e da forma e desenvolvemos um diálogo teórico com os

dados, apresentando a análise interpretativa e atribuindo sentido ao objeto da pesquisa.

Por fim, nas considerações finais, são apresentadas nossas reflexões e considerações sobre os achados da caminhada investigativa.

(28)

27

CAPÍTULO I

OS CAMINHOS DA PESQUISA

Neste capítulo, apresentamos as opções metodológicas para o desenvolvimento desta investigação, as fontes bibliográficas selecionadas, a contextualização histórica da Língua de Sinais Francesa e da Língua Brasileira de Sinais, e também uma breve biografia de E. Huet, professor francês visual e fundador do Collégio Nacional para Surdos-Mudos (atual INES), estabelecimento onde teve início o ensino institucionalizado da língua de sinais no Brasil.

Para orientar este trabalho investigativo, optamos pela pesquisa qualitativa, de cunho interpretativo, bibliográfica, empregando os princípios do método indiciário e com fundamentação teórica nos estudos bakhtinianos, lançando mão de conceitos básicos, como dialogismo, enunciado, linguagem como interação, signo e sinal, forças centrífugas e centrípetas associados aos da Ecolinguística referentes à língua e linguagem como interação, Ecossistema Fundacional da Língua, contato de línguas.

No entanto, ponderamos que é sempre a partir do caminho que se percorre no desenvolvimento da pesquisa que são definidos os conceitos a serem mobilizados para a análise dos dados, o que vai sendo exigido enquanto suporte teórico para elaborar respostas ao problema e às questões elencados quando da elaboração do plano da investigação e para aplicação na análise dos dados.

No caso deste estudo, acrescentamos, no Capítulo V, França e Brasil/LSF e

Libras: esmiuçando os achados, as contribuições do texto de Bakhtin O Problema do conteúdo, do material e da forma para também aplicá-los à análise dos sinais da

LSF e da Libras.

Concentramos essencialmente nossa busca por dados em obras publicadas, dicionários das línguas de sinais da França e do Brasil, para termos elementos que nos permitissem atingir nossos objetivos. Partimos do dicionário etimológico e histórico da Língua de Sinais Francesa que traz o registro do percurso de um número significativo de sinais desde o século XVIII até a contemporaneidade; a

(29)

28 partir das imagens, descrições, explicações etimológicas e informações históricas dos sinais da LSF, objetivamos explicar também a origem desses sinais que foram herdados pela Libras.

Bakhtin, em seu texto Metodologia das Ciências Humanas (2011, p. 394), afirma, a respeito da motivação de investigações, sobre os procedimentos metodológicos, que [...] “o cognoscente não faz a pergunta a si mesmo nem a um terceiro em presença da coisa morta, mas ao próprio cognoscível”. Seguimos essas orientações considerando a língua como o ‘cognoscível’ que procuramos compreender, fazendo os questionamentos ao próprio material discursivo que encontramos como dados pressupondo seu “ativismo responsivo”. Ou seja, os sinais, seus vestígios, seu percurso histórico revelando em si as respostas que buscamos para nossas indagações. Considerando a língua pela perspectiva bakhtiniana, língua viva, formada pelas circunstâncias histórico-sociais da vida que, ao mesmo tempo, as constitui.

Com fundamento nas etapas do movimento dialógico da interpretação, conduzimos nossa análise de dados partindo do conhecimento da LSF, seus sinais, sua formação, para então os associarmos à Libras e seus sinais, dois caminhos, mostrando suas semelhanças e os distanciamentos na movimentação que ocorreu na sequência, chegando a uma resposta possível com o suporte dos conceitos teóricos selecionados.

Uma resposta possível e talvez provisória, já que, como anuncia Bakhtin, “toda resposta gera uma nova pergunta” (2011, p. 408) e, se não suscitar um ou mais questionamentos, rompe-se o diálogo, tornando-se uma resposta sistêmica, impessoal. Não há precisão nas respostas de uma investigação das ciências humanas tal como nas ciências naturais, sua precisão está na superação, pelo pesquisador, do que já se disse anteriormente sobre o assunto, obviamente, trazendo sua contribuição ao tema, refratando-o, porém, sem que o resultado seja apenas dele. Isto significa que o diálogo deve ser mantido aberto para que outras indagações e novas respostas venham aprofundar, negar, recusar, confirmar, questionar etc. o que foi dito.

Assim, mantém-se o diálogo no “grande tempo – o diálogo infinito e inacabável em que nenhum sentido morre” (BAKHTIN, 2011, p. 409, grifo do autor). Os sentidos construídos nunca são completamente acabados, prontos, os sentidos

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29 do passado e os do futuro devem ser vislumbrados sem limites para que possa haver a festa da renovação dos sentidos, renovação possível pelo movimento do processo do diálogo subsequente.

