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JOÃO LUIS DREMISKI PROTEÇÃO DAS SEMENTES CRIOULAS INDÍGENAS COMO DIREITO HUMANO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO INTERINSTITUCIONAL PUCPR/UNIOESTE

JOÃO LUIS DREMISKI

PROTEÇÃO DAS SEMENTES CRIOULAS INDÍGENAS COMO DIREITO HUMANO

CURITIBA 2011

(2)

JOÃO LUIS DREMISKI

PROTEÇÃODASSEMENTESCRIOULASINDÍGENASCOMODIREITOHUMANO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Mestrado Interinstitucional PUCPR/UNIOESTE, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Carlos Frederico Marés de Souza Filho.

CURITIBA 2011

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Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

Biblioteca Central Dremiski, João Luis

D772p Proteção das sementes crioulas indígenas como direito humano / João 2011 Luis Dremiski ; orientador: Carlos Frederico Marés de Souza Filho. – 2011.

169 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2011

Bibliografia: f. 153-169

1. Direitos humanos. 2. Diversidade biológica. 3. Agrobiodiversidade. 4. Propriedade intelectual. 5. Sementes. 6. Índios da América do Sul – Brasil. I. Souza Filho, Carlos Frederico Marés de. II. Pontifícia Universidade Católica

do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Universidade Estadual do Oeste do Paraná. IV. Título.

(4)
(5)

À minha mãe, Ana Terezinha (in memorian), exemplo de vida e de luta, que sempre me incentivou. Sua luz ainda brilha em cada um dos meus dias, afinal as mães são eternas. À Adriana e Gabriela.

(6)

AGRADECIMENTOS

Essa dissertação só foi possível graças ao apoio de pessoas especiais e de instituições, que merecem meu profundo reconhecimento e as quais agradeço:

À Deus, por sua imensa bondade para comigo; Aos indígenas Guarani da Tekohá Pinhalzinho;

Aos meus pais, Ana Terezinha (in memorian) e Júlio, que sempre me apoiaram, de maneira incondicional, pelo amor e incentivo ao longo de minha caminhada acadêmica, verdadeiros exemplos de vida;

Ao Professor Carlos Marés, com admiração, por acreditar nesta pesquisa e pela valiosa orientação com que me guiou neste período;

Aos Professores, servidores e mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Direito Mestrado Interinstitucional PUCPR/UNIOESTE pelo conhecimento, aprendizagem, ajuda e convívio saudável;

À equipe do Centro de Referencia em Segurança Alimentar Tembi'u Porã, Adriana, Campitelli, Leonardo, e Dom Mauro Morelli que me autorizou ao afastamento parcial de minhas atividades, sem o qual a realização do mestrado não teria sido possível; Ao Instituto Federal do Paraná, Karina Bonilaure pelo apoio essencial para a conclusão da dissertação;

Ao amigo Roberto Martins de Souza por possibilitar tantas oportunidades, muitas essenciais a realização desse mestrado;

Aos amigos Hayrton, Carlos e Julian pelas palavras de estímulo e incentivo;

Aos amigos Mário e Cleide pela compreensão da ausência saudosa neste período; Aos meus irmãos, que me proporcionaram condições para essa vida acadêmica e meu sonho de obtenção do conhecimento;

A Adriana, meu imensurável amor, companheira sempre presente ao meu lado, que me oferece carinho e bons sentimentos que convergem a minha paz de espírito, necessária a concretização desse sonho. Sem você eu não teria conseguido.

(7)

Esta terra tem dono! Guerreiro Guarani Sepé Tiaraju

(8)

RESUMO

A contribuição histórica e os saberes associados dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos camponeses à biodiversidade estão ameaçados pelo agronegócio. Nesse conflito atual de compreensões de mundo, a proteção das sementes crioulas como direito humano se transforma na resistência emblemática da luta pelo direito à vida e à sua diversidade biológica, cultural, étnica, econômica, política e ideológica. Diante do desenvolvimento da biotecnologia e da regulamentação do direito internacional e nacional para o patenteamento da propriedade intelectual a proteção das sementes crioulas se faz necessária. Nesta dissertação, serão realizadas análises sistemáticas das regulamentações para que as sementes crioulas sejam efetivadas como um direito humano e também um estudo do impacto do agronegócio e das políticas públicas no território e no povo guarani. Através de um levantamento de dados apresenta-se o potencial e as limitações presentes nas práticas produtivas dos Indígenas Guaranis da Tekohá Pinhalzinho em Tomazina no Paraná. No decorrer do estudo avaliam-se questões relativas à institucionalização do direito humano à alimentação no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as implicações da coexistência das sementes transgênicas com as sementes crioulas na sociobiodiversidade brasileira. Aborda-se a proposta de um regime sui generis que eficazmente proteja os conhecimentos tradicionais dos povos e comunidades diante dos direitos de propriedade intelectual. Os resultados das análises revelam que está emergindo uma nova tendência no direito socioambiental, no qual os povos e comunidades tradicionais e o Estado Nacional assumem um papel fundamental no desenvolvimento de processos locais de proteção comunitária das sementes crioulas. Esses processos devem ser adequados às demandas sociais coletivas, as formas diferenciadas de viver e de se relacionar no mundo e com o mundo e não limitados a regulamentar conflitos de cunho individualista e patrimonial.

Palavras-chave: Sementes Crioulas. Biodiversidade. Conhecimentos Tradicionais.

Povos Indígenas. Direito Humano. Sementes Transgênicas. Patentes. Propriedade Intelectual.

(9)

ABSTRACT

The historical contribution and the associated knowledge of indigenous peoples and traditional communities and farmers to biodiversity are threatened by agribusiness. In this current conflict of understandings of the world, the protection of native seeds as a human right in the resistance becomes emblematic of the struggle for the right to life and its biological diversity, cultural, ethnic, economic, political and ideological. Before the development of biotechnology and regulation of international and national law for the patenting of intellectual property protection of native seeds is necessary. In this dissertation, will be conducted systematic reviews of regulations for the native seeds to be effective as a human right and also the impact of agribusiness and public policy in the territory and the Guarani people. Through a field survey shows the potential and limitations present in the production practices of the Guarani Indians in Tekohá Pinhalzinho Tomazina Parana. During the study to evaluate issues relating to the institutionalization of the human right to food in the Brazilian legal system, as well as the implications of the coexistence of genetically modified seeds with sociobiodiversity native seeds in Brazil. Deals with the proposal of a sui generis regime to protect effectively the traditional knowledge of peoples and communities in the face of intellectual property rights. The test results reveal that a new trend is emerging in social and environmental rights, in which the peoples and traditional communities and the nation state play a key role in developing local processes of community protection of native seeds. These processes should be appropriate to collective social demands, the different ways of living and relating in the world and the world and not limited to regulating conflicts of individualistic stamp sheet.

Keywords: native seeds. Biodiversity. Traditional Knowledge. Indigenous Peoples. Human Right. Transgenic seeds. Patent Office. Intellectual Property Rights.

