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O PAEG 40 ANOS DEPOIS: AS LIÇÕES. (Versão preliminar) Affonso Celso Pastore Maria Cristina Pinotti

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O PAEG 40 ANOS DEPOIS: AS LIÇÕES. (Versão preliminar)

Affonso Celso Pastore

Maria Cristina Pinotti

1. INTRODUÇÃO

Quando o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) foi posto em prática em 1964, as taxas de inflação aproximavam-se do intervalo entre 80% e 100% ao ano, e o PIB caminhava para a estagnação, interrompendo um período de 10 anos de crescimento econômico acelerado. A política econômica implantada pelo PAEG colocou a inflação em uma trajetória de queda, chegando perto de 40% ao ano em 1966, estabilizando-se em torno de 20% ao ano nos seis anos subseqüentes. Porém de 1975 em diante as taxas de inflação voltaram a crescer, retornando em 1980 aos 100% ao ano, e saindo do controle daí em diante. Depois da rápida recessão de 1966 as taxas de crescimento do PIB elevaram-se, mantendo-se até 1980 em valores próximos aos da década dos anos 1950, mas o crescimento acelerado também não se sustentou, declinando fortemente a partir do início dos anos 1980. No gráfico 1 mostramos as séries mensais das taxas de inflação de 12 meses, ao lado do índice anual do PIB.

Gráfico 1

Taxas de Inflação e Evolução do PIB

-20 0 20 40 60 80 100 120 140 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 Indice Geral de Preços (IGP)

Preços por Atacado (IPA) Preços aos Consumidores (IPC)

50 100 200 400 800 1950 1960 1970 1980 1990 2000 PIB total O PAEG diferencia-se dos vários planos de estabilização que o precederam pelo extenso conjunto de reformas implantadas. A literatura analisando aquele plano de estabilização [Fishlow (1974), Lara Rezende (1982), Simonsen (1970) e (1983) Kafka (1967) e (1974), Penha Cysne (1985)] concentra-se na análise das diferenças entre as promessas e os resultados, apontando os eventuais erros de diagnóstico e de implementação. Não queremos

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repetir esse tipo de análise. No nosso entender, a única razão para re-visitar o passado é analisar o mesmo problema com ferramental mais moderno da teoria econômica, extraindo a partir desse exercício lições para o futuro. Ocorre que as reformas implantadas pelo PAEG não se esgotaram nos três anos do governo Castelo Branco. O regime econômico implantado a partir daquele plano influenciou as políticas econômicas da década dos anos 1970, o que nos obriga a ampliar o período abrangido por esta análise. Nosso objetivo é buscar um entendimento de por que, na tentativa de eliminar a inflação e retomar o crescimento econômico sustentado, plantaram-se as sementes do descontrole inflacionário e da estagnação do crescimento econômico.

Iniciamos resumimos qual era o debate econômico nos anos que precederam o PAEG, e qual era a natureza das crises que conduziram aos vários planos de estabilização naqueles anos. O ponto comum em todos aqueles episódios é a inflação gerada por políticas fiscal e monetária expansionistas, que culminavam em dificuldades no balanço de pagamentos, que eram contornadas ou com controles cambiais e medidas protecionistas, ou desembocavam na tentativa de buscar financiamento externo, acompanhado da inevitável desvalorização cambial. Na seção 3 descrevemos resumidamente quais foram as reformas implantadas e as políticas econômicas inauguradas pelo PAEG. Na seção 4 iniciamos a análise empírica, abordando o conflito entre o regime cambial e os regimes fiscal e monetário. A opção pelo gradualismo adotada pelo PAEG era incompatível com a manutenção do câmbio fixo, e algo teria que ser alterado: ou alteravam-se os regimes fiscal e monetário, abandonando-se a estratégia gradualista, convergindo mais rapidamente para a média da inflação mundial, ou alterava-se o regime cambial. Na seção 5 analisamos a política monetária. O Banco Central do Brasil foi criado em 1964, mas nasceu como uma instituição enfraquecida no que diz respeito à tarefa primordial de controlar a inflação, e quando ocorreu a adesão ao regime das mini-desvalorizações cambiais em uma regra de paridade de poder de compra (PPC), desapareceu completamente a eficácia da política monetária para combater a inflação. Na seção 6 discutimos a indexação, estabelecendo a diferença entre a indexação de instrumentos da dívida pública, que reduz a tentação do governo para elevar a inflação, e a indexação de salários, que propaga os choques inflacionários, elevando a persistência, e com isso eleva os custos de desinflar. A seção 7 é dedicada às conseqüências da indexação da taxa cambial sobre a inflação e a política monetária. Na tentativa de corrigir a incompatibilidade entre o gradualismo e a fixação da taxa cambial, evitando apertos fiscal e monetário adicionais, de um lado, e de estimular as exportações, de outro, em 1968 foi mudado o regime cambial, provocando a perda das âncoras nominais para estabilizar os preços. A seção 8 é dedicada à estratégia de retomada do crescimento econômico a partir de

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1968/69. Em 1969 foi iniciado um programa de promoção de exportações, que juntamente com o forte crescimento do comércio mundial, até 1973, empurrou as taxas de crescimento econômico para cima. Em princípio os subsídios às exportações poderiam ter apenas corrigido as distorções geradas pela substituição de importações, cujo legado foi a penalização das exportações pelo câmbio sobre-valorizado e pelo aumento do custo dos insumos protegidos, e neste caso estaria caracterizada uma estratégia de “segundo-ótimo”. Porém na sua implementação prática, novas distorções foram geradas. Na seção 9 analisamos uma nova forma de dominância fiscal que se instalou a partir de 1974, quando um ambicioso programa de investimentos objetivando a manutenção do crescimento acelerado foi financiado com dívida externa, e terminou gerando a crise da dívida externa, de 1983, e a aceleração da inflação. Na seção 10 concluímos resumindo algumas lições extraídas da política econômica desse período.

2. O PERÍODO ANTERIOR AO PAEG

O debate econômico nos 15 anos que antecederam o PAEG era dominado pela controvérsia estruturalista-monetarista. Os estruturalistas sofriam forte influência de Prebisch e da CEPAL, principalmente quanto ao argumento de que a deterioração das relações de troca impediria o crescimento das exportações de produtos primários, o que justificava que os países sub-desenvolvidos optassem pela industrialização substitutiva de importações, propondo-se a elevação das barreiras tarifárias e não tarifárias às importações1.

Para alguns estruturalistas a inflação seria geradora de poupanças forçadas [Baer (1977), Baer e Kerstenetsky (1962)], elevando a acumulação de capital, e por isso seria benéfica ao crescimento. Outros argumentavam que com a renda em crescimento, os “gargalos” e a “rigidez na oferta” geravam impulsos inflacionários, que se fossem combatidos reduziriam a taxa de crescimento econômico. A correlação positiva entre as taxas de inflação e de expansão monetária apenas refletiria a acomodação monetária aos choques provocados pelas “verdadeiras causas” da inflação. Um resumo destes argumentos pode ser encontrado em Felix (1962) ou no artigo introdutório de Ruggles (1962) à conferência internacional sobre “Inflation and Growth in Latin América”, ocorrida no Rio de Janeiro, em 1962. Mas talvez o ponto mais marcante prendia-se à natureza da correlação entre o crescimento

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No ensino de economia, no Brasil, olhavam-se com suspeita as proposições do livre comércio, que se acreditava conduziriam à estagnação, condenando os países da “periferia” a serem exportadores de produtos primários, privilegiando-se a literatura que elaborava uma defesa econômica do protecionismo, em contraposição às virtudes do livre comércio.

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econômico e a inflação [Simonsen (1962)]. Para os monetaristas2 essa correlação era inversa, e o combate à inflação era uma pré-condição para o crescimento econômico, enquanto que para os estruturalistas essa correlação era positiva, e a tentativa de estabilizar os preços levaria à estagnação econômica.

