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Pensando a atuação do psicólogo no sistema prisional

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DHE – Departamento de Humanidades e Educação Curso de Psicologia

PENSANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL

LOSANE ZIMMERMANN HINTZ

Santa Rosa – RS 2017

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LOSANE ZIMMERMANN HINTZ

PENSANDO A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO SISTEMA PRISIONAL

Trabalho de Conclusão de curso apresentado a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para conclusão do curso de Psicologia.

ORIENTADORA: Ms. BETINA BELTRAME

Santa Rosa – RS 2017

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RESUMO

O trabalho desenvolvido buscou um entendimento acerca de como pensar a atuação do psicólogo dentro do sistema prisional. Bem como, buscar compreender o que são as prisões, para que servem, quem são os prisioneiros, como está a situação dos presídios brasileiros atualmente, onde entra o trabalho do psicólogo no sistema carcerário com o sujeito encarcerado e com os demais profissionais que trabalham no sistema prisional. Quais as possibilidades de escuta clínica e de tratamento psicológico dentro dos presídios, analisando também as diretrizes a ser seguido pelos psicólogos no sistema prisional, além do mais saber utilizar a ferramenta principal do psicólogo que é a transferência, observar se há demandas por parte do apenado, obter e ampliar o conhecimento a respeito do sistema penitenciário, quem são estes sujeitos aprisionados e o que levou a superlotação dos presídios brasileiros. Portanto, há um vasto campo de trabalho a ser explorado, na área de psicologia com o sistema prisional. Utilizou-se para a pesquisas bibliográfica, desenvolvida a partir de materiais publicados em: livros, artigos, dissertações, teses e algumas anotações feita no IV Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica que aconteceu em Porto Alegre RS. Utilizou-se os seguintes autores: Foucault (1997), que traz a constituição e desenvolvimento no passar do tempo das prisões. Melman (1992), nos fala a respeito do delinquente formas de ver e interpretar o fora da lei. Goffmann (2015), relata a respeito da subjetividade do sujeito ao adentrar em uma instituição prisional. Costa (2014) desenvolveu o conceito de comportamento antissocial, dentro das prisões. Portanto, pensar na atuação do psicólogo no sistema prisional perante o sujeito encarcerado, é um trabalho possível e faz se necessário, para poder aos poucos mudar a realidade do sistema prisional, a escuta com uma boa transferência do psicólogo, tem resultados positivos nos trabalhos para recuperação dos apenados.

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ABSTRACT

The work developed sought an understanding about how to think the performance of the psychologist in the prison system, what are the prisons, what are they serving, who are the prisoners, how is the situation of the Brazilian prisons at present, where the psychologist's work enters the system prisoners with the incarcerated prisoner and with the other professionals working in the prison system, the possibilities of listening to the prisoners and psychological treatment within prisons, also analyzing the guidelines to be followed by psychologists in the prison system, as well as knowing how to use the main tool of the psychologist who is the transference, to observe if there are demands on the part of the victim, to obtain and to increase the knowledge about the penitentiary system, who are these subjects imprisoned and what led to the overcrowding of the Brazilian prisons. So there is a vast field of work to be explored, in the area of psychology with the prison system. It was used for bibliographic research, developed from materials published in: books, articles, dissertations, theses and some notes made at the IV South-Brazilian Symposium on Legal Psychology that happened in Porto Alegre RS. The following authors were used: Foucault (1997), that brings the constitution and development over time of prisons. Melman (1992), tells us about the delinquent ways of seeing and interpreting the outlaw. Goffmann (2015), reports on the subjectivity of the subject when entering a prison institution. Costa (2014) developed the concept of antisocial behavior within prisons. Therefore, thinking about the psychologist’s performance in the prison system before the incarcerated subject is a possible job and, if necessary, in order to gradually change the reality of the prison system, listening whit a good transference from the psychologist, has positive results in the work for recovery of grievances.

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SUM ÁRIO

INTRODUÇÃO ...5

1. O QUE É, E PARA QUE SERVE UMA PRISÃO ...7

2. A ESCUTA DO SUJEITO ENCARCERADO ...16

2.1. ALGUNS TRABALHOS COM APENADOS ...32

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...35

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INTRODUÇ ÃO

A fim de obter conhecimento na área de psicologia dentro do sistema prisional, buscou- se o entendimento através de investigação bibliográfica e informações obtidas através da participação no Simpósio sul Brasileiro de Psicologia Jurídica de Porto Alegre RS, de alguns temas que cercam o trabalho do psicólogo, com o sujeito encarcerado e em especial, de como fazer uma escuta clínica do sujeito em situação de encarceramento prisional, e como estes devem pensar o trabalho dentro de uma penitenciária sendo, livre de preconceitos e julgamentos, com ética e profissionalismo, além do acolhimento e dos laudos perícias, como também fazer acompanhamentos clínicos individuais, e em grupos com os apenados

Portanto, o trabalho do psicólogo pode facilitar a vida dentro da penitenciária e após cumprimento da pena, poder ajudar além do cárcere, fora do sistema prisional.