(10)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...17

2. SEMENTES CRIOULAS INDÍGENAS: UM OLHAR A PARTIR DA BACIA DO RIO TIBAGI ... 20

2.1 POVO GUARANI, TERRITÓRIO E CULTURA ...20

2.2 O POVO GUARANI E O ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO ...23

2.3 BACIA DO RIO TIBAGI: O AGRONEGÓCIO NO ESPAÇO DE MOBILIDADE DO GUARANI ...24

2.4 ESTADO, CORPORAÇÕES TRANSNACIONAIS CAPITALISTAS E OS DIREITOS HUMANOS ... 28

2.5 O IMPACTO DO AGRONEGÓCIO NA ALIMENTAÇÃO ... 35

2.6 O IMPACTO DO AGRONEGÓCIO NA CULTURA ... 37

2.7 A PROTEÇÃO COMUNITÁRIA DA AGRICULTURA INDÍGENA ... 39

2.7.1 Diagnóstico da Sociobiodiversidade ...42

2.7.2 Sociobiodiversidade dos Indígenas Guaranis Nhandeva de Pinhalzinho ...43

2.7.3 Conflitos Socioambientais e a Sociobiodiversidade Local ...45

2.7.4 Análise dos Dados Coletados ... 52

2.7.5 Importância na renda/ importância sociocultural ...53

2.7.6 A localização dos produtos e a situação atual ...54

2.7.7 Potencialidades e Limites ...54

2.8 PROTEÇÃO COMUNITÁRIA DAS SEMENTES CRIOULAS INDÍGENAS ...57

3. AMEAÇA AOS POVOS: REGULAÇÃO E ACESSO AOS RECURSOS DA BIODIVERSIDADE ...59

3.1 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA...61

3.1.1 Consentimento Prévio...69

3.1.2 Contrato de Repartição de Benefícios...70

3.2 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ...77

3.3 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL ...80

3.3.1 Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual para o Comércio – Trips ...81

3.4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO ...85

(11)

3.4.1 Tratado Internacional Sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e

Agricultura ...87

3.5 ESTATUTO DO INDIO...89

3.6 CONSTITUIÇÃO FEDERATIVA DA REPUBLICA BRASILEIRA ...91

3.6.1 Lei da Biossegurança ...94

3.6.2 Lei de Patentes ...96

3.6.3 Código Florestal Brasileiro ...99

3.6.4 Lei de Cultivares ...102

3.6.5 Sistema Nacional de Sementes e Mudas ...103

3.6.6 Sistema Nacional de Unidades de Conservação ...104

3.6.7 Lei da Ação Civil Pública ...106

4. A BIODIVERSIDADE TRATADA COMO DIREITO HUMANO ...110

4.1 O QUE SÃO OS DIREITOS HUMANOS ...112

4.2 O DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ...114

4.3 MARCO JURÍDICO INTERNACIONAL NA DEFESA DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA ...117

4.3.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ...117

4.3.2 A Carta das Nações Unidas ...118

4.3.3 O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) ...119

4.3.4 As Diretrizes Voluntárias da FAO/ONU ...120

4.4 MARCO JURÍDICO-POLÍTICO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA NO BRASIL ...121

4.4.1 O DHAA na Constituição Federal de 1988 ...121

4.4.2 Lei Orgânica de Segurança Alimentar ...122

4.4.3 Emenda Constitucional Nº 64 ...124

4.5 CONVENCAO OIT 169 ...124

4.6 UNESCO E A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS BENS CULTURAIS ...133

4.7 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS ...135

4.8 INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARQUEOLÓGICO NACIONAL ...136

4.8.1 Patrimônio Imaterial ...137

4.8.2 Plano de Salvaguarda ...139

(12)

4.8.4 Tombamento ...142

4.9 COMISSÃO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS ...143

4.10 POLÍTICA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS ...144

4.11 SISTEMA SUI GENERIS DE PROTEÇAO DA BIODIVERSIDADE ...145

5. CONCLUSÃO ...148

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...153

(13)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Terras Indígenas no Paraná ...21

Figura 2 Evolução do Desmatamento no Estado do Paraná desde a colonização até a década de 1980... 30

Figura 3 Localização da Tekohá Pinhalzinho – Tomazina – PR... 44

Figura 4 Artesanato Indígena Guarani ... 47

Figura 5 Oficina para levantamento dos recursos da sociobiodiversidade ...48

Figura 6 Feira de Sementes Crioulas Indígenas na Tekohá Pinhalzinho ...57

LISTA DE TABELAS Tabela 1 Cobertura Florestal no Estado do Paraná, de 1.500 a 1995 ... 30

Tabela 2 Produtos da sociobiodiversidade Guarani Nhandeva Pinhalzinho ... 49

(14)

LISTA DE ABREVIATURAS E DE SIGLAS

ACP – Ação Civil Pública ALC - América Latina e Caribe

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária APP – Área de Preservação Permanente

ARPIN Sul - Articulação dos Povos Indígenas do Sul do Brasil CCJ - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CDB - Convenção sobre Diversidade Biológica CF – Constituição Federal

CGEN - Conselho de Gestão do Patrimônio Genético

CIMAS - Centros Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CNBS - Conselho Nacional de Biossegurança

CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

CONSEA – Conselho Nacional de Segurança Alimentar CSA - Comitê de Segurança Alimentar Mundial

CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança DHAA - Direito Humano à Alimentação Adequada

DL – Decreto Lei

FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNAI – Fundação Nacional do Índio FUNASA – Fundação Nacional de Saúde

GATT - Acordo geral sobre tarifas aduaneiras e comércio GTIG - Grupo de Trabalho Intergovernamental

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICSU - Conselho Internacional para a Ciência

IGC - Comitê Intergovernamental em Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos, Conhecimento Tradicional e Folclores

INPI - Instituto Nacional da Propriedade Intelectual

IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico Nacional

(15)

ITCG - Instituto de Terras, Cartografias e Geociência LOSAN - Lei Orgânica de Segurança Alimentar

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MP - Medida Provisória

OGM‟s - organismos geneticamente modificados OIT - Organização Internacional do Trabalho OMC - Organização Mundial do Comércio

OMPI - Organização Mundial da Propriedade Intelectual OMS – Organização Mundial da Saúde

ONG´s - Organizações Não-Governamentais ONU - Organização das Nações Unidas OSC´s - Organizações da Sociedade Civil PEC - Proposta de Emenda Constitucional

PIDESC - Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais PNPI - Programa Nacional do Patrimônio Imaterial

RDC - Resolução da Diretoria Colegiada

RENASEM - Registro Nacional de Sementes e Mudas RNC - Registro Nacional de Cultivares

SISAN - Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SNIC - Sistema Nacional de Informações Culturais

SNPC - Sistema Nacional de Proteção de Cultivares SNSM - Sistema Nacional de Sementes e Mudas

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação SPI – Serviço de Proteção ao Índio

STF – Supremo Tribunal Federal TI - Terras Indígenas

TRIP‟S - Acordo sobre aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio

UC's – Unidades de Conservação

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UPOV - Convenção Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais

(16)
(17)

1 INTRODUÇÃO

O agronegócio alicerçado na onda neoliberal vem sufocando os povos indígenas, as comunidades tradicionais, a agricultura familiar e o campesinato, procurando dominar, através de uma minoria de grandes corporações, o controle sobre todas as formas de manifestação da vida. A partir do estabelecimento das normas legais internacionais e nacionais para o patenteamento da propriedade intelectual as sementes tornaram-se um negócio. As sementes são o primeiro elo da corrente alimentar. Quem controla as sementes vai controlar a disponibilidade de alimentos.

Muitas pessoas, povos e sociedades de diversas partes do mundo são impactadas pelos interesses privados das grandes corporações capitalistas no desenvolvimento da ciência, da tecnologia e na regulamentação do direito. Há muito tempo, a direção desse processo de geração de conhecimentos e de técnicas, de regulamentação das normas jurídicas deixou de ser somente função do Estado. A esperada neutralidade política e social do Estado é cada vez mais influenciada pelo neoliberalismo e por grandes empresas capitalistas transnacionais. Percebe-se isso pela intensa tentativa de privatização do Estado e as diversas formas de globalização.

No Brasil e no mundo o agronegócio promove o esquecimento e a invisibilidade do campesinato e dos povos indígenas, rejeitando, não apenas as suas culturas, mas com elas também os meios de produção utilizados, como os saberes populares e as sementes crioulas. Territórios tradicionais que foram estabelecidos em equilíbrio com a natureza e vivenciados por inúmeras gerações durante séculos, agora são substituídos por confinamento desse povo em reservas indígenas ou mesmo em acampamentos de beira de estrada à espera da demarcação de suas novas terras pelo governo.

