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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES - FCA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES - FCA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE CULTURA

CONTEMPORÂNEA

RICARDO KALAN SCHWARZ

O GESTO MUSICAL DO BATERISTA NA MÚSICA DE CONCERTO:

UM ESTUDO DA OBRA CHRONOS X DE ROBERTO VICTORIO

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RICARDO KALAN SCHWARZ

O GESTO MUSICAL DO BATERISTA NA MÚSICA DE CONCERTO:

UM ESTUDO DA OBRA CHRONOS X DE ROBERTO VICTORIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso como requisito para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea na Área de Concentração Interdisciplinar. Linha de Pesquisa: Poéticas Contemporâneas.

Orientação: Profª Drª Tais Helena Palhares.

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Este trabalho é dedicado aos meus pais Osmar Schwarz e Márcia Kalan Schwarz, que sempre apoiaram e me incentivaram nos estudos. Também dedico este trabalho especialmente à minha noiva Gabriela Giovana Carvalho de Cesaro pelo carinho, respeito, compreensão e apoio moral durante estes dois anos de percurso.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, o criador de tudo, porque Ele é quem nos capacita e nos dá forças para lutar e vencer as dificuldades do nosso dia-a-dia.

À minha orientadora Profª Drª Tais Helena Palhares pela paciência, incentivo, orientações, correções e sugestões pertinentes ao trabalho durante estes dois anos de percurso. Ao exímio Profº Drº, compositor, instrumentista e regente Roberto Pinto Victorio, pelo apoio, incentivo e suas contribuições através de dados cedidos nas entrevistas que auxiliaram no desenvolvimento deste trabalho. Além disso, por ser um grande compositor renomado nacionalmente e internacionalmente, tive a imensa honra estudar e apresentar algumas de suas composições para percussão como o KA, Codex Troano e Mandala, além de poder desenvolver este trabalho sobre Chronos X.

Aos professores examinadores Drª Teresinha Rodrigues Prada Soares e Drº Eduardo Flores Gianesella pela disponibilidade e por aceitarem o convite para banca examinadora, além de se interessarem pelo trabalho e contribuírem para o enriquecimento do mesmo.

Ao professor Drº Fernando Martins de Castro Chaib pelas suas contribuições no Exame de Qualificação.

Aos meus tios Domingos Sávio Santos e Selma Schwarz Santos e família, pelo acolhimento e a ajuda que me deram na minha mudança de São Paulo-SP para Cuiabá-MT. Agradeço a todos os meus tios e primos por parte de pai e mãe.

Aos meus pais Osmar Schwarz e Márcia Kalan Schwarz, pelo apoio moral, financeiro, por confiarem e acreditarem em mim, e me incentivarem a fazer este curso desde o início até o fim. Agradeço também, às minhas irmãs pianistas e musicistas Cristiana Schwarz Gomes e Valéria Schwarz Caffaro, e aos meus cunhados Leandro Loureiro Gomes e Vitor Caffaro pelo apoio e incentivo dado ao trabalho.

Agradeço também, especialmente, a minha querida noiva Gabriela Giovana Carvalho De Cesaro e sua família pelo carinho, compreensão, paciência e incentivo para a realização do trabalho.

Aos amigos, professores e colegas do Programa de Pós Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea, por também me sugerirem algumas ideias durante o Curso de Mestrado.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo geral verificar de que forma o gesto musical contribui para a execução expressiva da obra Chronos X do compositor brasileiro Roberto Victorio, com enfoque na gestualidade produzida pelo intérprete na execução da bateria desta obra, composta para bateria e flauta transversal. Teve-se, como ponto de partida, o processo de maturação do gesto do intérprete que de início geralmente é rudimentar e desprovido de expressividade, mas que com o passar do tempo conforme os ensaios, estudos e planejamentos realizados, vai se desenvolvendo até a execução mais aperfeiçoada. Mesmo imanente do fazer musical, o gesto musical somente há algum tempo tornou-se objeto de pesquisa de cunho musicológico, composicional ou interpretativo. Em se tratando de gesto, não é somente um simples movimento mecânico que um indivíduo possa fazer, mas sim, movimento dotado de significado e intenção que busca exprimir ideias, pensamentos, estados anímicos, sentimentos, etc. A metodologia desenvolvida neste trabalho baseou-se, primeiramente, na busca por um maior entendimento da palavra gesto e suas várias formas de utilização na vida cotidiana. Posteriormente, a pretensão foi discutir sobre sua manifestação no contexto musical e especificamente no âmbito dos instrumentos de percussão, com atenção especial à bateria. Num segundo momento, foi realizada a discussão a respeito das transformações pelas quais a música passou no século XX, onde surgiram novas formas de criação e composição inovadoras que foram denominadas por Música de Vanguarda. Em seguida, tem-se a apresentação de alguns aspectos relacionados ao pensamento musical-composicional de Roberto Victorio e sua vertente própria denominada Música Ritual, termo oriundo da etnomusicologia. E por último a descrição sobre as características de sua obra Chronos X que tem como temática a multiplicidade do tempo expressada através da escrita da partitura. No último momento deste trabalho tem-se a descrição de todo o percurso do processo de construção da performance de Chronos X realizada pelo intérprete, que se inicia a partir da primeira leitura da partitura, passando pelo processo de memorização da obra através dos ensaios individuais, até o procedimento de elaboração e obtenção de gestos capazes de outorgarem-lhe um caráter performativo expressivo. Para cada etapa desta construção performativa foram gravados vídeos que serviram de ferramentas de análise dos resultados obtidos, uma vez que da primeira leitura para o final do estudo foram verificadas mudanças significativas em relação aos gestos, que inicialmente eram rudimentares e com o passar do tempo tornaram-se expressivos.

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ABSTRACT

The present work has as general objective to verify that forms the musical gesture contributes for the expressive execution of the work the Brazilian composer‟s Roberto Victorio Chronos X, with focus in the gestualidade produced by the interpreter in the execution of the drums of this work, composite for drums and traverse flute. It was had, as starting point, the process of maturation of the interpreter‟s gesture that at the beginning is usually rudimentary and without expressiveness, but that in the course of time according to the rehearsals, studies and accomplished plannings, it goes if developing until the execution more improved. Same immanent of doing musical, the musical gesture there is only some time became object of research of stamp musicological, compositional or interpretative. In if treating of gesture, it is not only a simple mechanical movement that a individual can do, but, I move endowed with meaning and intention that it looks for to express ideas, thoughts, psychic states, feelings, etc. The methodology developed in this work was based, firstly, in the search for a larger understanding of the word gesture and their several use forms in the daily life. Later, the pretension was to discuss about its manifestation, in the musical context and specifically in the extent of the percussion instruments, with special attention to the drums. In a second moment, the discussion was accomplished regarding the transformations by the which the music passed in the century XX, where new creation forms and composition innovators that were denominated by Music of Vanguard appeared. Soon afterwards, the presentation of some aspects related to the thought is had musical-compositional of Roberto Victorio and his slope denominated own Ritual Music, term originating from of the etnomusicologia. It is last the description on the characteristics of his work Chronos X that has as theme the multiplicity of the time expressed through the writing of the score. In the last time of this work the description of the whole course of the process of construction of the performance of Chronos X is had accomplished by the interpreter, that begins starting from the first Reading of the score, going by the process of memorization of the work through the individual rehearsals, until the elaboration procedure and obtaining of gestures capable of grant it a character expressive performative. For each stage of this performative construction they were recorded video that served as tools of analysis of the obtained results, once of the first reading for the end of the study significant changes were verified in relation to the gestures, that initially were rudimentary and in the course of time they became expressive.

