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Rede certific e proeja fic: a formação inicial e continuada de pescadores no município de São Borja – RS

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS – MESTRADO

GRACIELA PAVELACKI OLIVEIRA

REDE CERTIFIC E PROEJA FIC: A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PESCADORES NO MUNICÍPIO DE SÃO BORJA – RS

Ijuí – RS 2014

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GRACIELA PAVELACKI OLIVEIRA

REDE CERTIFIC E PROEJA FIC: A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PESCADORES NO MUNICÍPIO DE SÃO BORJA – RS

Dissertação apresentada à banca de Qualificação do Curso de Pós-Graduação

Stricto Sensu em Educação nas Ciências

– Mestrado, do Departamento de Humanidades e Educação (DHE), da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Drª Elza Maria Fonseca Falkembach

Ijuí – RS 2014

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A comissão abaixo assinada aprova a presente dissertação

REDE CERTIFIC E PROEJA FIC: A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DE PESCADORES NO MUNICÍPIO DE SÃO BORJA – RS

elaborada pela mestranda GRACIELA PAVELACKI OLIVEIRA

como requisito parcial para obtenção do grau de MESTRE EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

Comissão Examinadora:

_______________________________________________ Doutora Elza Maria Fonseca Falkembach (Orientadora)

_______________________________________________ Doutora Helena Copetti Callai

_______________________________________________ Doutor Walter Frantz

_________________________________________________ Doutora Andrea Becker Narvaes

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Dedico este trabalho a minha mãe Maria Helena, que sempre foi minha inspiração.

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AGRADECIMENTOS

Ao Dilson, que sem seu companheirismo não teria sido possível realizar este sonho, muito lhe devo, meu querido companheiro-esposo.

Sem menos importância estão meus agradecimentos ao nosso filho, Fernando, e à nossa filha, Sofia, para os quais o fechamento da dissertação sempre foi uma ansiedade manifestada nos olhares, na necessidade da presença nem sempre presente. Aos meus pais Valdir e Maria Helena, e às minhas irmãs Isaura e Lia, que nunca mediram esforços para me auxiliarem nessa caminhada.

À minha orientadora, Professora Elza, pela oportunidade de presenciar tanto conhecimento e sabedoria, por sua compreensão, paciência e pelo saber compartilhado.

Aos Professores Helena e Walter, pessoas admiráveis, pelo grande aprendizado que me proporcionaram, pelo carinho de sempre e por aceitarem o convite para fazer parte da Banca, em meio a tantos compromissos.

À Professora Andrea Becker Narvaes, por ter aberto um espaço em sua agenda e ter acolhido o convite para fazer parte da Banca de defesa.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências e os colegas do Mestrado em Educação pelos saberes compartilhados.

Aos pescadores, por proporcionarem momentos inesquecíveis de troca e vivência.

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Rio de Infância – Os Angueras

Minha mãe foi lavadeira E o meu pai foi pescador Nosso pão de cada dia Era o rio caminhador Eu cresci ao lado deles Nas barrancas do Uruguai Vendo as águas caminhando, Ano vem e ano vai Um dia fugi com elas Cansado de ser guri Numa balsa rio afora Fui embora e me perdi Velho rio de minha infância Temos destinos iguais Tuas águas e meus sonhos Passando não voltam mais Como é fácil ir embora Como é difícil voltar Quero ser guri de novo Não consigo me encontra

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RESUMO

Este trabalho busca refletir sobre as apreensões que nos levam a querer entender o déficit na escolarização do trabalhador brasileiro e se fundamenta em compreensões teóricas que consideram a educação como uma prática social que favorece a inclusão. Partindo do estudo dos Movimentos Sociais, mais especificamente dos pescadores, em nível nacional, o estudo problematiza programas educacionais de grande relevância, neste caso a Rede de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada (REDE CERTIFIC) e o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e Continuada com Ensino Fundamental (PROEJA FIC), que têm sua base teórica fundamentada nos princípios da Educação Popular. O Estado, na busca de redimir uma dívida social histórica para com os jovens e adultos excluídos da escola, cria PROEJA FIC, associado à Rede CERTIFIC, que reconhece competências profissionais de trabalhadores, jovens e adultos, adquiridas ao longo da vida em processos formais e não formais de ensino-aprendizagem. A escolha recai sobre a vivência cotidiana daqueles que vivem da pesca e sua organização enquanto trabalhadores. Para isto, voltamos nossa atenção em conhecer a história de alguns brasileiros(as), pescadores(as) em comunidades ribeirinhas no sul do país, no município de São Borja – RS, que por se tratar de uma região de fronteira, tem uma cultura característica, com sentido próprio de território, no qual buscam um espaço de reconhecimento social e recursos que lhes deem condições de uma vida digna. Para a viabilização de tal estudo foi decisiva a análise de documentos da Associação de Pescadores Artesanais para a Proteção e Pesca ao Meio Ambiente da Bacia do Rio Uruguai e da Colônia de Pescadores Z-21. A organização dos pescadores se dá em forma, de Colônia, Associações e Sindicatos, sendo os mesmos tem como base o Movimento Nacional dos Pescadores. Analisa também a Proposta Pedagógica do PROEJA FIC, com sua matriz curricular integrada ao Curso de Formação Inicial e Continuada em Trabalhador Pescador Artesanal de Água Doce Integrado ao Ensino Fundamental Modalidade de EJA, a forma de gestão como foi conduzido o Programa.

Palavras-chave: Movimentos Sociais. Educação Popular. Pescadores. PROEJA FIC. REDE CERTIFIC.

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ABSTRACT

The present paper seeks answers to the concerns that lead us to want to understand the deficit in schooling of Brazilian workers and is based on theoretical understandings that consider education as a social practice that promotes social inclusion. Based on the study of social movements, specifically the fishermen at national level, our study discusses educational programs of great relevance in this case the Network Professional Certification and Initial and Continuing Training (NET CERTIFIC) and the National Programme for Integration of Vocational Education with the Basic Education Mode Education for Youth and Adults in Initial and Continuing Education in Elementary Education (PROEJA FIC), which has its theoretical basis rooted in the principles of Popular Education. The state, in seeking to redeem a historic social debt to the young people excluded from school and adults, creates PROEJA FIC, associated with CERTIFIC Network, which recognizes professional skills of workers, youth and adults, acquired throughout life in formal processes and non-formal teaching and learning. The choice lies with the daily life of those living on fisheries and their organization as workers.The choice is made on the daily life of those who live by fishing and your organization as workers. For this, it is necessary to know the history of some Brazilian, fishermen (women) in riverine communities in the south, in the town of São Borja – RS, which in the case of a border region, has a culture feature, with its own sense of territory, seeking a space for social recognition and resources that give them conditions a dignified life. For the feasibility of such a study is critical analysis of documents of the Association of Fishermen to Protect the Environment and Fisheries of Uruguay River Basin and Fishing Colony Z-21, the organization of fishermen comes in the shape of Cologne, Associations and Unions, and the same is based on the National Movement of Fishermen

and the Pedagogical Proposal PROEJA FIC, with its course curriculum integrated with Initial and Continuing Education in Craftsmanship Fisherman Freshwater Worker integrated into Elementary Education in the modality EJA, the form of management and the way the program was conducted.

Keywords: Social Movement. Popular Education. Fishermen. PROEJA FIC. NET CERTIFIC.