Nesse conflito atual de compreensões de mundo, a proteção das sementes crioulas como direito humano se transforma na resistência emblemática da luta pelo direito à vida e à sua diversidade.

A contribuição histórica dos indígenas e camponeses à biodiversidade está sendo ameaçada, e sua soberania alimentar será violada quando estes forem

(18)

forçados a pagar royalties sobre os recursos que lhes são roubados e por mecanismos que tornarão estéreis as sementes.

Ao defender os direitos dos povos indígenas, comunidades tradicionais, agricultores familiares e dos camponeses guardarem e trocarem as sementes crioulas e ao criticar todas as formas e meios de patenteamento da vida constrói-se uma barreira política e ideológica pluralista. Essa para deter essa ofensiva neoliberal, que tenta monopolizar e transformar todas as formas de vida em negócio.

Esta dissertação tem por finalidade demonstrar se proteção as sementes crioulas constituem-se de um direito humano. Serão analisadas através de um longo caminho as normativas e as regulamentações para que a proteção das sementes crioulas sejam efetivadas como um direito, uma vez que, na prática, as sementes são mais consideradas uma mercadoria, uma commodity.

Escrever sobre as sementes crioulas é uma iniciativa entre tantas outras que afloram em todo o mundo em defesa da vida e da diversidade biológica, cultural, étnica, econômica, política e ideológica. Porque é indispensável ampliar o conhecimento para as pessoas e as organizações que estão convivendo com esses desafios.

Esta dissertação está dividida em três capítulos. No Capitulo I – Um Olhar a partir da Bacia do Rio Tibagi – foi construída uma reflexão sobre o povo guarani, destacando sua cultura e territorialidade. Analisa as violações ao direito humano e o impacto do modelo de desenvolvimento e das políticas públicas baseadas no agronegócio no território e no povo guarani. Através de um levantamento apresenta-se o potencial e as limitações preapresenta-sentes nas práticas produtivas dos Indígenas Guaranis da Tekohá Pinhalzinho em Tomazina no Paraná.

No Capitulo II - Ameaça aos Povos: A Regulação e Acesso aos Recursos da Biodiversidade - A abordagem fornece uma análise sobre os instrumentos jurídicos internacionais e nacionais que regulamentam o acesso ao patrimônio genético e propriedade intelectual, detendo-se na questão de compatibilizar o sistema de patentes com o conhecimento tradicional desses povos. O estudo analisa como os direitos de propriedade intelectual, que beneficiam amplamente as indústrias dos países desenvolvidos, podem agir em conformidade com os princípios da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e da OMC para a proteção aos conhecimentos tradicionais. São apresentados mecanismos de repartição de

(19)

benefícios e certificação de consentimento dos povos. Observa-se o descompasso entre este instituto e o objeto que ora se pretende tutelar. No decorrer do trabalho, o objetivo também é avaliar a coexistência das sementes transgênicas com as sementes crioulas e as implicações que a adoção desta nova tecnologia terá na vida e na cultura dos povos indígenas, das populações tradicionais de agricultores e camponeses.

No Capítulo III - A Biodiversidade Tratada como Direito Humano - Esboçará um panorama dos principais instrumentos normativos que tratam do assunto e das mais importantes conclusões de fóruns e convenções internacionais que abordam o tema, apontando a posição de cada um sobre a forma ideal de salvaguardar os conhecimentos tradicionais. O presente capítulo abordará a institucionalização do Direito Humano à Alimentação no ordenamento jurídico brasileiro. O capítulo em questão se propõe a avaliar a ideal forma de proteção aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, o sistema sui generis, proposta de regime que eficazmente proteja os direitos de povos e comunidades tradicionais.

(20)

2 SEMENTES CRIOULAS INDÍGENAS: UM OLHAR A PARTIR DA BACIA DO RIO TIBAGI

2.1 POVO GUARANI, TERRITÓRIO E CULTURA

O povo Guarani, “também denominado Awá (termo que, em português, significa gente) é parte do grande tronco linguístico Tupi, e pertencente à família Guarani”1

. O território Guarani, está concentrado principalmente na Bacia do Prata2, e se estende sobre “grande parte do Brasil, principalmente no sul, ao norte da Argentina, oeste da Bolívia e em todo o Paraguai. Há mais de quatro milhões de falantes de guarani e, no Paraguai, tornou-se uma das línguas oficiais”3

.

“Embora este povo possua vínculos ancestrais com um amplo território, eles vivem, em grande maioria, em pequenas porções de terra, com áreas que variam entre 5 e 500 hectares.”4

Viver em pequenas porções de terra não é adequado a um povo para quem a terra é fonte de vida, é lugar onde se restabelecem elos entre eles e seus ancestrais, onde se celebra a vida e onde se organiza o viver e o modo de ser guarani.

A marca distinta do povo guarani é a sua mobilidade, o que colabora para a produção de saberes, para a circulação maior de bens, de sementes, de ervas medicinais. Neste perambular constante, o guarani vai incorporando elementos de distintas regiões e culturas aos seus modos de viver, e vão também restabelecendo laços de parentesco, de colaboração, de partilha, aspectos fundamentais para a cultura e para a tradição deste povo.

1

BONIN, Iara Tatiana; LIEBGOTT, Roberto Antonio. O contínuo caminhar guarani. IHU ON-LINE: Revista do Instituto Humanitas Unisinos, Ano X, Ed. 331, São Leopoldo, p. 9, 31.05.2010.

Entrevista concedida a Patrícia Fachin. Disponível em:

http://www.ihu.unisinos.br/uploads/publicacoes/edicoes/1276605085.2758pdf.pdf. Acesso em 30 de setembro de 2011.

2

A Bacia do Prata é uma das maiores do mundo, com uma superfície de 3.100.000 Km2, que se estende pelos territórios da Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, formada por três grandes unidades hidrográficas com nascentes em território brasileiro, que são: Rios Paraná, Paraguai e Uruguai.

3

(21)

Fonte: Funai, 2011.

Figura 7 Terras Indígenas no Paraná.

Outros aspectos são importantes destacar na cultura guarani. Um deles diz respeito à dimensão sagrada, que está presente no cotidiano da vida destes grupos. Assim, as ações habituais são marcadas por certa ritualidade, as razões para algumas práticas e condutas são de ordem material e também espiritual.

Em uma comunidade guarani é indispensável à existência de uma casa de reza, a opÿ5. Nela se realizam os rituais mais importantes, se estabelecem as condições para se ter saúde, se realizam os processos de nomeação e de cura. Também nos rituais se observa o uso do bastão de taquara – o taquapy – da flauta, do violão, da rabeca, do maracá, que são alguns dos instrumentos que elevam o canto e dão força comunicativa aos rituais. Tudo isso é parte indispensável para o “bem viver”6

, na concepção Guarani.

5

A casa de reza (opÿ) é um espaço onde os não-índios (juruá) não podem ter acesso, pois, segundo os Guarani, poderia ser rompida a ligação do karaí com os espíritos e seus deuses. SOARES, Mariana de Andrade; TRINDADE, Luis Alberto. Um novo olhar sobre a Ater indígena

no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EMATER/RS-ASCAR, 2008. p. 38. (Realidade Rural, 50).

Disponível em: http://www.mda.gov.br/o/2134994. Acesso em 30 de setembro de 2011.

6

Para entender o que implica o Bem Viver, não se pode simplesmente associar ao conceito de "bem-estar ocidental". Seguindo esta abordagem holística, para propiciar o Bem Viver, os bens materiais

(22)

Segundo Bartolomeu Meliá7 o povo guarani é “o povo da palavra”, e a prática de escutar e de falar configura sua organização social, política, religiosa. “Observa-se, assim, que a palavra é um componente central no dia-a-dia do guarani e ela se converte em conselhos e ensinamentos (dos pais para os filhos, dos anciãos – karaí – para os jovens, e assim por diante)8”.