O crescimento econômico foi a principal bandeira do governo Kubistchek. Sua política econômica, fundamentada nos investimentos voltados à industrialização pela substituição de importações, tem forte influência dos estruturalistas. Cedendo explícita ou implicitamente aos argumentos da “poupança forçada”, admitindo que a inflação seria benéfica para o crescimento econômico, deixava de lado qualquer respeito à estabilidade de preços, utilizando como instrumento o financiamento inflacionário dos déficits públicos. Naquele período, no entanto, o Brasil havia aderido ao regime de Bretton Woods, comprometendo-se a manter o câmbio fixo, e isto era incompatível com o uso da inflação para estimular o crescimento. Era inevitável que ocorressem crises no balanço de pagamentos, e que para reduzir as desvalorizações se partisse para os controles cambiais e para uma forte elevação do protecionismo. A ideologia econômica da época favorecia esta opção. Toda a construção teórica em torno dos benefícios do modelo de substituição de importações justificava o casamento entre os benefícios da inflação para promover “poupanças forçadas”, e os estímulos ao crescimento derivados do protecionismo, utilizando-se o câmbio fixo para ajudar reprimir a inflação, e estimulando a ira contra o FMI e os organismos internacionais que por ventura pregassem a necessidade de seguir políticas fiscal e monetária austeras.

Seus resultados no plano do crescimento econômico foram espetaculares, mas no que diz respeito à inflação e aos déficits públicos foram desastrosos. Entre 1957 e 1961 o produto cresceu à taxa média de 8,3% ao ano, com a indústria crescendo a 10,7% ao ano e a agricultura a 5,8% ao ano. Entre 1956 e 1961 o crescimento total da indústria foi de 80%, com destaque para a indústria do aço (100%); mecânica (125%); elétrica e de comunicação (380%); e equipamentos de transporte (600%) [Skidmore(1969)]. Mas foi também nesse período que os déficits públicos elevaram-se fortemente, sendo quase que integralmente

2 Hoje, mesmo os não monetaristas sabem que a inflação é um fenômeno monetário, embora a expansão

monetária possa ter várias causas. Uma dessas causas é acomodação passiva, que decorre da taxa cambial sendo reajustada em uma regra de paridade de poder de compra, na presença de mobilidade internacional de capitais. Os “monetaristas” puros, hoje em dia, são apenas aqueles que mesmo diante das claras evidências de instabilidade da demanda de moeda ainda continuam pregando que a política monetária deve ser realizada controlando diretamente a quantidade de moeda, seguindo uma regra rígida. Nos anos em torno do PAEG, no entanto, eram “acusados” de “monetaristas” todos os que propunham que a eliminação do financiamento do déficit público com expansão monetária fosse a condição mais importante para eliminar a inflação.

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financiados com expansão monetária, levando ao crescimento contínuo das taxas de inflação.

Grande parte deste desempenho no campo do crescimento econômico explica-se pelas políticas protecionistas geradoras da substituição de importações. Ao final da primeira guerra mundial, o câmbio valorizado rapidamente esgotou as reservas cambiais, e as importações sofreram controles quantitativos. A decisão brasileira era manter o compromisso com o câmbio fixo, e a escassez de divisas fez com que por volta de 1953 fossem instituías as taxas múltiplas de câmbio, com leilões de câmbio em cinco categorias [Kafka (...)]. Mantinha-se um dos compromissos com o regime de Bretton Woods – o câmbio fixo - mas violava-se um outro – a conversibilidade nas contas correntes3. Naquele sistema de leilões de câmbio alocavam-se mais divisas para a compra de máquinas e equipamentos e menos divisas a bens duráveis, o que elevava o ágio cambial e a proteção implícita nestes últimos, gerando estímulo à substituição de importações de bens duráveis de consumo.

Em 1957 com a Lei 3.244 os leilões de câmbio foram abandonados, criando-se em seu lugar um regime de tarifas aduaneiras que mantinham aproximadamente a mesma estrutura de proteção dos leilões de câmbio4. Além da proteção tarifária, havia medidas protecionistas não tarifárias. Uma delas era o grau de nacionalização, exigido na produção em alguns setores industriais, como na indústria automobilística. Uma segunda era a lei do similar nacional, aplicada para proteger indústria de bens de capital: para que uma máquina tivesse a sua licença de importação aprovada, tinha que ser comprovada a ausência de um similar nacional. O atestado da inexistência de similar nacional era emitido pela CACEX5.

3 O Brasil não era o único país deixando de cumprir, naqueles anos, o compromisso com a conversibilidade

nas contas correntes. Encerrada a guerra a Europa estava em crise, sem recursos, e recebia para a sua reconstrução o auxílio do Plano Marshall. As dificuldades para quitar as obrigações nas contas correntes entre os países europeus fizeram com que por vários anos não houvesse conversibilidade nas contas correntes, e fosse utilizado o mecanismo da “European Payments Union”. Estas dificuldades não eram privilégio dos europeus, e a falta de conversibilidade nas contas correntes ocorria também nos países da “periferia”. O FMI tolerou esse problema por algum tempo, e ele somente começou a ser sanado por volta da segunda metade dos anos 1950. Ver Obstfeld (1993), Bordo (1993).

4 Desejando manter o câmbio fixo o Brasil precisava manter um elevado grau de proteção, e não podendo

manter as restrições cambiais, porque precisaria da ajuda dos organismos internacionais que impunham o aumento da conversibilidade nas contas correntes, era fatal que optasse pela elevação das tarifas aduaneiras.

5 Note-se que a CACEX, que era uma carteira do Banco do Brasil, tinha enorme poder na política de

industrialização. Isto é uma evidência do poder político do Banco do Brasil, que não se manifestou apenas neste caso, mas em muitos outros, como veremos adiante.

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Em complemento ocorreram estímulos ao ingresso de capital estrangeiro associado ao nacional, através da resolução 113 da SUMOC, que isentava as empresas estrangeiras de cobertura cambial para importar máquinas e equipamentos, desde que em associação com empresas nacionais. Este mecanismo foi de fundamental importância na atração da indústria automobilística.

O modelo da substituição de importações foi proposto e defendido pela CEPAL, mas para entendermos os mecanismos através dos quais a proteção tarifária e não tarifária elevou a atração ao capital estrangeiro, precisamos do ferramental do modelo neoclássico de comércio internacional com dois fatores, dois produtos e dois países, e do teorema da equalização de preços de fatores de Stolper-Samuelson6. No Brasil, a mão-de-obra era o fator abundante e o capital o fator escasso, e o país tinha vantagens comparativa na produção de produtos agrícolas ou manufaturas com pouco conteúdo tecnológico, enquanto que nos Estados Unidos, o capital era relativamente mais abundante do que a mão de obra não qualificada. A previsão do modelo Stolper-Samuelson é de que a imposição de tarifas, no Brasil, sobre os produtos intensivos em capital, como os automóveis ou os bens duráveis de consumo, elevaria a taxa de retorno sobre os investimentos em capital fixo (e complementarmente os salários da mão de obra qualificada) relativamente ao custo da mão de obra não qualificada. Na presença de mobilidade internacional do capital, o aumento das taxas de retorno sobre os investimentos em capital fixo atrairia um fluxo de investimentos estrangeiros, que elevaria o estoque de capital disponível, mantendo-se este mecanismo até o momento no qual os preços dos fatores fossem novamente eqüalizados. O crescimento econômico seria empurrado por uma acumulação de capital temporariamente mais elevada, beneficiando-se também dos ganhos do avanço tecnológico embutido nesses investimentos. Enquanto durasse este ingresso de capital estrangeiro a economia conheceria uma fase rápida de industrialização e crescimento econômico, que se esgotaria quando os preços dos fatores tivessem sido novamente equalizados. No novo equilíbrio, as taxas de retorno sobre os investimentos em capital fixo no Brasil deixariam de atrair novos investimentos, e as taxas de crescimento econômico se reduziriam. O país ficaria, contudo, com várias distorções. A principal delas era a penalização imposta aos setores exportadores, não somente pelo efeito direto da sobrevalorização cambial derivada da proteção tarifária e não tarifária, mas também pela elevação do custo dos insumos dos bens internacionais protegidos, utilizados na produção de produtos manufaturados exportáveis. Este mecanismo

6 O modelo que é base para a exposição deste mecanismo pode ser encontrado, por exemplo, em Mundell

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é muito importante, e será analisado em maior detalhe na seção 9, adiante. Ele foi o gerador de um viés anticomércio exterior, e contribuiu para a estagnação econômica tão logo cessaram os impulsos derivados da substituição de importações. A primeira análise profunda do sistema de proteção no Brasil foi a de Bergsman (1973) [Ver também Bergsman e Malan (1971)].