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LISTA DE SIGLAS

CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil CP – Colônia de Pesca

CPP – Conselho Pastoral da Pesca

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

MMA – Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis MONAPE – Movimento Nacional da Pesca

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

PROEJA FIC – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e Continuada com Ensino Fundamental

REDE CERTIFIC – Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada

SEAP/PR – Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca/Presidência da República SUDEPE – Superintendência do Desenvolvimento da Pesca

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Z-21 – Colônia de Pescadores de São Borja

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1 – ORGANIZAÇÃO DOS PESCADORES EM MOVIMENTO SOCIAL 21 1.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ... 21

1.2 ORGANIZAÇÃO DOS PESCADORES ... 27

1.3 A HISTÓRIA DA COLÔNIA DE PESCADORES Z-21 E ASSOCIAÇÃO DOS PESCADORES DE SÃO BORJA ... 31

CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO ESCOLAR E NÃO ESCOLAR NA PESCA ARTESANAL ... 46

2.1 SABERES: POPULAR E ESCOLAR ... 46

2.2 EDUCAÇÃO POPULAR ... 47

2.3 PESCADORES E A EDUCAÇÃO ESCOLAR ... 49

CAPÍTULO 3 DECORRÊNCIAS DA ORGANIZAÇÃO DOS TRABALHADORES? ... 56

CONCLUSÃO ... 68

REFERÊNCIAS ... 733

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INTRODUÇÃO

A Educação no Brasil vem recebendo, hoje, incentivos diversificados do Governo Federal, o que tem concedido a muitos jovens e adultos a possibilidade de verem suas profissões e os saberes (a elas associados), os quais foram marginalizados por gerações e gerações, serem reconhecidos e valorizados e ainda terem a oportunidade de iniciar ou continuar seus estudos, de forma gratuita.

No ano de 2003, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) constata que cerca de 23 milhões de pessoas haviam concluído o ensino médio, ou seja, apenas 13% do total da população do país. Com base no Censo Demográfico 2010, houve elevação no nível da educação da população, mas ainda temos uma taxa 9,6% de analfabetismo no que se refere às pessoas de 15 anos ou mais de idade.

Percebe-se, através destes dados, o baixo nível de escolaridade da população brasileira, destarte a educação ter como um de seus mandatos preparar as pessoas para “o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”1, finalidades essas expressas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O incentivo à educação acaba permitindo que muitos brasileiros tenham acesso a oportunidades para a construção de uma vida mais digna para si e seus familiares.

1Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9394/96 - Art. 2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

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O Estado, na busca de redimir uma dívida social histórica para com os jovens e adultos excluídos da escola, cria o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos (na formação inicial e continuada) – PROEJA FIC.

Esse programa, associado à Rede CERTIFIC – Rede Nacional de

Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada é um programa de certificação de saberes que reconhece competências profissionais de trabalhadores, jovens e adultos, adquiridas ao longo da vida em processos formais e não formais de ensino-aprendizagem.

A certificação de saberes permite que um profissional que domine determinado ofício, mas não tenha qualquer certificado que comprove a sua qualificação para o desempenho das funções a ele associadas, possa ter as suas habilidades formalmente reconhecidas e certificadas, além de poder receber formação complementar.

O processo associa o trabalho à elevação da escolaridade, numa estratégia desenvolvida em parceria entre Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho e Emprego.

Diante da referida constatação do déficit na escolarização do trabalhador brasileiro, buscamos respostas para as apreensões que nos levam a querer entender esta realidade, através da pesquisa que ora empreendemos. Este trabalho de pesquisa se fundamenta em compreensões teóricas que consideram a educação como uma prática social que favorece a inclusão social.

Nosso estudo procura problematizar situações atuais e singulares em que a educação, em perspectiva inclusiva, se apresenta como fonte de aprendizagem, tanto para os educandos a que se destina, quanto a educadores dedicados diretamente ao ensino desses. Problematiza também a prática daqueles dedicados à administração escolar e à criação e gestão de políticas públicas, as quais possibilitam a vigência de programas educacionais de grande relevância, a exemplo da Rede de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada (REDE CERTIFIC) e do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a

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Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, na Formação Inicial e Continuada com Ensino Fundamental (PROEJA FIC).

A escolha do campo profissional a ser problematizado recaiu sobre a vivência cotidiana daqueles que vivem da pesca, abordando não só o processo de produção, mas a prática mais ampla do pescador, ou seja, sua organização e produção. Para isto, se fez necessário conhecer a história de alguns brasileiros(as), pescadores(as) em comunidades ribeirinhas no sul do país, que buscam um espaço de reconhecimento social e recursos que lhes deem condições de uma vida digna.

Essa possibilidade de certificação de saberes e ampliação da escolaridade não ocorre de forma gratuita, mas em decorrência da organização de movimentos dos trabalhadores e trabalhadoras. Havendo tal possiblidade, apontamos como problema a ser investigado a forma como atuam e o alcance da Rede Certific e do Proeja Fic junto aos trabalhadores e trabalhadoras da pesca.

A ele associamos a hipótese de que no município de São Borja, à medida que o Programa Rede CERTIFIC viabiliza a inserção social, ao reconhecer os saberes de trabalhadores e trabalhadoras e dar oportunidade de escolarização, possibilita o empoderamento dos pescadores como cidadãos.

As questões norteadoras que desdobram o eixo da investigação são as que seguem:

- Como organizam currículo para reconhecer e acrescentar saber?

- Como o Proeja Fic está compensando a dívida social do Estado com os jovens e adultos?

- Qual é a importância da certificação, se o pescador tem domínio sobre seu ofício?

- Como o Movimento de Pescadores em nível nacional, influenciou a organização dos pescadores em São Borja?

- Os alunos que buscaram o Proeja Fic estão interessados em dar continuidade à escolarização?

O objetivo geral dessa investigação é compreender o processo de inserção de pescadores(as) do município de São Borja - que está localizado na fronteira do

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Rio Grande do Sul, Brasil, com Santo Tomé, Argentina - em práticas educativas da Rede CERTIFIC e do PROEJA FIC e analisar como currículos que se propõem a reconhecer saberes acolhem os saberes da experiência e interferem nos projetos de vida e identidade dos educandos.

Os objetivos específicos são:

- reunir informações sobre as comunidades de pescadores e sua relação com a sociedade local;

- identificar, através da análise de documentos, estratégias de organização usadas pelos trabalhadores da pesca, em São Borja;

- verificar como se relaciona a organização dos pescadores de São Borja com o Movimento de Pescadores em nível nacional;

- analisar como o reconhecimento de saberes da experiência se faz presente nos currículos escolares na Rede CERTIFIC.

A presente investigação incidiu na Colônia de Pescadores, denominada Z-21 e na Associação de Pescadores Artesanais, de Proteção à Pesca e do Meio Ambiente Natural da Bacia do Rio Uruguai, ambas situadas no bairro do Passo, em São Borja, município esse que, segundo o IBGE (2010), pertence à mesorregião do sudoeste Rio-grandense e à microrregião Campanha Ocidental, que apresenta uma área correspondente a 3 616,026 km².

São Borja é uma cidade com mais de 331 anos. É a eterna “noiva” do Rio Uruguai, rio este que separa a cidade de São Borja da cidade de Santo Tomé na Argentina. São Borja é considerada o Primeiro dos Sete Povos das Reduções Missioneiras, foi construída em local afastada da margem do rio, longe das enchentes. É uma terra de invasões, de guerras e de lutas contra os que queriam a conquista deste recanto da pátria brasileira.