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS ... 01

LISTA DE TABELAS ... 04

INTRODUÇÃO ... 05

CAPÍTULO 1 – ESTUDOS, DISCUSSÕES E REFLEXÕES ACERCA DO GESTO MUSICAL ... 08

1.1 O Gesto ... 09

1.1.1 A Expressividade do Gesto ... 10

1.1.2 A Intenção do Gesto ... 11

1.1.3 O Processo de Significação do Gesto ... 12

1.1.4 Os Membros Superiores e Inferiores na Produção do Gesto ... 13

1.2 Sobre o Gesto Musical ... 14

1.2.1 O Gesto Instrumental (ou do intérprete) ... 21

1.2.2 O Gesto em Percussão ... 24

CAPÍTULO 2 – ROBERTO VICTORIO E SUA OBRA CHRONOS X NO CONTEXTO DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA DE CONCERTO ... 36

2.1 Música de Vanguarda ... 36

2.2 Roberto Victorio ... 41

2.3 Chronos X ... 48

CAPÍTULO 3 – ESTUDO E CONSTRUÇÃO DA PERFORMANCE DA OBRA CHRONOS X ... 56

3.1 Gestos Obtidos na Primeira Leitura de Chronos X ... 59

3.1.1 Primeira Leitura da Primeira Parte (páginas 1, 2 e 3) ... 59

3.1.2 Primeira Leitura da Segunda Parte (páginas 4, 5 e 6) ... 63

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3.1.4 Primeira Leitura da Quarta Parte (páginas 10 e 11) ... 70

3.2 O Ensaio... 72

3.2.1 O Ensaio Individual ... 74

3.2.2 Gestos Finais Obtidos no Ensaio Individual ... 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 90

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LISTA DE FIGURAS

Capítulo 1

Figura 1: Modelo padrão básico de uma bateria acústica (acervo particular do autor) ... 31 Figura 2: Pé do instrumentista em contato com o pedal para a extração sonora do bumbo (acervo particular do autor) ... 32 Figura 3: Exemplo de modelo de pedal de bumbo de uma bateria (acervo particular do autor) ... 33 Figura 4: Exemplo de modelo de estante de chimbau de uma bateria (acervo particular do autor) ... 33

Capítulo 2

Figura 5: Exemplo de espaço liso que ocorre na obra KA de Roberto Victorio ... 47 Figura 6: Exemplo de espaço estriado que ocorre na obra KA de Roberto Victorio ... 48 Figura 7: Legenda com as indicações das peças da bateria da obra Chronos X de Roberto Victorio (2002) ... 50 Figura 8: Baquetas de madeira (acervo particular do autor) ... 51 Figura 9: Baquetas de feltro (acervo particular do autor) ... 52 Figura 10: Trecho específico da obra Chronos X, em que se solicita as baquetas de feltro ... 52 Figura 11: Exemplo de aproximação com o pontilhismo de Webern, utilizado por Victorio na página 1 da peça Chronos X ... 54 Figura 12: Sequência de mudanças de métrica que ocorrem na página 4 da peça Chronos X ... 54 Figura 13: Trecho onde há ausência de métrica, mas que possui improvisação ... 54 Figura 14: Trecho onde há ausência de métrica e improviso ... 55 Figura 15: Exemplo de preenchimento do tempo/espaço dos compassos com semicolcheias, fusas e quiálteras que ocorrem na página 2 da peça Chronos X ... 55

Capítulo 3

Figura 16: Exemplo de trecho da obra Chronos X em que ocorreu gesto expressivo na leitura à primeira vista da primeira parte ... 59 Figura 17: Célula que mais se repete ao longo de todas as partes da obra Chronos X ... 61 Figura 18: Trecho em que ocorre a leitura e execução simultânea de dois ou mais

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Figura 19: Célula rítmica da página 1, que se repete na página 4 da obra Chronos X ... 65 Figura 20: Sequência de células rítmicas da página 2, que se repetem na página 5 da obra Chronos X ... 65 Figura 21: Sequência de células rítmicas da página 4, que se repetem na página 6 da obra Chronos X ... 66 Figura 22: Sequência de células rítmicas da página 4, que se repetem na página 6 da obra Chronos X ... 66 Figura 23: Variação rítmica da célula apresentada anteriormente, a qual ocorre nas páginas 4 e 11 da peça Chronos X ... 66 Figura 24: Trecho em que há a execução de peças diferentes pelas duas mãos, localizado na página 9 da obra Chronos X ... 68 Figura 25: Exemplo de trecho em que obtive uma boa execução através de gestos expressivos, presente na página 9 da obra Chronos X ... 69 Figura 26: Trecho em que há ausência de fórmula de compasso, onde a célula rítmica aparece sob a notação aleatória e com mudança rítmica, na página 10 da peça Chronos X ... 70 Figura 27: Célula rítmica em que ocorre erro de execução que resultou num gesto expressivo, localizado na página 11 da obra Chronos X ... 71 Figura 28: Trecho de finalização da quarte parte e de toda a obra Chronos X, localizado na página 11 ... 71 Figura 29: Exemplo de passagem em que há falta de memorização total, na obra Chronos X ... 75 Figura 30: Exemplo de célula que não foi memorizada totalmente, na obra Chronos X ... 76 Figura 31: Exemplo de trecho em que ocorreu os gestos percussivo interpretativo e gesto percussivo expressivo, localizado na página 10 da obra Chronos X ... 76 Figura 32: Exemplo de trecho em que ocorreram os gestos percussivo interpretativo e gesto percussivo expressivo, localizado na página 4 da obra Chronos X ... 77 Figura 33: Exemplo de trecho em que ocorreram os gestos percussivo interpretativo e gesto percussivo expressivo, localizado na página 5 da obra Chronos X ... 77 Figura 34: Exemplo de trecho que apresenta tipos de dinâmicas contrastantes, localizado na página 1 da obra Chronos X ... 78 Figura 35: Exemplo de trecho onde não houve fluência rítmica, localizado na página 9 da obra Chronos X ... 78 Figura 36: Exemplo de trecho em que houve boa extração tímbrica, localizada na página 7 da obra Chronos X ... 79

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Figura 37: Exemplo de trecho onde houve aprimoramento de gestos, localizado na página 1 da obra Chronos X ... 80 Figura 38: Exemplo de gesto aprimorado, localizado na página 5 da obra Chronos X ... 81 Figura 39: Exemplo de trecho em que houve aprimoramento de gestos, localizado na página 11 da obra Chronos X ... 82 Figura 40: Exemplo de trecho onde houve aprimoramento e descoberta de gestos, localizado na página 4 da obra Chronos X ... 82 Figura 41: Exemplo de trecho onde houve a descoberta de novos gestos, localizado na página 3 da obra Chronos X ... 83 Figura 42: Exemplo de trecho onde houve descoberta de novos gestos, localizado na página 3 da obra Chronos X ... 84 Figura 43: Exemplo de novos gestos realizados, localizados na página 5 da obra Chronos X ... 84 Figura 44: Trecho onde o gesto com o pé direito se destaca, localizado na página 6 da obra Chronos X ... 85 Figura 45: Ultima célula rítmica da página 1 da obra Chronos X ... 86

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LISTA DE TABELAS

Capítulo 2

Tabela 1: Exemplos de estrangeiras escritas para bateria no contexto da música

contemporânea de concerto ... 41 Tabela 2: Exemplos de obras brasileiras escritas para bateria no contexto da música

contemporânea de concerto ... 41 Tabela 3: Tipos de instrumentos que fazem parte das obras da série Chronos ... 49

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi realizada com o intuito verificar de que forma o gesto musical contribui para a execução expressiva da obra Chronos X do compositor brasileiro Roberto Victorio, com enfoque na gestualidade produzida pelo intérprete na execução da bateria desta obra, composta para bateria e flauta transversal. Teve-se, como ponto de partida, o processo de maturação do gesto do intérprete que de início geralmente é rudimentar e desprovido de expressividade, mas que com o passar do tempo conforme os ensaios, estudos e planejamentos realizados, vai se desenvolvendo até a execução mais aperfeiçoada. Vale ressaltar que não se pretende aqui estabelecer um padrão universal, mas oferecer uma possibilidade de interpretação e construção performativa da obra Chronos X que venha abrir possibilidades de novas leituras futuras.

