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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

TÁLISON FELIPE FERREIRA DE SENA

Programas policiais, discursos de ódio e preconceito e direitos humanos: uma análise sobre as narrativas do Programa Patrulha da Cidade e de seus

espectadores

NATAL 2020

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TÁLISON FELIPE FERREIRA DE SENA

Programas policiais, discursos de ódio e preconceito e direitos humanos: uma análise sobre as narrativas do Programa Patrulha da Cidade e de seus

espectadores

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para a obtenção do título de Graduado em Jornalismo.

Orientadora: Profª. Drª. Denise Carvalho

Santos Rodrigues.

NATAL 2020

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Nome: SENA, Tálison Felipe Ferreira de

Título: Programas policiais, discurso de ódio e preconceito e direitos humanos: uma análise sobre as narrativas do Programa Patrulha da Cidade e de seus espectadores.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) para a obtenção do título de Graduado em Jornalismo.

Aprovado em:

Banca Examinadora Profª. Drª. Denise Carvalho Santos Rodrigues

Instituição:____________________________________________________ Julgamento:___________________________________________________ Prof. Dr. Daniel Rodrigo Meirinho de Sousa

Instituição:____________________________________________________ Julgamento:___________________________________________________ MSc. Emanuele de Freitas Bazílio

Instituição:____________________________________________________ Julgamento:___________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

Quero começar agradecendo a Deus por ter me ajudado a continuar de pé e a não desistir de sonhar mesmo quando tudo pareceu impossível. Minha espiritualidade é como um combustível diário para seguir em frente.

Agradeço aos meus pais, Francisco e Maria, pelo apoio incondicional que sempre me deram nessa trajetória tão difícil que é a graduação e em todos os meus sonhos. Sair de tão longe e em meio a tantas dificuldades não foi fácil, mas eu sempre tive vocês para contar.

Agradeço a Vitória e Júnior pelo apoio incondicional de irmãos e por também acreditarem em mim e nos meus sonhos.

Aos amigos de toda uma vida, Alessa, Eduardo e Flávia, por sempre se mostrarem dispostos a me ouvir e me aconselhar.

Aos amigos da graduação, Ana Lívia, Allyne, Allyrson, Lucas, Letícia e Sthefanny pelos momentos inesquecíveis que compartilhamos juntos e por me ajudarem, mesmo que indiretamente, na realização deste trabalho.

A Beatriz Pires, pela troca de aprendizados e parceria na Iniciação Científica.

À minha querida orientadora e amiga, Denise Carvalho, por ter tornado o processo de orientação tão leve e prazeroso, por sempre acreditar em mim, me encorajar e me ajudar em todas as etapas deste trabalho. Denise é a prova de que laços construídos na academia são para a vida toda.

A Daniel Meirinho pela orientação na Iniciação Científica e por ter aceitado compor a banca avaliadora deste trabalho. Aprendi muito com você e tem muito de você neste trabalho também.

A Emanuele Bazílio, por também ter aceitado estar na banca de avaliação do meu trabalho e contribuir com ele através do que também pesquisou no mestrado.

Por fim, mas não menos importante, agradeço à UFRN, esse lugar que foi casa por quase cinco anos e que me permitiu viver experiências enriquecedoras e inesquecíveis. Por ter me apresentado professores maravilhosos, projetos transformadores e contribuído para o amor que tenho pela comunicação. Foram de longe, os melhores anos da minha vida.

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“Só engrandecemos o nosso direito à vida cumprindo o nosso dever de cidadãos do mundo”. Mahatma Gandhi

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RESUMO

Os programas policialescos são um formato televisivo que se popularizou no Brasil desde os anos 90. Responsáveis pela cobertura da segurança pública, fatos criminais, judiciais e de investigações policiais, esses programas possuem a principal característica de abordar os fatos de forma sensacionalista, prendendo a atenção do telespectador e, muitas vezes, desrespeitando o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros e violando direitos fundamentais. Este trabalho, portanto, identifica e analisa violações aos direitos humanos, através de discursos de ódio e preconceito, presentes em 27 edições do Programa Patrulha da Cidade, formato policialesco exibido pela TV Ponta Negra no Rio Grande do Norte. Além disso, faz uma análise de conteúdo de comentários dos telespectadores do programa em 6 vídeos publicados no perfil da mesma emissora em busca de apreender as percepções acerca deste público com relação a direitos humanos. Os resultados indicam que há elementos de reprodução sócio-cultural fomentados nas falas violadoras, através da reprodução de uma cultura de violência, difusão de representações sociais fundamentadas em estereótipos, linguagem pejorativa e um julgamento pessoal presumido. Quanto ao teor dos comentários analisados, além da falta de conhecimento da população sobre direitos humanos e pautas humanitárias, percebe-se que muitos comentários estimulam deliberadamente a discriminação e incita a violência. Estas percepções, todavia, não são direcionadas aos ‘cidadãos de bem’, considerados os portadores de direitos legítimos, mas àquelas classificados como os ‘inimigos sociais’.

Palavras-chave: Telejornalismos. Programas Policialescos. Discurso de ódio e

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ABSTRACT

Police programs are a television format that became popular in Brazil since the 90s. Responsible for covering public security, criminal, judicial and police investigations, these programs have the main characteristic of approaching the facts in a sensationalist way, keeping the viewer's attention and, often, disrespecting the Brazilian Journalist Code of Ethics for and violating fundamental rights. This work, therefore, identifies and analyzes violations of human rights, through hate and prejudice speeches, present in 27 editions of the Programa Patrulha da Cidade, police format shown by TV Ponta Negra in Rio Grande do Norte. Besides that, it makes a content analysis of comments from viewers of the program in 6 videos published on the profile of the same broadcaster in order to apprehend the perceptions about this public with regard to human rights. The results indicate that there are elements of socio-cultural reproduction fostered in the violating speeches, through the reproduction of a culture of violence, diffusion of social representations based on stereotypes, pejorative language and a presumed personal judgment. As for the content of the comments analyzed, in addition to the population's lack of knowledge about human rights and humanitarian agendas, it is clear that many comments deliberately encourage discrimination and incite violence. These perceptions, however, are not directed at ‘good citizens’, considered to have legitimate rights, but at those classified as ‘social enemies’.

Keywords: Television news; Police Programs, Hate Speech and Prejudice; Patrulha da Cidade; Human rights.

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LISTA DE IMAGENS

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LISTA DE QUADROS

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LISTA DE GRÁFICOS

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 10

2 DIGNIDADE JORNALÍSTICA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 14

2.1. DOCUMENTOS AUTORREGULADORES ... 14

2.2. A FALTA DE ÉTICA EM CASOS JORNALÍSTICOS ... 16

2.3. O QUE TEM SIDO FEITO PARA RESPONSABILIZAR OS VIOLADORES? ... 19

3 OS PROGRAMAS POLICIALESCOS ... 23

3.1 A POPULARIZAÇÃO DO FORMATO ... 23

3.2. O PATRULHA DA CIDADE ... 25

3.3. A PERCEPÇÃO POPULAR NOS MEIOS EMERGENTES ... 27

4 METODOLOGIA ... 30

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ... 34

5.1. ANÁLISE DE CONTEÚDO DOS COMENTÁRIOS PUBLICADOS PELOS TELESPECTADORES DO PROGRAMA PATRULHA DA CIDADE ... 39

5.1.1. Vídeo 1: Assassinato de empresário no bairro do Alecrim ... 40

5.1.2. Vídeo 2: Assassinato de um militar da reserva da Marinha ... 42

5.1.3. Vídeo 3: Prisão de pai suspeito por estuprar uma filha de quatro anos ... 44

5.1.4. Vídeo 4: Opinião do apresentador sobre mãe que abandonou bebê dentro de uma mochila ... 45

5.1.5. Vídeo 5: Opinião do apresentador sobre estupro coletivo ... 47

5.1.6. Vídeo 6: Abuso de poder policial contra feirante ... 49

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1 INTRODUÇÃO

Os meios de comunicação desempenham um papel importante na sociedade. Por essa razão, pode-se concluir que a TV aberta figura como formadora de opinião e, portanto, é um elemento essencial na construção da identidade dos indivíduos (SOARES, 2018). No Brasil, de acordo com dados de 2018 do IBGE, 97,2% dos domicílios possuíam televisão, o que denota que a TV é o tipo de mídia dominante nos lares brasileiros.