A “Terra dos Presidentes” outra perífrase, se deve ao fato de ser o berço de ilustres políticos, tais como Getúlio Vargas, João Goulart, Tarso Genro, Ibsen Pinheiro, dentre outros. O beneficiamento de grãos movimenta 54,04% da economia local. Possui uma taxa de escolarização de 95,78%.

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Limita-se ao Norte com as cidades de Garruchos e Santo Antônio das Missões, ao Sul, faz divisa com as cidades de Maçambará e Itaqui; a Leste com as cidades de Itacurubi e Unistalda. Já a Oeste faz fronteira com a cidade argentina de Santo Tomé (demarcada pelo Rio Uruguai). Ainda segundo o (IBGE, 2010), o município são-borjense apresenta uma população de 61.662 habitantes, dos quais 55.139 encontram-se na zona urbana e 6.523 na zona rural. Trata-se de um município com contingente urbano destacadamente maior do que o rural.

Figura 1: Mapa do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, e o município de São Borja no seu interior, 2013

Fonte: Prefeitura Municipal de São Borja – RS.

Ao observarmos o mapa do Rio Grande do Sul, podemos perceber que o município de São Borja, que está destacado com a escrita em amarelo, se encontra em uma localização estratégica, sendo que a mesma faz divisa entre Brasil e

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Argentina, tendo o Rio Uruguai como divisor desses países. É nas águas desse rio e em suas barrancas que os pescadores de São Borja constroem suas histórias de vida.

Os pescadores artesanais do Rio Grande do Sul estão organizados em várias em colônias, sindicatos e associações, como podemos observar no mapa abaixo.

Figura 2: Mapa das macrorregiões da pesca artesanal, números de pescadores, colônias, sindicatos e associações

no Estado do Rio Grande do Sul2

Fonte: Garcez e Sánchez-Botero (2005).

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Macrorregiões de pesca artesanal, número de pescadores e Colônias, Sindicatos e Associações no estado do Rio Grande do Sul. (1. Z-1 Colônia de Pescadores de Rio Grande; 2. Z-2 Colônia de Pescadores de São José do Norte; 3. Z-4 Colônia de Pescadores Palmares do Sul; 4. Z-4 Colônia de Pescadores de Itaipuã; 5. Z-5 Colônia de Pescadores de da Ilha Pintada (Porto Alegre); 6. Z-6 Colônia de Pescadores de Venâncio Aires; 7. Z-7 Colônia de Pescadores de Quinze de Novembro; 8. Z-8 Colônia de Pescadores de São Lourenço do Sul; 9. Z-9 Colônia de Pescadores de Uruguaiana; 10. Z-11 Colônia de Pescadores de Tavares; 11. Z-12 Colônia de Pescadores de Itaqui; 12. Z-13 Colônia de Pescadores de Cachoeira do Sul; 13. 17 Colônia de Pescadores de Santa Maria; 14. Z-18 Colônia de Pescadores de Ijuí; 15. Z-19 Colônia de Pescadores de Dourado/Roque Gonzáles; 16. Z-20 Colônia de Pescadores de Estrela; 17. Sindicato de Pescadores de Tavares; 18. Sindicato de Pescadores de Pelotas; 19. Sindicato de Pescadores de São Jerônimo; 20. Sindicato de Pescadores de Torres; 21. Sindicato de Pescadores de Tramandaí; 22. Associação de Pescadores e Amigos de Balneário Pinhal; 23. Associação de Pescadores Profissionais de Cidreira; 24. Associação de Pescadores de Itaqui; 25. Associação de Pescadores de Jaguarão; 26. Associação de Pescadores de Vitória do Palmar; 27. Associação de Pescadores de São Borja; 28. Associação de Pescadores de Uruguaiana; 29. Associação de Pescadores de Arroio Grande (em formação; funciona em conjunto com a Associação de Moradores de Arroio Grande); 30. Associação de Pescadores de Garruchos (em formação); 31. Associação de Pescadores de São Nicolau (em formação)).

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Através desse mapa, podemos ver com clareza a localização das zonas de pesca do Rio Uruguai. Ressaltamos que a macro região 27 refere-se à Associação de Pescadores de São Borja, a qual é o nosso objeto de pesquisa.

A organização dos pescadores se dá de três formas: Colônia3, Associações e Sindicatos. A organização, tanto em associações quanto em sindicatos, assume um papel sindical, e surgiu devido ao descaso das entidades oficiais da pesca com os pescadores, assim eles possuem um poder de liderança que os auxiliam na busca de seus direitos e interesses e não apenas de seus deveres.

Os sujeitos da pesquisa são os pescadores artesanais de São Borja. Eles estão presentes em um total de 160, organizados e cadastrados em duas entidades representativas, a Associação de Pescadores Artesanais de Proteção à Pesca e do Meio Ambiente Natural da Bacia do Rio Uruguai e a Colônia de Pescadores e Aquicultores Z-21, essas entidades são dirigidas por pescadores, ambas localizadas na região ribeirinha do bairro do Passo.

A primeira foi fundada em 1999 e a outra em 2004 quando ocorreu a divisão entre os membros da primeira entidade.

Os trabalhadores e trabalhadoras da pesca de São Borja vivem basicamente da pesca e seus derivados, apesar de todo um controle por parte dos órgãos governamentais que, ao mesmo tempo em que ajudam, também impõem alguns limites às práticas tradicionais.

O percurso metodológico adotado para orientar a pesquisa partiu de uma revisão bibliográfica aliada a um diagnóstico, que nos viabilizou a inserção no campo empírico. A partir de conversas informais, em grupos de trabalhadores, onde os mesmos disponibilizaram documentos e contaram um pouco de suas vivências, angústias, preocupações, alegrias, assim proporcionando subsídios para que

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As colônias tiveram sua criação originada por um decreto de outubro de 1817, do rei de Portugal D. João VI, que consistia em criar vilas de pescadores ou colônias (daí o nome) como forma de controlar a pesca e os pescadores para servir aos interesses da coroa (no caso, colher alimentos). Em 18 de março de 1818 foi criada a primeira colônia de pescadores em Santa Catarina. A partir de 03 de março de 1920 os assuntos de pesca passam para a Marinha, que cria hierarquias para melhor controlar a pesca e evitar levantes dos pescadores, como no passado. Daí em 1930, criam-se as Federações Estaduais e Confederação Nacional. Pelo Estatuto de 1973, as confederações estaduais passaram a se chamar Federação, daí surge a FEPA (MMA, 2006, p. 17).

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pudéssemos desenvolver esta dissertação. Com isso, reunimos informações suficientes sobre as comunidades de pescadores.

Com base nessas informações pudemos verificar também a inserção dos jovens e adultos nos processos educativos escolares. Para tanto foi utilizado um roteiro para consulta de documentos, principalmente livros de atas, onde de forma muito espontânea estão registrados o percurso vivenciado pelos pescadores e suas famílias. A análise dos dados referentes à organização destes trabalhadores e suas preocupações com a escolarização se apoiará em procedimentos e instrumentos qualitativos e quantitativos.