Deve-se também ampliar o conhecimento profissional, na área de psicologia Forense, psicologia Jurídica e psicologia penitenciária, em relação ao sujeito que cumpre pena.

Este trabalho pontua as demandas acerca do papel do psicólogo com o sujeito encarcerado, e essencialmente, como fazer ele se questionar para se reposicionar psíquica e socialmente. Dentro e fora da prisão, identificar qual a importância do fazer do psicólogo em uma instituição prisional, analisar a possibilidade de trabalho individual e/ou em grupos com os apenados, e demais profissionais que trabalham com os apenados, deste modo a escuta clínica no sistema prisional, poderá obter resultados positivos. Nas situações atuais que se encontram os presídios, buscar caminhos novos de trabalho na área da psicologia, pesquisar a respeito da escuta analítica do psicólogo dentro das instituições penais, e essencialmente questionar a possibilidade do trabalho de reestrutura dos sentimentos, e a visão de si do apenado, dentro do sistema carcerário.

Pensar a atuação do psicólogo nas instituições prisionais e as leis internas dos presídios, ressaltar o funcionamento e a organização dentro de cada presídio, (como hierarquias, privilégios, castigos, submissão, obediência, etc.), destacar alguns trabalhos realizados nesta área ainda muito pouco discutida.

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Esse tipo de pesquisa tem como objetivo buscar as diferentes contribuições científicas acerca do tema, para conseguir afirmar, confrontar e acrescentar ideias, de acordo com o tema.

Para falar sobre a escuta do sujeito no cárcere, desde a antiguidade até os dias atuais e suas características, serão apresentados os seguintes autores: Foucault (1997), Goffman (2015), Lacan (1951), Santos (2006-2007) e Costa (2014). Já para pensar na importância do psicólogo no sistema carcerário e no desenvolvimento do sujeito, foram abordados os trabalhos dos seguintes autores: Foucault (1997), Melman (1992) e Goffmann (2015).

O trabalho está estruturado em dois capítulos. O primeiro capítulo versa a respeito das prisões. Já o segundo capítulo aborda o sujeito encarcerado e o trabalho de ressocialização dentro do sistema prisional, destacando sempre, a atuação do psicólogo no sistema prisional. Ainda no segundo capítulo foi acrescentado um sub tópico, que contém alguns exemplos positivos de trabalhos realizados dentro dos presídios. Em seguida as considerações finais e as referências bibliográficas que embasam este estudo.

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1 O QUE É, E P AR A QUE SERVE UMA PRIS ÃO

Este primeiro capítulo inicia-se com a descrição da prisão como instituição: para que foi criada; o espaço físico; tipos de prisão para o cumprimento das penas (prisão de regime fechado, semiaberto e aberto), pelo qual o apenado é submetido. Traz também as dificuldades e problemas pelo qual os presídios atualmente passam, e ainda os campos da psicologia que mais se envolvem no trabalho com os presidiários, como a psicologia jurídica, a psicologia forense e a psicologia penitenciaria.

Vale ressaltar que a prisão se fundamenta em seu papel de supostamente ser ou exigir mecanismos, como se fosse um aparelho para transformar os indivíduos que cometem algum crime, e assim, considerados imorais perante a sociedade, com o intuito de socializa-lo ou transformando-o em um cidadão de bem, com uma conduta moral aceitável pela sociedade. Contudo, não é o que se percebe. Ao retirar o sujeito da sociedade, ele se torna um excluído, e a prisão não consegue torná-lo dócil, não podendo (re) produzir um cidadão apto a conviver na sociedade, além do mais, reforça em alguns casos seu caráter violento e agressivo, assim, acaba por ressaltar ainda mais a agressividade.

Segundo Foucault (2010, p. 219):

A prisão Não foi primeiro uma privação de liberdade a que se teria dado em seguida uma função técnica de correção; ela foi desde o início uma “detenção legal” encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma, o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos.

Na perspectiva de Leite (2011), as prisões, como local de cumprimento das penas de privação de liberdade, surgiram no cenário mundial na passagem do século XVIII para o século XIX, mesmo antes de haver uma sistematização das leis jurídicas. Como um mecanismo das sociedades civilizadas e modernas, as prisões são consequência de uma mudança no modo de significar o crime, ou seja, a concepção de crime deixa de ser uma falta e passa a ser tomada como uma infração contra a sociedade ou contra o pacto social, que preza pelo bem-estar comum. Desse modo, as pessoas que atentassem contra a ordem social deveriam ser retiradas do convívio

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dos demais e colocadas sob o regime disciplinar e corretivo imposto pelas leis comuns aos cidadãos, disciplinando o infrator a ser apto a conviver na sociedade como cidadão de bem.