É importante, porém, refletir sobre o tipo de conteúdo que é veiculado, tendo em vista a importância da TV na vida das pessoas. Pensando nisso, Bourdieu (1997, p. 23), destaca que grande parte da sociedade é composta de pessoas que são “[...] devotadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações[...]”, tendo a televisão “[...] uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população”.

No entanto, muitas vezes, a TV e a mídia podem atuar como vetores do poder punitivo e tornam-se agentes de transformação da identidade social daqueles catalogados como população criminosa (BARATTA, 2002). Dessa forma, os meios de comunicação de massa, que são fortemente alimentados por interesses econômicos e políticos, transformam o crime e a violência em mercadorias prontas para circular nesse contexto, uma espécie de “criminologia midiática”, conceito que foi definido por Zaffaroni (2003) conforme citado por Amaral e Swatek (2020).

Zaffaroni (2003) entende que criminologia também é objeto dos meios comuns da comunicação de massa, através do discurso da mídia. Sem qualquer relação de causalidade estrita, constrói-se uma nova criminologia, que se poderia chamar de criminologia midiática, sem compromisso com a realidade dos fatos, forjando uma política penal puramente punitiva.

O Rio Grande do Norte, nos últimos anos, ocupa um espaço cada vez maior nos índices de criminalidade do país. Segundo o Atlas da violência, o RN se tornou o estado mais violento em 2017 (IPEA, 2017). Em abril deste ano, houve um aumento de 37,6% no número de assassinatos no estado, quando comparado aos dados de 2019, mesmo com o isolamento social, em virtude da pandemia do novo coronavírus1.

1 No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou estado de pandemia do

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A capital potiguar não fica atrás: é a 8ª cidade mais violenta do mundo, segundo ranking elaborado pela ONG mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal em 2019. A lista com 50 cidades, inclui 14 brasileiras.

Com o aumento desses indicadores, os programas televisivos passaram a dar mais atenção a esses casos, principalmente os programas policialescos, formato que desde o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000 ganha popularidade e audiência nas televisões brasileiras. Esses programas, por sua vez, são caracterizados principalmente pela cobertura diária dos casos de violência nos estados e nacionalmente.

São discursos que incitam à violência, ao ódio, em um espetáculo de entretenimento bárbaro e grotesco que expõe pessoas e vítimas que estão sob tutela do estado, custodiadas, na forma de um pré-julgamento midiático. Em geral estes programas pautam a cobertura informativa na ação policial, de forma histérica e sensacionalista, destacando atos infracionais cometidos no estado. Neles não há respeito com relação aos limites impostos pelo artigo 5 da Constituição Federal, tampouco o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (FENAJ, 2007) e causam medo na população que consome essas reportagens diariamente.

O grotesco é um elemento estético presente nesse formato televisivo. Na arte, o conceito é entendido como uma “aberração de estrutura ou contexto” (SODRÉ, 1972, p. 39). Especificamente na televisão, em meio à cultura de massa, é possível notar uma escolha estética tomada por certos programas de explorar a estranheza e o cômico caricatural. Por isso, o auditório é transformado em um circo de horrores que mistura o miserável, o deformado, o popular e o sofrimento (ARCOVERDE, 2019).

O medo causado na população telespectadora desses formatos, através da criminologia midiática, figura uma realidade voltada para dois personagens centrais: a vítima-herói e o bode expiatório, protótipos do bem e mal, que são reforçados pelo discurso midiático como representações de um “nós contra eles” (AMARAL; SWATEK, 2020). O bode expiatório é o estereótipo dos marginais que necessitam ser neutralizados por serem um símbolo de violência, a ponto de os receptores de mensagem acharem que ele é quem causa todas nossas aflições (BUDÓ, 2013).

Para Muniz Sodré (1972), desde o início do desenvolvimento do rádio até o estabelecimento da televisão como principal veículo de mídia, as ‘indústrias do

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espetáculo’ são as responsáveis por dar voz a personalidades cativantes, autointitulados ‘representantes do povo’. Em parte destes programas, o apresentador é o responsável pela maioria das violações cometidas.

A violação, ‘discurso de ódio e preconceito’, ocorre quando o jornalista ou o apresentador ofende ou incita à ofensa, à discriminação ou à prática de violência contra a pessoa, ou grupo de pessoas, em virtude de sua raça, cor, etnia (indígena, quilombola, etc.), religião, orientação sexual, condição socioeconômica, nível de escolaridade, idade, procedência nacional ou qualquer outra característica cultural, social ou biológica, segundo o Guia de Monitoração de Violações elaborado pela ANDI Comunicação e Direitos.

Essa é apenas uma das 9 violações presentes nos guias de monitoramento publicados em 2015 e constituem-se como instrumentos de diálogo com as instituições que integram a estrutura democrática brasileira e a sociedade em geral, que vêm sendo impactadas negativamente por essas narrativas. Os guias auxiliam didaticamente na identificação das violações e, portanto, é o principal método desta pesquisa.

Finalmente, o objeto desta pesquisa é composto pelo Programa Patrulha da Cidade, que há quase 30 anos exibe uma cobertura diária dos casos de violência no estado do Rio Grande do Norte por intermédio da TV Ponta Negra, uma emissora afiliada do SBT. O Patrulha possui o maior índice de audiência no RN e abrange telespectadores a partir dos quatro anos de idade. O problema de investigação deste trabalho está alicerçado em compreender em que medida o Programa Patrulha da Cidade e as percepções de seus espectadores nas redes sociais se aproximam ou se distanciam de uma narrativa que viola os direitos humanos.

Ressalta-se que este trabalho é fruto de um recorte do projeto de pesquisa “Afinal quem paga a conta? O monitoramento das violações de direitos dos programas policiais”. O projeto foi vinculado ao Departamento de Comunicação Social da UFRN e tinha como base, o acompanhamento, análise e incidência social e política do referido programa.

O objetivo geral deste trabalho compreende identificar as ocorrências de violações de direitos humanos nas narrativas oriundas do Programa Patrulha da Cidade e no conteúdo publicado no Instagram da TV Ponta Negra pelos espectadores que compõem a sua audiência. Os objetivos específicos da pesquisa compõem: realizar um monitoramento das violações de direitos humanos em 27

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transmissões do programa (dentro dos meses de julho e agosto), em busca de identificar a violação ‘discurso de ódio e preconceito’ nos programas monitorados; fazer uma análise desses dados e traçar um paralelo com o conteúdo produzido pelo referido programa para sua audiência na rede social Instagram, através do perfil da emissora de TV que o veicula, buscando entender como as pessoas dialogam com o conteúdo publicado através dos comentários dos posts e compreender as percepções dos telespectadores sobre direitos humanos, a partir de seus apontamentos na rede social Instagram da emissora.

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2 DIGNIDADE JORNALÍSTICA E VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. DOCUMENTOS AUTORREGULADORES

Informar, se informar e ser informado são os três pilares do direito fundamental à informação e, assim, os meios de comunicação desempenham um papel importante na sua concretização (TAVARES, 2010). Ciente disso, a mídia se torna responsável, assim como os demais atores da cena democrática, por garantirem que esse poder seja exercido, principalmente em vista ao interesse coletivo (VIVARTA, 2005).