A pesquisa pode ser classificada como social e qualitativa, dado que os fenômenos problematizados e analisados são fenômenos sociais que expressam qualitativamente o dinamismo da vida, implicando em ações, relações, crenças, atitudes, valores, significados e interpretações manifestos, tanto empírica, como teoricamente, pois são eles:

- “o reconhecimento e recebimento dos saberes dos pescadores”, levando

em conta as singularidades das suas formas de “trabalhar/produzir”, pelo sistema escolar, que se tornou possível mediante a abertura da legislação;

- aqueles fenômenos que atravessam este reconhecimento e recebimento de saberes: tanto a organização dos pescadores como movimento social no país, quanto o processo organizativo instalado em São Borja;

- e ainda o empoderamento4 dos pescadores – quando eles têm

oportunidade de, mediante o referido reconhecimento – que leva à escolarização (mesmo que depois abandonem o programa), de começar a superar uma condição de exclusão (ou começarem a ser reconhecidos cidadãos, ou saírem de uma condição de marginalização social).

Esta escolha leva a combinar análise descritiva e compreensiva da temática e fenômenos problematizados. Permite ao pensamento estar associado aos

4Empoderamento – compartilha-se o entendimento do termo como possibilidade de que, apoiado em ações e práticas sociais nas quais a educação se insere, produzir com sujeitos sociais a capacidade e alcance de sua cidadania, ou seja, “apropriação da realidade para nela atuar, participando conscientemente em favor da emancipação” (HERBERT, 2008 p. 74).

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acontecimentos e vivências; evita “reduções”. Não entrava “o caminho do pensamento” (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2010, p. 16).

A questão-problema de pesquisa está, então, referida a uma prática educativa PROEJA FIC – associado à Rede CERTIFIC – e é atravessada por vivências no mundo do trabalho, possíveis de serem captadas pelo viés qualitativo, embora alguns procedimentos e instrumentos da pesquisa quantitativa sejam incluídos, na fase diagnóstica (especialmente) prevista como um dos momentos do trabalho.

O que nos levou a esta escolha metodológica? O problema, os fenômenos aos quais ele se refere e as abordagens e concepções teóricas priorizadas. Tornou-se importante fazer um recorrido pela dimensão macrossocial e histórica do trabalho e da educação, com atenção ao foco da pesquisa; também sobre a dimensão microssocial desses dois fenômenos (trabalho e educação) presentes nas singularidades das práticas de EJA em São Borja, no PROEJA FIC. Todos eles são fenômenos históricos.

As abordagens teóricas, na medida em que são contrastadas pelo empírico, têm a sua dimensão qualitativa estendida (pela historicidade deles) e intensificada (por serem reconhecidos nas relações que mantêm entre si e com as subjetividades dos sujeitos implicados nessas relações).

Nosso desenho metodológico esteve atento aos dizeres de Minayo, Deslandes e Gomes (2010, p. 27) ao recomendar que o “ciclo da pesquisa se solidifica não em etapas estanques, mas em planos que se complementam”.

Definimos, então, procedimentos que favorecessem a atenção a este alerta: a pesquisa bibliográfica (para definirmos as nossas orientações teóricas e conhecermos o estado da arte da temática abordada), um diagnóstico (para reunir informações sobre as comunidades de pescadores, organização deles e verificar a inserção dos jovens e adultos nos processos educativos escolares); análise de documentos (atas da Colônia e Associação dos pescadores e documentos do PROEJA-FIC e correlatos) e observação participante. Tudo isso foi complementado por discussões grupais (para esclarecimento de lacunas verificadas nos registros e documentos consultados).

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Como instrumentos de orientação de “nossas buscas”, utilizamos: - roteiros de consulta a textos e documentos;

- questionário estruturado para o diagnóstico;

- roteiro de observação e de entrevista semiestruturada para as relações pessoais e institucionais.

Três capítulos integram a presente exposição. Em um primeiro, com o título Organização dos Pescadores em Movimento Social, fornecemos à presente investigação um arcabouço teórico sobre a categoria Movimentos sociais.

Em Organização dos Pescadores em Movimento Social, refletimos o que são movimentos sociais e os movimentos sociais no Brasil, demonstrando assim que existe toda uma caminhada na constituição dos movimentos sociais como um todo no Brasil, e que o mesmo não é inerte, ou seja, está em constante modificação, pois o próprio nome movimento dos dá a ideia de movimentação.

Debatemos ainda a influência dos movimentos sociais na organização dos pescadores no Brasil através da criação do Movimento Nacional dos Pescadores – MONAPE.

Esse capítulo fornece ainda elementos teóricos para subsidiar o diagnóstico desta pesquisa, pois analisaremos documentos da história da Colônia de Pescadores Z-21 e da Associação de Pescadores Artesanais de Proteção a Pesca e ao Meio Ambiente Natural da Bacia do Uruguai, ambas localizadas no município de São Borja.

No Capítulo II, intitulado Educação Escolar e Não Escolar na Pesca Artesanal, refletimos acerca da relação existente entre a educação escolar e não escolar na pesca artesanal, a importância da educação popular que é vista como prática social e cultural, que implica ensino e aprendizagem e com isso sendo a base teórica de programas como o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA- FIC e a Rede Nacional de Certificação Profissional e Formação Inicial e Continuada – Rede CERTIFIC.

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No terceiro capítulo, Decorrências da Organização dos Trabalhadores?, intensificamos o debate sobre como o reconhecimento de saberes da experiência se faz presente nos currículos escolares na Rede CERTIFIC e o Proeja Fic em São Borja. Trazemos os resultados da análise documental – Atas da Associação de Pescadores Artesanais de Proteção a Pesca e ao meio Ambiente Natural da Bacia do Uruguai. E da Colônia De Pescadores Z-21, Projeto Pedagógico do Curso Proeja Fic e a Proposta de matriz curricular integrada Curso de Formação Inicial e Continuada em Trabalhador Pescador Artesanal de Água Doce Integrado ao Ensino Fundamental Modalidade de EJA –, destacando ainda que, para análise dos documentos, pautamo-nos na análise de conteúdo.

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CAPÍTULO 1 – ORGANIZAÇÃO DOS PESCADORES EM MOVIMENTO SOCIAL

Neste capítulo pretendemos compreender os movimentos sociais dando ênfase ao Movimento dos Pescadores, procurando verificar o que existe atualmente do movimento, em nível nacional, e sua influência na organização dos pescadores em São Borja, através de estudos bibliográficos, interpretação das informações obtidas formal e informalmente.

Para tal enfatizamos a forma como se deram os movimentos sociais no Brasil, em seguida, como ocorreu e como se apresenta a organização dos pescadores em nível nacional e local.

1.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Na atualidade quando se fala em movimentos sociais, imediatamente surge a ideia de uma ação coletiva, sendo assim, conforme Bressan (2008), esses esforços coletivos ocorrem no sentido de provocar mudanças, que podem ser no todo ou em parte, advindo de situações sociais ou em instituições sociais.

Existem vários estudos que tratam dos movimentos sociais. Sabe-se que começaram a ser chamados de movimentos sociais os grupos anarquistas, comunistas, socialistas ou sindicais que visavam a organizar a classe operária, dar-lhe poder de barganha na conquista de vantagens e benefícios ou conferir-dar-lhe papel definido em uma nova ordem social, eliminando seu caráter dependente ou sua exploração pela classe patronal.

Há, no entanto, também os movimentos que objetivam fins especificamente políticos, religiosos ou acionados por grupos minoritários, como os movimentos de jovens, de camponeses, de pescadores, de bairro, de região, etc. Após 1950, este conceito ampliou-se para abranger os aspectos reivindicatórios dos grupos e classes sociais.