O guarani possui vínculo com um território geográfico amplo, não mais contínuo como no passado, que é compartilhado por diferentes sociedades e no qual eles se mantém perambulando, estabelecendo intercâmbios, formando aldeias em locais estratégicos, constituindo referenciais simbólicos e práticos.

De acordo com Bartolomeu Meliá9, “um tekohá não é um lugar qualquer, e sim um espaço assim identificado com a intervenção dos espíritos, que orientam o olhar do xamã10 (o Karaí)”. Neste lugar é que se dão as condições para que se realize o modo de ser guarani, e ele deve apresentar uma série de características que envolvem aspectos ambientais, sociais e sobrenaturais. Em geral, um tekohá11 deve ter água e matas, campos, animais, ervas, espaço para plantar e cultivar alimentos (o milho, a mandioca, batata doce, amendoim, feijão, melancia, abóbora).

Para Ladeira:

"As aldeias e os movimentos atuais vêm comprovar que, embora a disponibilidade de terras lhes seja irrisória e cada vez seu espaço no seu mundo esteja diminuindo, os Guarani continuam fiéis na identificação de seu território, elegendo seus lugares dentro dos mesmos limites geográficos observados pelos cronistas durante a

conquista.”12

e a propriedade, não são os únicos determinantes. Há outros valores em jogo como o conhecimento, o reconhecimento social e cultural, os códigos de conduta ética e até mesmo espiritual na relação com a sociedade e a natureza, a visão de futuro, entre outros.

7

MELIÁ, S. J. B. A. Terra Sem Mal dos Guarani. In: Revista de Antropologia, vol. 33. Publicação do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Universidade de São Paulo, 1990. p. 33 – 34.

8

BONIN; LIEBGOTT, Id. p. 11.

9 MELIÁ, id. p. 33 – 34. 10

O Xamâ é um líder da psicologia e da emoção do seu povo. Ele é formado por inspirações e revelações durante sonhos. Sua comunicação com o sobrenatural acontece com o movimento da dança.

11

Tekohá e o local escolhido pelo Guarani para que se realize o seu modo de ser porque apresenta uma série de características que envolvem aspectos ambientais, sociais e sobrenaturais.

12

(23)

Sobre o papel que as atividades agrícolas cumprem na sociedade guarani, Ladeira (2001) explica:

Nhanhoty (vamos plantar). Com esta expressão, os índios Guarani referem-se ao ato coletivo de reproduzir os ciclos anuais da vida social, do trabalho, da organização dos espaços na aldeia e da permanência da família no lugar. Se a prática sistemática da agricultura não é a única condição definidora da identidade Guarani, ela é o eixo estruturante da sociedade e envolve outras esferas da

vida coletiva, sociais, simbólicas e rituais.13

2.2 O POVO GUARANI E O ATUAL MODELO DE DESENVOLVIMENTO

Os indígenas Guaranis geográfica e politicamente não estão no „centro‟ do Brasil. Não fazem parte da estratégia do Brasil moderno que prioriza os interesses econômicos de alguns grupos em detrimento da vida dos povos indígenas que, por serem os primeiros moradores dessas terras, representam um empecilho.

O Paraná é conhecido como um espaço de convivência e convergência entre diversos grupos, costumes, povos com exemplos privilegiados de interação intercultural e interétnica, mas tem como base econômica o agronegócio moderno, de larga escala, intensivo em tecnologia e concentrador de terra e poder.

Eles não são contrários ao progresso e ao desenvolvimento, apenas tem outra concepção de desenvolvimento menos depredadora dos recursos naturais e assentada sobre outra cosmovisão, razão pela qual conflitam com o modelo de produção e de desenvolvimento dominante, baseado na grande propriedade, na monocultura e na exploração predatória dos recursos naturais e humanos.

Analisando essa perspectiva global, onde um novo cenário é definido nos moldes dos processos de globalização (econômico, cultural, social, institucional e

13

LADEIRA, Maria Inês Martins. Espaço geográfico Guarani-MBYA: significado, constituição e

uso. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade

(24)

tantas outras facetas que possa atingir), Guimarães14 atenta para o fato de que o problema imposto não é a existência mais que evidente de tendências que buscam se inserir na economia globalizada, e sim que tipo de inserção é desejado pelos povos, considerando o aspecto do crescimento em bases nacionais e da conservação da identidade cultural, da coesão social e da integridade ambiental de seus territórios.

Para Guimarães15, um dos principais desafios das políticas públicas diz respeito justamente à necessidade de territorializar a sustentabilidade ambiental e social do desenvolvimento – o “pensar globalmente, mas atuar localmente” – e, ao mesmo tempo, dar sustentabilidade ao desenvolvimento do território, ou seja, fazer com que as atividades produtivas contribuam efetivamente para o aperfeiçoamento das condições de vida da população e protejam o patrimônio biogenético a ser transmitido às gerações futuras.

Segundo Almeida16 a etnicidade se expressa pelas estratégias de manutenção do território, incluindo-se a defesa dos recursos naturais imprescindíveis para a reprodução física e social e que está ameaçada por empresas e indivíduos estranhos ao grupo que provocam obstáculos ao acesso aos recursos naturais e prenunciam uma desestruturação das comunidades e deste sistema de uso comum.

2.3 BACIA DO RIO TIBAGI: O AGRONEGÓCIO NO ESPAÇO DE MOBILIDADE DO GUARANI

Os relatos históricos desde a implementação dos aldeamentos ao longo das bacias do Tibagi e Paranapanema apontam para a característica multicultural do

14

GUIMARÃES, Roberto P. A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de

desenvolvimento. in: VIANA, Gilney. et al. O desafio da sustentabilidade: um debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001. Cap. I, p. 43-71.

15

GUIMARÃES, Id.

16

ALMEIDA, A. W. B. Terras de Quilombos, Terras Indígenas, Babaçuais Livres, Castanhais do Povo, Faxinais e Fundos de Pasto: Terras Tradicionalmente Ocupadas. Coleção “Tradição e

(25)

contexto regional. Segundo Lucio Tadeu Mota17 estudos arqueológicos e linguísticos apontam para a presença de populações Guarani, que subiram o Paranapanema desde sua foz vindos das bacias dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai há dois mil anos.

Góes, defende que existem vínculos sociais e simbólicos entre as famílias indígenas habitantes das Terras Indígenas (TI) na bacia do Rio Tibagi, a ponto de se tornar pertinente a afirmação da existência de uma territorialidade indígena interétnica formadas pelas TI São Jerônimo em São Jerônimo da Serra; Laranjinha e Ywy Porã/ Posto Velho – Santa Amélia e Pinhalzinho – Tomazina18. Tais relações são constituintes de uma “unidade sociológica e cultural ampla, interligada por redes de parentesco e alianças políticas, jurídicas e econômicas, simbólicas, ritualísticas entre outras”19

.

A bacia do Tibagi, com a exuberante riqueza de seus ecossistemas, recebeu o impacto dos processos migratórios de colonos policultores de base familiar provindos dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina no que, consensualmente, era chamada de frente sulista.

Tais movimentos estavam vinculados à política de marcha para uma colonização sistemática e efetiva dos territórios guarani que se iniciou no Estado Novo, com intuito de “povoar” espaços supostamente “vazios” demograficamente. Esses processos se ligaram a outros que envolvem a apropriação de territórios e a consequente desterritorialização20 daqueles que ali já se encontravam: indígenas e caboclos, tornados invisíveis no imaginário social hegemônico da região21.

