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A psicanálise existencial: uma fusão entre a psicanálise e o existencialismo

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Academic year: 2021

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A psicanálise existencial: uma fusão entre a psicanálise e o

existencialismo

Christian de Sousa Ribeiro1

Resumo:

Na obra de Sartre, podemos destacar dois momentos em que a psicanálise é tratada, a saber, o primeiro encontra-se em O Ser e O Nada, em que o existencialismo apropria-se da psicanálise; o segundo, a psicanálise empírica, e não a existencial, é apropriada pelo marxismo, sendo esse momento abordado pela Crítica da Razão Dialética. O presente trabalho trata do primeiro momento, no qual Sartre propõe sua psicanálise existencial, desprovida do postulado do inconsciente. Para expor a nova psicanálise, Sartre analisa Flaubert, fazendo um contraponto à psicanálise empírica de Freud, e passando por uma crítica à psicologia empírica.

Palavras-chave: Inconsciente. Psicanálise Empírica. Psicanálise Existencial. Psicologia

Empírica.

Abstract:

In the work of Sartre, we can to point out two instances in which psychoanalysis is treated, namely, the first one is in Being and Nothingness, in which the existentialism appropriates psychoanalysis; in the second psychoanalysis empirical, not existential, is appropriated by Marxism, and this currently addressed by the Critique of Dialectical Reason. This deals with the first time, in which Sartre proposes his psychoanalysis existence, devoid of the postulate of the unconscious. To expose the new psychoanalysis, Sartre examines Flaubert, making a empirical counterpart to Freud's psychoanalysis.

Keywords: Unconscious. Psychoanalysis Empirical. Existential Psychoanalysis. Empirical

Psychology.

* * *

Antes de discorrer acerca da psicanálise existencial, é preciso comentar os aspectos da psicanálise valorizados por Sartre. Ele valoriza a ênfase outorgada pela psicanálise ao caráter histórico da realidade humana, sobretudo no que se refere à infância, esta compreendida como período determinante da formação da singularidade individual, e o método psicanalítico, que é o mais eficaz para compreender o homem, pois a história individual ou o modo como o indivíduo vive a dialética da liberdade e da determinação, só pode ser apreendida psicanaliticamente.

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Sartre, antes de apresentar a psicanálise existencial faz uma crítica à psicologia empírica e, por extensão, à teoria psicanalítica ou à psicanálise empírica, pois esta parte do postulado do inconsciente, sendo o mesmo preeminente em relação à consciência, e, assim sendo, encontra–se cindida, pois de um lado temos a consciência e de outro o inconsciente, opondo–se à noção do homem enquanto liberdade, nada de ser, pura indeterminação. O que Freud considera inconsciente, na verdade pertence à consciência, pois por ser consciente de si, o homem pode negar–se, o que caracteriza a má fé, que se fundamenta na relação entre ser e não ser, pois posso ser na forma de não ser, ou seja, ainda que negue um aspecto considerado nocivo, ajo de maneira a fixar uma essência, como, por exemplo, a mulher frígida, que ao negar o prazer sexual, prova a si mesma ser frígida. Assim, ser frígida é a essência da mulher frígida. Em última análise, o inconsciente corrobora com o ato da má fé, pois mascara os estratagemas desta.

A psicologia empírica, por sua vez, busca a causa de determinada conduta. Por exemplo, um homem rico construiu sua riqueza porque nele havia uma inclinação, no caso a ambição, que o fez, através de muito trabalho, tornar–se rico. Podemos pensar em outras inclinações que eventualmente caracterizam este homem, como ganância, cobiça, obstinação, que seriam a causa de seu caráter. Além de reduzí–lo a algumas tendências, a psicologia empírica ignora a contingência ou a possibilidade de não haver causa alguma que determine o caráter do homem rico. Assim sendo, tanto o reducionismo, que não analisa o homem em sua inteireza, como o determinismo, que o define como fruto de uma relação causal, impedem a possibilidade de transcendência da realidade humana, pois ambos ignoram a possibilidade do homem transcendê–la.

Sartre (1997, p. 683) dá o exemplo, abaixo transcrito, de um crítico literário que, ao fazer uma análise psicológica de Flaubert, acaba reduzindo–o a algumas tendências genéricas que estão presentes em todo mundo, mais especificamente nos adolescentes:

Por exemplo, um crítico, querendo esboçar a “psicologia” de Flaubert, escreverá que ele “parece ter conhecido como estado normal, no início de sua juventude, uma exaltação contínua, produto do duplo sentimento de sua desmesurada ambição e sua força invisível [...] A efervescência de seu sangue jovem torna–se, portanto, uma paixão literária, como acontece por volta dos dezoito anos às almas precoces que encontram na energia do estilo, ou nas intensidades de uma ficção, certo modo de encarar a necessidade, que as atormenta, de

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A busca por um fundamento ontológico da realidade humana é um absurdo, visto que ele não existe. A realidade humana existe contingentemente, ela simplesmente está aí, lançada no mundo sem que haja uma dependência ontológica, ou seja, ela não deriva de um princípio ou essência, pois por contingência ela se faz. Assim, o homem não é, mas se faz, à medida que escolhe uma possibilidade de ser, sendo esta escolha indeterminada, pois ela é transitória, muda a todo instante, a cada vez que a liberdade é exercida. Assim, Sartre inverte a ontologia tradicional, pois a existência é o princípio ontológico da realidade humana, não sendo a causa desta, uma vez que ambas se confundem, pois a realidade humana existe, ela se faz, não havendo uma relação causal. A realidade humana existe simplesmente, sem que haja uma justificação por uma causa que a anteceda e a sustente.