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, documento de autorregulação da profissão, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas em 2007, no seu capítulo I, artigo 1º, tem como base o direito fundamental do cidadão à informação. Além disso, no capítulo II, artigo 6º, parágrafo I, “é dever do jornalista opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos”.

O Estado Democrático de Direito, em seu artigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988, em um de seus fundamentos, consagra o direito à dignidade da pessoa humana. Por essa razão, informar com dignidade deve ser pressuposto para que o jornalismo forneça informação qualificada, confiável e inserida no contexto social (VIVARTA, 2009). Para entender melhor sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, Ingo Sarlet (2006, p. 60), afirma:

A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover a sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Barcellos (2013), ao discutir sobre a dignidade humana na fotojornalismo, reflete sobre a liberdade de imprensa como um instrumento essencial para o exercício da democracia. É através dessa liberdade que os cidadãos exercem seu direito de receber, divulgar e também buscar informação e este passo é importante porque promove o livre debate de ideias e opiniões.

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Porém, apesar de ser um direito individual, “a liberdade só tem sentido se em relação direta com um espaço público, uma vez que se configura também um valor comum, inscreve-se num contexto, num tempo e num lugar” (BARCELLOS, 2013, p. 117).

No entanto, constantemente nos deparamos com violações aos direitos fundamentais no campo da comunicação de massa, apontando uma baixa qualidade da cobertura jornalística, carregada de estereótipos que criminalizam alguns setores sociais e não contribuem para a reflexão e resolução dos problemas tratados, justificando isso com uma ideia distorcida do conceito de liberdade de imprensa, que pode ser melhor esclarecido por Cornu (1984, p. 83):

Entre a reivindicação de um direito à informação [...] e a renúncia a métodos que ofendem ao mesmo tempo a deontologia como regulação e o respeito pela pessoa como objeto ético, deve privilegiar-se claramente a segunda. A liberdade de imprensa e o dever de informação do público não autorizam tudo.

Quando falamos em liberdade de imprensa e seus limites, um outro conceito importante para refletir sobre dignidade jornalística é o de ética. Para Peruzzo (2002, p. 73), “a ética profissional, como se diz na prática, é a aplicação no campo profissional dos princípios morais revelados como bons para sociedade pela ética geral”.

Em suma, a ética na comunicação engloba vários princípios definidores de um caráter (ou o modo orientador) do que fazer em termos comunicacionais, de formas condizentes com padrões morais exigidos (ou aceitos) pela sociedade em um determinado momento histórico (PERUZZO, 2002).

No entanto, é importante considerar que a ética profissional é também fruto da construção social dos indivíduos. Apesar da profissão possuir um código que regula a conduta ética e profissional, ele sozinho não fará os jornalistas assumirem uma postura adequada. Por isso, trazer esse tipo de discussão para a academia se faz cada vez mais necessário e, dessa forma, é igualmente necessário sensibilizar os profissionais a fim de formar jornalistas mais conscientes e éticos (BAZÍLIO, 2020).

Ainda existe um tema controverso no tocante ao gosto da população por programas que privilegiam conteúdos de nível grotesco ou apelativo. Peruzzo (2002, p.74) afirma que “se por um lado revela uma certa permissividade nos padrões

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morais atuais, no caso brasileiro, por outro lado podem não representar o sentimento médio da população”.

Alguns argumentos que cercam essa discussão, como faz-se assim

porque é isso que a audiência quer ou é isso que dá IBOPE não são eficientes, pois

tornam-se uma justificativa para que os próprios programas/empresas usem uma programação pautada pela lógica de mercado, criada por suas próprias demandas (PERUZZO, 2002).

O que define a ética na comunicação é o interesse público. Mas como delimitar o que é ou não uma informação de interesse público? Paul Johnson (apud DI FRANCO, 1995, p.78), ao comentar as relações entre o direito à informação e o direito à privacidade, sugere como parâmetro que a informação não seja apenas uma “revelação interessante para o público”, mas principalmente que seja de “interesse público”.

O meio de comunicação social é um bem público antes de ser empresa privada ou órgão público e sua utilidade deve estar a serviço da coletividade. “O produto do meio de comunicação não é como um sapato de uso externo, descartável quando incomoda o usuário” (PERUZZO, 2002, p.74). Ele interfere nos valores e na formação da cultura, principalmente das crianças e adolescentes.

2.2. A FALTA DE ÉTICA EM CASOS JORNALÍSTICOS

Como já discutido anteriormente, é inegável que existe uma estreita conexão entre a liberdade de expressão e de informação. No entanto, esses dois tipos de liberdade são utilizados completamente sem critério, responsabilidade e bom senso pela mídia escrita, impressa e televisionada (BARROS; THADDEU; PEREIRA, 2013).

Barros, Thaddeu e Pereira (2013) vão dizer que nos crimes de grande repercussão como o caso Eloá Pimentel2, Nardoni3, Richthofen4, João Hélio 5 e

2 No dia 13 de outubro de 2008, a estudante Eloá Cristina Pimentel, foi refém do ex-namorado

Lindemberg Alves por 100 horas no apartamento em que morava com a família, na periferia de Santo André, região do Grande ABC. O caso teve fim depois de negociações tensas. Com um tiro na cabeça, Eloá morreu no dia seguinte e sua melhor amiga, Nayara Rodrigues, foi ferida com um tiro no rosto (TERRA, 2014).

3 Em 2008, Isabella Nardoni, de 5 anos, foi atirada do sexto andar do edEdifício London, na Zona

Norte de São Paulo. onde o pai morava. Depois de muitas mentiras e reviravoltas, o pai e a madrasta foram presos pelo crime (UOL, 2020).

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Escola-Base6 é possível identificar uma falta de tato, de cuidado, de modo a

extrapolar todos os limites e ir contra alguns princípios constitucionais, como o princípio da Presunção de Inocência (VARJÃO, 2015), o qual deve ser respeitado até a apuração final e, consequentemente, a obtenção de uma eventual sentença penal condenatória transitada em julgado.

Sobre a forma como esses fatos são noticiados, Barros, Thaddeu e Pereira (2013, p.356), diz:

Os crimes são transformados em verdadeiros realities shows, levando diversas emissoras de TV a paralisar sua programação, mexer na grade para dar privilégio a estes acontecimentos e veicular o máximo de informações sobre o caso, de modo a garantir mais audiência. Nesse tocante, é indiscutível a garantia que temos à informação e à comunicação, contudo, deve ser repassada de forma equânime e responsável, de acordo com a veracidade dos fatos.

O caso envolvendo Lindemberg Alves, que matou a ex-namorada, Eloá Pimentel, de 15 anos, em outubro de 2008, em Santo André/SP, após um sequestro de mais de 100 horas, reacende a questão da interferência direta da mídia em casos de grande repercussão.

O programa de Sônia Abrão, A tarde é sua, exibido pela Rede TV, de grande apelo popular, apresentado à tarde, em uma emissora de canal aberto, proporcionou uma cobertura maior do caso, retratando todos os passos do sequestrador, da polícia e daqueles que se encontravam no cativeiro. Além de mostrar a comoção pública acerca do acontecimento, a apresentadora exibiu imagens, entrevistou a mãe da vítima, conversou com policiais, comentaristas, especialistas em segurança. Porém, foi mais além e passou a interferir no caso

4 Manfred e Marísia von Richthofen, foram atingidos com diversos golpes na cabeça por dois

agressores (Daniel e Cristian Cravinhos), que ficaram conhecidos como “os irmãos Cravinhos”. O crime tinha sido planejado e comandado pela filha do casal, Suzane von Richthofen, que na época dos fatos tinha apenas 18 anos de idade (JUSBRASIL, 2016).