Este fato serviu de elemento delineador de uma política de ocupação e colonização do Paraná. A forma como estes colonos se organizaram para produzir, a estrutura de suas propriedades e as cidades que surgiram dos assentamentos,

17

MOTA, Lúcio Tadeu. 2005. Relações interculturais na bacia dos rios Paranapanema/Tibagi no

século XIX. ANPUH 2005 - Simpósio Temático Guerras e Alianças na História dos Índios:

Perspectivas Interdisciplinares. Disponível em: www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/LTMota.pdf. Acesso em 23 de setembro de 2011.

18

GÓES, Paulo Roberto Homem. 2010. Relatório Antropológico n. 01/2010. Curitiba- PR

19

RAMOS, Luciana. Nota Técnica nº 06-Parecer/2005. Disponível em:

http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/recomendacao-docs/recomendacao_prm_londrina_01_2005.pdf. Acesso em 23 de setembro de 2011.

20

HAESBARTH, Rogério. Des-territorialização e identidade a rede “gaúcha” no Nordeste. EDUFF: Niterói, 1997.

21

RIBEIRO, S.I.G. Índios e brancos no Oeste do Paraná: Fronteira e fricção interétnica. Revista Tempos históricos, v. 02, Nº 01 pg. 93-116. M.C. Rondon, Mar/2000.

(26)

traçaram o perfil do que é a Bacia do Tibagi na atualidade e seus municípios mais dinâmicos.

“O controle institucional e expropriação dos territórios indígenas, processo de „institucionalização da dependência‟ “22

foi política implementada deliberadamente pelo estado. Os continuados esforços empregados pelo Império ao longo da história dos aldeamentos e das políticas indigenistas de estado do Serviço de Proteção ao Índio e Fundação Nacional do Índio sempre se voltaram no sentido de promover a sedentarização destes povos indígenas, algo que gerou as delimitações territoriais atuais. Estas instituições também impuseram um modelo de agricultura, trabalho e desenvolvimento totalmente avesso ao modo de ser indígena, baseado na política vigente de integrar os índios à sociedade envolvente.

Em 1920, o número de posseiros em terras indígenas na Área de São Jerônimo era de 400 famílias. Além desses, haviam os colonos instalados desde o século XIX com a autorização de Frei Cimitile23, que foi diretor do aldeamento.24

Na década de 40, o governo do Paraná e o Ministério da Agricultura resolveram fazer um acordo, para reduzir a área dos territórios indígenas. Em 1949, o Tribunal de Contas da União aprovou um Acordo inconstitucional entre a União e o Estado do Paraná, que reduziu as Áreas de terras dos índios Guarani e Kaingang, localizadas no sul do Brasil. 25

O período entre 1930 e o final da década de 1970 foi marcado pela submissão das lideranças ao órgão indigenista, como demonstra Tommasino26, e pela chegada intensa de posseiros nas áreas e pelo desmatamento intensivo da região.

22

CID FERNANDES, Ricardo. 2005. 15 e o 23: Políticas de Índios e Políticas de Brancos. In: Relatório do Projeto de Gestão Ambiental da TI IVAI FNMA/UEM (org.) Lucio Tadeu Mota.

23

Capuchinho italiano, Frei Luiz de Cimitile, atuou como missionário e Diretor do Aldeamento de São Jerônimo, no norte paranaense, nas décadas de 1860 e 1870.

24

HELM, Cecília M Vieira. Estratégias indígenas face a implantação de barragens em seus

territórios estudo dos Kaingang e Guarani da Bacia do Rio Tibagi. In CONGRESSO

ARGENTINO DE ANTROPOLOGIA SOCIAL - Universidade Nacional de La Plata La Plata. 1997. Disponível em: http://www.naya.org.ar/congresos/contenido/laplata/LP3/30.htm. Acesso em 24 de setembro de 2011.

25

HELM, id.

26

TOMMASINO, Kimiye. A história dos Kaingang da Bacia do Tibagi: Uma Sociedade Jê

(27)

Simultâneo ao processo de desterritorialização e desmobilização política dos indígenas, ocorre a chegada crescente de posseiros. Em 1976 eram nada menos do que 221 famílias de posseiros no Posto Indígena Barão de Antonina, das quais 60% havia ingresso na área indígena a menos de cinco anos.27

A ocupação da região se deu pela agropecuária, por suas características geográficas e morfológicas dos solos, terras férteis e „virgens‟ conta com a abundância de cursos d‟água, situadas em relevo ondulados e cobertas por matas subtropicais, permite uma exploração mais intensiva em algumas áreas. Isso melhora a sua posição relativa na produção de commodities e a territorialização do agronegócio, ocorreu à medida que segmentos da sua complexa articulação de capitais se apropriaram dos espaços.

Essa apropriação incluiu a propriedade da terra, mas também se pode citar a instalação de segmentos industriais como a maior indústria de papel e celulose do país, fábricas de fertilizantes e de máquinas agrícolas. No segmento de serviços há empresas de comercialização e armazenamento de grãos, de assistência técnica, de transporte, revenda de insumos, crédito. No segmento da educação existem as universidades privadas e públicas com vários cursos voltados ao agronegócio e o setor de produção agropecuária.

Na memória oficial, observa-se a heroicização28 do „pioneiro‟ em uma identidade formada por „gente que faz‟, anulando-se a possibilidade de evidenciar outros atores que não compartilham dessa „identidade‟ regional. Além dos posseiros, os indígenas são „outros‟ que não são lembrados, mas sim silenciados nas versões oficiais da história e do imaginário social hegemônico. Apesar de ali estar anteriormente, o povo Guarani é visto como „intruso‟ e obstáculo a ser removido pelos colonizadores para a instalação dos colonos. 29

Toda essa territorialização do agronegócio causou profundos problemas sociais na região, muitos conflitos agrários, acampamentos, ocupações, despejos, desapropriações, prisões e assassinatos. Os impactos gerados pelo agronegócio poderão, desta forma, atingir as famílias indígenas e sua mobilidade territorial, via de

27

TOMMASINO, id. p. 183.

28

Heroicização é o ato ou efeito de tornar heróico ou de transformar algo ou alguém em herói.

29

RIBEIRO, S.I.G. Índios e brancos no Oeste do Paraná: Fronteira e fricção interétnica. Revista Tempos Históricos, v. 02, Nº 01 pg. 93-116. M.C. Rondon, Mar/2000. p. 96.

(28)

regra, a partir das relações de parentesco que determinada família possui com habitantes de outras áreas.

Novas identidades entraram em cena na reconfiguração desse cenário conflituoso e heterogêneo. De um contingente de expropriados ou com pouca terra, emergem ações coletivas em torno do direito à terra que levam a emergência de novas identidades rurais, como a dos sem-terra, assentados, ribeirinhos, faxinalenses, cipozeiros, pescadores e ilhéus do Rio Paraná.

2.4 ESTADO, CORPORAÇÕES TRANSNACIONAIS CAPITALISTAS E OS DIREITOS HUMANOS

As empresas transnacionais têm incrível poder econômico, grande poder político e estrutural. Respaldadas por Estados e pelas organizações internacionais multilaterais na busca pela maximização dos lucros e minimização dos prejuízos, atuam por meio de coerção física e moral, cooptação e indução. Elas podem ser apontadas, ao lado dos Estados nacionais, seguramente, como os principais entes violadores de Direitos Humanos no mundo, verdadeiros obstáculos na luta social30.

Na medida em que o agronegócio se desenvolve, a ocupação e o uso desse território são sempre acompanhados de muitos impactos negativos no meio ambiente, na economia, na distribuição demográfica, na divisão do trabalho, no jogo de interesses políticos, enfim nas relações sociais e na garantia dos direitos fundamentais.

Nesse sentido, mas a favor do agronegócio varias ações governamentais e das transnacionais estão em discussão para o desenvolvimento de programas de desenvolvimento rural no Mercado Comum do Sul. O objetivo é potencializar a capacidade produtiva, estabelecer novas formas de complementação produtiva e elaborar estratégias conjuntas de comercialização e produção.