Paralelamente, o governo Kubistchek efetuou pesados investimentos na produção de energia e na construção de estradas, além da construção de Brasília. Em parte os recursos vieram de empréstimos externos. Mas a principal fonte desse financiamento foi o déficit público financiado com expansão monetária, ou seja, a inflação, através de senhoriagem. Não havia disciplina fiscal, nem a disposição política de elevar tributos, e os déficits públicos não podiam ser financiados com dívida pública, devido à inexistência desses instrumentos. Os investimentos e os incentivos concentraram-se na indústria de base e pouco ou nada foi feito na área da educação, saúde ou de agricultura [Skidmore(1969)]. A inflação crescente foi minando os sistemas financeiro e tributário. Devido à Lei da Usura as taxas nominais de juros estavam tabeladas em 12% ao ano, desincentivando as aplicações, e desapareceu o mercado de crédito de longo prazo. Havia ainda as distorções da inflação crescente sobre a arrecadação tributária. Tributava-se cada vez mais o lucro das empresas [Chacel, Simonsen, e Wald (1969)], e a arrecadação dos impostos diretos era baixa, dependendo a receita tributária de impostos indiretos com alto poder de distorção. Com o câmbio valorizado, e com políticas monetária e fiscal expansionistas, era fatal que crises cambiais se sucedessem. O governo Kubistchek teve que negociar um acordo com o FMI, mas não se dispunha a cumprir as condicionalidades, dado que não se dispunha a eliminar as inconsistências entre o regime fiscal e monetário, de um lado, e o cambial, de outro. José Maria Alkimin renunciou o Ministério da Fazenda depois do fracasso em obter os financiamentos externos necessários para a continuidade daquela política. Em seu lugar assumiu Lucas Lopes que junto com Roberto Campos, então diretor do BNDE, lançaram um programa de estabilização em 2 etapas: na primeira o objetivo era conter os aumentos de preços em 5% em 1959; e na segunda, conter a oferta monetária. O plano não teve apoio interno: os estruturalistas argumentavam que no Brasil uma inflação de 20% ao ano era aceitável, e que inflação mais baixa levaria à estagnação econômica. Como era previsível, o FMI não deu seu aval ao plano, exigindo o equilíbrio fiscal e o fim dos subsídios às importações de trigo e de gasolina, que eram uma forma de câmbio múltiplo. Por outro lado, a oposição política ao plano era muito forte. Os paulistas se colocaram contra as

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restrições ao crédito, e a esquerda começou a criticar o capital estrangeiro e em Junho de 59, o governo Kubistchek rompeu com o FMI.

Kubistchek não fez seu sucessor, tendo sido eleito Jânio Quadros. No seu discurso de posse ele enfatizava a ineficiência da máquina do governo e a crise financeira deixada pelo seu antecessor, principalmente o elevado déficit público e a elevada dívida externa. Durante o seu mandato venciam US$ 2 bilhões, dos quais US$ 600 milhões só no primeiro ano, cujo re-escalonamento teria que ser negociado por Clemente Mariani, que era então o seu ministro da Fazenda.

A política econômica de Jânio Quadros iniciou-se com uma radical ortodoxia, implicitamente reconhecendo a incompatibilidade entre as políticas monetária e fiscal expansionistas e a defesa do câmbio fixo, mas logo que os custos econômicos e políticos começam a aparecer, a austeridade econômica deu lugar aos acenos ao populismo. Logo em março ele lançou um programa de estabilização mais completo do que os anteriores. Desvalorizou o câmbio em 100% e com a Instrução 204 da SUMOC unificou as taxas de câmbio, retirando os subsídios à importação de trigo e gasolina. Em conseqüência os preços domésticos de pão e passagens de ônibus urbanos mais do que dobraram. Prometeu, também, reduzir o déficit público e investir no setor exportador. Obteve, com isso, o aval do FMI, abrindo o caminho para a renegociação da dívida externa entre maio e junho. Contando com a boa vontade do governo Kennedy com relação ao Brasil, obteve empréstimos de US$ 2 bilhões, com US$ 300 milhões de dinheiro novo [Skidmore (1969)]. No entanto, quando os custos do programa começaram a aparecer, ele começou a ceder às críticas dos desenvolvimentistas de que qualquer programa de estabilização tornar-se-ia ineficaz se não fizesse parte de um plano mais amplo de prosseguimento da industrialização com aumento do gasto público. Já em agosto daquele mesmo ano Jânio estava convencido de que precisava mudar a política econômica e começou a expandir o crédito e a preparar o plano qüinqüenal7. Renunciou antes de prosseguir nesta direção.

No tumultuado governo de João Goulart novas tentativas foram feitas. A partir de Janeiro de 1963 foi implantado, sob a direção do Ministro Celso Furtado, o Plano Trienal. Seus

7 Conforme o ruído interno aumentava, acentuava-se o “estilo Jânio”, com bilhetinhos para a máquina

governamental, e a proibição de lança perfume e do biquíni, por exemplo. Ele começou a se distanciar dos Estados Unidos, e a flertar com o comunismo, dando a ordem do Cruzeiro do Sul para o Che Guevara. Logo em seguida renunciou à Presidência da República. Ver Skidmore (1969).

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objetivos eram promover o crescimento econômico à taxa de 7% ao ano; reduzir a inflação em 63 à metade da observada em 62, e atingir 10% em 65. O plano Trienal baseava-se em políticas fiscal e monetária restritivas, causando espanto aos analistas econômicos e políticos da época pela inexistência de elementos heterodoxos. Claramente esta opção pela ortodoxia era provocada pela necessidade de obter apoio do FMI e do Banco Mundial para equacionar as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos [Lara Rezende (1982)]. Era proposta a redução do déficit público, através do aumento das receitas e redução das despesas. O déficit de caixa do Tesouro havia passado de 2,8% do PIB em 1960 para 4,3% do PIB em 1962, e o Plano propunha a sua volta para 2,5% do PIB em 63 [Skidmore (1969)]. Quanto à política monetária, o Plano propunha que o crédito crescesse à taxa de crescimento dos preços e do PIB. Em adição admitia a necessidade de se manter a política de substituição de importações, instrumentada por tarifas elevadas.

A inflação corretiva do início de 1963, derivada do reajuste do salário mínimo, da desvalorização cambial e da correção de vários preços reprimidos, elevou a inflação. Simultaneamente a política de restrição ao crédito derivada das instruções 234 e 235 da SUMOC, que limitava em 35% a taxa de crescimento dos empréstimos bancários ao setor privado contribuiu para a desaceleração da atividade econômica [Lara Rezende (1982)]. O elevado déficit na balança comercial, a queda no ingresso de investimentos estrangeiros e as dificuldades na negociação de um acordo com o FMI impossibilitaram a tarefa de Celso Furtado.

Deste ponto até março de 1964 sucederam-se dois novos Ministros da Fazenda. O primeiro foi San Tiago Dantas, que se dedicou à tentativa fracassada de equacionar a obtenção de recursos externos, e que teve apenas uma breve passagem pelo governo. O segundo foi Carvalho Pinto, cuja intenção era combater a inflação com medidas de controle fiscal e monetário, e que igualmente fracassou nas suas intenções.

3. QUAIS FORAM AS REFORMAS INICIADAS COM O PAEG?

O primeiro problema a enfrentar em 1964 era o da inflação. Tendo optado pelo gradualismo as autoridades reconheceram que por um longo período teriam que “conviver com a inflação”, o que as conduziu à criação de um sistema abrangente de indexação que em princípio deveria restringir-se aos ativos financeiros. Com base neste mecanismo de “correção monetária” foi possível reformar e aperfeiçoar o sistema financeiro criando ativos financeiros que canalizaram recursos para atender as necessidades de financiamento

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do déficit público. Este mesmo mecanismo criou condições para retomar os financiamentos à habitação, que haviam praticamente desaparecido com a combinação da escalada inflacionária com a Lei da Usura, que impunha um teto de 12% ao ano à taxa nominal de juros. Foi também com base na correção monetária que se implantou a reforma que aboliu o arcaico estatuto da estabilidade no emprego, criando-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), iniciando com isso a prática de criação de mecanismos de poupança forçada como o PIS e o PASEP.