Para tanto, espaço físico, estrutura institucional chamado de presídio, penitenciária, modulada, cárcere prisional, cadeia, entre outros, seria para manter o sujeito, trancado, onde retira-se deste, a liberdade de ir e vir, mantendo-o confinado em um local. Tais contenções constituem-se de edificações construídas com meios para evitar a fuga ou evasão do preso, tais como: murros altos e paredes grossas e reforçadas, isolamento do meio urbano, grades, cercas de arrame farpado, vigilância constante, divisão em celas, galerias (GOFFMAN, 2015). São as masmorras, porões e torres de outrora, que encarceravam o criminoso.

Sendo assim, a prisão, que nos primórdios surgiu como um instrumento substitutivo da pena de morte, das torturas públicas e cruéis, com o passar dos anos, se tornou local para cumprimento da pena com o intuito de re-socializar e reabilitar o sujeito condenado a viver novamente em sociedade. Atualmente não consegue corrigir o apenado no período que passa na prisão, passando a ser, apenas, uma escola de aperfeiçoamento do crime (ARRUDA, 2017). Por não proporcionar condições adequadas dentro das instituições para o cumprimento com dignidade humana e o descaso na aplicação das leis para com o sujeito que ali se encontra, acabam sendo alguns dos fatores, para que estes indivíduos apenas aumentam seu conhecimento e aperfeiçoam seus impulsos criminais devido ao convívio diário com presos de todos os níveis criminais e a ociosidade dentro das prisões.

Observa-se que a atual realidade prisional traz em si resquícios de uma história marcada por crueldades e torturas. Na antiguidade, as prisões eram apenas para custódia até o julgamento e execução, e não a punição propriamente dita. Portanto, o local onde se mantinha os prisioneiros, não necessitava de ser um espaço que oferecesse dignidade e conforto, por ser um local transitório deste sujeito, que teria cometido algum crime contra o cidadão ou a sociedade.

Segundo Carvalho (2002, p. 21) “o encarceramento era um meio, não era o fim da punição. Nesse contexto, não existia preocupação com a qualidade do recinto nem com a própria saúde dos prisioneiros. Bastava que o cárcere fosse inexpugnável”.

Portanto, era um local provisório de reclusão e acabou se tornando um local de cumprimento da pena, local onde se coloca o indivíduo retirado da sociedade por

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cometer um ato infracionário, para ali pagar a sua dívida com a sociedade por longos períodos de tempo (maioria das vezes muitos anos).

De acordo com Foucault (2010, p. 218):

Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a ideia de que a infração lesou, mais além da vítima, a sociedade inteira. Obviedade econômica-moral de uma penalidade que contabiliza os castigos em dias, em meses, em anos e estabelece equivalência quantitativa delitos-duração.

No IV Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica (2017) foi discutido que no Brasil, o sistema carcerário é conhecido especialmente por suas deficiências, físicas estruturais, como por exemplo: a superlotação das celas, causando insalubridade, fatores que auxiliam na proliferação de epidemias e no contágio de doenças, dentre elas o vírus do HIV (vírus da imunodeficiência humana) causador da AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida) e a tuberculose. Ao longo dos anos, foram vários fatores que levaram à desestruturação do sistema carcerário brasileiro tais como: a falta de investimentos e o descaso do poder público com a população encarcerada, vieram por agravar ainda mais o caos e o abandono do sistema prisional brasileiro.

Uma das consequências deste abandono é de saúde física destes sujeitos que se encontram encarcerados. Em uma recente reportagem o Jornal Nacional da Rede Globo de televisão (2017), destacou que 60% das mortes dentro dos presídios brasileiros, ocorre por motivos de saúde. As três doenças que mais matam nas prisões brasileiras são a tuberculose, a sífilis e o HIV/Aids. Calcula-se que 20% dos presos tenham o vírus do HIV.

Segundo a Lei nº 7.210, de 1 de julho de1984 (Lei de Execução Penal) o regime de cumprimento da pena de limitação de liberdade pode ser em Regime Fechado, Regime Semi-aberto e Regime aberto.

A prisão em Regime Fechado, de acordo com a Lei de Execução Penal, prevê que o detento é encaminhado ao regime fechado em caso de condenação de oito ou mais anos de reclusão, sendo obrigado a permanecer todos os dias na unidade prisional. São definidas quantas horas diárias de trabalho e de sol o detento poderá ter; tem também o direito de receber visitas, depende de cada instituição tem um dia específico, a execução da pena deve ser em estabelecimento de segurança máxima ou média. Neste caso, a cela deve ter no mínimo 6 m² e, em caso de penitenciárias

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femininas, gestantes e mães com recém-nascidos devem ter uma área especial. O condenado fica preso o tempo integral e só sai para trabalhar em casos específicos. Para progredir para o Regime Semiaberto, o condenado precisa cumprir um sexto de sua pena e ter bom comportamento atestado pelo diretor do presídio e pelo psicólogo.