Na discussão atual da temática na América Latina destaca-se a contribuição intelectual de Carrillo (2011), que sintetiza as características dos movimentos sociais, como sendo um fenômeno social estruturado; ações coletivas, não

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individuais; protagonistas de mudanças sociais; elaboram campanhas, agendas e programas, em torno de suas reivindicações; empregam repertórios de protesto; uma experiência social organizada; possuem continuidade no tempo; contribuem na formação da identidade coletiva de seus integrantes; provocam mudanças culturais.

Esse autor apresenta uma classificação dos movimentos sociais, ressaltando, contudo, que as distinções entre eles nem sempre são inflexíveis. Fala em novos movimentos sociais, que não são exclusivos das classes trabalhadoras, mas compostos por outros atores, como mulheres, homossexuais, pacifistas e ecologistas, antiglobalização.

Paludo (2008) ao analisar a discussão feita por Gonh (1997), sobre os Novos Movimentos Sociais, comenta que os mesmos se mostram contrários aos tradicionais e não possuem o caráter de classe internalizado, como os movimentos sindicais e operários que se localizavam em torno do mundo do trabalho. Estes novos movimentos são os movimentos de mulheres, contra a fome e outros que apresentam práticas e objetivos diferentes. Diz, ainda, que a teoria que sustenta os NMS não está completa. “O que temos é um diagnóstico das manifestações coletivas contemporâneas que geraram movimentos sociais e a demarcação de suas diferenças em relação ao passado” (1997, p.129).

Gonh (2011, p. 334) destaca duas formas de interação dos movimentos sociais com a educação:

A relação movimento social e educação existe a partir das ações práticas de movimentos e grupos sociais. Ocorre de duas formas: na interação dos movimentos em contato com instituições educacionais, e no interior do próprio movimento social, dado o caráter educativo de suas ações. No meio acadêmico, especialmente nos fóruns de pesquisa e na produção teórico-metodológica existente, o estudo dessa relação é relativamente recente. A junção dos dois termos tem se constituído em “novidade” em algumas áreas, como na própria Educação – causando reações de júbilo pelo reconhecimento em alguns, ou espanto e estranhamento – nas visões ainda conservadoras de outros.

Dentro dessa visão, podemos dizer que nos movimentos em questão de pesquisa acontece de forma bastante acentuada a segunda forma de interação, a qual gera a necessidade de busca, contato com as instituições de educação formal.

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Seguindo essa linha de pensamento, Paludo (2008) também nos explica que no Brasil, a questão da reforma agrária, faz com que insurjam e se articulem vários movimentos sociais no campo. Na década de 70, com o crescimento elevado da pobreza, alguns trabalhadores, principalmente os do campo, começam a se articular no processo político nacional. Os movimentos sociais no campo viviam uma situação bem dispersa, ou seja, as ações ocorriam em várias direções e os participantes se envolviam com suas ansiedades, esperanças e decepções.

Os movimentos sociais estão presentes na história política do Brasil, na atualidade os mesmos são diferentes dos anteriores, pois estão em constantes mudanças. Por se tratar de uma forma de organização de pessoas, os movimentos sociais também estão em permanente movimento, assim como os homens que são seres inconclusos.

As questões acima referidas podem ser compreendidas com o auxílio dos pensamentos de autores como Gramsci, comentado na obra de Grzybowski (1990), que afirma que os movimentos sociais aparecem como síntese dialética de elementos objetivos e subjetivos, de conteúdo e de forma. Isso demandaria uma revisão da história dos movimentos, mas tal tarefa não é a que perseguimos, no momento, pois para nós interessa especificamente a organização dos pescadores. Assim como num processo de lutas e enfrentamentos dos movimentos sociais de trabalhadores(as) do campo, foram se formando saberes de emergência que resultaram na aquisição de um domínio da consciência da identidade coletiva e da compreensão crítica de seu mundo, de suas práticas sociais e culturais (GRZYBOWSKI, 1990), também entre os pescadores houve esse processo de lutas e de forma minimizada o enfrentamento com a ordem estabelecida.

A revisão sobre movimentos sociais foi empreendida por vários estudiosos, como podemos observar através das últimas edições 34ª, 35ª e 36ª da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação – Anped, em especial no Grupo de Trabalho (GT3) que tem como tema Movimentos Sociais e Educação.

A opção por recorrer à Anped para ter elementos sobre o estado da arte da temática se dá em razão do caráter da Associação de educação, mas que vincula à

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educação a campos correlatos diversos; idoneidade da Associação; textos atuais, crítica e teoricamente bem fundamentados.

Na Anped são debatidos os problemas socioeconômicos e políticos, destacando os grupos e movimentos sociais envolvidos. A mesma se dá a partir de grupos de trabalho e pesquisa, mesas e debates tratando temas como a relação movimento social e educação, com isso encontramos embasamentos suficientes relacionados à nossa pesquisa.

Assim como a Anped que tem auxiliado o desenvolvimento desta pesquisa, temos a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, que nos proporcionou a possibilidade deste trabalho através do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, mais especificamente na Linha 3 - Educação popular em movimentos e organizações sociais, que tem como finalidade investigar as concepções e as práticas de educação em movimentos sociais, em organizações de solidariedade e em espaços escolares.

O Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências também disponibiliza a Revista Contexto & Educação que reúne artigos sobre diversos temas da educação publicando trabalhos de suma importância para a pesquisa no que se refere a Educação Popular e aos Movimentos Sociais, onde vários números da revista tratam dessas temáticas.

A Contexto & Educação se identifica com os latino-americanos, pois na edição nº 23 do Ano VI, Julho/Setembro 1991, a mesma assume caráter oficial de revista bilíngue – português e espanhol, tendo como objeto temático abrangente a educação na América Latina e no Caribe, contando com a colaboração de artigos assinados por educadores de diversos países latino-americanos, assim como ocorre com a Revista La Piragua5.

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Revista Latinoamericana y Caribeña de Educacion y Política, do CEAAL – Consejo De Educación Popular De América Latina y el Caribe, – Somos un movimiento de Educación Popular, que como Red, actúa y acompaña procesos de transformación educativa, social, política, cultural y económica, de las sociedades latinoamericanas y del Caribe, en escenarios locales, nacionales y regionales, en diálogo con el mundo, a favor de la soberanía e integración de los pueblos, la justicia social y la democracia, desde las perspectivas de los derechos humanos, la equidad de género, la interculturalidad crítica y una opción ética, pedagógica y política emancipadora.

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Ressaltamos ainda, que a UNIJUÍ é uma universidade reconhecida nacionalmente e internacionalmente, que tem desde a sua fundação a preocupação com temáticas voltadas para a Educação Popular e Movimentos Sociais. Pois segundo Marques (1984, p. 35), que foi um dos idealizadores desta instituição de ensino, a mesma:

haveria de abrir as portas para todos, falar ao povo a linguagem do povo, de ministrar cursos de extensão para difundir a cultura e cursos populares(como preparação ao casamento, de psicologia prática, de pedagogia para pais e educadores), haveria de penetrar todos os lares através da imprensa, para “salvar” o homem do interior.

Baseados nessa concepção de Universidade é que investimos nesta pesquisa, no sentido de levar adiante, uma vez que é também nosso compromisso pessoal estar presente e ser fomento de causas de mudanças e de lutas por um a sociedade melhor.

Na tentativa de melhor demonstrar como vem ocorrendo as pesquisas no meio acadêmico apresentamos o quadro a seguir:

Quadro 1: Pesquisas no meio acadêmico

Período Local Grupo de trabalho Temas Autores referência

2011 – 34ª Reunião

Natal – RN Movimentos sociais e educação

As novas configurações dos movimentos sociais no campo

da educação, relações entre movimento social e Estado, relação de trabalho e educação

na escola de assentamento, movimentos sociais e Universidade, entre outros.