A partir de 1965, uma outra forma de indexação passou a ser utilizada para reajustar os salários nominais, e junto com o controle de preços foi utilizada para forçar o declínio das taxas de inflação. A “fórmula” de reajustes salariais passou por várias mudanças, porém a cada mudança foi se elevando o grau de indexação dos salários com base nas inflações passadas, e ao mesmo tempo o controle de preços foi ganhando importância no controle da inflação, funcionando como um mecanismo de repressão de reajustes de preços nominais. Foi também com base na correção monetária que se aperfeiçoou o imposto de renda, evitando a taxação dos lucros ilusórios decorrente da inflação. As mudanças no imposto de renda foram apenas o início de uma reforma tributária mais ampla. Anteriormente, uma parte da arrecadação tributária derivava de dois impostos indiretos: o primeiro era o imposto sobre o consumo (IC), de âmbito federal; e o segundo era o imposto de vendas e consignações (IVC), de âmbito estadual. A reforma tributária de 1965 extinguiu estes dois impostos, substituindo o primeiro pelo Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de âmbito federal e com alíquotas diferenciadas, e o segundo pelo Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM), de âmbito estadual, e com alíquotas uniformes. Em ambos os casos, os novos impostos incidiam sobre o valor adicionado cujo modelo copiou a experiência européia com o IVA. Esta reforma ajudou o crescimento da arrecadação, e ao lado do controle dos gastos públicos, e do financiamento parcial dos déficits com o recém criado instrumento da dívida pública – as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN)- visavam eliminar a principal causa da inflação, que eram os déficits públicos financiados com emissão monetária. As ORTN que foram inicialmente concebidas como um instrumento de financiamento do déficit público, transformaram-se também em uma unidade utilizada para reajustar contratos, como no caso dos aluguéis, criando condições para elevar progressivamente o grau de indexação da economia.

Mas as reformas não pararam neste ponto. Uma característica institucional importante no Brasil era a ausência de limites entre as autoridades monetária e fiscal. Até 1965 o Brasil

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não tinha um Banco Central. O Tesouro podia tomar diretamente empréstimos junto à autoridade monetária, e em parte as funções de autoridade monetária eram exercidas pelo Banco do Brasil, que era também um banco comercial. O PAEG enfrentou esse problema criando um Banco Central, mas mesmo depois disso, o Tesouro continuou podendo sacar recursos junto à autoridade monetária. Em adição, o Banco do Brasil não foi separado do conjunto das autoridades monetárias, gerando-se uma anomalia impossível de ser encontrada em algum outro país. Para colocar disciplina na política monetária criou-se o Conselho Monetário Nacional (CMN), que evoluiu do antigo Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC). Porém, tanto nos anos iniciais como posteriormente, o poder do Banco Central dentro deste Conselho era mínimo, e seu principal objetivo não era a estabilidade de preços.

Alterou-se a política econômica com relação ao setor externo. Buscou-se progredir na conversibilidade das contas correntes; foi atacada a re-estruturação da dívida externa; e tomou-se a atitude de estimular o ingresso de capitais. A reforma tributária de 1965 permitiu iniciar a remoção do viés antiexportações derivado da incidência em cascata do IVC, que devido a isso não poderia ser isentado nas exportações. O novo sistema tributário, com impostos indiretos sobre o valor adicionado, permitiu que se isentasse plenamente este imposto na exportação. Em adição, permitiu que se criasse em 1969 o sistema de subsídios às exportações, que juntamente com as mini-desvalorizações cambiais, iniciadas em 1968, permitiu promover as exportações. A esse sistema de subsídios fiscais agregaram-se subsídios via crédito, direcionados pelo CMN através do próprio Banco Central, não com recursos do orçamento fiscal, mas sim do orçamento monetário.

Ao lado de seus sucessos, as reformas do PAEG e das políticas que se seguiram nos anos subseqüentes continham as sementes do retorno do processo inflacionário mais agudo. Se de um lado a indexação de ativos financeiros permitiu remover ineficiências na intermediação financeira, e em princípio reduzia a indução do governo a inflar, de outro a indexação de salários elevava a persistência da inflação. Ao aderir a uma forma particular de “crawling-peg” cambial, na qual a taxa cambial era reajustada em uma regra de paridade de poder de compra (PPC), impediu-se que o câmbio ou a oferta monetária pudessem ser âncoras que estabilizassem o nível de preços. Naquele novo regime monetário e cambial, a taxa cambial não poderia ser uma âncora, porque era indexada às inflações passadas, e a oferta monetária não poderia ser uma âncora porque com o câmbio real aproximadamente fixo perdia-se o controle sobre a oferta de moeda, que se ajustava passivamente a todo e qualquer choque, sancionando integralmente seus efeitos inflacionários.

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A partir de 1967, iniciou-se uma fase de crescimento econômico acelerado, mas esta também era apenas temporária. O crescimento acelerado daquele período foi liderado pelas exportações, e teve duas forças propulsoras: o crescimento acelerado do comércio mundial até 1973; e os subsídios fiscais e creditícios às exportações. Aquele sistema de subsídios atuou reduzindo o viés antiexportações herdado do modelo de substituição de importações, mas era insustentável porque contrariava os acordos internacionais, e em adição criou outras distorções.

Aquele programa de estabilização falhou, também, em criar um regime fiscal que impedisse o crescimento imprudente do endividamento. Quando os dois choques do petróleo atingiram a economia brasileira, em 1973 e em 1979, foi tomada a opção pela rota de uma nova rodada de substituição de importações, e de investimentos públicos com elevada participação governamental, financiados por empréstimos externos realizados predominantemente a empresas estatais, o que expôs o país à crise da dívida externa do início dos anos 1980. Esta era uma nova forma de dominância fiscal, que temporariamente não produziu a expansão monetária e a inflação. Porém, no momento em que a dívida externa tornou-se não sustentável, e o câmbio real teve que ser fortemente desvalorizado, para ser posteriormente reconduzido aos reajustes na paridade de poder de compra, geraram-se fortes impulsos inflacionários que não tinham mais como serem dissipados, devido à total ausência de uma âncora nominal. Aquele regime fiscal foi o último ato de um processo que culminou no retorno da inflação, e após o qual as taxas de crescimento econômico estabilizaram-se em níveis medíocres.

4. A INFLAÇÃO E OS REGIMES FISCAL, MONETÁRIO, E CAMBIAL

Qualquer discussão sobre o diagnóstico da inflação brasileira no período em torno do PAEG tem que ser precedida da resposta à indagação – qual era o regime econômico naquele período? Mais especificamente, é preciso definir qual era o regime fiscal, de um lado, e qual era o regime monetário-cambial, de outro, e de que forma este regime econômico teria que ser alterado para controlar de forma eficaz a inflação.

Anteriormente ao PAEG (e mesmo no período entre 1964 e 1968), o Brasil “pretendia estar” no regime de câmbio fixo. No entanto a política fiscal era expansionista, e as autoridades monetárias submetiam-se completamente às pressões da política fiscal, financiando integralmente o déficit público com expansão monetária, caracterizando um

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caso clássico de dominância fiscal. O grande produto das políticas monetária e fiscal, nesse período, não era a estabilidade de preços, mas sim as inflações elevadas, o que acarretava sucessivas crises no balanço de pagamentos. Essa incompatibilidade entre o regime de câmbio fixo e as políticas fiscal e monetária expansionistas gerava uma sucessão de desvalorizações cambiais e intermináveis negociações externas, visando equacionar as necessidades de financiamento do balanço de pagamentos. Neste regime econômico, ou mudavam as políticas fiscal e monetária, tornando-as compatíveis com o regime de câmbio fixo, ou o Brasil continuamente teria que utilizar a válvula permitida pelo acordo de Bretton Woods, desvalorizado o câmbio na presença de cada um dos sucessivos “desequilíbrios fundamentais no balanço de pagamentos”.

O gráfico 2 mostra as taxas mensais de inflação (escala da direita, dados dessazonalizados) superpostas às taxas de desvalorização cambial (escala da esquerda) no período de Janeiro de 1959 até 1968, um pouco antes do Brasil aderir ao regime de mini-desvalorizações cambiais. Nos anos de inflações médias mais elevadas as desvalorizações cambiais também eram maiores.