A prisão em Regime Semiaberto, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não sendo caso de reincidência, o regime semiaberto destina-se para condenados entre quatro e oito anos dependendo do caso. Nesse tipo de cumprimento de pena, o apenado deve retornar à unidade penitenciária à noite para dormir lá. Além disso, o detento tem o benefício de reduzir o tempo de pena através do trabalho, um dia de pena é reduzido a cada três dias trabalhados. O cumprimento da pena deve ocorrer em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, empresas que possuam convênio com a instituição prisional. Nesta situação de cumprimento da pena o condenado poderá ser alojado em locais coletivos, devendo obrigatoriamente dormir na prisão, tendo horários específico para a entrada e saída do alojamento. A Lei de Execução Penal, prevê que o condenado vá para o regime aberto com as mesmas condições físicas e psíquicas, cumprindo um sexto da pena, e ter bom comportamento.

A prisão em Regime Aberto é para aqueles sujeitos condenados a quatro anos ou menos, sem que tenha reincidência de crime. Nesse regime, o detento deve trabalhar, frequentar cursos ou exercer qualquer outra atividade autorizada durante o dia e recolher-se à noite em casa de albergado, que é um presidio de segurança mínima ou estabelecimento adequado ou ainda na própria casa, as limitações, neste caso são menores. Nestes casos, os presos permanecem apenas para dormir e aos finais de semana, e tem-se atualmente implantado em alguns apenados a tornozeleira eletrônica (devido ao alto custo deste equipamento, faltam recursos para poder implantar em todos neste regime), através do qual pode-se rastrear por onde anda este sujeito, que está no regime aberto de prisão, cumprindo sua pena.

Sendo assim a LEP- (Lei nº7 210 de 11 de julho de1984, artigo 88) de acordo com as normas brasileiras quanto à execução penal, as celas devem possuir no mínimo seis metros quadrados, ventilação deve ser adequada (as celas devem ser arejadas), e deveriam possuir condições humanas de sobrevivência para os atuais e futuros ocupantes. A função social da pena privativa de liberdade, é que, durante o seu cumprimento, o preso possa ser readaptado à sociedade, passando por uma

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mudança psíquica, reestruturando seu comportamento, de modo que possa evoluir como sujeito para quando retornar ao convívio social, a intenção é que este sujeito saia melhor do que era antes do cometimento do crime que o levou para a prisão, isto é, saia um novo sujeito moralmente apto a conviver na sociedade, mas infelizmente não é isso que acontece no Brasil, devido as inúmeras falhas no cumprimento das leis, ocasionando o descaso no sistema carcerário.

O Brasil possui uma das mais avançadas leis de execuções penais do mundo, em termos humanitários. Entretanto, as falhas na aplicação das mesmas resultam em grande crescimento nos índices de reincidência, o que nos leva a pensar que as prisões no Brasil estão distantes de serem recuperadoras. Pelo contrário, as mesmas estão proporcionando ao preso uma verdadeira formação profissionalizante no crime (SILVA e CARVALHO, 2010, apud MOUTINHO e PUCKAR, 2017).

Arruda (2017) aponta que desta forma, é possível pensar que devido à falta de ocupação ou de trabalho para os apenados, estes possuam mais tempo para arquitetar, planejar e organizar estratégias de manipulação, aperfeiçoando seus atos criminosos para quando retornarem à sociedade. Ou seja, a ociosidade faz com que os presídios sejam transformados em base de comando para os detentos, uma vez que eles comandam o crime dentro e fora da prisão. Deste modo, o Estado gasta dinheiro público, não consegue reabilitar o apenado, e a sociedade continua sem segurança quando este retornar para a sociedade. É importante salientar que aproximadamente 82% dos detentos no Brasil não trabalham, além disso, perdem o hábito do trabalho neste período que passam na prisão, devido à grande ociosidade do tempo. Ademais, dados indicam que o preso ocioso é caro, inútil e nocivo para a sociedade. No Brasil, o custo mensal do preso é três vezes maior do que a manutenção de um aluno na escola pública do ensino fundamental, no entanto, este é um dos apontamentos, devido ao aumento da população carcerária, pela falta de investimentos na escolaridade da população mais pobre.

Sem educação básica adequada quando o sujeito é encaminhado para a prisão ele se depara, com um mundo de restrições, além do mais, muitas vezes, o que ocorre é o fato dos direitos básicos inerentes à dignidade humana serem desrespeitados, no atual modelo de funcionamento dos presídios que não oferecem uma estrutura adequada aos prisioneiros. A deficiência de políticas públicas comprometidas com os direitos humanos, voltadas à população carcerária, contribui para uma postura mais

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violenta e agressiva por parte dos prisioneiros, incitando maior vulnerabilidade aos vícios e degradações (BARRETO, 2006, apud MOUTINHO e PUCKAR, 2017).