Alain Touraine, Alberto Melucci, Antonio Gramsci,

Brandão, Miguel Arroyo, Maria da Glória Gohn, Paulo

Freire, Edward Paul Thompson, Karl Marx.

2012 – 35ª Reunião Porto de Galinhas – PE Movimentos sociais, sujeitos e processos educativos MST, via campesina e educação, a relação de saberes

na construção da prática educativa do MST, juventude em escolas famílias agrícolas, o

movimento social afrocolombiano e a educação

própria, repercussões da experiência militante em outras

esferas da vida, escola rural multisseriada.

Ilse Scherer-Warren, Brandão, Miguel Arroyo, Maria da Glória Gohn, Paulo

Freire

2013 – 36ª Reunião

Goiânia – GO Movimentos sociais, sujeitos e processos

educativos

Educação popular, educação não formal e pedagogia social, Movimentos sociais, educação

do campo e direito, A democratização da educação superior nos assentamentos, novas desigualdades, Exclusão escolar juvenil no Ensino Médio.

Paulo Freire, Moacir Gadotti, Plínio de Arruda Sampaio,

Miguel Arroyo, Alberto Melucci, Carlos Rodrigues

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Observa-se que nas 34ª, 35ª e 36ª reuniões do GT03, alguns referenciais repetem-se em vários trabalhos, conceituando movimentos sociais e as formas de organizações dos sujeitos, mostrando assim, que os conceitos e as práticas vão sendo aprimorados ao longo dos períodos, o que contribui para a manutenção de uma perspectiva mobilizadora e organizativa nas sociedades.

Os movimentos sociais instigaram muitas pessoas a se organizar e lutar em prol de seus direitos, logo, os pescadores, que são o objeto da nossa discussão teórica, apresentam muitas características, em seus processos formativos, condizentes com a teoria de Freire, sendo que, a organização de pessoas em busca de melhores condições de vida, acabou despertando nestas o poder de conquista e descoberta, e isso inquieta os poderosos que acabam percebendo a força que estes sujeitos possuem.

Segundo Freire (2013, p. 72):

Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis.

Lembramos que no legado de Freire, os conceitos de opressão e oprimido, foram de grande relevância, para que camponeses, quilombolas, pescadores, entre outros se organizassem como setor de classe através dos Movimentos Sociais Populares, reforçando assim o papel da política, mas acima de tudo o lado humano e a perseverança que são essenciais nos momentos em que tudo parece perdido, resultando assim em mudanças e atitudes.

O importante, porém, é reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses das Ligas e os sem-terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da história como “façanha da liberdade”. (...) apostaram na intervenção no mundo para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está. Se os sem-terra tivessem acreditado na “morte da história”, da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia do

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27 testemunho do amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um neobobismo que nada constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos discursos que falam que o que vale hoje é “pouca conversa, menos política e só resultados”, se, acreditando nos discursos oficiais, tivessem desistido das ocupações e voltado não para as suas casas, mas para a negação de si mesmos, mais uma vez a reforma agrária seria arquivada (FREIRE, 2000, p. 28-29).

Esta ideia de emancipação também está presente nas reflexões de Zitkoski no que se refere à Educação Popular e os Movimentos Sociais (2010, p. 4):

a EP e os MS, por constituírem-se como possibilidades que corroboram para um poder emancipatório, que historicamente tem sido atrofiado nas sociedades latino-americanas, se apresentam na atualidade como uma exigência fundamental nas reflexões sobre a humanização da vida em sociedade. Pois, é na práxis transformadora de ambos que os povos latino-americanos vem acumulando saberes e formas de organização social que buscam ressignificar o paradigma vigente (que orienta os processos de produção e reprodução social orientado, prioritariamente, a partir da lógica do mercado/capital).

Tendo como referência a importância da Educação Popular e dos Movimentos Sociais, com base nos elementos teóricos acima levantados, partimos para uma busca de entendimento de como se dá na vida dos pescadores essa luta pela valorização do ser humano.

1.2 ORGANIZAÇÃO DOS PESCADORES

No Brasil, os pescadores foram de suma importância para o desenvolvimento de nosso país, sendo que essa participação vem de longa data, mas oficialmente na história uma das primeiras aparições dos pescadores, encontra-se na Revolta da Cabanagem, onde os mesmos buscavam melhores condições e qualidade de vida, destarte que a história nos fala de cabanos que eram em sua grande maioria pessoas que moravam nas áreas ribeirinhas da Amazônia, ou seja, sabemos que ao falarmos em pessoas que moram próximas aos rios, estamos falando quase que em sua integralidade de pescadores.

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Na revolta referida anteriormente, os pescadores não estavam organizados em associações ou sindicatos. Essa organização começa a ocorrer por interesse governamental na década de 30.

No Brasil, os pescadores começaram a se organizar a partir da criação pelo governo federal da Conferência Nacional de Pescadores, da Federação Estadual de Pescadores e das Colônias de Pesca, em 1930.

Por volta dos anos 1970, pescadores artesanais, mediados pela ação de pastorais sociais vinculadas à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB - iniciam ações que os levaram à construção de um movimento social que expressasse seus problemas e necessidades e organizasse suas lutas, sendo que esses trabalhadores passaram a apresentar algumas características do que Marx e Engels chamaram de proletariado associadas a traços identitários das parcelas marginalizadas das populações.

A criação do MONAPE (Movimento Nacional dos Pescadores) teve como objetivo discutir com esses sujeitos suas condições de trabalho. Para isso, esse Movimento desenvolveu uma política no sentido de mobilizar os pescadores para se fortalecerem em suas organizações como movimento social, o que possibilitava que esses trabalhadores discutissem as formas de captação de recursos financeiros para o desenvolvimento da pesca artesanal.

[...] o grande papel do MONAPE era fazer com que os pescadores adquirissem maior clareza de sua própria situação e assim, de forma organizada, pudessem construir um sindicato capaz de melhorar e buscar recursos para o desenvolvimento da pesca artesanal. A partir de então, o movimento, com a participação de várias lideranças de diferentes Estados, assumiu o desafio de criar essa categoria (FURTADO; BARRA, 2004, p. 58).

Esse movimento teve seu início e expansão especialmente no Norte e Nordeste do país, em razão da concentração de trabalhadores e trabalhadoras dedicados à pesca nessas regiões. Muitas dificuldades enfrentaram até que começaram a ver o fruto de suas lutas, que garantiram na Constituição Federal o direito de organização desses trabalhadores. Através da criação do Movimento

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29

Nacional dos Pescadores – MONAPE, inicialmente foi possível a organização de sindicatos, permitindo mais tarde que fosse organizada a classe pescadora.

Um dos empecilhos alegados pelos pescadores, no sentido de conseguir formas de organização própria, tem sido a falta de escolarização. Como afirmou um pescador do Pará ao participar do relato das lutas e conquistas dos pescadores de sua região “Nós esbarrava no estudo, era tudo analfabeto. Nós tinha a vontade,

ganhemo a Colônia com a cara e a coragem” (MMA, 2006, p. 26).

Pois, seguindo o diagrama de estratificação social latino-americana, proposto pelo antropólogo Ribeiro (1983), que divide a sociedade em quatro classes – classes dominantes, setores intermediários, classes subalternas e classes oprimidas – vemos que os pescadores fazem parte das classes oprimidas, infra-baixas, dos marginalizados que formam as parcelas majoritárias com formas precárias e instáveis de ocupação. Essa mesma ideia se manifesta na forma atual, em que a marginalidade já não é a de pequenos grupos, mas sim de grandes grupos.