Gráfico 2

Desvalorizações Cambiais e Inflação: taxas mensais de variação

-.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6 .7 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 DLOGCBIO IGPDI_SA

Note-se que as maxi-desvalorizações não cessaram nem mesmo depois de implantado o PAEG, em 1964, mantendo-se até 1968 Para que com o PAEG o Brasil permanecesse no regime de câmbio fixo, as reformas nos campos fiscal e monetário teriam que ter sido muito mais profundas, e em vez de trazer a inflação para a marca dos 20% ao ano, como ocorreu entre 1967 e 1973, ela teria que ser significativamente mais baixa. Ao decidir por

(14)

aparelhar-se para “conviver com a inflação” por um período mais longo, optando pelo gradualismo, aquele plano de estabilização impôs que mais cedo ou mais tarde o país teria que alterar o regime cambial.

Gráfico 3

Diagramas de dispersão entre taxas de variação do câmbio nominal, câmbio real e inflação

-.02 .00 .02 .04 .06 .08 .10 -.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6 .7 Câmbio Nominal In fla çã o -.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6 -.1 .0 .1 .2 .3 .4 .5 .6 .7 Câmbio Nominal Câ mb io R e a l

O quadro era claro: no período durante o qual a taxa cambial permanecia temporariamente fixa, a inflação conduzia à valorização do câmbio real, que gerava a queda das exportações, a elevação das importações, e a fuga de capitais8, obrigando uma nova desvalorização. Não podem existir dúvidas, portanto, de que nesse período a inflação causava a depreciação cambial. Mas será que a depreciação cambial também causava a inflação? A resposta a esta indagação requer que se investigue as evidências sobre a causalidade, e uma primeira indicação é dada observando as variações de alta freqüência do câmbio nominal, do câmbio real, e da inflação9. Nos dois diagramas de dispersão, no gráfico 3, comparamos o comportamento das taxas mensais de variação do câmbio nominal, com as taxas mensais de

8 Nos anos iniciais do regime de Bretton Woods a mobilidade internacional de capitais ainda era baixa, o que

temporariamente limitava a fuga de capitais, no Brasil.

9 O caminho natural, neste ponto, seriam os testes de causalidade no sentido de Granger. Eles aceitam a

hipótese de que o câmbio não causa os preços, e que os preços não causam o câmbio. No entanto este estranho resultado provavelmente foi forçado pela natureza peculiar do processo estocástico explicativo das taxas mensais de variação da taxa cambial, no qual as taxas de desvalorização cambial permanecem nulas por períodos contínuos, dando saltos discretos de magnitude dependente das taxas de inflação e da extensão do período no qual permaneceram constantes, mostrando total ausência de auto-regressividade. Isto nos conduziu a perseguir o caminho exposto no texto.

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variação do câmbio real e do índice geral de preços10. As evidências com base nas taxas contemporâneas são claras: uma depreciação do câmbio nominal era inicialmente absorvida integralmente pela depreciação do câmbio real, e praticamente não tinha efeitos instantâneos sobre o nível de preços, sugerindo um pass-through de curto prazo muito baixo para os preços.

O diagrama 3-B indica uma correlação nula entre as desvalorizações cambiais e as taxas de inflação, porém chama atenção o fato de que exatamente sobre a taxa nula de desvalorização cambial há uma grande concentração de taxas de inflação desde as mais baixas até as mais altas. Uma possível razão para essa concentração é que os efeitos inflacionários da depreciação cambial ocorreriam com defasagens, fazendo com que as taxas de inflação crescessem nos meses seguintes a uma desvalorização, elevando as taxas de inflação enquanto as taxas de desvalorização cambial ainda permanecessem nulas. Ou seja, o pass-through de prazo mais longo seria mais elevado.

Tabela 1

Inflação média antes e depois de uma desvalorização Desvalorização média antes média depois Câmbio Nominal (%)

jan/61 2.18 2.99 12 mar/61 1.56 3.17 21 ago/61 2.82 4.48 9 mai/62 2.90 3.28 12 ago/62 4.10 3.80 12 set/62 3.28 5.28 13 mai/63 5.20 4.62 27 fev/64 5.92 5.06 60 mar/64 6.71 4.75 6 ago/64 4.50 5.78 5 set/64 4.62 5.21 25 dez/64 5.78 3.20 14 nov/65 1.98 3.20 18 fev/67 1.91 1.91 20 jan/68 1.68 2.02 17 ago/68 1.84 1.88 13 Inflação

Para analisar essa possibilidade computamos na tabela 1 as médias mensais de inflação nos quatro meses anteriores e posteriores a uma desvalorização, cuja data é indicada na primeira coluna da tabela, e cuja taxa está na última coluna. Há uma correlação positiva entre as taxas “antes” e “depois” de uma desvalorização, mas isso não é indicativo de causalidade, porém testes de diferenças de média não rejeitam a hipótese de que as duas

10 Trabalhamos neste ponto com o índice geral de preços, e não com o índice de preços aos consumidores,

porque aquele contém uma proporção maior de bens “tradables”, o que o torna mais sensível às variações da taxa cambial.

(16)

médias são iguais11. No entanto o diagrama de dispersão entre as duas séries mostra que há mais pontos acima da reta de 450, indicativa da igualdade entre as duas taxas, do que abaixo dela, o que é sugestivo de que predominam, embora de forma não significativa, as taxas um pouco maiores no período posterior a uma desvalorização. Este resultado sugere que o pass-through de longo prazo da depreciação para os preços aos consumidores era baixo, porém não era nulo, e que as desvalorizações também afetavam a inflação, embora com pequena intensidade.

Tabela 2

Déficits de caixa do tesouro e fontes de financiamento

Período Receita em proporção ao PIB Despesa em proporção ao PIB Déficit em proporção ao PIB) Financiado pela Autoridade Monetária em proporção ao déficit. 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 8.8 7.7 11.0 8.7 8.3 9.9 11.3 11.1 11.1 11.8 12.6 12.8 13.0 12.4 12.2 12.1 11,2 11.6 11.2 11.6 9.0 8.3 8.7 8.1 7.6 7.5 7.9 9.0 9.1 9.0 9.2 8.5 8.8 9.2 10.6 11.0 9.5 10.4 10.6 11.2 -0.7 -0.6 2.3 0.6 0.7 2.4 3.4 2.1 2.0 2.8 3.4 4.3 4.2 3.2 1.6 1.1 1.7 1.2 0.6 0.4 108 84 92 163 100 99 100 69 28 91 99 88 81 101 45 -3 57 88 -136 113 Fonte: Lara Rezende (1982)

Exploremos, agora, as causas monetárias e fiscais da inflação. As evidências empíricas analisadas por Simonsen (1970), Fishlow (1974), Lara Rezende (1982), Penha Cysne (1985), Kafka (1967), mostram que até 1965 quase a totalidade do déficit público era financiada com o Tesouro Nacional tomando empréstimos diretamente junto à autoridade monetária. Este comportamento é mostrado na última coluna da tabela 2. Note-se que

11 A média das taxas de inflação dos quatro meses antes da desvalorização é de 3.56% ao mês, e a média das

taxas dos quatro meses após a desvalorização é de 3.79% ao mês. A estatística T de Student para a diferença de médias T= 0.428, e a probabilidade deste valor ter sido obtido ao acaso é de 67%, rejeitando por larga margem a hipótese de que as médias são iguais.

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estamos nos referindo ao “déficit de caixa do tesouro”, e não à necessidade de financiamento do setor público consolidado, incluindo estados e municípios12. Em princípio os Estados e os Municípios operavam naquele período em um regime fiscal no qual sem acesso à emissão monetária teriam que obedecer à sua restrição orçamentária intertemporal13.

A economia brasileira naquele período oferecia um exemplo clássico de dominância fiscal, com os déficits públicos propagando-se para a inflação através da expansão monetária. Para extrair um pouco mais de implicações empíricas, tomemos um modelo simples onde o nível de preços é determinado igualando oferta e demanda de moeda. O equilíbrio é dado por

( / ) te

t t

M P =ce−απ , onde do lado direito da equação está o estoque real desejado de moeda, que é uma função estável de e

t

π , que é a taxa de inflação esperada, e onde M é a oferta de t moeda, e P é o nível geral de preços. Derivando logritmicamente com relação ao tempo t obtemos (1) e t t t π =µ απ+  onde e ( e/ ) t d dt

π = π , e onde πt e µt são as taxas de inflação e de expansão monetária, respectivamente. As expectativas de inflação são determinadas por14

(2) e ( e)

t t t

π =γ π π−

que pode ser interpretado tanto como um modelo de expectativas adaptativas, como um modelo de expectativas racionais nos quais o processo estocástico explicativo de µt tem as propriedades supostas por Sargent (1977) no caso da hiper-inflação alemã de 1923.