Com o agronegócio sem barreiras e fronteiras regionais ou nacionais, operando um processo de desterritorialização, ou seja, abandono do território ou a

(29)

supressão das fronteiras material e simbólica aparece à possibilidade de integração do Paraná com a região nordeste da Argentina, Sudeste do Paraguai, cujo eixo produtivo em muito se aproxima das atividades agropecuárias paranaense. Essa integração ganha força com a defesa dos interesses do agronegócio, junto aos centros de decisão do Mercosul, como a queda total das barreiras alfandegárias, a melhoria na estrutura dos transportes, principalmente no tocante a implementação da hidrovia, aumento da capacidade de escoamento dos ramais ferroviários e rodoviários na Região.

Em todas as regiões do país e aqui também, na bacia do Tibagi, o Estado discursava, projetava, intervinha, se fazia presente pela sua ação tecnocrática, criando órgãos, funções para que houvessem ações gerenciadas pelo poder constituído no sentido de fazer das novas áreas coloniais um espaço produtivo. Foram os investimentos públicos, que deram suporte à expansão territorial do agronegócio. Nesse caso a palavra suporte tem sentido lato uma vez que é o Estado que realiza as principais obras na infraestrutura de transportes (rodoviário, aeroportuário, ferroviário e portuário), de energia, de crédito para as grandes cooperativas, entre outras que vão moldando os espaços conforme as demandas do capital.

Segundo dados do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento31, o Plano Agrícola e Pecuário32 2011/2012 é de 107 bilhões de reais para o agronegócio e 16 bilhões para a agricultura familiar. Falhas de controle dos próprios bancos e órgãos ambientais possibilitam que parte do crédito rural estimule o desmatamento ou práticas agrícolas e pecuárias agressivas ao meio ambiente e os povos tradicionais33, apesar de as regras proibirem o crédito para a tais atividades. O

31

BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano Agrícola e Pecuário 2011-2012 / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Secretaria de Política Agrícola. – Brasília : Mapa/SPA, 2011. 92 p. Disponível em:

http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Ministerio/Plano%20Agr%C3%ADcola%20e%20Pecu %C3%A1rio/Plano_Agricola2011-2012%20-%20ATUALIZADO.pdf. Acesso em 30 de setembro de 2011.

32

Programa que destina recursos para financiamento de operações de custeio, investimento, comercialização, subvenção ao prêmio de seguro rural e apoio à utilização de práticas agronômicas sustentáveis.

33 “Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem

como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.” BRASIL. Decreto Nº 6.040, de 7 de Fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de

(30)

crédito rural tem de estimular modelos sustentáveis de produção no campo e fortalecer o uso sustentável das florestas.

Nos ecossistemas paranaenses, às agressões aos solos, vegetação, hidrografia, clima são inegáveis, pois, o agronegócio sobrevive de uma monstruosa ação de retirada de cobertura vegetal de matas nativas. No Paraná, o desmatamento foi sendo intensificado simultaneamente ao processo de expansão da fronteira agrícola. A interiorização ocorreu rapidamente a partir da década de 1950, com a adoção de um modelo agrícola que pressupõe a retirada quase que completa da cobertura vegetal nativa.

Fonte: Instituto de Terras, Cartografias e Geociência – ITCG/PR.

Figura 8 Evolução do Desmatamento no Estado do Paraná desde a colonização até a década de 1980.

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Decreto/D6040.htm. Acesso em 30 de ANO COBERTURA FLORESTAL (ha) PERCENTUAL (%) 1500 17.000.000 85,00 1895 16.782.400 83,41 1930 12.902.400 64,13 1937 11.802.400 59,60

(31)

Fonte: Instituto Ambiental do Paraná – IAP.

Tabela 4 Cobertura Florestal no Estado do Paraná, de 1.500 a 1995.

De acordo com Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social - IPARDES “de 1980 para 2008, a perda foi de 3,5%. O índice mínimo de cobertura vegetal para se garantir a sobrevivência da biodiversidade é de 10%.” 34

Deve-se ressaltar, entretanto, que a floresta densa paranaense só existe agora onde sua exploração não é economicamente viável.

As principais causas do desmatamento no Paraná foram num primeiro momento, os aproveitamentos extrativo-comerciais da erva-mate e da madeira, para a exportação, seguido da implantação de uma nova agricultura – intensiva no uso de insumos químicos, incluindo-se aí os agrotóxicos e transgênicos nos últimos anos. Consequentemente, a expansão da cultura cafeeira no Norte do Estado e mais tarde, a da cultura da soja, no Oeste, estão entre os principais fatores do rápido desaparecimento das nossas florestas.

As comunidades tradicionais assistiram suas fronteiras e seus recursos naturais diminuírem com o avanço do agronegócio sobre seus territórios, sendo que a agricultura não é a grande vilã do assoreamento dos rios, e sim o desmatamento. Surge então um questionamento: Após o desmatamento qual a atividade que passou ser praticada nesses locais? A resposta imediata é a soja. Além da contribuição muito significativa na parcela de destruição do meio ambiente, o agronegócio praticado de forma violenta como vem sendo passa ser visto pela própria comunidade como uma atividade econômica mais prejudicial que positiva.

Quando se analisa a contaminação das nascentes, dos rios e dos aquíferos percebe-se que seu destino final são os centros urbanos, os lançamentos de

34

IPARDES. Paraná estabiliza perda de mata nativa e avança em gestão ambiental. 2010. Disponível em: http://www.ipardes.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=249. Acesso em 24 de setembro de 2011. 1950 7.983.400 39,68 1955 6.913.600 34,90 1960 5.563.600 28,10 1965 4.813.600 23,92 1980 3.413.447 16,97 1990 1.848.475 9,19 1994 1.712.814 8,60 1995 1.769.449 8,79

(32)

agrotóxicos para combater as pragas sempre acabam atingindo esses mananciais, ou seja, em função dessas toxinas o consumidor não tem a certeza que está totalmente livre de contaminação.

Conforme relatório do IPARDES35, de maio/2010, a região da Bacia Paraná III36 que abrange a Tríplice Fronteira é a que mais utiliza os venenos agrícolas. Esses dados refletem um dos impactos do agronegócio, modelo tecnológico baseado em biotecnologia, alimentos transgênicos, insumos sintéticos, mecanização, destruição e mercantilização da terra, floresta, água, alimentos, sementes e comunidades. Tudo isso vem como uma ofensiva violenta, forte e arrasadora de acumulação do capital sobre o campesinato e as comunidades tradicionais da região.

Essa realidade é parte de um processo de integração da agricultura brasileira no mercado mundial intensificado agora pela discussão do novo Código Florestal onde se pretende promover um conjunto de reformas de caráter neoliberal, favorecendo as grandes empresas agroalimentares, particularmente as transnacionais, e dificultando a ampliação e mesmo a reprodução do campesinato.

Atualmente o Código Florestal37 é a barreira para o agronegócio, que precisa desmatar todas as espécies para implantar a monocultura e aplicar uma imensa quantidade de veneno. É impensável para o agronegócio conseguir produzir em sistemas diversificados, conservando áreas de florestas e fazendo sistemas agroflorestais. E para o agronegócio a vida do solo pouco importa. Após esgotar totalmente o solo, o latifundiário ou a empresa transnacional vende aquela propriedade e parte para outra região, fazendo a fronteira agrícola andar. Deixa para trás a destruição do solo, o envenenamento dos rios e a morte de toda a floresta e

35

IPARDES, id.

36

A Bacia Hidrográfica do Rio Paraná 3 é uma extensa região localizada no oeste do Paraná e sul do Mato Grosso do Sul. Entende-se por bacia hidrográfica a área onde ocorre a captação da água da chuva, devido às suas características geográficas e topográficas, que drenam por meio de córregos, rios pequenos, médios e grandes e convergem para um rio principal. No caso da Bacia do Paraná 3, esta área compreende cerca de 8 mil km2 de afluentes que lançam suas águas diretamente no Rio Paraná, onde está situado o Lago de Itaipu, na confluência com o Rio Iguaçu. No seu entorno estão localizados 29 municípios que somam cerca de 1 milhão de habitantes. Disponível em: http://www.cultivandoaguaboa.com.br/o-programa/cenario-local-a-bacia-do-parana-3. Acesso em 24 de setembro de 2011.