A análise psicológica de Flaubert está baseada no princípio de causalidade, frontalmente criticado por Sartre, pois contrapõe–se à idéia de contingência. As inclinações de juventude de Flaubert justificam a razão dele ser escritor, elas determinam Flaubert como escritor. O postulado da causalidade opõe–se à liberdade, pois o ato intencional visa uma finalidade, que é o motivo da ação, não sendo assim um efeito de uma determinada ação. Assim, a liberdade enquanto ação intencional, que visa uma finalidade, que é o motivo da ação, não nega o motivo desta, pois caso contrário, comprometeria a própria estrutura da consciência, que é consciência de algo e é intencional. A intencionalidade da consciência estrutura a própria liberdade, à medida que esta é uma ação intencional, o que não quer dizer que ela tenha uma causa, mas tem um motivo que aparece em todo o processo do ato, não sendo antecedente. Conforme ressalta Silva (2003, p. 137):

Só existe motivo quando a consciência aceita um motivo na intencionalidade do ato, isto é, quando algo é vivido como motivação da ação. Aí está a diferença entre causa determinante de um fenômeno e motivo de um ato. A causa é exterior ao efeito, e o processo se dá numa trajetória temporal linear antes/depois; o motivo aparece na constituição do ato tanto como o seu início quanto como o seu fim. Essa ausência de uma anterioridade determinada deriva do não–ser da consciência, o que a faz, por sua vez, origem radical do ato, uma vez que não há na consciência ser ao qual o ato e o motivo possam ser vinculados como num encadeamento causal natural.

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Após criticar a psicologia empírica, Sartre compara as duas psicanálises, a existencial e a empírica, apontando as semelhanças e, sobretudo, as diferenças. Em linhas gerais elas utilizam o método psicanalítico, sendo a psicanálise existencial inspirada na teoria psicanalítica instituída por Freud. Ambas, segundo Sartre (1997, p. 696): “consideram todas as manifestações objetivamente discerníveis da “vida psíquica” como sustentando relações de simbolização a símbolo com as estruturas fundamentais e globais que constituem propriamente a pessoa”. Isto significa que o método psicanalítico analisa a vida psíquica relacionando as suas relações simbólicas com as estruturas fundamentais que constituem a pessoa enquanto indivíduo. As duas psicanálises rejeitam a existência de dados primordiais, como inclinações hereditárias, caráter etc. Pois: “a psicanálise existencial nada reconhece antes do surgimento original da liberdade humana; a psicanálise empírica postula que a afetividade primordial do indivíduo é uma cera virgem antes de sua história” (Ibdem, p. 696-697). Aqui também aparece a primeira diferença, a saber, a psicanálise existencial parte da liberdade humana, a empírica tem a história individual como ponto de partida.

Seguem mais semelhanças, conforme podemos notar na seguinte passagem:

Ambas consideram o ser humano como uma historização perpétua e procuram descobrir, mais do que dados estáticos e constantes, o sentido, a orientação e os avatares desta história. Por isso, ambas consideram o homem no mundo e não aceitam a possibilidade de questionar aquilo que um homem é sem levar em conta, antes de tudo, sua situação. As investigações psicanalíticas visam reconstituir a vida do sujeito desde o nascimento até o momento da cura; utilizam todos os documentos objetivos que possam encontrar: cartas, testemunhos, diários íntimos, informações “sociais” de todo tipo. E o que visam restaurar é menos um puro acontecimento psíquico do que uma estrutura dual: o acontecimento crucial da infância e a cristalização psíquica em torno dele. Ainda aqui, trata–se de uma situação. Cada fato “histórico”, por esse ponto de vista, será considerado ao mesmo tempo como fator da evolução psíquica e como símbolo desta evolução (SARTRE, 1997, p. 697).

A psicanálise existencial trata de determinar a escolha original, e a empírica, por sua vez, procura determinar o complexo de Édipo como o fundamento da realidade humana. Assim, tanto uma como outra buscam uma atitude fundamental, que não se expressa por definições simples e lógicas, pois antecede a toda lógica.

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Até aqui listamos brevemente as semelhanças, e agora podemos apresentar a psicanálise existencial propriamente dita. Em primeiro lugar, a escolha original não é um fundamento determinado, dado que ela se faz de maneira contingente, de forma que a mesma está dada sem nenhuma justificação; diferentemente da psicanálise empírica, que determinou o complexo de Édipo como o fundamento da realidade humana, sendo a libido uma característica essencial deste complexo. Assim, é perfeitamente possível conceber uma realidade humana que não tivesse o complexo de Édipo como seu fundamento, pois sendo esta realidade humana contingente, é necessário analisar seu fundamento que não tem justificação, visto que é gratuito, a saber, a escolha original. Segundo, a escolha original não é procedente de coisa alguma nem causa da realidade humana; ao contrário, a libido parece ser a causa do complexo de Édipo ou nela este tem sua origem.

Por fim, a psicanálise existencial renuncia, destaca Sartre (1997, 701):

[...] a todas as interpretações genéricas do simbolismo considerado. Uma vez que nosso objetivo não poderia ser o de estabelecer leis empíricas de sucessão, não podemos constituir uma simbólica universal. Mas o psicanalista, a cada vez, terá de reinventar uma simbólica, em função do caso particular sob consideração [...] Assim, a psicanálise existencial deverá ser inteiramente flexível e adaptável às menores mudanças observáveis no sujeito: trata–se de compreender aqui o individual e, muitas vezes, até mesmo o instantâneo. O método que serviu a um sujeito, por essa razão, não poderá ser empregado em outro sujeito ou no mesmo sujeito em uma época posterior.

Referências

SILVA, F. L. Ética e literatura em Sartre: ensaios introdutórios. São Paulo: Ed. Unesp, 2004.

Referências

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