12 Se estivermos diante dos dados para o setor público consolidado, a necessidade de financiamento do setor

público (NFSP) é dada por (NFSP) (= GtTt)+iBt, onde (GtTt) é o déficit primário, e iB é o fluxo de t

juros nominais sobre o estoque da dívida pública consolidada interna e externa, B . Naquele período a dívida t

pública era pequena, e por isso iB não aparece. Em segundo lugar, t G e t T representam apenas os gastos e a t

arrecadação tributária do governo central, exclusive estados e municípios.

13 Ocorreram casos de rebeldia dos estados, mas esta não chegou a ser uma forma freqüente de tensões na

política fiscal. Já com o PAEG em plena execução o governador de São Paulo tentou ultrapassar os limites de endividamento daquele estado, o que provocou uma crise política [Campos (1994)].

14 No tempo discreto a equação (2) é dada por

1 (1 )( 1 1)

e e e

t t t t

π −π− = −β π− −π− , o que permite, por substituições sucessivas exprimir a taxa de inflação esperada como uma média móvel de pesos geometricamente

declinantes das taxas de inflação passadas, isto é, 1 0 (1 ) e j t t j j π β ∞ β π− − = = −

.

(18)

Finalmente introduzimos a existência de dominância fiscal. Na ausência de dívida pública o déficit de caixa do tesouro seria integralmente financiado com expansão monetária, o que expresso em termos reais conduz a dt =(G Ttt) /Pt =(MtMt1) /Pt, onde Mt é o papel moeda emitido. Mas

(

MtMt1

)

/Pt = é a senhoriagem pela emissão de moeda, que σt

pode ser expressa como t

t t

t

M P

σ =µ , e se isolarmos µt no primeiro membro obtemos

(3) /( te)

t t ce

απ µ σ=

que na presença de dominância fiscal é a “curva de reação da autoridade monetária”. A equação (3) fornece, para cada taxa de inflação esperada, qual é a taxa de expansão monetária que deve ser fixada pela autoridade monetária para produzir aquela particular senhoriagem, σt = . dt

Esse modelo simples conduz a quatro previsões. Primeiro, devido à ausência de fontes alternativas de financiamento, os déficits públicos mais elevados (baixos) requerem senhoriagens mais elevadas (baixas). Segundo, na hipótese não rejeitada empiricamente de que naquele período as taxas de inflação correntes eram inferiores a π =1/α, onde α é a semi-elasticidade-custo da demanda de moeda [Pastore (1997.b)], a arrecadação do imposto inflacionário ocorria no ramo ascendente da curva de Laffer, o que significa que senhoriagens mais elevadas correspondem a inflações mais altas. Terceiro, as taxas de inflação passadas elevam as expectativas de inflação, reduzindo o estoque real de moeda, o que faz com que diante da curva de reação (3) a autoridade monetária seja obrigada, para produzir uma dada senhoriagem, a elevar a taxa de expansão monetária sempre que a inflação estiver em crescimento. Ou seja, as elevações nas taxas de inflação precedem no tempo as elevações na taxa de expansão monetária, e neste caso um teste de causalidade de Granger deve conduzir à aceitação da hipótese de que as taxas de inflação causam as taxas de expansão monetária. Mas esta não é a única implicação sobre a causalidade. Se a taxa de expansão monetária elevar-se, a equação (1) indica que a taxa de inflação crescerá, mas os efeitos de µt sobre as taxas de inflação não se esgotam em um único período, porque (2) nos mostra que com o aumento de π ocorrerá também um aumento em πe que continuará

por vários períodos à frente, reduzindo gradativamente por vários períodos à frente o estoque real desejado de moeda, elevando a velocidade-renda da moeda, e elevando por vários períodos à frente a taxa de inflação atual. Neste caso as taxas de inflação em t são correlacionadas com as taxas de expansão monetária passadas, o que indica que as taxas de

(19)

expansão monetária também precedem no tempo as taxas de inflação, e conseqüentemente um teste de causalidade de Granger mostrará que um aumento da taxa de expansão monetária causa um aumento nas taxas de inflação futuras.

O que os dados nos mostram? Primeiro, no gráfico 4 mostramos o diagrama de dispersão entre os déficits de caixa do tesouro anuais, mostrados na tabela 2, a senhoriagem anual expressa em proporção ao PIB. No cálculo da senhoriagem utilizamos os acréscimos do papel moeda emitido em relação ao PIB. Há uma forte correlação positiva entre estas duas séries. Ambos se elevam fortemente até 1964, e declinam depois dos cortes iniciados pelo PAEG, e depois de implementada a reforma tributária do PAEG. Veremos na próxima seção que havia também outras forças conduzindo à emissão de meio circulante, como o papel do Banco do Brasil no conjunto das autoridades monetárias, o que explica parcialmente as discrepâncias entre a senhoriagem e os déficits de caixa em proporção ao PIB. No gráfico 5 superpomos as séries da senhoriagem em proporção ao PIB e das taxas anuais de inflação. Como se verifica, há também uma clara correlação positiva entre estas duas séries. Estas duas evidências reforçam as mostradas na tabela 1, e não rejeitam a hipótese de dominância fiscal.

Gráfico 4 Gráfico 5

Senhoriagem e déficit de caixa do Senhoriagem em proporção ao PIB Tesouro em proporção ao PIB. e taxa de inflação anual (IGP-DI)

.01 .02 .03 .04 .05 .06 -.01 .00 .01 .02 .03 .04 .05 Deficit/PIB S e nh ori a g e m /P IB 0 20 40 60 80 100 .01 .02 .03 .04 .05 .06 1950 1955 1960 1965 1970 1975 Taxas anuais de Inflação (IGP)

Senhoriagem/PIB

Os testes de causalidade no sentido de Granger mostrados na tabela 3, foram realizados para o período 1950/65, com base nas duas séries das taxas mensais dessazonalizadas. Eles indicam que não se pode rejeitar a hipótese de que a causalidade caminha nas duas direções: não se rejeita a hipótese de que a expansão monetária causa alterações nas taxas

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de inflação; e nem se rejeita a hipótese de que mudanças nas taxas de inflação causam as taxas de expansão monetária15.

Tabela 3

Teste de Causalidade de Granger entre as taxas mensais de expansão monetária e de inflação – Período 1950/1965

Com 4 defasagens Com 6 defasagens Com 9 defasagens Moeda não causa

preços F = 4.881 (0.0009) F = 2.999 (0.008) F = 2.293 (0.019) Preços não causam

moeda F = 3.176 (0.0.015) F = 2.564 (0.021) F = 2.321 (0.018)

Os números entre parênteses logo abaixo das estatísticas F são os valores da probabilidade de que aquele F tenha sido obtido ao acaso.

A existência de déficits públicos geradores de inflação é sempre uma evidência de falta de disposição e/ou de poder político de tributar grupos da sociedade, e em larga medida a inflação brasileira naqueles anos era o fruto da crise política na qual o país estava imerso. Porém, o que estes testes de causalidade mostram é que havia também um segundo problema: a autoridade monetária não tinha poder para resistir às pressões para financiar o déficit, e ainda se dispusesse a elevar a taxa de juros para reduzir os gastos em investimento e consumo privados, não poderia fazê-lo, devido à ausência de instrumentos de dívida pública16.

Uma segunda característica da inflação brasileira nesse período era a persistência. O grau de persistência na inflação é medido pelo coeficiente auto-regressivo de primeira ordem das taxas de inflação, sendo tanto maior quanto mais próximo da unidade for esse coeficiente. As taxas mensais nesse período seguiam claramente um processo auto-regressivo estacionário17. Na tabela 4 mostramos as estimativas para um processo AR(1) e para um processo AR(6). O critério de Schwartz sugere que o processo AR(6) é um pouco melhor do que o AR(1), mas as curvas de resposta a impulsos nos dois casos são muito semelhantes, dando as mesmas indicações sobre a persistência.