Mesmo imanente do fazer musical, o gesto musical somente há algum tempo tornou-se objeto de pesquisa de cunho musicológico, composicional ou interpretativo. Isso se deve graças às mudanças na música contemporânea onde o compositor passou a sugerir tipos de gestos a partir de indicações específicas na partitura. Além disso, também o surgimento da música eletrônica e eletroacústica no século XX contribuiu para a redescoberta do gesto musical como objeto científico sendo que, a partir dessas novas formas de se fazer música o corpo do intérprete passou a estar ausente na performance musical. Foi preciso eliminar o corpo do instrumentista na realização musical para que se notasse a importância da presença dele, o qual desde a antiguidade sempre foi elemento essencial na produção sonora dos instrumentos musicais. O contato do ouvinte com a música era através da performance, o qual, mesmo não participando diretamente no ato de produzir os sons dos instrumentos, se envolvia com a música de forma que internamente reconstruísse toda a gestualidade que o cercava, já que a música era resultado dos corpos que a produziam.

Em se tratando de gesto, não é somente um simples movimento mecânico que um indivíduo possa fazer, mas sim, movimento dotado de significado e intenção que busca exprimir ideias, pensamentos, estados anímicos, sentimentos, etc. Apesar das diversas maneiras de utilização, o termo gesto está intrinsecamente ligado às ações que envolvem o corpo humano. Na música, o mesmo está ligado às ações corporais na extração sonora e tem sido pesquisado e analisado na execução de vários instrumentos em diversas obras musicais contemporâneas, sendo um elemento considerado essencial para tornar a performance musical expressiva.

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No que concerne mais especificamente ao contexto dos instrumentos de percussão, apesar destes serem considerados os mais antigos surgidos na História da Música, foram explorados grandemente apenas no século XX no contexto da música ocidental. Um deles, especificamente, é a bateria, instrumento que se consolidou enquanto tal no século XX e que possui ainda um escasso repertório de obras para música de concerto, sendo uma delas a Chronos X.

O interesse da realização desta pesquisa surgiu devido às experiências musicais obtidas ao longo desses anos, onde foram interpretadas diversas obras escritas para bateria e percussão no âmbito da música popular e erudita, tendo, o autor deste trabalho, como principal instrumento utilizado na carreira artística-musical, a bateria.

A escolha por Roberto Victorio foi feita pelos seguintes motivos: por este ser um grande compositor brasileiro reconhecido nacionalmente e internacionalmente; pelas suas contribuições importantes para a música de concerto através da escrita de obras destinadas a vários instrumentos, inclusive, ao repertório da bateria e dos instrumentos de percussão; por haver proximidade com o professor que atua nos cursos de Bacharel em Composição e Licenciatura em Música da Universidade Federal de Mato Grosso, o que facilita a realização de entrevistas para lhe fazer indagações a respeito de seu pensamento musical-composicional e sua obra Chronos X. Esta obra foi escolhida como campo de análise sobre o gesto musical justamente por ser escrita para bateria, instrumento musical escolhido para intermediar o objeto de pesquisa e o campo de análise.

Na primeira parte deste trabalho, foram trazidos estudos, reflexões e discussões de autores e estudiosos, estes que buscaram apresentar definições e características relacionadas ao gesto, além de alguns exemplos de suas várias formas de utilização na vida cotidiana. Em seguida, a discussão gira em torno do gesto no contexto musical, uma vez que este fenômeno comunicativo faz parte de várias ações do fazer musical, em especial, a do intérprete na execução instrumental. Buscou-se também discutir a respeito do gesto especificamente no âmbito dos instrumentos de percussão com atenção especial à bateria.

A segunda parte consiste na discussão a respeito das transformações pelas quais a música passou no século XX, onde surgiram novas formas de criação e composição inovadoras que foram de difícil aceitação pelos defensores da música tradicional. Para estas novas formas de se fazer música, atribuiu-se o nome de Música de Vanguarda, contexto onde está inserido o compositor brasileiro Roberto Victorio e sua Obra Chronos X. Em seguida, tem-se a apresentação de alguns aspectos relacionados ao pensamento musical-composicional deste compositor que alicerçam o seu processo criativo, uma vez que ele criou uma vertente

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própria denominada Música Ritual, termo oriundo da etnomusicologia. E por último a descrição sobre as características de sua obra Chronos X que tem como temática a multiplicidade do tempo expressada através da escrita da partitura.

Na última parte, há a descrição de todo o percurso do processo de construção da performance de Chronos X realizada pelo intérprete, que se inicia a partir da primeira leitura da partitura, passando pelo processo de memorização da obra, até o procedimento de elaboração e obtenção de gestos capazes de outorgarem-lhe um caráter performativo expressivo.

No corpo deste trabalho também seguem as Considerações Finais, Referências Bibliográficas e os Anexos. Para uma melhor ilustração, nos anexos estão inseridos a partitura completa da obra Chronos X e os vídeos gravados da primeira leitura e dos ensaios individuais desta obra, realizados pelo autor deste trabalho.

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Capítulo 1

Estudos, Discussões e Reflexões acerca do Gesto Musical

Vários estudiosos se dedicam à pesquisas e discussões envolvendo o termo gesto como SANTIAGO, 2009; ZAVALA, 2012, BARROS, 2010; ZAGONEL, 1992; entre outros. Estes autores em seus estudos partem do princípio que a palavra gesto, apesar de possuir um sentido bastante amplo e dar margem a diversas formas de utilização, está relacionada às ações que envolvem o corpo humano.

No dicionário Michaelis1: o termo gesto é definido como “movimento do corpo, principalmente das mãos, braços, cabeça e olhos, para exprimir ideias ou sentimentos, na declamação e conversação; forma de se expressar”. Seu significado na língua inglesa especificamente no dicionário Cambridge2 apresenta três definições: “um movimento das mãos, braços, ou cabeça, etc. para expressar uma ideia ou sentimento; uma ação que expressa seus sentimentos ou intenções, embora possa ter pouco efeito prático; utiliza-se um gesto para expressar ou enfatizar alguma coisa” (tradução minha).3

Começando com estas definições - as quais giram em torno das palavras ação, movimento corporal, expressão, intenção, ideia e sentimento - constata-se, primordialmente, que o gesto é definido não apenas como um simples movimento do corpo (parte concreta do gesto), mas exprime uma ideia ou sentimento (parte abstrata do gesto) na ação do indivíduo em se comunicar com alguém. Neste sentido, Zagonel, estudiosa e pesquisadora no campo da música, afirma que o gesto realizado por uma pessoa gera uma imagem ou expressão visual que é levada em conta no ato da comunicação “[...] na tentativa de que seu discurso seja melhor compreendido” (ZAGONEL, 1992, p.7).

Partindo destas definições de dicionário e dos estudos de alguns autores, será discutido neste capítulo as formas de uso da palavra gesto, seus aspectos e características relevantes, e a utilização deste termo no que diz respeito à música e, mais especificamente, ao intérprete de bateria (instrumento musical percussivo).

1

Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=gesto> Acesso em 21 de set de 2016.

2 Disponível em: < http://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/gesture> Acesso em 21 de set de 2016. 3

“a movement of the hands, arms, or head, etc. to express an idea or feeling; an action that expresses your

feelings or intentions, although it might have little practical effect; to use a gesture to express or emphasize something”.

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1.1 O Gesto

O gesto é uma ação que está presente no nosso cotidiano e utilizado para expressar algo, seja discretamente, ou de forma extravagante. Ele é um fenômeno comunicativo no dia-a-dia e uma palavra de sentido amplo que dá margem a diversas formas de utilização, sendo algo proveniente de ações que envolvem o corpo humano.