Os pescadores como classe oprimida, já não mais em decorrência de incentivos do Estado, mas por necessidade, convertem-se em força insurgente e tendem a subverter essa estrutura que lhe é radicalmente desfavorável, organizando-se na luta pelas melhores condições de sobrevivência. A organização dos pescadores em associações e sindicatos aconteceu com mais abrangência na década de 80. Nesse período ocorre uma abertura política, temos assim, ações como a criação do Conselho Pastoral da Pesca (CPP), vinculado à Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB).

O pescador constitui uma novidade, porque tradicionalmente era invisível ao sistema. Esta categoria surge como um subproduto não esperado e até indesejado de sistemas produtivos destinados a suprir mercados com mercadorias. Por isso os pescadores não são considerados desempregados porque, a rigor, eles não são empregáveis, pois utilizam uma pesca de subsistência, como estratégia de sobrevivência.

Nesse espaço, com uma forma de produção diferenciada, os saberes tradicionais e a experiência particular são sempre valorizados, mas dentro de uma

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nova forma de organização em que a história de cada um é articulada à história do grupo, sem com isso reduzirem-se a uma padronização.

Num contexto de globalização queremos destacar a forma como o MONAPE – Movimento Nacional dos Pescadores – que se caracteriza como um movimento de massas, conseguiu se firmar e adquirir sua própria identidade. Interessa também a imagem específica que os atores desse movimento fazem de si próprios, a forma de resistência dos pescadores na luta pela valorização desse setor de classe e a organização dos mesmos.

As experiências cooperativistas e de trabalho coletivo dos pescadores são uma resposta econômica a essa situação. O trabalho coletivo não chega a ser uma inovação na prática dos pescadores, pois esta modalidade de trabalho já fez parte da vivência dos ancestrais dos mesmos, na forma de mutirões, troca de serviço e outras modalidades de ajuda mútua. Neste sentido a ajuda mútua renasce como uma prática de resistência, pois conforme Morin (1995) os efeitos produzidos pela mercantilização de todas as coisas são a decadência da doação, do gratuito, do oferecimento, do serviço prestado, o quase desaparecimento do não monetário, que ocasiona a erosão de qualquer outro valor que não o atrativo do lucro e da riqueza.

O cooperativismo nas comunidades pesqueiras é visto não só como forma de sobrevivência, mas também como forma de fortalecimento das práticas solidárias e de resistência ao sistema capitalista que apregoa o individualismo e a competitividade como formas de sucesso, lembrando que a contribuição social é bem maior e bem mais valorizada do que a contribuição puramente econômica.

Segundo Frantz (2010, p.150)

A organização cooperativa, além do seu sentido econômico, constitui-se assim, em uma escola, onde se gera conhecimento, produz-se aprendizagem a respeito da vida na realidade social, certamente com profundo reflexo no processo de educação mais amplo da sociedade, deitando nela raízes de muitos de seus valores e comportamentos sociais. Dessa forma pode vir a contribuir com o desenvolvimento social. Assim sendo, a organização cooperativa, ao mesmo tempo, pode ser um lugar de produção de conhecimento, aprendizagem, de educação. O conhecimento, aprendizagem, a educação, podem se dar nas práticas políticas de comunicação e negociação, na busca das informações, nas práticas da comercialização dos produtos.

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Logo, o processo de cooperação para os pescadores é fruto tanto do amadurecimento político e doutrinário do movimento, quanto da própria experiência e amadurecimento de cada grupo em particular. As colônias e as associações dos pescadores são o resultado de um processo de lutas e enfrentamentos. As lideranças dos pescadores, na grande maioria, já possuem bases ideológicas suficientes para participar das atividades da coletividade.

A questão da identidade está associada à questão social e econômica, os pescadores se identificam como fruto de uma sociedade excludente, autoritária, mas que precisa ser transformada. Conforme Ortiz (1996), a identidade é uma construção simbólica que se faz em relação a um referente, podendo esse ser uma cultura, uma nação, uma etnia, a cor ou o gênero. E isto pode acontecer por adesão ou rejeição. As identidades são diferentes porque as instâncias que as constroem desfrutam distintas posições de poder e de legitimidade.

1.3 A HISTÓRIA DA COLÔNIA DE PESCADORES Z-21 E ASSOCIAÇÃO DOS PESCADORES DE SÃO BORJA

Conhecer um pouco da história dos pescadores artesanais de São Borja, não surgiu como algo gratuito, tivemos algumas razões que nos levaram buscar esse conhecimento.

A cidade de São Borja é conhecida nacionalmente, como já esclarecemos, por ser a Terra dos Presidentes, mas esse não é seu único atrativo, temos na mesma, um grande rio, chamado Rio Uruguai, e em suas barrancas muitas histórias foram construídas, onde ocorreram e ocorrem vários processos de humanização, assim como de desumanização. Uma cidade onde os contrastes entre os grandes latifundiários e seus peões são explícitas, não permitiria que pescadores passassem despercebidos em sua marginalidade.

Uma das grandes inquietações que nos levou até essa investigação foi um fato que pretendemos narrar em poucas linhas. Quando cursamos uma graduação em licenciatura, um dos primeiros ensinamentos que tivemos foi: conheça a realidade do educando. No ano de 2010, um ano após a conclusão do curso de

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Sociologia – Licenciatura e Bacharelado da UNIJUÍ, fomos para a sala de aula e, chegando lá, decidimos colocar em pratica tal ensinamento. Qual foi a nossa surpresa, quando uma aluna revela, em algumas frases, um pouco da sua história, o que nos deixou atônitos. A frase que mais nos impactou: “tenho muita vergonha de meu pai ser pescador, não conto para meus colegas”.

Logo, surgiram vários questionamentos como: que sociedade é essa? Em que escola essa aluna está inserida? Qual a sua localização? Quem são os pescadores que, como o pai dela ali residem? Que cidade é São Borja? O interesse por esses assuntos, fez com que fossemos procurar respostas para tais inquietações.

E embasados nessas respostas passamos a contar um pouco da história de lutas dessa classe pescadora em São Borja.

Em consonância com a organização nacional, em São Borja, os pescadores também começaram a se organizar.

No dia 21 de novembro de 1999, no bairro do Passo, ocorreu uma reunião com a finalidade de fundar uma associação de pescadores, pois os mesmos sentiam a necessidade de uma alternativa para lutar por seus direitos e também pela “vida” do Rio Uruguai que é a fonte de sobrevivência dessas pessoas.

Conforme consta na ata 001/99, um pescador afirma:

“Os direitos dos pescadores não são reconhecidos e a Marinha Argentina aterroriza os pescadores na margem brasileira”.

Encontra-se aqui talvez uma das maiores dificuldades dos pescadores deste lugar, que além de não serem respeitados por sua nação teriam um problema de nível internacional, ou seja, os oficiais “hermanos” argentinos também não os respeitavam e ainda os aterrorizavam. Esse seria um dos primeiros motivos que levariam esses homens e mulheres a começarem uma mobilização no sentido de se organizarem como uma classe.