37

(33)

seus animais. Desta forma desterritorializa o seu povo, imaginando que pode substituir o solo tecnicamente e se apoia na ciência e dela espera milagres.

Na Bacia do Tibagi, os efeitos do agronegócio traduzem-se através da perda de autonomia das populações tradicionais e da agricultura camponesa e da alteração das formas comunitárias de gestão dos seus recursos naturais. O resultado disso é a fragmentação do conhecimento, perda da visão sistêmica da produção e limitação no controle social relacionado à produção e comercialização. Percebe-se a relação de servidão imposta pela indústria, que atua em todo o processo de produção agropecuária, particularmente na forma da integração (aves, suínos, soja, milho, eucalipto, pinus e fumo).

A insegurança alimentar está presente causada pela simplificação e empobrecimento da dieta alimentar das comunidades locais, com a diminuição drástica da diversidade de plantas e animais para o consumo. O comprometimento da saúde das famílias agricultoras através do alto índice de intoxicações agudas e crônicas provocados pelo uso de agrotóxicos. As tecnologias poupadoras de mão-de-obra ampliam o êxodo rural. A marginalização da agricultura familiar das estruturas e mecanismos de mercados solidários geram dificuldades de viabilização econômica da unidade de produção familiar.

Este quadro tem gerado um grave problema social, consubstanciado pela crescente diminuição dos números de estabelecimentos rurais de base familiar em todo o país, gerando concentração fundiária e concentração de renda.

Comparando dados do censo agropecuário de 2006, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2009, com os que foram realizados nas décadas de 1990 e 1980 constata-se que nas décadas anteriores o índice de Gini38 manteve-se praticamente inalterado, e no período mais recente, que coincide com grande expansão do agronegócio, houve aumento deste indicador.

Em 1985 o índice de Gini da área total dos estabelecimentos agropecuários no Brasil era de 0,857; em 1995 o indicador sofre uma pequena redução

38

O índice ou coeficiente de Gini é uma medida de concentração ou desigualdade. É comumente utilizada para calcular a desigualdade da distribuição de renda ou a concentração da terra. Quanto mais próximo de 1, o índice de Gini indica uma distribuição mais desigual. Quanto mais perto de zero, menor é o nível de concentração.

(34)

para 0,856 e em 2006 passou para 0,872, o que indica uma elevação da concentração fundiária.39

A aliança do agronegócio com o Estado, comprovada pelo número de deputados e senadores que se declaram da bancada ruralista, é o principal agente responsável pela produção e reprodução da exclusão social e da pobreza no interior do Brasil, na medida em que cria as condições técnicas, políticas e socioeconômicas para a manutenção e/ou intensificação desses processos, cuja forma e conteúdo são ainda mais perversos para as populações indígenas.

A prioridade do Estado tem sido a de incentivar grandes empreendimentos econômicos, como a Usina Hidreletrica de Mauá, na bacia do rio Tibagi, mesmo que estes possuam grandes impactos local, regional, ecológico e social. Infelizmente, muitas das obras construídas ou projetadas incidem sobre terras indígenas, e também os investimentos em monoculturas, que exigem amplas áreas de terra, acabam por desrespeitar limites de terras indígenas, dificultando as demarcações e gerando tensões e conflitos expressivos em determinadas regiões.

Nas últimas décadas registram-se os maiores índices de lucratividade de empresas, de instituições bancárias, e os menores números de demarcações iniciadas e finalizadas, e tais dados nos informam sobre o lugar que ocupa a temática indígena neste contexto.

É assim que precisa entender as imposições feitas aos guaranis, quando estes são forçados, por exemplo, a viver em condições sub-humanas, e a sobreviver de programas assistenciais e de distribuição de cestas básicas para não morrer de fome, enquanto suas terras tradicionais continuam ocupadas, loteadas, invadidas40. É preciso considerar, portanto, que a maior transformação nos modos de vida guarani decorre da não demarcação de suas terras, e da omissão do Estado no que se refere à garantia de seus direitos.

39

IBGE, Censo Agropecuário 2006, Brasília, 2009. Disponível em

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/default.shtm. Acesso em 24 de setembro de 2011.

40

(35)

2.5 O IMPACTO DO AGRONEGÓCIO NA ALIMENTAÇÃO

O Brasil com suas dimensões continentais e diversos ecossistemas é possuidor de considerável patrimônio natural, genético e biológico e de ampla sociodiversidade composta de várias populações, como as indígenas, camponesas, ribeirinhas, caiçaras, caboclas, remanescentes quilombolas, faxinalenses, extrativistas e outras. Estes povos possuem uma estreita relação com o meio ambiente, além de serem dotados de vultoso conhecimento da flora, da fauna e dos sistemas tradicionais de manejo dos recursos naturais renováveis. Mesmo com todo esse potencial o Brasil submete a maioria desses povos e comunidades tradicionais, assim como os trabalhadores urbanos brasileiros à dependência de cestas básicas, para que não falte o alimento nas mesas. Dados do IBGE revelam que 46,7% das pessoas na linha de extrema pobreza residem na área rural, apesar de apenas 15,6% da população brasileira morar no campo. O restante das pessoas em condição de miséria, 53,3% mora em áreas urbanas, onde reside a maioria da população 84,4%.

O agronegócio não contribui para aliviar a miséria, a pobreza nem a fome do país. Ao contrário, está aumentando a distância que separam pobres e ricos. Um dado significativo é de que o Brasil produz e exporta em forma de commodities a maior parte de sua produção.

A escalada de preços das matérias-primas no mercado internacional elevou a participação desses produtos nas exportações brasileiras para o maior nível em duas décadas. A fatia das commodities nas vendas externas atingiu 69,4% em 2010, ante 67,2% em 2009 e 51% em 2000, revela um estudo do banco Credit Suisse, obtido com exclusividade pelo "Estado".41

Essas culturas (que são transformadas em commodities) se destinam a alimentação animal para satisfazer o consumo de carne, que é muitas vezes excessivo em muitos países ricos. Está em jogo nada menos que o controle da agricultura e da alimentação em umas poucas mãos, as quais podem conduzir a

41

CHIARA, Márcia de. Commodities já são 69% das exportações. O Estado de São Paulo. 13 de abril de 2011. Seção: Economia. Disponível em:

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,commodities-ja-sao-69-das-exportacoes,705482,0.htm. Acesso em: 15 de setembro de 2011.

(36)

uma situação muito perigosa para a independência e autonomia dos povos, países e do conjunto da Humanidade.

Em junho de 2009, após o aumento dos preços dos alimentos e da crise internacional de 2008, foi anunciado que o número de pessoas com fome no mundo chegou ao recorde histórico de um bilhão e 20 milhões de pessoas, o que significa um aumento de 100 milhões de pessoas em relação a 2008.42

A fome mundial está concentrada em países da Ásia e do Pacífico (642 milhões de pessoas), na África Sub-Saariana (265 milhões), América Latina e Caribe (53 milhões), no Leste Europeu e no norte da África (42 milhões). Na América Latina e Caribe (ALC) o aumento representou em torno de 12,8% em relação a 2007 e 2008, retornando aos patamares de 1980.43

A fome é a principal questão em face da insegurança alimentar. Há cerca de setenta anos ela é discutida como um fenômeno social no Brasil e teve como pioneiro Josué Apolônio de Castro 44.