Gesto é uma palavra usada em muitas disciplinas, como psicologia, linguística, antropologia, estética e musicologia; pode estar ligado a muitas conotações diferentes, algumas mais gritantes, outras mais sutis entre si. Dentro dessa diversidade semântica cada significado guarda, cada qual a sua maneira, uma ligação com um aspecto fundamental, que é o movimento do corpo humano. O movimento das mãos, do corpo, do aparato vocal etc. (BARROS, 2010, p. 8).

Zavala enfatiza essa diversidade de formas de utilização do gesto ao afirmar que “gesto é um termo que pode ser utilizado de muitas maneiras, sendo uma palavra que faz parte do nosso vocabulário cotidiano” (ZAVALA, 2012, p.17). De forma mais geral, a autora apresenta o gesto em dois casos: como ato simbólico, metáfora ou figura de linguagem, onde o gesto cria simbolismos que dão significado a algo. Ou seja, “a palavra gesto é utilizada de forma simbólica aludindo a uma atitude que pelas suas características tem um sentido e uma intenção” (ZAVALA, 2012, p.17). A autora exemplifica este caso com o gesto solidário o qual tem o intuito de auxiliar ou ajudar alguém, sendo que o movimento do corpo humano não é o centro deste tipo de ação. No segundo caso, a autora apresenta o gesto como movimento corporal repleto de simbolismos exemplificando com os gestos produzidos por uma pessoa raivosa. Aqui nesse caso “[...] a palavra gesto se refere à realização de movimentos corporais que têm um componente expressivo que nos permite identificar emoções, afetos (nesse caso, a raiva)” (ZAVALA, 2012, p.17).

Por outro lado, o gesto também é aprendido, variando o seu modo de utilização conforme a cultura onde ele é produzido. Considerando este aspecto, o gesto produzido por um indivíduo expressa sua singularidade enquanto ser participante de uma cultura específica. Para Santiago e Meywericz (2009) “gesto é algo inteligível e culturalmente aprendido” (SANTIAGO E MEYWERICZ, 2009, p.83). Estes mesmos autores, fundamentando-se em Mauss, afirmam que tanto os gestos como a postura e os movimentos corporais são aprendidos culturalmente e não são apenas estímulos biológicos. Da mesma forma, Mendes e Nóbrega (2004, p. 127), definem os gestos como “campos de visibilidade da articulação entre natureza e cultura”, e nesta articulação as linguagens específicas são apresentadas expressando as características individuais e culturais.

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1.1.1 A expressividade do gesto

Uma das características, caminhos ou possibilidades do gesto é a expressividade. Independente da cultura onde o gesto é produzido, ele está repleto de expressão. Godoy e Leman apud Zavala (2012) citam a origem da palavra gesto no latim gestus, com o significado de pose ou postura que indica um comportamento expressivo tendo o objetivo de comunicar sentimentos, significando também, atitude. De acordo com os autores, a expressividade sempre esteve presente e em estreita relação com a ação gestual do ser humano.

Na etimologia da palavra gesto é possível constatar estreitas relações com a utilização atual do termo. Na origem da palavra estão contidas as ideias de expressão, comunicação de sentimentos, ação, atitude, comportamento, postura e movimentos corporais inseridos dentro da dança (podemos ampliar essa ideia como movimentos corporais inseridos dentro de uma arte ou linguagem) (ZAVALA, 2012, p.17,18).

A respeito da expressividade como uma característica do gesto, Iazzetta afirma que o mesmo:

[...] é entendido aqui não apenas como movimento, mas como movimento capaz de expressar algo. É, portanto, um movimento dotado de significação especial. É mais do que uma mudança no espaço, uma ação corporal, ou um movimento mecânico: o gesto é um fenômeno de expressão que se atualiza na forma de movimento (IAZZETTA, 1997, p.7).

Zagonel apresenta posição semelhante à de Iazzetta (1997) e ainda acrescenta ao gesto o poder, capacidade ou possibilidade de simbolizar:

Diferente, pois do movimento, que é “deslocamento, ato de mover-se, mudança de posição no espaço em função do tempo, em relação a um sistema de referência”, que não tem nenhum sentido de expressão em si; o gesto tem um objetivo preciso, de produzir ou simbolizar. (ZAGONEL, 1992, p.2)

A partir das afirmações destes autores, compreende-se que a expressividade sempre esteve contida no gesto não importando o tipo de cultura onde é realizado, o que faz com que se diferencie um simples movimento mecânico de um movimento que é capaz de expressar algo. Portanto, ogesto difere-se de um movimento simples executado por um indivíduo que se refere apenas ao deslocamento ou mudança de posição no espaço em função do tempo, tendo assim o gesto o poder de expressar, produzir ou simbolizar.

Ainda sobre o aspecto da expressividade, Zavala (2012) reforça essa questão dizendo que em meio à amplitude do uso do termo gesto correspondente às diversas maneiras de

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utilizá-lo, em diferentes contextos, a expressão é um dos traços recorrentes nesse processo (ZAVALA, 2012, p.17). Na visão da autora “o gesto tem como característica primordial a sua capacidade potencial de expressar ideias, pensamentos, estados anímicos e/ou, no caso de alguns gestos que integram um tipo de linguagem, reforçar ou contradizer essa linguagem” (ZAVALA, 2012, p.17). Indo ao encontro do que Iazzetta (1997) diz sobre o gesto, ao mesmo tempo em que um indivíduo apresenta um discurso através da fala, pode utilizar-se de gestos para tornar mais enfática a comunicação com o ouvinte tendo o objetivo de melhorar a compreensão daquilo que foi discursado. O gesto, portanto, é uma ferramenta do discurso de um indivíduo, que, segundo Zagonel (1992), “[...] recorre à imagem para aumentar a eficácia da comunicação” (ZAGONEL, 1992, p.7).

1.1.2 A intencionalidade do gesto

Uma segunda característica do gesto é a intencionalidade. Quando um movimento torna-se significativo para alguém que imprime uma intencionalidade e interpretação a ele, este sim pode ser considerado um gesto. A verdade é que o movimento corporal está contido no gesto enquanto ação motora do sujeito, pois é necessário que haja o movimento para que ele se concretize numa forma, contorno ou imagem. Barros (2010) aborda dois aspectos interessantes sobre a interpretação do gesto os quais são o subjetivo e a dependência do contexto, pois dependendo do indivíduo e do contexto em que o gesto é produzido pode resultar em interpretações distintas sobre o mesmo. O movimento para ser gesto precisa estar num contexto em que haja intencionalidade passível de interpretação.

O gesto guarda uma relação com o movimento, mesmo que metafórica. Porém nem todo movimento pode ser considerado um gesto: para um movimento ser considerado um gesto ele deve se tornar significativo para um sujeito que imprima uma intencionalidade e interpretação a esse gesto. Claramente isso introduz um aspecto subjetivo bem como um aspecto de dependência de contexto. Um mesmo observador em diferentes contextos pode ter interpretações diferentes, ou em um mesmo contexto dois observadores podem interpretar o mesmo gesto de maneiras totalmente diversas. (BARROS, 2010, p.8)

Zavala (2012) discorre sobre o lado inconsciente de quem realiza o gesto e que pode ser interpretado por outro indivíduo que o observa. De acordo com essa autora, “essa intencionalidade não implica necessariamente uma tomada de consciência por parte de quem o realiza, estando, sim, relacionada com a interpretação de quem percebe o gesto e a sua intenção” (ZAVALA, 2012, p.17). Um indivíduo pode muitas vezes fazer gestos que não

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estavam no script, ou seja, de forma não planejada e inconsciente. Aí então, entra em cena o ouvinte (receptor) o qual interage visualmente e mentalmente com o gesto inconsciente do intérprete e lhe atribui significado expressivo.