5 A criança, de 6 anos, foi morta em 2007, após ser arrastada, presa ao cinto de segurança do carro

onde estava. O caso chocou a opinião pública na época, e quatro dos assaltantes responsáveis pela morte acabaram presos e condenados no ano seguinte (CONJUR, 2019).

6 O Caso Escola Base começou em março de 1994, em São Paulo (SP). Os donos de uma escola

infantil, bem como o motorista do transporte escolar e um casal de pais de um aluno, foram acusados por duas mães de abuso sexual. Sem maiores provas, porém, com a cobertura da imprensa junto à conduta precipitada da polícia, o conhecido Caso Escola Base recebeu grande repercussão. Embora nenhuma prova de abuso sexual tenha sido encontrada - apenas a denúncia - a credibilidade da Escola de Educação Infantil Base começou a ruir (JUSBRASIL, 2018).

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concreto de outra forma, tentando negociar com o sequestrador em uma ligação de telefone ao vivo.

A partir dessa participação da jornalista como negociadora, Barros, Thaddeu e Pereira (2013) concluem que houve uma espetacularização da audiência e é possível identificar, em um primeiro momento, os paradoxos no papel da jornalista ao apresentar um furo de notícia e em um segundo momento, ao atravessar a esfera de apresentadora e se inserir no âmbito policial como negociadora.

A responsabilidade de negociar é do Estado, através de estruturas técnicas, como a polícia, cabendo a ela o aparato e conhecimento técnico para esclarecer questões de risco que envolvem inúmeros direitos, como o direito à integridade física e o direito à vida de todos os envolvidos, inclusive aquele que deu execução ao crime (BARROS; THADDEU; PEREIRA, 2013).

O Portal Vermelho (2012), através do ex-comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e sociólogo, Rodrigo Pimentel, ressalta sobre a conduta da cobertura midiática na época do caso:

A Sônia Abrão, da RedeTV, a Record e a Globo foram irresponsáveis e criminosas. O que eles fizeram foi de uma irresponsabilidade tão grande que eles poderiam, através dessa conduta, deixar o tomador das reféns mais nervoso, como deixaram; poderiam atrapalhar a negociação, como atrapalharam... O telefone do Lindemberg estava sempre ocupado, e o capitão Adriano Giovaninni (negociador da polícia militar) não conseguia falar porque a Sonia Abrão queria entrevistá-lo. Ele ficou visivelmente nervoso quando a Sonia Abrão ligou, e ela colocou isso no ar. Impressionante! O Lindemberg falou: ‘’quem são vocês, quem colocou isso no ar, como conseguiram o meu telefone?

Uma vez cometendo erros, é difícil contornar a situação e medir as consequências disso. Seráfico (2008), ao tratar sobre o caso da Escola Base, em que houve uma condenação injusta pela imprensa de abuso sexual aos proprietários da referida escola concluiu que, após o erro ser reconhecido, não era mais possível recompor os negócios e o prestígio dos educadores injuriados.

Patrício (2013, p.159) considera que a busca pelo furo jornalístico e a velocidade de produção das notícias contribuem para esse dilema ético na profissão:

Um dos processos que permeiam a produção do Jornalismo é a busca pela informação inédita, encoberta, inalcançável ao público. É o ‘furo’ jornalístico, que tomou impulso a partir da estruturação dos veículos em empresas de

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comunicação. Mas uma relação perversa se estabelece entre o furo e a velocidade de circulação da informação. Quanto mais rápido a informação circula, maior é a corrida desenfreada das empresas de comunicação em torno do furo jornalístico, no receio de ser ‘furada’ pela concorrência e como esforço em diferenciar seu produto. Não custa acrescentar que o furo jornalístico também repercute na credibilidade que a empresa de comunicação, e seu produto, constrói junto ao público.

Patrício (2013) ainda questiona se é possível pautar o comportamento ético do exercício profissional do jornalismo numa relação de perdas e ganhos. Se é possível pensar em uma espécie de relação custo/benefício entre acerto e erro. Porque se, por um lado, as empresas e os profissionais ganham em credibilidade quando alcançam o furo jornalístico, o que perdem quando a informação divulgada em primeira mão não se confirma?

É preciso refletir também em que momentos o jornalismo viola direitos fundamentais, o Código de Ética que os rege e como se responsabiliza pelos danos causados às vítimas. Também se faz necessário refletir sobre o que tem sido feito para corrigir esses erros, identificar essas violações e, principalmente, conscientizar a população consumidora desse conteúdo para que também possa denunciar, negando-se a compactuar com esses crimes através da audiência.

2.3. O QUE TEM SIDO FEITO PARA RESPONSABILIZAR OS VIOLADORES? O comportamento praticado pela jornalista Sonia Abrão em tentar se revestir como uma negociadora, juntamente com a utilização da imagem da menor Eloá Pimentel foi suficiente para o Ministério Público Federal de São Paulo ajuizar uma Ação Civil Pública por danos morais coletivos contra a RedeTV. O Estadão (2012), no que diz respeito à ação interposta pelo MPF, explicou:

[...] a ação civil pública é por danos morais coletivos de R$ 1,5 milhão, equivalente a 1% do faturamento bruto anual da emissora, ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Durante o sequestro, a emissora entrevistou a refém e o sequestrador. Em entrevista ao Estadão, a procuradora Adriana Fernandes, autora do pedido, afirmou que a liberdade de expressão não é absoluta e que, neste caso, deveria ter sido respeitado o fato de uma menor estar envolvida. "Na entrevista a repórter se colocou como intermediadora, colocando em risco de vida a menor e outras pessoas envolvidas na ação", disse. O programa A Tarde é Sua, com apresentação de Sônia Abrão, exibiu duas entrevistas, uma ao vivo e outra gravada, com Eloá e Lindemberg, interferindo na atividade policial em curso e colocando a vida da adolescente e dos envolvidos na operação em risco, segundo MPF.

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Em março de 2006, a Procuradoria da República, no Distrito Federal, moveu uma Ação Civil Pública contra os responsáveis pelo Barra Pesada, programa policialesco então exibido pela TV Brasília. O objetivo era proteger os direitos dos telespectadores de cenas “explícitas e detalhadas” de violência, entre as quais, a exposição de cadáveres, muito comum em programas desse gênero.

Em uma das edições do programa, em dezembro de 2005, após narrar a prisão de um assaltante em Taguatinga, na qual o acusado foi inquerido de costas, o apresentador do programa, Geraldo Naves, bradou no estúdio diversas ofensas ao acusado, exigindo que fosse mostrado seu rosto e o acusando de ‘maconheiro’ e ‘anta ambulante’.

O MPF disse que, mesmo que a legislação brasileira, que é baseada na liberdade de informação jornalística, autorize a divulgação de notícias sobre ocorrências criminosas, com a emissão de opiniões a respeito dos fatos, jamais a manifestação do pensamento pode ser incondicional, a ponto de violar a dignidade humana, principalmente com o intuito puramente sensacionalista. (BARBOSA, 2020)

A procuradora Lívia Tinôco, responsável pela ação afirmou que à medida em que as pessoas passam a compactuar com a ideia de que o preso não tem nenhum direito, que não merece respeito e de que eles precisam ser exterminados da sociedade, além de ferir os direitos individuais indisponíveis dos cidadãos, são atingidos os valores éticos e sociais de toda uma sociedade (BARBOSA, 2020).