15

Apresentamos na tabela testes com 4, 6, e 9 defasagens, mas como pode se visto na tabela 4, logo abaixo, é um processo AR(6) que gera os resíduos do processo explicativo das taxas de inflação mais próximos de um ruído branco, e portanto esta é a defasagem mais correta para dar validade ao teste de causalidade neste caso.

16

A não rejeição da hipótese de que há uma causalidade da moeda para os preços não é uma prova de que a inflação tivesse causas não monetárias e fiscais, como argüiam os “estruturalistas”. Comportamento semelhante também foi encontrado na hiper-inflação alemã de 1923 [Sargent (1977)], que da mesma forma como a inflação brasileira decorria da expansão monetária derivada do descontrole fiscal.

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Tabela 4

Medidas de persistência na inflação – período 1950-1965

AR(1) AR(6) constante 0.011 (4.101) 0.004 (1.410) t-1 0.633 (8.453) 0.441 (4.613) t-2 - 0.012 (0.114) t-3 - 0.028 (0.269) t-4 - 0.174 (1.675) t-5 - -0.063 (0.604) t-6 - 0.266 (2.767) R2 S.E Schwartz Q(10) F 0.403 0.016 -5.427 15.731 71.460 0.500 0.015 -5.387 2.780 16.800 Os números entre parênteses logo abaixo das estimativas são os valores das estatísticas T de Student.

Uma forma alternativa de medir a persistência é através de um modelo VAR (o vetor auto-regressivo) envolvendo as taxas mensais de inflação e de expansão monetária, exprimindo

t

π e µt em função de seus valores passados com apenas uma defasagem, na forma

(6) 0 1 0 1 t t t t t t c c c u c c c u π ππ πµ π µ µπ µµ µ π π µ µ − −           =  + +             

onde uπt e uµt são variáveis aleatórias não serialmente correlacionadas e independentes entre si18.

As estimativas estão na tabela 5. As indicações quanto a causalidade são as mesmas dos testes mostrados na tabela 4. As taxas de inflação mostram uma auto-regressividade de primeira ordem inferior à unidade, porém significativamente diferente de zero, que é característico da inércia.

18 Apresentamos apenas os resultados com uma defasagem, que foram os melhores, mas as curvas de resposta

a impulsos em modelos com 2 ou mais defasagens são semelhantes, embora os intervalos de dois desvios-padrão para cima e para baixo das trajetórias sejam mais amplos.

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Tabela 5

Vetor auto-regressivo entre taxas de expansão monetária e de inflação

coeficientes t π µt constante 0.002 (1.381) 0.010 (5.280) 1 t π− 0.517 (8.873) (2.367) 0.148 1 t µ− 0.327 (5.138) 0.486 (7.113) R2 S.E. F 0.505 0.013 95.401 0.332 0.014 46.417 Os números logo abaixo dos coeficientes são os valores da estatística T de Student.

Gráfico 6

Funções de resposta a impulsos do modelo da tabela 2

-.004 .000 .004 .008 .012 .016 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da inflação aos preços

-.004 .000 .004 .008 .012 .016 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da inflação à moeda

-.004 .000 .004 .008 .012 .016 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da moeda à inflação

-.004 .000 .004 .008 .012 .016 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20

Resposta da moeda à moeda

No gráfico 6 estão as funções de resposta a impulsos. O resultado que mais nos interessa é a auto-regressividade da inflação: ele não difere significativamente das medidas de persistência mostradas na tabela 4. Depois de iniciada a indexação de salários às taxas de inflação passadas, em 1968, o grau de persistência elevou-se, e depois da taxa cambial passar a ser reajustada em uma regra de PPC, em 1969, a inércia passou a convergir para o ponto máximo, no qual não se rejeita a presença de uma raiz unitária [Pastore (1997.a)]. Ou seja, daquele ponto em diante os choques nas taxas de inflação não mais se dissipavam. Porém, mesmo sem atingir esse extremo, em torno do período de implantação do PAEG já era evidente que havia um grau elevado de persistência.

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Essa persistência poderia derivar de práticas monopolistas no setor privado, que conduzia à rigidez de preços como argumenta Fishlow (1974), ou de algum grau de indexação informal dos reajustes de salários às inflações passadas, como era suposto no PAEG e por Simonsen [(1970),(1983)]. Qualquer que fosse a sua causa, contudo, estas evidências mostram um grau de persistência muito semelhante ao existente em várias economias com inflações mais baixas ou em torno das ocorridas no Brasil naquele período. São esses os resultados obtidos por Edwards e Lefort (2002) que analisaram empiricamente uma amostra de 16 países, incluindo países desenvolvidos e mercados emergentes, no período de 1970 a 1994. Este grau de persistência também nem sequer chega perto das ocorridas no Brasil quando posteriormente a inflação elevou-se, e o país aderiu ao regime de mini-desvalorizações cambiais em uma regra de PPC.

5. POLÍTICA MONETÁRIA E O PAPEL DO BANCO CENTRAL

Para implementar o programa de estabilização o governo buscou inicialmente o apoio do Fundo Monetário Internacional, e naquele período o regime de Bretton Woods ainda estava em plena vigência. O FMI objetava duas propostas brasileiras: a indexação e o gradualismo [Campos (1994)]. Na nossa interpretação, a razão óbvia para essa objeção decorria da defesa do câmbio fixo por parte do FMI, que por outro lado reconhecia que a indexação e o gradualismo levariam o país à óbvia conseqüência de tolerar inflações mais altas por mais tempo, o que era incompatível com aquele regime cambial. O regime de mini-desvalorizações cambiais somente foi implantado mais tarde, em 1968, e conseqüentemente entre 1964 e 1968 as autoridades continuavam em princípio pretendendo manter o câmbio fixo.

Quando da implementação do PAEG o Brasil não tinha um Banco Central, e uma das primeiras ações do governo foi criá-lo. Ainda que o Brasil decidisse utilizar o câmbio fixo como âncora nominal, o que reduzia a importância da política monetária, as condições da época quanto aos fluxos internacionais de capitais ainda preservavam alguma eficácia da política monetária para alterar a demanda agregada. O acordo de Bretton Woods requeria a conversibilidade plena nas contas correntes, que vinha sendo gradualmente criada no Brasil19, porém tolerava ou mesmo estimulava controles sobre os movimentos de capitais.

19 Todas as ações na direção da abolição do regime de taxas múltiplas de câmbio foram ações na direção de

implantar a conversibilidade nas contas correntes. Um primeiro exemplo foi a extinção do regime de leilões de câmbio, com a Lei 3244, de 1957, que criou o sistema de tarifa aduaneiras. Um segundo exemplo foi a

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No final dos anos 1950 e início dos anos 1960 os fluxos de capitais ainda não haviam retornado plenamente no mercado financeiro internacional [Obstfeld (1993)]. A “areia nas rodas” dos movimentos internacionais de capitais abria espaço para o uso ainda que limitado da política monetária. Para o Brasil, contudo, esta era uma possibilidade apenas teórica, porque o embrião de Banco Central existente em 1964 – a SUMOC - visava mais o objetivo de oferecer crédito ao setor privado do que fazer política monetária para manter a estabilidade de preços, e em segundo lugar porque ainda que desejasse alterar as taxas de juros ou controlar a quantidade de moeda não poderia fazê-lo, devido à inexistência de instrumentos. A tarefa que se apresentava naquele momento era de construir a instituição encarregada da política monetária, e de criar os instrumentos.