1.1 Método indiciário

Com o objetivo de atender nossas intenções de pesquisa, propomo-nos a utilizar os princípios do método indiciário (Ginzburg, 1989), centrado no detalhe, nos resíduos tomados como pistas, e que se ancora na premissa de que, por meio das pistas, vestígios, detalhes, é possível ao pesquisador o levantamento de indícios e a formulação de hipóteses para explicar aspectos da realidade.

Segundo este paradigma de investigação das ciências humanas, as fontes investigadas pelo pesquisador podem revelar muito mais do que o testemunho tomado apenas como um dado. O pesquisador deve ser capaz de fazer uso de sua intuição e sensibilidade no desenvolvimento da análise dos dados; de proceder a uma análise microscópica atribuída à redução de escala na observação do objeto; de inferir as causas a partir dos efeitos; e de desenvolver um estudo detalhado do material pesquisado.

Este método é bastante empregado por historiadores e acreditamos adequar-se também a estudos linguísticos como este que estamos empreendendo. Pela leitura das minúcias, busca-se acessar o passado, levantam-se conjecturas sobre como se sucederam os fatos, apoiando-se nos pormenores encontrados.

O procedimento investigativo de operar com pistas e indícios já era empregado por caçadores, encontrando, em sinais quase imperceptíveis, a explicação de vários acontecimentos. Segundo Ginzburg, foi Giovanni Morelli o criador do método, que escreveu vários artigos sobre a pintura italiana em que propunha um novo método, centrado nos detalhes menos óbvios, para atribuir a autoria de quadros antigos. Sigmund Freud, na psicanálise, e Conan Doyle, na literatura, com seu personagem mais célebre – Sherlock Holmes –, teriam se baseado nesses princípios para desenvolverem suas atividades de interpretação e investigação.

Neste estudo, atentamos aos detalhes da formação dos sinais, seu movimento de transformações e suas motivações históricas para encontrar os elos entre as línguas em diálogo, mais particularmente entre a LSF e Libras, porém, com

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30 as contribuições e associações com a LFO e também a Língua Portuguesa, visto estarem em permanente contato com essas línguas de sinais, influenciando-as diretamente.

1.2 Viagem ao INES

Na procura por fontes que contivessem dados significativos para empreender a análise que trouxe as respostas para esta investigação, no período de 16 a 20 de outubro de 2017, estivemos em visita ao INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos, sito à rua das Laranjeiras, nº 232, Bairro Laranjeiras, no Rio de Janeiro. A visita se deu depois do devido cadastro da pesquisa que desenvolvemos na Divisão de Estudos e Pesquisas - DIESP, do DDHCT, Departamento de Desenvolvimento Humano, Científico e Tecnológico daquela instituição em julho de 2017.

Durante a visita, tivemos o primeiro contato com a Professora Doutora Solange Rocha, historiadora responsável pelo Acervo Histórico do INES. Junto a esta professora, que me atendeu gentil e atenciosamente, obtive uma cópia impressa do Relatório original do Professor Huet, enviado a D. Pedro II, apresentando um projeto de ensino para solicitar a construção de um prédio que abrigasse de forma adequada uma escola para visuais e que deu origem, em 1857, ao Collégio Nacional de Surdos-Mudos, atual INES.

Recebemos também uma cópia impressa da obra Iconographia dos Signaes

dos Surdos-Mudos, de Flausino José da Gama, publicada em 2011, parte da

Coleção Histórica do INES, bem como fomos presenteadas com um exemplar do livro O INES e a Educação de Surdos no Brasil: Aspectos da trajetória do Instituto

Nacional de Educação de Surdos em seu percurso de 150 anos, lançado em edição

histórica especial quando da celebração dos 150 anos da criação do INES, em 2008, trabalho cuidadosamente desenvolvido sob a responsabilidade da Professora Solange Rocha. Ambas as obras estão disponíveis no site do INES. Naquele momento, estava sendo preparado o livro que seria lançado em comemoração aos 160 anos de fundação do INES no ano de 2018, sob autoria da mesma professora.

Contrariando nossas expectativas, não há, mesmo no Acervo Histórico do INES, nenhum dicionário ou manual de ensino de Libras no período que compreende os anos 1875, (publicação da Iconographia dos Signaes dos

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31 que evidenciassem uma ponte do percurso dos sinais da Libras, investigando como os sinais trazidos por Huet foram se alterando ou sendo substituídos por outros, no movimento natural e constante de formação de uma língua por seus sujeitos, constituídos pelos igualmente constantes movimentos culturais, sociais, políticos, históricos da vida.