Barbosa (2020), em sua análise, ainda traz uma resposta do Ministério das Comunicações, que é responsável por regular a radiodifusão do conteúdo veiculado, que alega não ter muito o que se fazer diante das violações cometidas e que o Brasil necessita de leis específicas para punir esse comportamento das emissoras.

A maior multa aplicada em um desses casos foi de pouco mais de 23 mil reais para a TV Cidade, de Fortaleza. As multas estão longe de ser dissuasivas para os canais, uma vez que, em casos como este, elas têm como teto o valor de 89 mil reais (BARBOSA, 2020).

Com o objetivo de reverter esta lógica e possibilitar a manifestação do telespectador diante dos produtos culturais veiculados, foi lançada em 2002 a campanha ’Quem financia a baixaria é contra a cidadania’. A iniciativa, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em parceria com

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dezenas de entidades da sociedade civil organizada, servia de mediação entre os telespectadores e as emissoras comerciais, onde era possível encaminhar denúncias de conteúdos inadequados na programação da TV aberta brasileira.

A campanha era considerada uma experiência de controle social inédita e de maior duração no cenário nacional. Além disso, abria espaço para o telespectador manifestar a sua opinião acerca dos programas, que segundo Morni (1997), cada vez mais são orientados pela banalização, vulgarização e homogeneização dos temas abordados.

A plataforma Mídia sem Violações é uma realização do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização que atua pela efetivação do direito humano à comunicação, em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo. O mecanismo de denúncias também conta com o apoio de diversas organizações, ativistas e estudiosos que integram a campanha Mídia sem Violações de Direitos Humanos.

A plataforma nasceu do projeto Violações de Direitos na Mídia Brasileira, realizado pela Andi, em parceria com a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (PFDC), o Intervozes7 e a Artigo 198. Uma das etapas desse projeto

consistiu na realização de monitoramento de 28 programas de rádio e TV, totalizando cerca de duas mil narrativas com violações de direitos, ao longo de 30 dias. O estudo revelou a ocorrência de 4.500 violações, das quais afrontam, pelo menos, 12 leis brasileiras e 7 tratados multilaterais.

Diante desta realidade, foi necessário dar continuidade à análise desses programas, sensibilizar a sociedade para os graves impactos deles e pressionar para que os órgãos responsáveis pela fiscalização dos meios de comunicação e pela garantia de direitos atuem. Apostando no engajamento da população e tendo em vista a ausência de espaços para denunciar problemas que vemos na mídia,

7 Em sua página, o Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social) afirma que é constituído como

sendo “uma organização que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil”. Disponível em.: https://intervozes.org.br/quem-somos/.

8 A artigo 19 autodenomina-se como “uma organização não-governamental de direitos humanos

nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo” e “seu nome tem origem no 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU”. Disponível em: <https://artigo19.org/a-organizacao/>,.

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surgiu, então, a ideia de usar a Internet para receber e encaminhar denúncias, bem como de produzir o Ranking Nacional de Violações de Direitos Humanos na TV aberta.

Dando visibilidade ao tema e chamando a atenção da sociedade, das empresas e dos órgãos públicos, a plataforma busca ampliar o acesso à informação e contribuir para a redução progressiva e o fim das violações de direitos humanos na mídia.

Através da plataforma é possível fazer as denúncias e conhecer o ranking dos seis tipos de violações: 1. Desrespeito à presunção de inocência; 2. Incitação ao crime, à violência e à desobediência às leis ou às decisões judiciais; 3. Exposição indevida de pessoas e famílias; 4. Discurso de ódio e preconceito; 5. Identificação de adolescente em conflito com a lei e 6. Violação do direito ao silêncio, tortura psicológica e tratamento degradante.

No capítulo seguinte, portanto, serão discutidas as características desses programas policialescos que violam direitos constantemente na mídia e como esse formato se popularizou ao longo do ano. Além disso, o capítulo abordará a história do Patrulha da Cidade e como o programa se comporta diariamente na TV.

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3 OS PROGRAMAS POLICIALESCOS

3.1 A POPULARIZAÇÃO DO FORMATO

Quando o jornalismo noticia fatos criminais, judiciais, de segurança pública, do sistema penitenciário e em investigações policiais, estamos falando de jornalismo policial ou popular. A principal característica do jornalismo policial está justamente na abordagem dos fatos, que possui um caráter sensacionalista, com a intenção de prender a atenção do público para continuar em frente à TV, assistindo aos programas.

Nesse tipo de jornalismo, quando se materializa no gênero notícia, a apuração dos fatos necessita ser instantânea, o que muitas vezes não se torna possível realizar uma pesquisa mais aprofundada. Por esse motivo, os repórteres são mais participativos e opinativos e estimulam o interesse dos telespectadores, mesmo quando o fato noticiado carece de relevância (SILVA et. al, 2017).

Periago (2004, p.11), relata melhor o comportamento dos repórteres no jornalismo policial:

O repórter de telejornal policial se torna um integrante ativo. Sua participação é parcial e pode, em determinados casos, interferir com a realidade daquele fato [...]. Em determinados casos, a interferência do repórter também serve para manipular momentos que não estão correspondendo com a expectativa de uma determinada situação. Nesse sentido, criam-se situações que aumentam o potencial de um fato para que ele se torne mais fluente aos olhos em um espetáculo de ficção, pois, em determinadas situações até elementos da dramaturgia como a tensão dramática, a identificação com o herói ou com vilões, as expressões oral e facial são utilizados para sensibilizar o telespectador.

Além dessa maior participação do repórter, a linguagem utilizada no jornalismo policial é outro elemento que o diferencia do jornalismo tradicional: trata-se de uma linguagem informal, muitas vezes trata-se valendo de gírias e expressões coloquiais, que dão o tom de uma conversa direta com o telespectador. Borges (2002, p.47) considera que o telejornalismo brasileiro, sofrendo influência de um padrão internacional, ao longo da sua história foi caracterizando-se como uma forma de show televisivo. A história da televisão brasileira contribuiu fortemente para a intensificação dessa linha na produção nacional:

Ao longo dos 21 anos de poder nas mãos dos generais, esmagaram-se projetos de um jornalismo de TV independente, capaz de contribuir para a elevação da qualidade da cidadania. A sociedade brasileira foi anestesiada por um padrão anódino de noticiário, passando ao largo das grandes

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questões nacionais e longe das críticas. Se pelo aspecto tecnológico criou-se uma televisão de ponta, capaz de criou-se rivalizar com as melhores do mundo, com respeito ao conteúdo desceu-se aos níveis mais baixos, particularmente no jornalismo [...]. A herança da ditadura no noticiário está viva até hoje. A informação cedeu lugar ao espetáculo. E os grandes temas nacionais, muitas vezes vistos de forma conflituosa, por diferentes atores sociais, estão excluídos da tela.

Na televisão, esse formato é predominante em muitas emissoras do país, principalmente as locais, nas quais os espaços reservados na programação são quase que inteiramente dedicados a esse gênero, que atinge bons índices de audiência e, por essa razão, atrai empresários interessados em espaços publicitários com muita facilidade. A notícia, portanto, “torna-se um produto à venda”, como coloca Pena (2005, p.13), que está exposta na vitrine do capitalismo industrial.

Com essas características e a crescente criminalidade se destacando nos noticiários televisivos, alguns programas específicos sobre o tema foram criados. O mais marcante foi o “Aqui, Agora”, exibido pelo SBT entre 1991 e 1997. Produzido para um público de baixa renda, o programa atingiu 31 por cento do Ibope em São Paulo, em 1992, e, em virtude disso, ganhou duas edições diárias no ano seguinte. O programa implantou a câmera direta como recurso, que gravava os fatos em sequência, dispensando edição e dando uma sensação de acompanhamento do desdobramento da ação em tempo real, sem cortes ou trucagens próprias da televisão (HAMILTON, 2009)

A Rede Globo, buscando um público de maior poder aquisitivo, criou o Linha Direta, que seguia uma tendência de programas voltados para a criminalidade. O Linha Direta estreou em 1999 e apresentava casos de crimes não solucionados, permitindo a participação do telespectador, através de denúncias e de pistas que pudessem levar aos foragidos da justiça (HAMILTON, 2009).