Portanto, a população carcerária tem crescido em larga escala e o sistema prisional tem sido o destino de muitos jovens, principalmente os mais pobres e sem escolaridade, pois buscam na delinquência, no tráfico de drogas, nos roubos, obter o lugar de posição de poder aquisitivo, gerado pelo consumismo capitalista, a posição social perante os demais do seu grupo (RAUTER, 2007 apud ARRUDA, 2017).

Destacam-se ainda outras problemáticas próprias do contexto prisional brasileiro como: superlotação, carência de recursos, material e humano, instalações físicas inadequadas, dentre outras questões que favorecem um cenário propício para disseminação de doenças, agravando ainda mais a situação das pessoas privadas de liberdade (LEAL, 1998 apud BARRETO, 2006).

Deste modo, é certo que a eficácia do processo de reintegração social provém do suporte oferecido aos internos durante e após o cumprimento da pena. A privação de liberdade, por si só, não traduz a mudança esperada pela sociedade (MEULLER, 2014, apud MOUTINHO e PUCKAR, 2017). O sujeito é colocado em uma prisão e é esquecido momentaneamente, apenas quando está perto de receber sua liberdade é lembrado e aí o que fez neste período, enquanto o tempo apenas passou, ou seja, tempo desperdiçado, de uma vida sem sentido, nada foi produzido nem desenvolvido para melhorar a vida deste sujeito que ali se encontra, não recebeu nenhuma instrução (educação-moral), educação profissionalizante, muito menos foi trabalhado psiquicamente a respeito do crime que o colocou ali nesta prisão. Estes são alguns dos motivos para que se devesse repensar sobre as políticas públicas do sistema carcerário, também para pensarmos na atuação do psicólogo no sistema prisional como um todo.

Deve-se refletir sobre o fazer dos profissionais da psicologia, que também exercem um papel importante ou mesmo indispensável para com a população que está retida, e que em algum momento, deverá retornar para o convívio em sociedade. No entanto o que esperar deste sujeito, que volte melhor ou pior que entrou? Este é um campo que ainda tem muito a ser explorado pela área da psicologia, as demandas são muitas, mas as barreiras do trabalho com o próprio apenado ainda são muito grandes. Por isso que se deve construir um saber, a respeito de todos os temas que cercam a vida de um sujeito encarcerado.

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Um dos conceitos a ser explorado, deve ser a Psicologia Jurídica, que é o campo da psicologia que agrega os profissionais que se dedicam à interação entre a psicologia e o direito. A principal função dos psicólogos no âmbito da justiça é auxiliar nas questões relativas à saúde mental dos envolvidos em um processo. Quando se fala de psicologia jurídica a primeira imagem que vem em nossas mentes é o psicólogo que tenta entender uma mente criminosa, que trabalho no fórum com os juízes ou que atue apenas junto aos presos. Contudo, a psicologia jurídica vai, além disso. Ela é a área da psicologia que está em correlação com Direito, tanto nas questões teóricas como práticas (VIANA, 2008).

No Brasil, o termo psicologia jurídica é o mais usado. Entretanto, há profissionais que preferem a nomenclatura de psicologia forense. O termo forense traz à ideia de fórum, tribunal, já a palavra “jurídica” dá um sentindo mais amplo e abrange os conhecimentos do Direito. Assim, a palavra “jurídica” torna-se mais abrangente por referir-se tanto aos procedimentos ocorridos nos tribunais, quanto àqueles que são frutos da decisão judicial ou ainda àqueles que são de interesse do jurídico ou do Direito (VIANA, 2008). Já a psicologia forense é uma das atividades do psicólogo, que é relativa à descrição dos processos mentais e comportamentais, conforme o uso de técnicas psicológicas reconhecidas, respondendo estritamente à demanda judicial, sem emitir juízo de valor (SILVA, 2009, apud PORTAL EDUCAÇÃO, 2015).

Nesse sentido, vale lembrar que o psicólogo responde judicialmente pelos efeitos e resultados da medida judicial pautada pelo seu trabalho (SHINE, 2008, apud SANTOS e SILVA, 2017). A área da psicologia jurídica nasce em um espaço no qual o psicólogo coloca os seus conhecimentos a serviço do juiz (o julgador), trazendo a este âmbito a dimensão da realidade psicológica dos agentes envolvidos (SILVA, 2009, apud PORTAL EDUCAÇÃO, 2015).

A psicologia forense situa-se na confluência de vários saberes (FONSECA, 2006, apud PORTAL EDUCAÇÃO, 2015). Com múltiplos profissionais de várias áreas, tais como: o Direito, a Psiquiatria, a Medicina, o Serviço Social, a Sociologia, a Antropologia e com áreas da própria Psicologia (exemplo: desenvolvimento, experimental, cognitiva, clínica, avalição psicométrica, entre outras). Assim, a multiplicidade de saberes e de competência é uma das marcas da Psicologia Forense. Ainda existe também a psicologia penitenciária, subespecialidade destinada a promover a reabilitação e reintegração social do sujeito aprisionado. A psicologia

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jurídica penitenciária é um campo da psicologia, que utiliza os conhecimentos da disciplinada de psicologia para ajudar aos sujeitos encarcerados a melhorar suas futuras possibilidades de reabilitação e reinserção social, evitando a reincidência criminal (REDONDO, 2000).