No período em que estivemos no INES, tivemos contato com a coordenadora pedagógica do DEBASI – Departamento de Ensino Básico, setor responsável pelo ensino fundamental e médio, que nos informou a respeito do funcionamento desses níveis de ensino na instituição. No ano de 2017, o INES atendeu 447 estudantes nos períodos matutino, vespertino e noturno, sendo que todos são portadores de surdez classificada como severa ou profunda, já que as aulas são todas ministradas em Libras, e que as crianças que tenham alguma capacidade auditiva necessitam de um ensino que as faça desenvolver a oralidade. As crianças são alfabetizadas em Língua Portuguesa. No Ensino Fundamental, são ensinadas, também, a Língua Portuguesa e a Língua Inglesa e, no Ensino Médio, os estudantes optam, como língua estrangeira, pelo Espanhol ou pelo Inglês. Nas turmas do Ensino Médio, há, no máximo, 15 estudantes; nas do Ensino Fundamental (do 6º ao 9º anos), 12 estudantes e, nas do 1º ao 5º anos, 10 estudantes; e nas salas de aula da Educação Infantil (crianças até cinco anos), apenas 6 estudantes.

O INES também oferece cursos de Libras para a comunidade, com duração de cinco semestres, sendo todos ministrados por professores visuais. As turmas dos cursos de Extensão para a comunidade recebem no máximo 20 estudantes cada.

1.3 Huet – o personagem do INES

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32 Dedicamos este subtítulo à vida e à obra do fundador do INES por reconhecermos sua relevância para a inauguração do estudo institucionalizado da língua de sinais no Brasil. Em outubro do ano de 2017, em visita ao INES, no Rio de Janeiro, tivemos acesso, por intermédio da professora historiadora Dra. Solange Rocha, a uma cópia impressa do relatório5, em formato de carta, datado de 22 de

junho de 1855, enviado pelo Professor E. Huet ao imperador D. Pedro II, em que apresentava um plano de trabalho e a disposição de fundar uma escola que atendesse às necessidades das crianças visuais. O documento original pertence ao Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro (ROCHA, 2008).

1.3.1 Nome: Huet. Prenome: Incerto

Primeiramente, tratamos de uma peculiaridade em relação ao prenome de Huet. Sobram dúvidas e incertezas a respeito do prenome do fundador do Collégio Nacional para Surdos-Mudos. Na obra sobre a história do INES (2008), informa-se que, em todos os documentos a que se tem acesso com sua assinatura, há uma variação de E. Huet para E. D. Huet, ou simplesmente Huet. Nos anos 1950, passou-se a identificá-lo como Ernest Huet, nome empregado inclusive para designar uma instituição, o GOT (Ginásio Orientado para o Trabalho Ernest Huet), assim permanecendo até os anos 1990, quando estudos já apontavam que seu prenome seria Eduard.

Yann e Angélique Cantin (2017), em recente e relevante estudo que culminou com a produção de um dicionário biográfico sobre personalidades visuais de nacionalidade francesa que viveram entre 1450 e 1920, fazem breve referência a ele como Édouard Huet, ao narrarem a história da vida de Pierre Jean Roger, fundador de uma escola para crianças visuais no México em 1830. Informação nova, os registros até então informavam que a Escola Nacional dos Surdos, fundada em 1866 por Huet, era a primeira escola para visuais do México.

Em seguida, o curto excerto que faz menção a Huet nessa obra:

5 O Anexo A deste texto traz cópia do relatório original em língua francesa e o Apêndice B, uma tradução do relatório de Huet para a língua portuguesa (tradução livre da pesquisadora).

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33 6No entanto, até o momento presente, supunha-se que a fundação da primeira escola mexicana para crianças surdas datava de 1866 e que tinha sido fundada por Édouard Huet, um surdo francês que transitara pelo Rio de Janeiro, no Brasil, onde igualmente tinha fundado outra escola, dez anos antes. (CANTIN, 2017, p. 89) (tradução e grifo da pesquisadora).

Na obra de Cantin, o prenome informado é Édouard, porém, como não se procede a uma biografia completa sobre Huet, não nos sentimos em segurança para confirmar que seja este o seu verdadeiro prenome.

Em artigo de 2005, Yves Delaporte menciona seu nome como Édouard Huet entre os professores pioneiros que, tendo estudado na instituição de Saint-Jacques, encarregaram-se da missão de disseminar os sinais da língua usada pelos visuais parisienses à época, fundando escolas pelo continente americano. Ele acrescenta que Huet trabalhou também em Bourges, antes de vir ao Brasil e ao México.