Vejamos primeiramente um pouco da história das instituições encarregadas da política monetária no Brasil. Até 1945 as funções de autoridade monetária eram totalmente exercidas pelo Banco do Brasil, que era um banco comercial20. Em 1945 o Decreto-Lei 7293 criou a SUMOC, que era um órgão dentro do Banco do Brasil, e um embrião de Banco Central. A orientação da política monetária era atribuída ao seu Conselho, que era presidido pelo Ministro da Fazenda, e composto pelos Diretores das carteiras de Câmbio e de Comércio Exterior do Banco do Brasil (a CACEX), além do próprio Diretor Executivo da SUMOC. Posteriormente o Conselho da SUMOC passou a incluir também o Presidente do BNDE, o Superintendente da SUDENE e os Ministros da Indústria e do Comércio, e do Planejamento. A inclusão dos Ministros da Indústria e Comércio e Planejamento, do Presidente do BNDE e do Superintendente da SUDENE, atestam que uma preocupação importante, naquele período, era a de gerar crédito para o financiamento de prioridades constantes do programa do governo, com o controle monetário sendo apenas uma de suas preocupações, que diante de todas as evidências sobre a dominância fiscal era claramente secundária. Este viés político não foi sanado durante muitos anos.

instrução 204 da SUMOC, eliminando os privilégios cambiais às importações de papel de imprensa e trigo. No entanto nichos de não-conversibilidade continuaram a existir ainda por muitos anos. Um exemplo disto eram as limitações à compra de moedas conversíveis em viagens internacionais.

20 Essa configuração institucional vem do período no qual o Brasil esteve no padrão-ouro, no qual o país em

princípio não precisa de um banco central. Existiam dois órgãos dentro do Banco do Brasil. O primeiro era a “Caixa de Mobilização Bancária”, que cuidava da liquidez dos bancos comerciais, funcionando como o emprestador de última instância. O segundo era a “Caixa de Conversão”, encarregada de emitir moeda lastreada na quantidade correspondente de ouro. Embora nominalmente no padrão ouro o Brasil sempre lançou mão em grande escala de emissões de moeda fiduciária, com o regime monetário de fato mais próximo de um sistema fiduciário do que do regime do padrão ouro. Esta “tradição” de emitir moeda fiduciária aliada ao papel do Banco do Brasil no período do padrão ouro fez com que, por “usos e costumes”, aquela instituição adquirisse a função de autoridade monetária.

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O Banco do Brasil, por outro lado, não era um banco comercial comum. Não era submetido aos recolhimentos compulsórios sobre os depósitos do público, e tinha livre acesso à emissão de base monetária para expandir o crédito. Tampouco o Banco do Brasil tinha a característica de autoridade monetária. A reforma proposta no PAEG poderia seguir dois caminhos distintos. Poderia separar totalmente o Banco do Brasil das autoridades monetárias, transformando-o em um banco comercial comum, sujeito aos controles aos quais estão sujeitos os bancos comerciais, e criando um banco central encarregado da política monetária e da supervisão bancária. A segunda alternativa que foi a implantada consistiu em definir o conjunto das autoridades monetárias englobando o Banco do Brasil e o Banco Central do Brasil, persistindo o Banco do Brasil como o agente financeiro das autoridades monetárias e administrando várias políticas setoriais (operações de café, preços mínimos, entre outras, além de como banco comercial oferecer empréstimos ao setor privado) que tinham efeitos sobre a base monetária, porém submetido a um controle orçamentário fiscalizado pelo Banco Central, a partir de tetos fixados pelo Conselho Monetário Nacional.

A SUMOC foi transformada no Banco Central do Brasil, e o seu antigo conselho no Conselho Monetário Nacional. Este passou a ser o órgão deliberativo da política monetária. O instrumento utilizado pelo CMN para determinar o comportamento da oferta monetária era o “orçamento monetário”. Apesar da criação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional, o Tesouro continuou tendo acesso aos empréstimos tomados diretamente no Banco Central. Embora no governo Castelo Branco as autoridades tivessem a ilusão de estar criando um Banco Central independente21, estavam criando uma instituição com uma marca de banco de fomento, com uma marcada atribuição de prover recursos para a produção, o que caracterizava implicitamente a aceitação da “doutrina dos títulos reais”, de que o crédito à produção não seria inflacionário.

A operacionalização da política monetária não se fazia alterando a taxa de juros de curto prazo, como ocorre modernamente, porque simplesmente não existia essa taxa. Somente era possível fazer política monetária controlando a base monetária e os demais agregados monetários, inclusive o crédito bancário. Para esse fim as autoridades teriam que definir qual era a “base monetária” objeto de controle, e o que determinava a magnitude do multiplicador bancário.

21 Dênio Nogueira, o primeiro Presidente do Banco Central tinha um mandato fixo que ultrapassava o governo

Castelo Branco. Campos [(1994)] relata que não conseguiu convencer Costa e Silva da importância de manter um razoável grau de independência do Banco Central.

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Tabela 6

Ativo e Passivo das Autoridades Monetárias

ATIVO

1. Déficit de Caixa do Tesouro Nacional a. Total

b. Financiado por Dívida Pública 2. Operações Cambiais

a. Reservas Internacionais

3. Empréstimos do Banco do Brasil ao Setor Privado a. Carteira de Crédito Geral

b. Crédito Agrícola e Industrial c. Outros

4. Empréstimos a Autarquias 5. Redescontos Exclusive Café

a. de liquidez b. às exportações c. refinanciamentos rurais d. outros redescontos 6. Redesconto a Café 7. Preços Mínimos

8. Compra e Venda de Produtos pela CACEX 9. Suprimentos ao BNDE 10. Conta Café 11. Demais Contas PASSIVO 1. Depósitos de Bancos a. Voluntários b. Compulsórios 2. Depósitos do Público a. Autarquias b. Setor Privado 3. Papel Moeda em Circulação

A base monetária é o passivo monetário líquido das autoridades monetárias retido pelo público, e como no conjunto das autoridades monetárias figurava o Banco do Brasil, a base monetária deveria incluir os depósitos do público no Banco do Brasil [Simonsen e Cysne (1989), Pastore (1973)]. A importância deste fato deriva de que ao passivo monetário corresponde um conjunto de operações ativas – as fontes da expansão monetária -, que são as variáveis sobre as quais as autoridades presumivelmente exercem controle para determinar a trajetória do estoque de moeda. Nesta configuração institucional essas operações ativas incluem, além do déficit público, do redesconto aos bancos comerciais, do estoque de reservas internacionais e das operações de mercado aberto, um conjunto de operações de crédito, começando pelos empréstimos do Banco do Brasil ao setor privado, e

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por outras operações em geral realizadas a taxas de juros subsidiadas. As operações ativas que tipicamente fizeram parte da base monetária durante os três anos do governo Castelo Branco e nos anos subseqüentes, estão na tabela 6.

Quais eram as fontes dominantes da expansão monetária? Em uma primeira aproximação temos que olhar para a base monetária e para o multiplicador monetário. Do lado do passivo das autoridades monetárias a base monetária ampla era definida por

BB p

B M= + +R D onde M é o papel moeda em poder do público, R são as reservas p bancárias, voluntárias e compulsórias, e D são os depósitos do público no Banco do BB

Brasil22. A oferta monetária no conceito de M era definida como 1 M1=Mp+ , onde D

BC BB

D D= +D é o total de depósitos do público nos bancos comerciais (D ) e no Banco BC

do Brasil, e era um múltiplo da base, (4) M1=mB

onde o multiplicador bancário é dado por

(5) 1 (1 )( ) m h h r g = + − + sendo h M= p/ 1M , r R D= / BC, e g D= BB(DBB+DBC).

Relativamente ao multiplicador bancário convencional, quando a autoridade monetária não aceita depósitos do público, há agora um vazamento adicional representado pelos depósitos do público na autoridade monetária. As variações do multiplicador poderiam ter sido uma componente importante das variações de 1M , mas este não foi o caso, com a componente dominante sendo as variações das operações ativas na base monetária. Em 1961 o multiplicador monetário atingiu 1,97, declinando continuamente até o final de 1966, quando chegou a 1,6, e passando a crescer daí em diante, voltando a um pouco acima de 2,0 em 197123. Uma elevação do multiplicador de 1,6 para 2,0 entre 1966 e 1971 impõe um crescimento em M1 de quase 20% em cinco anos, que é extremamente reduzida

22 No cálculo da senhoriagem, na seção anterior, utilizamos um conceito restrito de base monetária, dado por

p

M =M + , tudo se passando “como se” o Banco do Brasil não pertencesse ao conjunto das autoridades R

monetárias.

23

Seu crescimento de 1966 em diante deve-se à queda simultânea de h e da taxa de reservas dos bancos

comerciais, que mais do que compensaram o efeito redutor sobre o multiplicador do aumento dos depósitos do público no Banco do Brasil [Pastore (1973)].

Referências

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