Além disso, foi apontado no IV Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica (2017), que o caminho indispensável a ser percorrido pelo profissional da psicologia em uma instituição prisional, deve partir do pressuposto de obter conhecimento do local. Quem são e qual os profissionais ali envolvidos com o trabalho, como por exemplo os agentes penitenciários, a organização, a direção dos trabalhos realizados neste local (pois cada presídio tem suas normas e regras internas de funcionamento), quem são os carcereiros ou chaveiros1, qual a demanda da população deste presídio, assim como também deve-se saber escutar este preso, seu crime, o que o levou ao mundo do crime, a vida da marginalidade, suas patologias, crises, etc., para que tudo isso se torne possível é preciso fazer uma boa transferência institucional, demostrando confiança e ética profissional com todos envolvidos neste trabalho.

O psicólogo deve-se posicionar com a ética profissional da psicologia a fim de poder escutar sem julgar e sem preconceitos. Mas também, o psicólogo precisa estar instigado para trabalhar com estes sujeitos excluídos e ignorados da sociedade. Deve estar consciente de que, na maioria das vezes, vai se deparar com um mundo de brutalidade, ódio, manipulação, revolta, um sub-mundo que estes apenados vivem. Contudo há um rico espaço de trabalho a ser feito, pois há um sujeito, um ser humano, que apesar dos crimes que possa ter cometidos, não nasceu criminoso, há toda uma caminhada para chegar neste ponto de ser um fora da lei, fora dos padrões morais e sociais. Espera-se que em algum momento possa poder se resgatar este sujeito, que continua sendo um ser humano, e apesar de tudo ele tem sentimentos, consegue sorrir e viver com harmonia neste local, e possui esperança de quando sair da prisão poder encontrar mundo melhor de viver.

Deste modo entra um trabalho de investigação, investimento, escuta e intervenção psíquica do saber do psicólogo, para resgatar este sujeito da

1 Estes, em sua maioria são os que ficam com a chave das celas para abrir no momento da revista ou

quando um apenado é retirado ou colocado para dentro da cela, para os agentes penitenciários ou de segurança, são presos que obtém a confiança dos administradores do presidio e dos agentes penitenciário

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criminalidade, onde em algum momento ele possa se colocar na posição de cidadão, de direitos e deveres com a sociedade, e não mais como um marginalizado, excluído socialmente atrás dos muros. Deve-se colocar este sujeito novamente no discurso social de pertencimento. Nesta linha de pensamento, apresenta-se a seguir a segunda parte deste trabalho, que aborda a questão do desenvolver o fazer, as estratégias e as intervenções, e as diretrizes a serem seguidas pelo profissional da psicologia com o sujeito encarcerado dentro do sistema prisional.

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2 A ESCUT A DO SUJEITO ENC ARCER AD O

Este capítulo abordará o sujeito dentro da prisão, desde o momento que ele entra, como se adapta, convive, aceita e reage, e também, quem ele é, e o que ele muitas vezes se torna, destacando também o trabalho da psicologia dentro do sistema prisional.

De acordo com as Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do sistema prisional brasileiro (DEPEN, 2007, p.32):

[...] A partir do século XIX, a Psiquiatria e a Psicologia invadiram os tribunais para mostrar a juízes e jurados que, por trás dos crimes, havia ‘o criminoso’. Compreendê-lo significava reconhecer uma circunstância ‘atenuante’ [...]. Acontece que (descoberta de Michel Foulcault) essa atitude generosa também respondia à vontade de policiar o comportamento humano. [...] A novidade da lei moderna é a seguinte: criminosos são os atos, nunca os sujeitos [...].

Neste contexto, parte-se do o pressuposto de que por traz de cada crime o psicólogo tem um sujeito a ser trabalhado psiquicamente.

Na perspectiva de Goffman (2015, p. 27):

O processo de admissão em uma prisão pode ser caracterizado como uma despedida e um começo, e o ponto médio do processo pode ser marcado pela nudez. Evidentemente, o fato de sair exige uma perda de propriedade, o que é importante porque as pessoas atribuem sentimentos do eu àquilo que possuem. Talvez a mais significativa dessas posses não seja física, pois é nosso nome; qualquer que seja a maneira de ser chamado, a perda de nosso nome é uma grande mutilação do eu.