No sítio do INJS – Institut des Jeunes Sourds de Paris, encontra-se a seguinte informação a respeito de Huet, no âmbito da convenção que vincula o INJS ao INES: «O INJS de Paris, primeira escola pública para crianças surdas do mundo, teve, desde sua origem, uma influência internacional relevante”. Pessoas de inúmeros países vieram para conhecer os métodos de ensino ali utilizados. No século XIX, vários representantes das primeiras gerações de pessoas surdas instruídas foram à França e pelo mundo para ajudar na criação de institutos especializados. Foi assim qu’Ernest HUET, professor do que se chamava à época a “Instituição Imperial dos Surdos-Mudos de Paris”, tomou a iniciativa de propor ao imperador Dom Pedro II a criação no Rio de Janeiro de um instituto especializado para crianças surdas. A convite do imperador, ele foi ao Brasil em 1857 para criar essa instituição que se tornará o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). »7 (tradução e grifo da pesquisadora).

Aqui, então, diferentemente do indicado nas obras de Cantin e de Delaporte, informa-se o prenome Ernest, e o impasse continua. Portanto, infelizmente, nossa intenção e expectativa em deslindar esse ‘mistério’ não foram atingidas, nem com a

6 Or, jusqu’à présent, on tenait pour acquis que la fondation de la première école mexicaine pour enfants sourds datait de 1866 et qu’elle avait été fondée par Édouard Huet, un sourd français ayant transité par Rio de Janeiro, au Brésil, où il avait également fondé une autre école, une dizaine d’années plus tôt. (CANTIN, 2017, p. 89)

7 « L’INJS de Paris, première école publique pour enfants sourds au monde, a connu dès l’origine un rayonnement international important. Des personnes de nombreux pays y sont venues pour prendre connaissance des méthodes d’éducation utilisées. Au XIXème siècle, plusieurs représentants des premières générations de personnes sourdes instruites sont allés en France et dans le monde pour aider à la création d’instituts spécialisés. C’est ainsi qu’Ernest HUET, professeur de ce qui s’appelait à l’époque « l’ Institution Impériale des Sourds-Muets de Paris » a pris l’initiative de proposer à l’empereur Dom Pedro II la création à Rio-de-Janeiro d’un institut spécialisé pour enfants sourds. Sur l’invitation de l’empereur, il s’est rendu au Brésil en 1857 pour créer cette institution qui deviendra l’Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). »

(35)

34

colaboração muito gentil do funcionário da biblioteca do INJS, M. Thimotée Bordenave, que se dispôs, após nossa demanda escrita com justificativa para a pesquisa, e com solicitação presencial da Professora Doutora Suze Silva Oliveira (colega da área de Língua Francesa da UFMT), a consultar os arquivos históricos do século XIX. Informou-nos de que não há registros das datas de início ou fim das atividades de ensino de Huet no Institut, nem de obras em seu nome na Bibliothèque

René Bernard, que está instalada no prédio da instituição da rua Saint-Jacques em

Paris.

Para complicar ainda um pouco mais a história de seu nome, encontramos em um site mexicano os registros como Eduard, Hernest, Ernst e Ernst Adolf Huet e também Eduardo Adolfo Huet Merlo (OVIEDO, 2007).

Uma possibilidade para desvendar esse enigma seria, para quem desejasse dar sequência a esta investigação, talvez, visitar a Cidade do México e a Escola a que Huet deu início naquele país, posteriormente a sua estadia no Brasil, ou a escola que ele fundou e dirigiu em Bourges, na França, por volta de 1848.

1.3.2 Huet: vida e obra

Oviedo (2007) apresenta a biografia mais completa de Huet a que tivemos acesso em nossas buscas. Ele também lamenta a exiguidade de dados biográficos. É ponto pacífico que Huet tenha nascido em Paris, porém Christian Giorgio Jullian Montañés, pesquisador mexicano que se dedicou a reconstruir em detalhes o processo de fundação da Escuela de Sordomudos de México, que escreveu, em 2002, o trabalho de conclusão Génesis de la comunidad silente en México do curso

de História na Universidad Nacional Autónoma de México – UNAM, faz referência a

duas datas diferentes: 1820 e 1822 sem ter como chegar a uma conclusão por falta de documentos confiáveis. Quanto a sua surdez, sem que se tenha podido comprovar, todos que o conheceram, segundo Oviedo, afirmavam que era surdo desde o nascimento, porém sua bisneta, Susana Huet, afirma que ele teria ficado surdo entre 12 e 13 anos em consequência de sarampo.