A intencionalidade do gesto, além de ser passível de interpretação seja através da subjetividade de um intérprete ou ouvinte, num ou mais contextos determinados, também se refere à “[...] organização do gesto, o que tem uma direção, uma forma desenhada no tempo, e é capaz de transmitir uma intenção expressiva, mesmo não podendo-se afirmar em todos os casos se essa foi „planejada‟ ou não” (ZAVALA, 2012, p.17). Com isso, tendo como exemplo a execução de uma obra musical, busca-se ao máximo planejar e selecionar os tipos de gestos a serem utilizados para a obtenção do resultado sonoro almejado, ou seja, o gesto é primordialmente analisado, pensado e direcionado a uma finalidade que atenda as necessidades da obra.

1.1.3 O processo de significação do gesto

Uma terceira característica do gesto é o processo de significação. O gesto, então, produz ou simboliza e representa algo sendo um fenômeno de expressão e intenção que é não só um movimento simples do corpo humano no espaço em função do tempo, mas acompanhado de significado. Tanto Hatten (2006) apud Matschulat (2011, p.18) como Zagonel (1992) se referem ao gesto como uma formação energética projetada no tempo e possuidora de significado. Esse processo de significação está relacionado à dependência de contexto apontado por Barros (2010), pois dependendo do contexto onde o gesto está inserido podem surgir distintas interpretações a respeito do mesmo em que um ou mais indivíduos atribuem significados de acordo com suas experiências, visões e percepções individuais (subjetividade).

No caso da música, sendo uma arte performativa, a tendência é que o gesto em música seja também algo que auxilie na construção significativa de uma obra de arte e não simples movimento corporal. Langer (1953) faz a distinção entre um gesto “normal” e o gesto como ferramenta na construção de uma obra de arte:

Gesticulação, como parte do nosso comportamento, não é arte. É simplesmente movimento vital. Apenas quando o movimento que foi, inicialmente, um gesto genuíno, é executado a partir da imaginação, pode tal gesto se tornar um elemento artístico, uma dança-gestual. Desta forma, ele se torna uma forma simbólica livre, que poderá ser usada para transmitir ideias de emoção, consciência e premonição, ou

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poderá ser combinada a outros gestos ou incorporada a eles, para expressar uma intenção física e mental (LANGER, 1953, p.175).

1.1.4 Os membros superiores e inferiores na produção do gesto

A maioria dos autores, assim como as definições de dicionário (apresentados na introdução deste capítulo), enfatiza que os gestos são produzidos especialmente pelos membros superiores do corpo humano. Toma-se como exemplo Zagonel, a qual diz que o gesto “[...] é um movimento exterior ao corpo, mais particularmente dos membros superiores, sobretudo das mãos ou da cabeça, que com frequência reveste de significado ou dá mais força à língua falada” (ZAGONEL, 1992, p.13). Por este viés, tem-se também como exemplo Zavala (2012, p.17) que ao tratar sobre a origem etimológica da palavra gesto - referente à postura ou pose que indica um comportamento expressivo e comunicação de sentimentos - destaca que isso é feito em particular através das mãos.

Tendo em vista estes exemplos de definições destas autoras (bem como dos dicionários), nota-se que não há a atribuição de exclusividade aos membros superiores como produtores de gestos (ou seja, os gestos não são produzidos somente e/ou exclusivamente pelos membros superiores). Então, desta forma, isso quer dizer que os membros inferiores também produzem gestos, mas que visualmente podem ser mais discretos e não tão perceptíveis quanto os membros superiores. Para enfatizar esta questão, Santiago e Meywericz (2009) trazem uma definição que se refere ao gesto como movimento de todos os segmentos do corpo (e não só dos membros superiores), que com isso constata-se, nesse caso, que os membros inferiores também podem produzir gestos assim como os superiores.

Uma definição de dicionário se refere a gesto como sendo movimento de todos os segmentos do corpo, voluntário ou involuntário, que revela “estado psicológico ou intenção de exprimir ou realizar algo”; o gesto é definido como “aceno, mímica, expressão singular, aparência, aspecto, fisionomia maneira de se manifestar; atitude, ação” (SANTIAGO e MEYWERICZ, 2009, p.83).

Para dar ênfase aos membros inferiores como produtores de gestos, toma-se como exemplo, uma criança que ao ficar com birra do pai e/ou da mãe após levar uma bronca, ela cruza os braços, pula e bate os pés no chão. Um outro exemplo é de uma pessoa que bate o pé no chão por estar muito tempo esperando a outra se arrumar para ir ao parque.

Após as definições e características do gesto, além de exemplos de algumas formas de utilização no cotidiano, no próximo tópico será discutido sobre o gesto musical.

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1.2 Sobre o gesto musical

O gesto em música pode ser discutido sob aspectos distintos como sua conceituação, o que pode ser observado e percebido em relação à gestualidade do compositor, de um intérprete-instrumentista numa performance musical, o que este gesto representa para os ouvintes ou em determinados contextos. Porém, este tipo de estudo requer um tempo considerável, devido a grande complexidade de análise e compreensão.

De acordo com Chaib (2012):

Nas artes performativas o fenômeno gestual é encarado de diversos modos, sendo encontradas as mais variadas interpretações sobre o mesmo. Em algumas formas de expressão artística como a música, dança, pintura e teatro, os autores e intérpretes geralmente se apropriam de forma plural do conceito de gesto (CHAIB, 2012, p.159).

Pesquisas que consideram o gesto musical como sendo algo inseparável ou imanente do fazer musical surgiram apenas recentemente, tornando alvo de investigação seja de cunho musicológico, composicional ou interpretativo (ASSIS e AMORIM, 2009, p.1). De acordo com Iazzetta (1997) algo fundamental que contribuiu para o gesto musical tornar-se objeto de pesquisa foram consequências trazidas pelo desenvolvimento da tecnologia no século XX, a qual contribuiu para o nascimento da música eletrônica e eletroacústica. Durante muitos anos, num longo processo de transformação da cultura musical, as pessoas aprenderam e se acostumaram a ouvir os sons produzidos pelos corpos do instrumentista e do instrumento. O contato do ouvinte com a música era através da performance que, mesmo não participando diretamente no ato de produzir os sons dos instrumentos, ele se envolvia com a música de forma que internamente reconstruísse toda a gestualidade que o cercava, já que a música era resultado dos corpos que a produziam. Sendo assim, para o ouvinte, a ausência dos corpos dos instrumentistas não seria bem-vinda, sendo essencial a presença dos mesmos.

Durante milênios as pessoas aprenderam a ouvir sons que guardavam relações estreitas com os corpos que os produziam. Subitamente, toda a experiência auditiva acumulada em um longo processo de evolução da cultura musical é transformada pelo surgimento dos sons eletrônicos. A audição desses sons não revela as relações mecânicas, concretas e aparentes dos instrumentos acústicos tradicionais, já que estes são gerados através de processos elétricos, invisíveis à nossa percepção. São sons novos e extremamente ricos, mas ao mesmo tempo, conflituosos, já que vêm desvestidos de qualquer conexão com corpos ou gestos (IAZZETTA, 1997, p.2).

Em se tratando da performance ao vivo, Iazzetta (1997) discute, fundamentado em Leppert (1993), a importância da experiência visual no envolvimento entre intérprete e público. Este último autor se refere à importância de fato da presença corporal do intérprete e

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do instrumento para materializar e dar localidade ao acontecimento sonoro fazendo com que o ouvinte possa reconhecer mais rapidamente as fontes de produção sonora (Leppert apud IAZZETTA, 1997, p.3). O som é gerado e propagado pelo ar, sendo um fenômeno abstrato já que um indivíduo não pode vê-lo e nem sequer segurá-lo. Iazzetta (1997) aponta a força que existe na conexão entre o som e a imagem que o acompanha sendo que, antes do surgimento da música eletrônica e digital seria anormal que se ouvisse música sem ver o corpo que a produzisse, havendo então um “[...] caráter mágico da ligação entre aquilo que se ouve e aquilo que se vê” (IAZZETTA, 1997, p.2,3). Sendo o som algo abstrato e sabendo-se que a performance musical ocorre numa localidade (seja num teatro, praça ou qualquer espaço aberto ou fechado), a presença do corpo do intérprete e do instrumento faz com que haja um tipo de materialidade da performance musical.