No primeiro momento que o sujeito entra na instituição presidiária, passa por uma triagem onde é submetido a uma revista total, inclusive íntima, totalmente despido, são retirados seus pertences particulares, ele só tem o direito de entrar com a roupa do corpo e um par de chinelos de dedos nos pés e recebe um colchão denominada espuma, e um cobertor denominado pega pulga. Como destaca Barreto (2006) citado por Moutinho e Puckar (2017), ao ingressar no sistema prisional o sujeito perde sua identidade, sendo identificado por um número de matrícula, sendo mais um número nas estatísticas dos presídios brasileiros, rotulado até mesmo pelo artigo da

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lei que foi violado por ele, ou ainda nomeado pela sentença que o condenou, toma-se como exemplo uma pessoa que pega muitos anos de cadeia, é chamada de perpétua. Cria-se uma nomeação para este sujeito, sempre relembrado o motivo pelo qual ele está ali, sua falta com a sociedade.

Assim, seres humanos tão diferentes em sua singularidade, dentro dos presídios são igualados aos demais apenados por terem cometido algum tipo de crime (BARRETO, 2006, apud MOUTINHO e PUCKAR, 2017). Quando o sujeito é encaminhado para o presídio, na primeira fase de seu comprimento da pena, ele desenvolve um sentimento de abandono, um desejo de anonimato, desenvolvendo angústia e depressão. Devido a estes sentimentos, os contatos com os outros são evitados, e podem vir a reagir agressivamente quando confrontados.

Decorridos alguns dias ou semanas, num segundo momento, começa a ocorrer a aceitação, que acontece quando este percebe que foi despojado de suas defesas, satisfações e afirmações, se familiariza de que as restrições e privações são partes de sua vivência de agora em diante tem que aceitar ou fingir que aceita seu novo mundo dentro da prisão, se submetendo e se sujeitando a tudo e a todos. Sendo assim, consequentemente submetem-se a lei do mais forte ali já constituído neste local e até mesmo criando estratégias para se posicionar perante os outros (DAUFEMBACK, 2017).

Segundo Foucault (2004, p.119):

A instituição prisional é vista como um sistema que impõe com autoridade a vida daquele que se torna delinquente. Neste caso o sistema fica no lugar do suposto saber, que nomeia o sujeito fora da dialética social por produzir um sentido que rompe com o ideal de se viver. Daí busca, a todo o momento, um lugar para se ocupar novamente.

Daufemback (2017) destaca ainda que o apenado ao adentrar no sistema prisional e aos últimos dias do cumprimento da pena, passa por um forte quadro de angústia e depressão, são os períodos onde ele demostra mais fragilidade e dor psíquica, quando entra as dificuldades adaptativas, e quando sai, sente uma forte insegurança do que o espera pela frente para sua vida.

Apesar do discurso consistente da instituição, baseada nas estratégias de vigilância e controle do comportamento do preso, existe um lugar de acolhimento, neste momento o trabalho do psicólogo, orientado pela escuta analítica, aparece como

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aquele que quer saber a história do sujeito e, ao assumir esse lugar de “não saber”, introduza contingência por meio da “escuta interessada”, aquela que faz laço, abrindo espaço para o efeito surpresa no discurso e para a possibilidade de que esse encontro exerça um efeito sobre o sujeito (SANTOS, 2006-2007). No entanto para isso ser possível, o psicólogo deverá fazer uma empatia transferencial com muita ética, para que este sujeito possa submergir psiquicamente de seus conflitos internos.

No IV Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica, realizado em Porto Alegre (2017), houveram debates a respeito de questões relevantes da prática do psicólogo nos presídios brasileiros, devido a este ainda ser um trabalho muito recende e estar em desenvolvimento, tendo um longo campo de fazer do psicólogo, ainda a ser construído, pois iniciou-se sua pratica no Brasil por volta de 1970. Logo é sobre estes caminhos pouco trazidos a luz do conhecimento, que se devesse aprofundar o saber e fazer da profissão na área da psicologia do sistema prisional, apontando dificuldades e questionamentos, criando estratégias de trabalhos importantes, dando condições de abrir campos de estágios da psicologia, pois atualmente encontram-se muitas barreiras para o trabalho nesta área, um dos motivos da complexidade de inserir o estagiário, nesta área de trabalho é que desperta a fantasia do aluno, e a preparação do mesmo para atuar neste campo é imprevisível como ele vai se sustentar como profissional da psicologia.

Poder desenvolver uma escuta no sistema penitenciário, ouvir o que o apenado traz de sua vida, o que o levou entrar na marginalidade (mundo do crime), o porquê, despido de preconceito e sem julgar apenas escutar e poder em algum instante fazer alguma intervenção construtiva na vida deste sujeito, isolado da sociedade “extra muros”. Sem esquecer que dentro das prisões ele tem o convívio social daquele ambiente, que nada mais é que uma sociedade prisional, o ambiente onde e com quem ele convive diariamente.

Aqui, Benjamim (1993, p. 67) traz que:

Trata-se de compreender com a outra pessoa, como Rogers (1961, cap17) tão bem o situou. É necessário deixar tudo de lado, menos nosso senso comum de humanidade, e somente com ele tentar compreender com a outra pessoa como ele pensa, sente e vê o mundo ao seu redor. Significa nos livrarmos de nossa estrutura interna de referência e adotar a do outro. A questão não é discordar ou concordar com ele, mas compreender o que é ser com ele. Aparentemente é simples, mas, na realidade, muito difícil de realizar.