Quem o conheceu afirmava que Huet falava de forma bastante compreensível quatro idiomas: francês, alemão, espanhol e português, no entanto, preferia comunicar-se por escrito ou por meio de sinais.

(36)

35

Segundo relata Oviedo, Huet teria nascido em uma família da nobreza francesa, seu pai teria sido um conde e sua neta declarou que ele possuía uma fortuna, porém, parece ter sofrido dificuldades econômicas durante boa parte de sua vida, tendo sustentado uma disputa inútil contra o governo mexicano para que lhe pagasse salários do ano de 1867, o que deixa dúvidas quanto a sua situação financeira.

Após terminar seus estudos, Huet teria fundado o Institut de Sourds-Muets em

Bourges, na França, por volta de 1848.

A data da chegada de Huet no Brasil é de 1852, ainda que alguns autores apontem para o ano de 1855. Ele teria vindo com uma carta de recomendação do Ministro da Instrução Pública da França, Sr. Droyn de Lhys, tendo apresentado-a ao

cavalheiro de Saint George, ministro da França junto ao governo do Brasil, o que lhe

teria facilitado o acesso ao governo imperial brasileiro (RIBEIRO, 1942, p. 4).

Teria estabelecido relações com o diretor do Collégio Imperial Pedro II para dar início a seu plano de abrir a primeira escola para crianças visuais do país. Huet também parece ter tido uma relação pessoal com o próprio imperador D. Pedro II; seu filho teria recebido o mesmo nome do imperador, de quem diziam ser afilhado.

Casou-se com uma alemã chamada Catalina Brodeke, com quem teve dois filhos: María (1854) e Pedro Adolfo (1856), ambos nascidos no Brasil. Catalina, sua esposa, e seu filho, Pedro Adolfo, teriam trabalhado por muitos anos com educação para visuais.

No dia 26 de setembro de 1857, concretizou a fundação do Collégio Nacional para Surdos-Mudos, atualmente Instituto Nacional de Educação e Surdos – INES, do qual foi o primeiro diretor.

Sabe-se que o motivo de sua saída do INES teria sido sua vida pessoal. Em documento de 13 de dezembro de 1861, há o relato da reunião em que o marquês de Abrantes, que havia sido destacado pelo governo imperial para acompanhar o processo de criação da primeira escola para visuais do país, apresentara os acertos para a saída de Huet, conforme o excerto seguinte:

Em meados do ano 1859, começaram as perturbações não só da economia e da disciplina, mas até da moralidade do estabelecimento: desinteligências, a principio, e, depois, graves conflitos, entre Huet e sua esposa, destruíram

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36 todo o respeito e força moral, sendo inevitável a anarchia.8 (ROCHA, 2008. p.34).

Para deixar o INES, Huet recebeu uma indenização pelo patrimônio material do Instituto e uma pensão anual como reconhecimento por ter fundado a primeira escola para visuais no Brasil.

Huet permaneceu no Brasil por cerca de nove anos, tendo emigrado novamente para o México em princípios de 1866 com o projeto de fundar outra escola para visuais na capital mexicana. Antes de partir, teria enviado seus dois filhos para a França para que aí continuassem seus estudos.

Segundo Oviedo, há duas explicações para a ida de Huet ao México. A primeira versão é a de que o presidente do México, Benito Juaréz, teria enviado Luís G. Villa Acázar ao Rio de Janeiro com uma carta oficial de convite para que Huet fosse à Cidade do México fundar uma escola para visuais. Porém, esta versão é questionada porque a essa época o México estaria passando por grave crise política e o presidente acabou por ser afastado durante um tempo devido a uma invasão francesa que colocou Maximiliano de Habsburgo no poder.

A outra explicação, mais confiável: Maximiliano era primo de D. Pedro II e teria ido ao Brasil antes de invadir o México. Como Huet frequentava o palácio de D. Pedro, poderia ter se encontrado com Maximiliano de quem recebera o convite pessoalmente.

Em junho de 1966, Huet fundava sua escola no México sob o regime de ocupação francesa, o que lhe causou problemas para o resto da vida, as autoridades mexicanas o viam com receio e, em 1878 foi afastado da função de diretor da escola, porém manteve-se como docente até sua morte em janeiro de 1882.

Nos meses que antecederam sua morte, Huet estaria preparando um dicionário de sinais que apresentaria no Congresso Mundial de Surdos que aconteceria na Inglaterra no final da década de 1880.

Apesar das contribuições de grande valia para a educação de visuais pelo mundo, como a introdução do ensino formal de língua de sinais em dois países, Brasil e México, muitas passagens e dados da sua história continuam obscuros ou

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