Outro fator relevante que contribuiu para a redescoberta do gesto musical como objeto científico diz respeito, de acordo com Assis e Amorim (2009), à música contemporânea4 e suas características sendo que o compositor passou, de certa forma, a controlar ou sugerir os gestos a partir de indicações específicas da partitura.

Uma vez que a música contemporânea rompe com a discursividade tonal e, portanto, com uma estrutura sintática subordinada às funções tonais tradicionalmente reconhecidas, a coordenação dos gestos não pode mais ser deduzida da melodia ou da harmonia. Ela deve obedecer às indicações específicas da partitura, ou seja, passa a ser controlada diretamente pelo compositor e não está mais condicionada a um conjunto de convenções preestabelecidas (ASSIS e AMORIM, 2009, p.1).

Na visão teórica de Hatten, é preciso entender o gesto humano antes de sua manifestação nas obras musicais sofisticadas (Hatten apud Matschulat, 2011). Existem composições de música contemporânea que se encaixam no perfil de sofisticação sendo que, inúmeras obras de um compositor apresentam a manipulação dos gestos do intérprete através das indicações presentes na partitura, resultando em uma performance musical diferenciada e contagiante, dentro de uma beleza estética. Nesse caso, um estudo aprofundado sobre o gesto contribui acentuadamente para o melhor desenvolvimento possível do caráter gestual de uma composição e uma interpretação da mesma, e que haja coesão na estética contemporânea.

O gesto em música torna-se cada vez mais complexo de ser analisado e conceituado à medida que surgem novas composições musicais de diversos gêneros ou estilos; quando este gesto é poético; quando se transforma numa marca pessoal do compositor, uma referência que identificamos como típica daquele compositor. A música de concerto, sendo um tipo de

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Neste trabalho o termo “música contemporânea” é entendido como o que diz respeito à música clássica composta na atualidade seguindo uma linha de especulação criativa originada na música clássica de concerto. Ver discussão no início do capítulo 2.

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música com apresentações que ocorrem geralmente e tradicionalmente em ambientes fechados como o auditório e o teatro, possuindo uma formalidade própria, apresenta um comportamento gestual dos intérpretes diferente dos shows e apresentações de Rock e de Samba, dentre outros estilos musicais. Quando cada estilo de música apresenta um tipo específico e particular de expressão gestual através do corpo humano, essa especificidade se fragmenta e estende-se a cada intérprete e obra musical em particular. Por isso, é importante ressaltar que o que se encontra são trabalhos, principalmente dissertações de mestrado, que abordam o gesto musical numa obra musical específica e de um compositor específico, até porque os compositores também se diferenciam quanto ao estilo e caráter gestual de suas obras. Levando-se em conta a sofisticação ou o grau de complexidade existente em composições de música contemporânea, é possível se concentrar e aprofundar em uma única obra para realizar os estudos sobre o gesto musical, podendo haver vários e distintos aspectos a serem levantados, observados e analisados.

A complexidade de análise do gesto musical se deve, para Barros (2010), ao que pode ser entendido como uma unidade portadora de conteúdo musicalmente significativo sendo que, um evento musical pode se decompor em partes mínimas que podem ser analisadas isoladamente, as quais se inter-relacionam e constituem uma propriedade repleta de conteúdo musical significativo.

Partamos do princípio de que um evento musical pode ser decomposto até chegarmos aos seus elementos mínimos, muito embora o que acarreta a experiência musical não é cada um desses elementos mínimos isolados, mas a propriedade que surge da inter-relação entre eles, em conjunto. Esta propriedade que surge da relação dos elementos mínimos é o que constitui uma determinada configuração portadora de conteúdo musicalmente significativo (BARROS, 2010, p.10;11).

Para Zagonel (1992), a complexidade do gesto em música se dá pelo “[...] grande número de componentes que intervém nos atos de criação e execução musical” (ZAGONEL, 1992, p.8). Essa questão está ligada tanto ao gesto do compositor quanto ao gesto do intérprete, ou então, o que Salles (1998) denomina poética do autor5. Enquanto o primeiro, através do gesto composicional, cria e/ou elabora uma obra musical num processo que demanda tempo e requer escolhas em meio a um vasto campo musical, o segundo tem o papel de interpretar e executar a obra musical criada realizando gestos corporais na extração sonora do instrumento e, obedecendo as indicações da partitura. Neste caso, também há um vasto campo musical de possibilidades a serem testadas e escolhidas pelo intérprete durante um período de tempo.

5 Para mais detalhes, ver SALLES, 1998.

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Outro fator de complexidade do gesto diz respeito à sua amplitude funcional em virtude do seu poder de expressividade. O gesto além de ser uma unidade portadora de conteúdo musicalmente significativo, também apresenta conteúdo expressivo, o que faz com que possamos aprender a compreender os acontecimentos sonoros durante a performance musical. Kurtenbach e Hulteen apud Iazzetta (1997) falam a respeito desta amplitude funcional do gesto resultante do seu poder de expressividade. Eles afirmam que:

Os gestos amplificam suas funções em virtude de sua expressividade. Quer dizer, um gesto pode controlar vários parâmetros ao mesmo tempo, permitindo assim que o usuário possa manipular os dados de uma maneira que seria impossível se tivesse que modificar um parâmetro de cada vez. Por exemplo, um maestro controla simultaneamente o tempo e o volume do gesto musical. O ritmo do gesto controla o tempo e o tamanho do gesto controla o volume. Isso permite uma comunicação eficiente que não seria possível pelo ajuste individual do tempo e do volume (Kurtenbach e Hulteen apud IAZZETTA, 1997, p.8).

Steuernagel apud Silva (2010) traz as idéias de condução e interação gestual. Na visão de Steuernagel, há uma rede de relações entre elementos que estruturam o gesto musical, e no processo composicional, há a relação entre os gestos que estruturam a composição em sua totalidade. Ainda o autor discorre sobre a possibilidade de tratar o gesto como uma unidade ou agrupamento, que resulte num olhar geral da composição no momento em que despontam as interações entre gestos diferentes na obra musical (Steuernagel apud SILVA, 2010, p.99). Consequentemente, essas interações gestuais que estruturam a peça, de certa forma, atraem e direcionam a atenção do ouvinte na performance musical. De acordo com Sullivan apud Silva (2010) “O gesto ajuda a atrair a atenção do respondente para algumas coisas e para longe de outras” (p.99). Steuernagel apud Silva (2010) complementa dizendo que:

Visto deste prisma, ele [o gesto] se torna uma ferramenta essencial para direcionar a atenção do ouvinte na condução deste através da peça que se desenrola. Negligenciar a importância do gesto é omissão que aumenta o risco de uma “escuta desgovernada” por parte do ouvinte. O compositor que se exime de controlar, até o limite de sua capacidade, esta escuta através da condução gestual negligencia o aspecto talvez mais importante da música: o reconhecimento da intenção e direcionamento de seus esforços criativos (Steuernagel apud SILVA, 2010, p. 99).

Neste sentido Zagonel (1992) distingue dois tipos de gestos: físico (movimento concreto) e mental (movimento abstrato). O primeiro é relacionado ao contato com um objeto tendo como resultado a produção do som e, ele não se limita apenas a técnica de tocar, mas também é um elemento essencial do fenômeno de expressão. É por isso que o instrumentista se esforça em tornar a sua música expressiva no sentido amplo do termo, pois os gestos não podem ficar sem significado (ZAGONEL, 1992).