O Linha Direta usava diversos recursos televisivos para ilustrar os casos apresentados, diferente do “Aqui, Agora”, como as famosas simulações e reconstituições com atores. (HAMILTON, 2009). Nas notícias transmitidas nesse programa, ganhavam destaque àquelas onde haviam reconstrução dos crimes, sempre de forma dramática e sensacionalista. Pensando nisso, sobre as estratégias de aproximação que esses programas usam com o público, Vicki Mayer (2006, p. 18-19), expõe:

Câmeras trêmulas e a proximidade com os assuntos tratados garantiram a autenticidade das histórias que, além disso, seguiam roteiros narrativos tradicionais de filmes. Mais frequentemente, a polícia e outras autoridades

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patrulhavam as alcovas perigosas da sociedade para caçar as ameaças e proteger as vítimas. O narrador/repórter e a câmera se identificavam as vezes com a polícia, outras vezes com as vítimas (que eram interpretados como ‘nós’). A música de suspense e a narração dramática emprestavam um elemento irreal ao gênero, envolvendo a audiência em um excesso emocional.

Destaca-se, ainda, que a partir do programa “Aqui Agora”, diversos outros surgiram e desapareceram da televisão brasileira, consolidando o gênero policialesco como a espécie de “programa realidade”. Atualmente, os programas “Brasil Urgente”, transmitido pela Bandeirantes, e “Cidade Alerta”, pela Record TV, revelam-se os principais da televisão brasileira, atraindo grande audiência, principalmente das classes médias e baixas. São formatos que crescem cada vez mais e ocupam um papel determinante na formação de opinião de seus telespectadores.

3.2. O PATRULHA DA CIDADE

O “Patrulha na Cidade” é um programa típico de telejornalismo policial. Com duração, em média, de uma hora e meia, é exibido de segunda a sexta-feira, no horário de 12h. O programa estreou em 1991 pela TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN, com o nome de “Patrulha Policial” e só em 2006 recebeu o nome “Patrulha da Cidade”.

O Patrulha é anunciado como “um programa que visa manter a população informada quanto aos assuntos referentes à segurança pública”. Apresentado por Cyro Robson, cuja voz é grave, e sempre está vestido com um terno escuro, possui um cenário simples, mostrando um fundo com o nome do programa em vermelho por cima de imagens que remetem aos conteúdos abordados nas reportagens, como celas de prisão, sangue, viaturas de polícia e sirenes.

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Fonte: Facebook da TV Ponta Negra.

O programa é líder de audiência do canal, com alcance de mais de 55 mil domicílios na capital, segundo dados fornecidos pela emissora, chegando a 28 pontos, ultrapassando sua principal concorrente, a InterTV Cabugi, afiliada da Rede Globo, que alcança apenas 13 pontos de audiência nesse mesmo horário. Ele ocupa um horário televisivo em que a classificação indicativa etária é livre, expondo crianças e adolescentes a conteúdos violentos e linguagem inapropriada, por se apresentar como programa jornalístico e informativo, que não seria regulado pela Classificação Indicativa criada em 2008 pelo Ministério da Justiça.

Segundo o site da emissora, o canal atinge 90% da população norte-riograndense e é a primeira emissora comercial do estado, detendo o segundo lugar geral em audiência. A emissora tem uma cobertura que atinge 86 municípios com um total de 1.290.938 pessoas atendidas pelas transmissões da TV Ponta Negra e tem como missão “comunicar com qualidade, responsabilidade e credibilidade. Ter prosperidade, crescer com confiança e contribuir para a transformação do mundo”.

No entanto, não é bem isso que se observa quando passamos a analisar a postura do “Patrulha da Cidade” diariamente na cobertura dos casos policiais na TV. Marques (2020) apud Ribeiro (2016), afirma que esses programas desvirtuam a finalidade educativa e artística da televisão, propagando ódio e intolerância. Divulgam a notícia de uma forma apelativa, que renda audiência, aproveitando-se de todo o apelo que esses temas causam sobre a sociedade.

O apresentador do programa, conhecido como Papinha, em virtude de uma ‘piada’ racista que se popularizou: coloca papinha na boca do neguinho é uma figura respeitada pela população do Rio Grande do Norte e propaga durante todo o programa um discurso de ódio, incitando a desobediência da própria lei, o que é contraditório, uma vez que se coloca durante todo o programa como um justiceiro (MARQUES, 2020 apud MILANEZ; NOBREGA, 2017).

O julgamento midiático estimula e legitima a justiça pelas próprias mãos e a ideia do linchamento moral e físico de uma parcela da sociedade intolerante, que busca no programa televisivo um espaço de julgamento instantâneo da pessoa

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custodiada. Ao utilizar esse jogo de acusações com risos, recursos da sonoplastia, intervenções humorísticas, entrevistas degradantes de horror e deboche, há uma transformação do espaço midiático do programa em um formato de entretenimento informativo de interesse público (FIDALGO, 1996).

O Patrulha da Cidade atinge, diariamente, trezentos mil natalenses. Comparando com os dados da emissora líder em audiência no estado, a Inter TV Cabugi, que no mesmo horário do programa exibe o Encontro com Fátima Bernardes e o RN TV, aufere-se que o programa da Fátima Bernardes possui 18,1% de audiência no estado e o programa RNTV 1ª edição possui 20,5% de audiência. O Patrulha da Cidade tem 20% somente em Natal (AMARU, 2017).

Mesmo violando direitos e negligenciando uma conduta ética, o programa Patrulha da Cidade pode ser acompanhado a partir de diferentes modos e motivações pelos seus telespectadores. É possível que exista uma identificação direta, por parte daqueles que o assistem, com o apresentador do programa e sua postura agressiva nos discursos e falas, no uso de um vocabulário com humor pejorativo e na imagem de justiceiro, paladino da justiça e defensor dos mais fracos, em um papel claro de xerife. Essas características são o que Martín-Barbero entende por retórica do direto, que é “o dispositivo que organiza o espaço da televisão sobre o eixo da proximidade” (MARTIN-BARBERO, 1997, p.290).

O telespectador, ao assistir ao programa, além de se identificar enquanto classe social, reconhece àqueles que estão envolvidos: o acusado, a vítima, as localidades e as famílias, fazendo parte de um jogo discursivo, um jogo de significação em que ele, enquanto participante do jogo, dá significado ao que vê. Acompanhar as notícias daqueles programas significa, muitas vezes, para o telespectador, ver o que acontece ao seu redor, o que poderia ter ocorrido consigo ou mesmo com alguém de sua família. Outro ponto a se considerar é a sensação de assistência e representatividade que o programa e apresentador proporcionam ao público, nos bairros periféricos menos assistidos. A sensação do ao vivo, por exemplo, através de uma edição simples, sem cortes, evoca um sentimento de participação (MEIRINHO; SENA; MADRUGA, 2019).

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A análise da percepção das pessoas nos meios emergentes sobre determinados conteúdos é uma área pouco explorada na comunicação, uma vez que quem estuda a mídia, concentra sua análise, na maioria das vezes, no conteúdo midiático em si. Por isso, não há uma riqueza de materiais e referências bibliográficas nesse campo, embora seja através dele, que conseguimos extrair interpretações ricas para entender melhor como as pessoas pensam determinadas pautas e se conectam aos conteúdos que lhes interessam.