O Paraná, um dos cinco estados brasileiros que compõem a Bacia do Prata, a qual foi escolhida pelo povo Guarani para ser seu tekohá, segundo dados da Receita Federal exporta carnes (bovina, suína e de aves), produtos do complexo soja (soja em grão, farelo e óleo), milho, trigo, fumo e tabaco, cereais, farinhas e preparações. Mas, o mesmo Brasil moderno do agronegócio que exporta, tem que importar arroz, feijão, milho, trigo e leite, que são alimentos básicos dos trabalhadores brasileiros e teve que importar também soja em grãos, farelo e óleo de soja, matérias-primas industriais de larga possibilidade de produção no próprio país45. Isto se deve à lógica do mercado de alimentos que é imposta pelo capital mundializado.

42

FAO. Exigibilidade do Direito Humano à Alimentação Adequada e o Sistema Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional. 2010. p. 10. Disponível em http://www.fao.org/righttofood/publi10/BRAZIL_6_RelatorioFinaldoSeminario.pdf. Acesso em 24 de setembro de 2011.

43

FAO, id. p. 12.

44

Josué Apolônio de Castro, nasceu em Recife em 1908 e faleceu em 1973, no exílio em Paris. Com 21 anos formou-se em medicina, no Rio de Janeiro, e voltou ao Recife para exercer a profissão. Foi eleito presidente do Conselho da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), em 1952.

45

BRASIL. Receita Federal. Dados Estatísticos. Disponível em:

(37)

2.6 O IMPACTO DO AGRONEGÓCIO NA CULTURA

Ainda sob o enfoque da Revolução Verde, onde as prioridades são definidas sob a influência de interesses das grandes corporações capitalistas e do setor agroindustrial, ocorre o desaparecimento de inúmeras cantigas, danças, rezas, batismos, curas, festas, bebidas, tradições e histórias. Assim como a perda de espécies e variedades agrícolas e florestais, por falta de respeito, proteção e valorização das culturas tradicionais.

A perda das sementes crioulas e a erosão dos conhecimentos tradicionais têm sido identificadas entre as várias consequências negativas do agronegócio. Tal desconsideração com as sementes e os conhecimentos locais tem atravessado todas as fases da modernização da agricultura, caracterizados como ineficientes e irracionais.

Deste modo, pode-se dizer que “o paradigma da modernidade é muito rico e complexo, tão suscetível de variações profundas como de desenvolvimentos contraditórios” 46. Isso se justifica principalmente a partir da “apropriação” que está

ocorrendo nos países ricos em biodiversidade, como o Brasil. Os recursos naturais e os conhecimentos a eles associados são transformados em mercadorias e lucro para as grandes corporações e lançadas no mercado mundial.

Packer47 refletindo sobre o capitalismo e o agronegócio alerta para o surgimento:

[...] de um sujeito-morto, seja física, econômica ou culturalmente, ao empreender etnocídios (a exclusão e morte de determinada etnia ou povo), epistemicídios(a negação ou sonegação de determinados sistemas de conhecimento e saber), como também para o presente trabalho, germocídios(erosão genética do “germoplasma” presente na agrobiodiversidade).

Entre os diversos impactos socioambientais do agronegócio estão a irreversível perda da biodiversidade de espécies e variedades cultivadas, da

46

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da

experiência. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2005. p. 50.

47

PACKER, Larissa Ambrosano. Da monocultura da lei às ecologias dos direitos: Pluralismo

jurídico comunitário-participativo para afirmação da vida concreta camponesa. Dissertação

(38)

variabilidade genética e de ecossistemas agrícolas e das práticas e conhecimentos agrícolas associados às comunidades tradicionais e ao campesinato48.

A apropriação privada pelo agronegócio não se dá apenas sobre os recursos naturais, como terra e água, mas também sobre o patrimônio cultural de comunidades locais que detêm práticas de manejo associadas ao conhecimento tradicional, e sobre recursos genéticos, tais como sementes, raças e plantas.

Boaventura de Souza Santos49 analisa o papel do Estado-nação ao tratar da questão cultural, que em sua opinião vem desempenhando um papel ambíguo, colaborando para a homogeneização e uniformidade cultural:

Enquanto, externamente, têm sido os arautos da diversidade cultural, da autenticidade da cultura nacional, internamente, têm promovido a homogeneização e a uniformidade, esmagando a rica variedade de culturas locais existentes no território nacional, através do poder da polícia, do direito, do sistema educacional ou dos meios de comunicação social, e na maior parte das vezes por todos eles em conjunto50.

Para Octavio Ianni51 a globalização econômica se apropriou dos conhecimentos tradicionais dos camponeses e dos povos indígenas, cuja profusão é desenvolvida de forma intergeracional, a partir da qual:

[...] exploram as propriedades medicinais das plantas e adquiriram o entendimento da ecologia básica da flora e fauna. Muito desta competência e sabedoria já desapareceu e, se negligenciada, a maioria do que resta poderia perder-se na próxima geração52.

Arturo Escobar53 analisa a vinculação da erosão da diversidade biológica com a Revolução Verde que favoreceu a monocultura em detrimento da policultura, com o modelo de desenvolvimento que estimulou a criação de gado nas florestas tropicais, financiou estradas e hidroelétricas. E que com isso destruiu formas de sociabilidade e de relação com as florestas.

48

ROMEIRO, Ademar Ribeiro. Agricultura e ecodesenvolvimento. Ecologia e Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Associação de Pesquisa e Ensino em Ecologia e Desenvolvimento (Aped). 1992. p. 207-233.

49

SANTOS, Boaventura de Souza (org.). A Globalização e as Ciências Sociais. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002.

50

SANTOS, Id. p. 47-48.

51

IANNI, Octavio. A sociedade global. 13 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 13 ed. 2008.

52

IANNI, Id. p.62.

53

(39)

As comunidades tradicionais que habitam e que formam a diversidade cultural brasileira, em sua relação de respeito e convivência com o meio ambiente, constroem práticas e conhecimentos que agora despertam o interesse de grandes empresas multinacionais. São grupos que clamam por respeito e reconhecimento de seus direitos, lutam para manter viva a sua cultura, para a afirmação de sua identidade e para serem valorizados nas suas diferenças. Para estas populações, a agricultura é um componente primordial de sua cultura, a qual transcende o aspecto puramente alimentar e adentra ao campo espiritual, místico.

Para Ribeiro as comunidades, tais como indígenas e quilombolas, desenvolveram "um gigantesco acervo de experiências milenares" com o intuito de minimizar seus problemas imediatos. É muito comum em tais grupos sociais o conhecimento das plantas que servem para fins alimentares, medicinais, artesanais e místicos.54

2.7 A PROTEÇÃO COMUNITÁRIA DA AGRICULTURA INDÍGENA

Antes de adentrar no tratamento jurídico relacionado às sementes crioulas, a segurança e soberania alimentar e dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, é importante refletir, inicialmente, sobre o assunto, a partir da necessidade de um levantamento, um inventário e o monitoramento dos componentes da biodiversidade e dos ecossistemas desse povo, tarefa árdua, mas imprescindível. Essa providência está prevista no art. 7º da Convenção da Diversidade Biológica55.

54

RIBEIRO, B.G. (coord.). Etnobiologia. In: RIBEIRO, D. (org.). Suma Etnológica Brasileira.Petrópolis: Vozes/FINEP, 1986. p. 9

55

A Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB é um dos principais resultados da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - CNUMAD (Rio 92), realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992. É um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao meio-ambiente e funciona como um guarda-chuva legal/político para diversas convenções e acordos ambientais mais específicos. A CDB é o principal fórum mundial na definição do marco legal e político para temas e questões relacionados à biodiversidade (168 países assinaram a CDB e 188 países já a ratificaram, tendo estes últimos se tornado Parte da Convenção). BRASIL. Convenção da Diversidade Biológica. Disponível em: http://www.cdb.gov.br/CDB. Acesso em 30 de setembro de 2011.

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