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O gesto mental, o qual se produz no pensamento (intelectualmente), engloba dois aspectos importantes que são: o que faz referência ao gesto físico (imagem mental) e o que é entendido como movimento sonoro (som se deslocando no tempo) sendo que ambos fazem parte da vida de um compositor ou instrumentista (intérprete). De acordo com Zagonel (1992) “o compositor, ao conceber uma ideia musical, constrói a imagem do movimento sonoro e pode prever o gesto instrumental necessário à sua concretização” (ZAGONEL, 1992, p.17). Há uma relação entre o compositor e o intérprete, já que o segundo a partir da leitura da partitura imagina o movimento sonoro desejado e transforma em som concreto (o que foi pensado pelo primeiro). Sendo assim, entende-se que o gesto mental precede o físico, este que como ação concreta pertence ao intérprete e, vale lembrar também que, há problemas de Idiomatismo do instrumento (por exemplo: Violonismo, Pianismo). Um aspecto interessante e que resume toda esta parte é que há uma inversão de caminhos sendo que, o compositor vai do gesto a composição e o intérprete da composição ao gesto. Iazzeta (1997) ao se referir a essa distinção feita por Zagonel (1992), complementa destacando o controle que o instrumentista tem sobre uma série de parâmetros musicais que são dependentes dos seus gestos instrumentais, sendo esses parâmetros condizentes com as dinâmicas, articulação, timbre, fraseado, etc. (IAZZETTA, 1997, p.8). Portanto, o gesto físico não se limita apenas a mera produção do som, mas leva-se em conta no ato musical a percepção e análise das características e especificidades do mesmo, seu comportamento e suas qualidades ou tipos de sons que podem ser extraídos no contato com o instrumento. Essa questão é de suma importância na execução de uma obra musical, pois é preciso obedecer às indicações da partitura que foram elaboradas pelo compositor para que se alcance a sonoridade almejada.

Sobre o gesto mental utilizado pelo compositor, ou, a poética do autor denominada por Salles (1998), antes de compor uma obra certamente já passou por diversas experiências sonoras6, testes com combinações de sons, fraseados, articulações, resultando em um armazenamento na memória de como tudo tende a soar, ou seja, isso ele já prevê antes de compor o gesto instrumental. Além de apontar para o corpo do músico ou as especificidades do instrumento, o gesto mental também pode fazer referência a uma estrutura sonora particular como a de um arpejo que se desloca de um ponto ao outro no espaço das alturas sonoras e a marcação de um bumbo numa orquestra, o qual reflete gestualmente a delimitação de uma unidade temporal regular (IAZZETTA, 1997, p.9;10). Para Iazzetta (1997) “de certa forma, o gesto físico está ligado mais diretamente à interpretação da música, enquanto a

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composição se apoia muito mais no gesto mental” (ibidem, 1997, p. 10). O autor ainda afirma que o ouvinte “[...] completa a cadeia recriando mentalmente os gestos físicos do intérprete no momento da audição” (ibidem. p.10).

Fora a distinção entre gesto físico e mental, há a diferenciação entre gesto musical e gesto corporal. Enquanto o primeiro está atrelado ao fazer musical, o segundo não obrigatoriamente (ou exclusivamente) está presente nessa realização, podendo fazer parte de diversos tipos de ação além da execução musical. Apesar disso, essencialmente o gesto musical depende do gesto corporal para a concretização e manipulação dos sons, a qual é feita por algumas partes do corpo na execução dos instrumentos musicais (geralmente mãos, braços, aparato vocal e pés). Para Zavala (2010), apesar destes dois tipos de gestos poderem ser separados para a pesquisa científica, eles têm uma interligação intrínseca na realização do intérprete. Já Iazzeta (1997), tem uma posição diferente e encara o gesto corporal como um tipo de gesto físico que não têm a função de realizar a extração sonora, mas de se expressar acompanhando o som realizado.

Souza apud Silva (2010) apresenta duas faces complementares de fundamentação teórica sobre o gesto musical: movimento e significação. Ele considera o movimento não de um objeto real e físico, mas sim, o de sensação de movimento presente nas estruturas sonoras. Quanto à significação, segundo o autor, está relacionada às organizações sintáticas a partir do movimento sonoro (Souza apud SILVA, 2010, p.98). Hatten apud Matshulat (2011) caracteriza o gesto musical como uma formação energética do som projetada no tempo, o que ele denomina como gesto aural o qual não se limita apenas a ação física na produção sonora, mas possui um contorno característico que atribui significado expressivo aos sons (Hatten apud SILVA, 2010, p.19). Matschulat (2011) baseia-se no pensamento de Hatten falando a respeito dos sons os quais estão sintetizados em elementos musicais como o timbre, articulação, dinâmica e tempo e sua coordenação em vários níveis sintáticos sendo que, os sons são unidades expressivas as quais são manipuladas pelos gestos musicais baseados nos afetos humanos e na comunicação dos mesmos.

Na visão de Zavala (2010) o termo gesto musical se refere aos movimentos corporais utilizados na realização musical (gestos corporais) ou aos gestos musicais indiferenciados (gestos composicionais como unidades de sentido musical; e gestos corporais que concretizam ou realizam os gestos musicais). Para Hatten apud Zavala (2010) há uma ligação entre os gestos corporais e os gestos musicais sendo que é necessária a presença e a ação do corpo para conceber os gestos musicais.

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Por outro lado, numa definição instrumental de gesto musical, Silva (2010) traz primeiramente “a ideia de gesto como a imagem de um evento sonoro, a condensação de uma sonoridade” (SILVA, 2010, p.97). Num segundo momento, o autor faz referência ao pensamento de Zagonel (1992) e apresenta a ideia de gesto musical como um movimento que possui significado e uma intenção precisa que tem o intuito de elucidar as intenções estéticas e expressivas do artista, sendo o gesto então uma sonoridade que significa (SILVA, 2010).

Souza apud Silva (2010) afirma que:

O gesto musical é uma forma percebida em um evento realizado num espaço sônico (um espaço formado pelas dimensões do campo perceptivo, que correspondem aos parâmetros musicais) cuja unidade – sua capacidade de ser percebida como uma totalidade, sua Gestalt – é responsável pela articulação e coesão das idéias musicais (Souza apud SILVA, p.98).

E ainda aponta uma possibilidade de conceituação sobre o gesto musical:

Um movimento no campo perceptivo, percebido através da variação de um ou mais parâmetros musicais e da permanência de outros, que apresenta uma forma reconhecível, a qual, no processo de significação musical, cumpre a dupla função de dar forma às unidades sintáticas do discurso (e assim dar sentido às estruturas musicais, evidenciando sua direcionalidade potencial) e de atuar como signo nos possíveis processos de representação que ocorrem na música, incluindo a expressão de estados psicológicos e modalidades (ibidem, p.98).

Sendo assim, para Silva (2010) o gesto musical é um movimento sonoro o qual significa e não só apresenta as intenções estéticas e expressivas do intérprete, mas também articula e traz coesão às ideias musicais.

A partir das definições dos autores acerca do termo gesto musical, será discutido no próximo tópico o gesto do intérprete mais especificamente.

1.2.1 O gesto instrumental (ou do intérprete)

Dentre as categorias de gestos levantadas por Zagonel, destaca-se a do gesto instrumental, o qual envolve a relação intérprete-instrumento. O intérprete conhecendo as características, particularidades ou especificidades do instrumento que toca, utiliza-se dos movimentos corporais que são peculiares a ele para a extração sonora. Em se tratando de obedecer à especificação da partitura de uma obra musical, a qual requer certos tipos de sonoridades, isso é feito de forma pensada pelo intérprete, ou seja, há a intenção de extrair tais sonoridades requeridas. De acordo com Zagonel (1992) “na produção natural do som pelos instrumentos acústicos, o gesto participa de maneira íntima do fenômeno físico, determina

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diretamente certos atributos decisivos para a percepção e a musicalidade” (ZAGONEL, 1992, p. 21). Indissociavelmente, há uma percepção táctil e cinestésica – esta que segundo o dicionário on-line Michaelis se refere à cinestesia que é a “percepção dos movimentos musculares, peso e posição dos membros, por meio de estímulos próprios” 7 - do que acontece no momento em que o instrumento é tocado, onde se analisa alguns fatores presentes no ato de tocar como as noções de espacialidade e tempo, tipos de contato com o instrumento, movimento corporal, além do comportamento do som, dos parâmetros sonoros e a técnica. Os efeitos sonoros atraem a percepção de análise do gesto, os quais testam os conhecimentos do intérprete quanto à sua capacidade de perceber o que pode ser mudado ou não, quanto ao que foi produzido naquele instante, fazendo com que se pense de forma mais aprofundada e crítico-analítica melhorando o desempenho na execução, e obtendo o melhor resultado sonoro possível.