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Conforme Elias (2000, p. 33) a “superioridade de poder confere vantagens aos grupos que a possuem”, e os oficiais da Marinha Argentina, detentores desse poder se utilizam do mesmo. O autor continua:

Assim, as calúnias que acionam os sentimentos de vergonha ou culpa do próprio grupo socialmente inferior, diante de símbolos de inferioridade e sinais de caráter imprestável que lhes é atribuído, bem como a paralisia da capacidade de revide que costuma acompanhá-los, fazem parte do aparato social; com que os grupos socialmente dominantes e superiores mantêm sua dominação e superioridade em relação aos socialmente inferiores (ELIAS, 2000, p. 131).

Com essas palavras de Elias se confirma o tom de verdade presentes nas conversas com os pescadores.

Também em estudo feito por Garcez e Sánchez-Botero (2005, p. 26), o desrespeito pelos pescadores por parte da marinha argentina continua, conforme relata:

Foi identificada no Estado a existência de conflitos entre pescadores artesanais e mineradores de areia, agricultores de arroz, pescadores esportivos e amadores, órgãos fiscalizadores como o IBAMA e a PATRAM, e agentes da Marinha Argentina, no Rio Uruguai.

A pesca artesanal no Brasil vem aos poucos sendo amparada por legislações que são criadas para melhor organizar e auxiliar os pescadores, mas de alguma forma também exercem o poder de repressão. A autora fala em IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), este é um órgão fiscalizador que foi criado em 1989, exerce o poder de polícia ambiental, executa ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, Já a PATRAM, refere-se aos patrulheiros ambientais da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, que também fiscalizam a pesca.

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Em 2003, foi criada a Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca (SEAP/PR). O órgão federal, ligado à Presidência da República, que ficou responsável por fomentar e desenvolver políticas voltadas ao setor pesqueiro no conjunto de seus anseios.

No ano de 2009, foi criado o Ministério da Pesca e Aquicultura do Brasil, atendendo ao anseio histórico dos pescadores e aquicultores do país.

Os conflitos entre pescadores e os órgãos fiscalizadores ocorrem em várias regiões, inclusive em São Borja, no entanto, não há de documentos que comprovem essas denúncias, pois segundo a Polícia Federal de São Borja não existem registros sobre o assunto.

As preocupações dos pescadores não param por ai, elas continuam sendo manifestadas; ainda na ata 001/99, outro pescador desabafa:

“A natureza sendo depredada e ninguém faz nada, existe ataques nos rios e os peixes não sobem para reproduzir”.

Surge aqui, uma preocupação não apenas de sobrevivência, mas também ambiental, a relação dos pescadores com o rio já era de cuidado, pois as águas do mesmo eram fonte de alimentação, e de subsistência, ou seja, no ano de 1999, pescadores simples e humildades, com o mínimo de instrução, já se preocupam com os famosos crimes ambientais, que hoje tanto ouvimos falar. O cuidar do Rio Uruguai por parte dos pescadores se aplicaria a conceituação de Boff (1999, p. 92):

por sua própria natureza, cuidado inclui pois duas significações básicas, intimamente ligadas entre si. A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro.

O cuidado com o outro aqui em questão não é nada menos que o Rio Uruguai, rica fonte de águas, peixes, belezas, histórias, amores, lutas, tristezas, misérias, enchentes, conquistas, enfim não teria como não existir uma relação de

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zelo, preocupação e inquietação, levando com isso, pescadores a buscarem alternativas de organização e por já estarem conscientes para preservar o lugar de onde vem o pão de cada dia dessas famílias.

Outro pescador reafirma as denúncias dos demais citados acima:

“Os pescadores além de serem desrespeitados na costa, são testemunhas das agressões que o rio sofre através da pesca predatória, do desmatamento e da poluição as águas”.

O pertencimento ao Rio Uruguai e seus entornos, faz destes homens e mulheres, sujeitos capazes de uma força inimaginável, pois ao falarmos de São Borja, uma sociedade onde os ideais capitalistas são vistos com frequência, e movimentos sociais são tidos como forma de desorganização e perigo social, ter coragem de se mobilizar em busca do novo, faz destes verdadeiros lutadores, pois segundo Boff (1999, p. 135):

... cada pessoa precisa descobrir-se como parte do ecossistema local e da comunidade biótica, seja em seu aspecto de natureza, seja em sua dimensão de cultura. Precisa conhecer os irmãos e irmãs que compartem da mesma atmosfera, da mesma paisagem, do mesmo solo, dos mesmos mananciais, das mesmas fontes de nutrientes, precisa conhecer o tipo de plantas, animais e microorganismos que convivem naquele nicho ecológico comum, precisa conhecer a história daquelas paisagens, visitar aqueles rios e montanhas, frequentar aquelas cascatas e cavernas, precisa conhecer a história das populações que aí viveram a sua saga e construíram seu habitat, como trabalhadores da natureza, como a conservaram ou a depredaram, quem são seus poetas e sábios, heróis e heroínas, santos e santas, os pais/mães fundadores da civilização local.

Esta descoberta, reconhecimento de pertencimento vai tecendo a identidade individual e coletiva e criando responsabilidades.

Na mesma linha de reflexão, afirma Callai (2005, p.236) que:

Compreender o lugar em que se vive encaminha-nos a conhecer a história do lugar e, assim, a procurar entender o que ali acontece. Nenhum lugar é neutro, pelo contrário, os lugares são repletos de história e situam-se concretamente em um tempo e em um espaço fisicamente delimitado. As

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pessoas que vivem em um lugar estão historicamente situadas e contextualizadas no mundo. Assim, o lugar não pode ser considerado/entendido isoladamente. O espaço em que vivemos é o resultado da história de nossas vidas. Ao mesmo tempo em que ele é o palco onde se sucedem os fenômenos, ele é também ator/autor, uma vez que oferece condições, põe limites, cria possibilidades.

Reiterando essas citações, no sentido de que os lugares são repletos de história, é que levamos em considerando as afirmações dos pescadores, que se manifestam de forma tão contundente, podendo dizer que, a fundação da Associação dos Pescadores de São Borja, na data de 21/11/1999, veio reforçar os movimentos anteriores, dando continuidade a uma luta por reconhecimento, valorização, sendo atores/autores principais na preservação do meio onde vivem.

Ainda na ata 001/99, observa-se que assim como em Cametá (estado do Pará), a Igreja Católica teve um papel fundamental para a consolidação dessa Associação de Pescadores, pois a reunião que antecedeu a formação da mesma ocorreu na Igreja do Passo. Ressalta-se que nesse mesmo dia estava presente a então deputada Maria do Rosário, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia do Estado, ou seja, além da participação da Igreja, nesse momento já havia um interesse dos representantes das políticas públicas de que os pescadores fossem valorizados como realmente mereciam.

Na Constituição Federal de 1988, artigo 8, parágrafo único, inciso I, estabelece: “as disposições deste artigo aplicam-se à organização de Sindicatos Rurais e de Colônias de Pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer”.

Tendo amparo na Constituição Federal de 1988, e depois de muitas mobilizações dos pescadores em todo o Brasil, as Colônias puderam elaborar seu próprio estatuto, emergindo assim, a Colônia de Pescadores Z-21 – “São Borja”, que foi fundada dia quatro de março de 2005, como consta na Ata 004, sendo a mesma uma sociedade civil de duração indeterminada, sem fins econômicos.

Para realizar a gestão das suas atividades, a Colônia possui um Estatuto que é uma adaptação ao artigo 8º da Constituição Federal de 1998, do Código Civil 10.406/2002, da Lei de Pesca 11959/2009 e da Lei das Colônias 11.699/2008. Com

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