A internet está modificando a maneira como as pessoas se relacionam e aprendem, além de possibilitar a comunicação e informação, através do computador, celular, smartphones, tablet. Por isso, uma “convergência dos momentos”, como define Milton Santos (2009, p. 196), se configura no substrato socioespacial em que se conjugam, num mesmo direcionamento, mídia e tecnologias de informação e comunicação, possibilitando o aumento das redes sociais digitais que a cada dia se tornam mais imprescindíveis na cultura e sociedade contemporâneas.

Com o advento da comunicação móvel, as formas de interação se intensificaram e estabeleceu-se uma comunicação de todos com todos e não mais de um para todos como era a mídia de massa, a TV e o rádio (COUTO, 2014). Sobre essa mudança, Borges e Fernandes (2018, p. 76), explica:

O digital em rede estabelece uma nova forma de comunicação e revoluciona os modelos comunicacionais na contemporaneidade. Saímos da comunicação/informação passiva, em que as pessoas recebiam essas informações e não tinham como expressar suas críticas e reflexões sobre elas a partir das mídias de massa como TV e o jornalismo impresso, para a comunicação/interação presente nas interfaces das redes sociais digitais.

Para Santos e Santos (2012), deixamos de ser apenas leitores para nos tornarmos leitores/autores. O digital em rede permitiu que as pessoas passassem a contribuir, se engajassem e fizessem parte desse movimento não somente como espectadores, mas como autores também. E são para elas e sobre elas, pensando nessa interação, que a cada dia os desenvolvedores e programadores de software criam e aprimoram aplicativos na internet.

Entendendo essa nova configuração global e sabendo que o conhecimento dinâmico e as novas tecnologias surgem rapidamente, alterando a todo momento as características sociais, é fundamental que a compreensão a

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respeito dos direitos humanos também possa estar atualizada, aprofundando aspectos vinculados ao direito à comunicação e informação livres.

De acordo com Benetti (2020, p. 184), ao se manifestar, o leitor se torna um enunciador do discurso jornalístico:

Os comentários se tornaram a forma mais comum de participação da audiência no jornalismo, juntamente com os atos de curtir e compartilhar um texto. A passagem do discurso jornalístico para o discurso do leitor, nos comentários, significa a entrada em cena de um grupo heterogêneo que vai reger o discurso.

Benetti e Reginato (2014) ao citar Orlandi (2008) e Storch (2012), conclui que o sujeito leitor se desdobra em dois tipos: o leitor real, aquele que interpreta o texto, e o leitor imaginado, que existe apenas virtualmente e guia a produção do discurso. Logo, quando o jornalismo enuncia, o faz para o leitor que imagina – o leitor que supõe ser o final ou real. Dessa forma, acaba indicando o lugar em que o leitor real deve, ou deveria se posicionar para interpretar. Benetti e Reginato (2014, p. 879), explica melhor:

O discurso é sempre o resultado das posições de sujeito, ocupadas por quem enuncia e por quem interpreta. Quem enuncia geralmente busca indicar ao interlocutor a posição que deve ser ocupada. Mas isso não significa, evidentemente, que o interlocutor aceite a sugestão do enunciador e se conforme àquela posição. Por isso, o leitor imaginado é uma figura essencial à problematização do jornalismo.

Para compreender o processo de ligação do leitor ao jornalismo é preciso analisar o discurso desse leitor. O contexto midiático contemporâneo em que estamos inseridos, permite enxergar o que pensa e o que sente o leitor real: seu discurso está presente nos blogs pessoais, nos perfis das redes sociais, nos espaços dos comentários junto às notícias e nos fóruns de discussões. Assim, as redes sociais tornam-se um ambiente rico para investigar o funcionamento do jornalismo, principalmente em razão das conexões entre os atores sociais e dos laços permitidos por essas conexões (BENETTI, REGINATO, 2014)

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4 METODOLOGIA

Para alcançarmos os objetivos deste trabalho, o primeiro passo dado foi a coleta e a leitura de bibliografias diversas a respeito do tema a ser explorado. A revisão de literatura, também conhecida como revisão bibliográfica é caracterizada como uma análise crítica, ampla e meticulosa das publicações correntes de uma área específica do conhecimento (TIRENTINI e PAIM, 1999).

A pesquisa bibliográfica, por sua vez, vai explicar e debater uma temática através de referências teóricas já publicadas em periódicos, livros, revistas e outros. Além disso, também se analisa conteúdos científicos sobre algum tema (MARTINS, 2001).

Para analisar os dados coletados, foi utilizado como método a análise de conteúdo que é definida por Bardin (2004, p.33), como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens”. Segundo ela, a intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção. Essa inferência pode ser recorrida a indicadores quantitativos ou não. A metodologia da análise de conteúdo acompanharia as duas fases empíricas da pesquisa, expressas nos objetivos gerais apontado no início deste trabalho: 1) a análise das violações relacionadas ao discurso de ódio e preconceito cometidas pelo Programa Patrulha da Cidade; 2) a análise das percepções dos telespectadores que compõem a audiência do Programa, com relação a direitos humanos, além da tentativa de compreender a percepção desta audiência com relação às narrativas de ódio e preconceito disseminadas pelo Programa.

A análise de conteúdo possui três fases diferentes, indicadas por Bardin (1977), que foram aplicadas aos procedimentos desta pesquisa: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. A pré-análise, portanto, corresponde a um período de intuições e sistematização de ideias que formarão um esquema preciso do desenvolvimento das próximas etapas, num plano de análise. Nessa primeira fase, acontece a escolha dos documentos que serão analisados, a formulação de hipóteses e objetivos e a elaboração de indicadores que irão fundamentar a interpretação final (BARDIN, 2004).

Após a pré-análise, a segunda fase é a exploração do material, que consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou enumeração, em

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função de regras previamente formuladas. Por fim, na última fase, os resultados em bruto são tratados de maneira a serem significativos e válidos. Operações estatísticas simples ou mais complexas permitem estabelecer quadros de resultados, diagramas, figuras e modelos, organizados de modo que revelem as informações fornecidas pela análise (BARDIN, 2004).

Bardin (2004, p. 95) ainda conclui que o analista “tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor interferências e adiantar interpretações dos objetivos previstos ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas”.

A primeira fase empírica da pesquisa envolveu o monitoramento das violações de direitos humanos no Programa, que foi realizado através do canal do Patrulha da Cidade no Youtube, onde diariamente são publicados os programas na íntegra, o que facilitou a análise, pois não necessitava acompanhá-lo ao vivo pela TV nos dias previamente estabelecidos. O programa vai ar de segunda a sexta-feira, a partir do meio dia e tem duração de aproximadamente uma hora e meia.

Foram monitorados 27 transmissões do programa Patrulha da Cidade dos meses de julho e agosto de 2020, baseado no Guia de Violações da Mídia Brasileira (VARJÃO, 2015), produzido pelo Coletivo Intervozes de Comunicação Social, que estabelece nove violações de direitos humanos e dos dispositivos de auto-regulação da categoria dos profissionais do jornalismo9, sendo a escolhida para esta pesquisa

caracterizada como “Discurso de ódio e preconceito”.

A escolha dessas transmissões se deu a partir de uma ideia pré-estabelecida de que em alguns dias da semana são mais estratégicos para a identificação dessas violações: segunda, quarta e sexta-feira. Nesses dias, acreditava-se ter mais acontecimentos para serem cobertos pela equipe do programa, o que consequentemente teríamos mais conteúdo para ser monitorado e, logo, possivelmente, mais violações para serem identificadas. Dessa forma, esta primeira exploração de dados totalizou três transmissões por semana e 27 no total de dois meses monitorados.