O pesquisador francês François Delalande apud Zagonel (1992) divide o gesto instrumental em: “gesto que efetua”, “gesto que acompanha” e “gesto figurado”. O primeiro diz respeito à produção mecânica efetuada pelo intérprete para a extração sonora do instrumento, baseada na técnica necessária adquirida para produção do som. Esse tipo de gesto é o embrião do toque instrumental, já que a partir dele é que irão surgir os outros gestos ligados à expressão do corpo e percepção do ouvinte. O instrumentista através da prática dos estudos procura um aperfeiçoamento de sua técnica para execução, com o objetivo de alcançar a melhor qualidade sonora. É o movimento corporal que faz o som se manifestar e interfere na sua produção. Vale ressaltar que inicialmente no aprendizado de um instrumento musical, geralmente os gestos do indivíduo são rudimentares e a expressividade pode estar ausente (ZAGONEL, 1992). Há um processo de maturação através de exercícios práticos para o fortalecimento da musculatura, desenvolvimento da coordenação, agilidade, articulação rítmica, dentre outros, até num momento em que o gesto chega a um certo automatismo. Precisa-se, então, maturar os gestos base, deixando-os o mais automático possível, para então haver mais liberdade para se expressar posteriormente.

O gesto que efetua está estreitamente ligado aos gestos físico e mental, já que, ao aprender uma técnica gestual necessária para a produção sonora, o indivíduo antes imagina o movimento que foi aprendido e memorizado para em seguida entrar em contato físico com o instrumento.

7 Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=cinestesia> Acesso em: 26 de set

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Sendo os gestos base, em sua maioria, gestos que efetuam desprovidos de expressão, compreende-se que o indivíduo adquire gestos básicos para a produção sonora do instrumento os quais vão ganhar expressividade fortemente e principalmente, a partir do contato com diversas obras musicais. Durante os estudos e ensaios de uma obra musical estes gestos vão ganhando expressividade, possibilitando a criação e realização de outros gestos pertinentes para a execução técnica-expressiva de uma determinada obra, considerando a poética singular e um nível ou grau de complexidade da mesma.

O gesto que acompanha, como o próprio nome diz, acompanha o gesto que efetua, e faz apologia ao significado. O gesto acompanhante ultrapassa os limites do gesto técnico e o corpo todo faz parte do processo para tornar a música executada em uma arte de expressão sonora-corporal. A emoção é um fator participante, contribuindo para que o resultado a partir disso seja sempre musical. Porém a expressão sem a técnica apurada ou vice-versa, põe em risco a qualidade do resultado final da execução de uma obra musical. É necessário haver um equilíbrio entre técnica e expressividade para que a música não seja somente mecânica e muito menos sem qualidade técnica-sonora.

É o gesto que engendra o som. Assim, a uma certa qualidade gestual corresponde inevitavelmente uma certa qualidade sonora, tanto na dinâmica quanto no timbre do som. É por isso que o intérprete procura aperfeiçoar ao máximo seu gesto, para reproduzir o mais exatamente possível o som que possui em mente: ele procura uma adequação do gesto ao som. Tal adequação dependerá do controle desses gestos mecânicos; que será possível graças aos conhecimentos adquiridos dos efeitos de seus gestos em contato com o instrumento. Conhecimentos, esses, arraigados em sua memória e acessíveis automaticamente conforme as necessidades (ZAGONEL, 1992, p.23;24).

O gesto figurado está associado ao receptor (ouvinte) o qual não percebe somente os gestos mecânicos, mas também, os utilizados pelo intérprete voluntariamente ou não, segundo Zagonel (1992). Esta autora afirma que: “o ouvinte de uma gravação é, por sua vez, capaz de criar todo um balé imaginário da execução, e de fazer ele mesmo a mímica em função da percepção musical e dos conhecimentos visuais da ação do intérprete” (ZAGONEL, 1992, p. 26).

De acordo com Santiago e Meywericz (2009), o gesto de um instrumentista pode representar uma identidade cultural direcionada aos valores, costumes e comportamentos que ele vivencia na sociedade sendo que, ele gesticula e ao mesmo tempo pode transmitir conteúdos específicos musicais e simbólicos, metafóricos, que atraem símbolos de um universo cultural que são familiares ao próprio intérprete e ao espectador. Os autores trazem

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como exemplo o flautista Artur Andrés Ribeiro (1959) do grupo musical Uakti8 na obra Krishna I9, o qual realiza um movimento circular com o corpo sendo um gesto que tem um significado simbólico. Na cultura ocidental, oriental, africana e em outras culturas pelo mundo, os movimentos circulares remetem a simbologias como vivência da totalidade do self, integração do self com tudo que o rodeia, percepção circular de vida, misticismo, eternidade, mito do eterno retorno (SANTIAGO e MEYWERICZ, 2009, p.89).

O caráter multimodal do gesto musical é importante e determinante na análise do aspecto gestual de um músico-instrumentista, o qual pode ser denominado como ponto chave (CAMURRI et al 2004). Podemos perceber e analisar o gesto musical não só a partir da estrutura sonora da obra a qual ele obedece para a extração sonora, mas também envolvendo diversos aspectos que vão da parte física, do corpo, emoções, cultura até a significação. Camurri et al (2004) realizaram uma pesquisa sobre o gesto expressivo visando entender os mecanismos não-verbais da comunicação emocional e expressiva. Eles primeiramente apontam o gesto natural como o uso mais comum do termo “gesto” em meio a várias definições sobre o mesmo existente na literatura, o qual auxilia dando suporte à comunicação. Estes autores citam uma definição atribuída por Cassel (1990) ao gesto natural como referindo-se a tipos de gestos espontâneos gerados por um indivíduo num momento em que fala em público, conta uma história ou realiza uma conversação. Os mesmos autores também se baseiam em Kurtenbach e Hulteen (1990) os quais definem o gesto como “a movement of the body that contains information”10

.

Camurri et al (2004) afirmam que o gesto natural tem relação com os domínios afetivo e emocional no que diz respeito à informação (o que eles denominam como conteúdo expressivo) contida e transmitida por este gesto o qual é denominado gesto expressivo, e isso ocorre particularmente no contexto das artes performativas. Quanto ao conteúdo expressivo, segundo estes autores, está relacionado a aspectos tais como sentimentos, estados de espírito, afeto e intensidade da experiência emocional. Os mesmos trazem o exemplo de uma pessoa caminhando a qual pode ser reconhecida pelo modo como anda sendo que, também, a partir disso, há a possibilidade de captar informações sobre seu estado emocional. Há dois tipos de análise desse caso sendo a primeira condizente com as características físicas do movimento, e a segunda relacionada a captação do conteúdo expressivo direcionado ao estado emocional, apresentado pelo modo que a pessoa caminha.

8 UAKTI foi um grupo instrumental fundado em 1978 na cidade de BeloHorizonte - MG, que encerrou suas

atividades em 2015.

9 Disponível on-line: <https://www.youtube.com/watch?v=5yZijDmnLuY> 10 “um movimento do corpo que contém informação” (tradução livre do autor).

Referências

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