9 São elas: “1. Desrespeito à presunção de inocência; 2. Incitação ao crime e à violência; 3. Incitação

à desobediência às leis ou às decisões judiciárias; 4. Exposição indevida de pessoa(s); 5. Exposição indevida de família(s); 6. Discurso de ódio e Preconceito de raça, Os tipos de violações cor, etnia, religião, condição socioeconômica, orientação sexual ou procedência nacional; 7. Identificação de adolescentes em conflito com a lei; 8. Violação do direito ao silêncio; 9. Tortura psicológica e tratamento desumano ou degradante”. Cf.: VARJÃO, Suzana. Violações de direitos na mídia

brasileira: um conjunto de reflexões sobre como coibir violações de direitos no campo da comunicação de massa. Brasília, DF: ANDI, 2015, p.8.

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O monitoramento foi preenchido em uma tabela que continha as seguintes perguntas: qual o tempo em que a violação foi cometida? A violação de direitos se dá em relação à vítima, ao acusado, à família da vítima, à família do acusado, outro ou não foi possível identificar? Faixa etária, gênero e cor/raça das pessoas que tiveram seus direitos violados, a localização onde aconteceu a violação e quem violou diretamente o direito, se o apresentador, o repórter, o entrevistado ou outro. Essas perguntas foram importantes para análise, principalmente e caracterizar o sujeito violado e quem viola esses direitos.

Em virtude da pandemia do novo coronavírus, a segunda parte desta pesquisa precisou ser alterada para atender aos objetivos propostos. A princípio, seria realizada uma pesquisa de recepção do programa, através de entrevista com os telespectadores. No entanto, como não foi possível ter esse contato direto com as pessoas e por entendermos que esse contato seria fundamental para a análise dos dados, migramos nossa observação e coleta para as redes sociais, como estratégia de captarmos as percepções das pessoas que compõem a audiência do programa sobre direitos humanos e, mais especificamente, com relação às narrativas que expressam discursos de ódio e preconceito.

Para compor a segunda fase empírica da pesquisa, foram pré-analisados, portanto, dois perfis da rede social Instagram. O primeiro, referente ao perfil pessoal do apresentador do Patrulha da Cidade (@cyropapinhaoficial) e o segundo, o perfil oficial da TV Ponta Negra, emissora que transmite o programa (@tvpontanegrarn), com o objetivo de apreender as percepções dos telespectadores através dos comentários publicados, de que forma eles interagem e avaliam o conteúdo dos

posts. Considerando a retomada do calendário acadêmico após a suspensão oficial

das atividades acadêmicas em virtude da pandemia a necessidade emergencial de adaptação frente aos novos contextos sociais apresentados ao longo deste período, estabelecemos que a coleta de dados envolveria as postagens de apenas um destes dois perfis, de modo que houvesse tempo hábil para análise destes. Como resultado desta verificação prévia, selecionamos o perfil da emissora (@tvpontanegrarn) para análise.

Dessa forma, em consonância com o período selecionado para o monitoramento das transmissões, o recorte desta análise também compreendeu os meses de julho e agosto de 2020, somente dos posts relacionados ao Patrulha da Cidade. Das 58 publicações coletadas nesse período, reduzimos a análise para

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publicações em vídeos que abordassem temáticas de cunho policial repercutidas tanto na TV, durante o programa, quanto no Instagram e, finalmente, chegamos aos 6 vídeos que compuseram a segunda parte da análise desta pesquisa.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para melhor compreendermos e analisarmos os dados desta pesquisa, os elementos narrativos do monitoramento dos discursos presentes no programa foram agrupados e dispostos em categorias temáticas, conforme explica a tabela 1.

Quadro 1: Elementos de reprodução sócio-cultural ELEMENTOS DE REPRODUÇÃO SÓCIO-CULTURAL CATEGORIA A Reprodução de uma cultura de violência

CATEGORIA B Difusão de representações sociais fundamentadas em estereótipos

CATEGORIA C Linguagem pejorativa

CATEGORIA D Julgamento pessoal presumido

CATEGORIA E Outros

Fonte: Autor, 2020.

A violação “discurso de ódio e preconceito” é muito ampla e compreende diversas outras questões que precisam ser discutidas dentro da análise de conteúdo. Mesmo sendo identificada como uma das nove violações apresentadas no Guia de Violações da Mídia Brasileira (VARJÃO, 2015), é possível observar que dentro da narrativa observada no monitoramento, podem também existir elementos de reprodução de uma cultura de violência (em discursos de ódio ou de incitação ao crime, por exemplo), difusão de representações sociais fundamentadas em estereótipos (exemplificados por meio de narrativas com elementos de preconceito racial ou qualquer outro tipo), linguagem pejorativa (por meio de xingamentos e/ou metáforas depreciativas) , e, em alguns casos, um julgamento pessoal presumido de quem está violando o direito humano.

A incitação ao ódio, segundo Muller (2019, p.13), somente começou a ganhar notoriedade no Brasil em 2014 em virtude do processo de crise política que o país vinha enfrentando e, em linhas gerais, “ela identifica uma estratégia de comunicação, ou escolha retórica, que tem sido utilizada com a intenção deliberada de reduzir o valor ou a dignidade, de pessoas ou grupos.

É possível identificar falas com discursos que reproduzem uma cultura de violência, por exemplo, em narrativas que fazem apologia ao uso de armas,

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comemoram notícias de linchamento coletivo ou afirmam que a violência com as próprias mãos seria a solução mais eficaz para combater crimes e criminosos. É possível observar esse tipo de comportamento nas seguintes falas retiradas do monitoramento analisado: “quando o povo se revoltar e começar a matar bandido, um em cima do outro, ai vocês vão ver”, “era bem feito que alguém te pegue e desça-lhe o cacete pra você deixar de ser besta”, “se tivesse uma pistola e desse dois tiros no peito desse vagabundo”.

A categoria B diz respeito aos fenótipos de cor ou raça e aos estereótipos raciais, que infelizmente e principalmente no contexto de jornalismo policial é ainda uma violação recorrente. Ferreira (2004) diz que ao observar a cobertura de assuntos étnico-raciais na imprensa, os profissionais de comunicação não estão preparados ou desconhecem uma análise social que melhore a cobertura sem reforçar racismo, estereótipos e discriminação.

É possível observar também a presença de elementos de caracterização fenotípica de cor ou ração, principalmente quando se é utilizado a expressão nêgo atrelada à algum adjetivo depreciativo para se referir a qualquer pessoa acusada (negra ou não) mencionada na notícia, ou quando essa expressão vem acompanhada de um discurso que reproduz uma cultura de violência estruturalmente inculcada na sociedade brasileira, reproduzindo estereótipos já presentes e largamente difundidos na nossa sociedade com relação ao negro. Falas que são um reflexo dos discursos difundidos em situações cotidianas, do senso comum.

Essas expressões são ditas em um tom de humor, como falas corriqueiras e comuns na apresentação do programa. No entanto, o que pode soar como natural e não ofensivo para o telespectador e até para quem profere essas falas, na verdade, reproduz estereótipos raciais que legitimam uma estrutura social que revela representações sociais de racialização e, consequentemente, de estigmatização do ‘outro’, além de não discutir o papel essencial deste processo de racialização do ‘outro’ na construção das disparidades entre negros e brancos.

Utilizar esse discurso e essas expressões na televisão, segundo Adilson Moreira, em seu livro “Racismo Recreativo”, revela como dá este processo de reprodução de uma série de significados culturais largamente difundidos na sociedade brasileira sobre grupos minoritários. Para ele, esse conteúdo veiculado permite a transformação da branquitude como um tipo de capital cultural e a

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