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O psicólogo deve olhar e escutar para aquele que ninguém quer que seja visto mais pela sociedade, estes sujeitos no momento que são introduzidos para dentro das prisões são abandonados e esquecidos muitas vezes até pelos próprios familiares, poder público judiciário, advogados, etc., é importante salientar que o trabalho do psicólogo, neste sentido vem contribuir, e deveria ser indispensável com os apenados, apesar de que são poucos os profissionais nesta área de trabalho dentro do sistema prisional, este é um dos motivos de pouco investimento de aperfeiçoamento da parte de formações acadêmicas.

O psicólogo não sendo necessariamente um perito, em psicologia criminal, não só trabalhando para as avaliações judiciais exigidas pelo direito, mas também como profissional do cuidado (saúde mental), oferece o olhar e a escuta individual para aqueles sujeitos que a cada minuto criam sua própria forma de sobreviver nas prisões. O que é muito importante aos sujeitos que são acolhidos, é dar a oportunidade deste se questionar e se posicionar como um ser individual, único, com suas fantasias, frustrações, medos, angústias também amor próprio, confiança em si para um dia sair desta situação de encarceramento e de marginalização e poder exercer um lugar novamente na sociedade, em sua família. Ou seja, esta escuta do individual e singular para o sujeito encarcerado, pode vir a auxiliá-lo em sua ressocialização, e a se enxergar novamente como sujeito do desejo (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2015).

Em um seminário sobre sistema prisional realizado pelo Conselho Federal de Psicologia, Oliveira Gonçalves e Mendes em (2015) relatam, que a psicologia deve estar voltada para a criação de estratégias de sobrevivência psíquica individual, do sujeito dentro de uma instituição penitenciária, todavia possa se posicionar como indivíduo dentro de um grupo institucionalizado. Possibilitando ao apenado encontrar sentido a sua vida dentro do presídio apesar da rotina diária.

É possível pensar o presídio como uma instituição total, que agrega inúmeros indivíduos, retirados da sociedade e colocados em um local fortemente vigiado, e lamentavelmente mal administrado pelo poder público, não dando sentido a esta reclusão, apenas trancando-os, tendo como objetivo a demonstração de seu caráter criminal e sua exclusão social, não dando sentido a este período que ali se encontram. Segundo Goffmann (2015, p. 11):

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Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde grande número de indivíduos com situações semelhantes, separados da sociedade mais ampla por considerável período, levam uma vida fechada e formalmente administrada. As prisões servem como exemplo claro disso.

Dados apontados por Oliveira, Gonçalves e Mendes (2015) indicam que o CFP (Conselho Federal de Psicologia) tem levantado algumas bandeiras, como o fim das prisões e dos manicômios. Portanto, o psicólogo no contexto prisional, deve pensar em estratégias de intervenção psicológicas que partam do pressuposto que o preso vive num lugar de terror e que ele faz este ambiente, de desamparo e vulnerabilidade. Devido a este ambiente ser comandado pela lei da submissão ao mais forte, a adaptação a uma vida manipulada pelo outro, sendo expostos a todo o tipo de humilhação. Então o que o psicólogo tem a ver com isso? O que se pode fazer? Onde entrar? Com a promoção da saúde e o tratamento, tanto físico como mental digno, acredita-se que possa existir uma sociedade sem prisão, assim como sem hospício.

As pessoas presas devem ser tratadas como seres humanos e cidadãos, não somente pelos psicólogos. Então, o trabalho do psicólogo, deve permitir a fala livre deste detento, mas, não se pode esquecer que para isso precisa-se conquistar a confiança do apenado e o respeito, usando a ferramenta indispensável da psicologia que é a transferência, através da qual se poderá realizar um trabalho psicológico com êxito. Para se chegar a este ponto, deve-se fazer uma longa leitura do sistema prisional e das práticas institucionais deste local, e em específico, quais as demandas desta população que se encontra encarcerada.

No entendimento de Foucault (2010, p. 252):

A prisão não pode deixar de fabricar delinquentes. Fabrica-os pelos tipos de existência que faz os detentos levarem: que fiquem isolados nas celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira não “pensar no homem em sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigos; queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se dirigi ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra os desejos da natureza? A prisão fabrica também delinquentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar as leis e a ensinar o respeito porelas; ora, todo o seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso do poder.

Aqui também pode se observar, que ao controlar a violência com a violência, geramos mais violência. O abuso de poder diante do delinquente só aumentara sua

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revolta e raiva da sociedade, o tornando mais agressivo e ameaçador do que já era antes de entrar na prisão.

Para Daufemback (2017), enquanto o Estado usa da violência para conter a violência, e o abuso de poder, não há direito penal que possa dar conta desta situação de caos no sistema carcerário brasileiro, consequentemente seria mais um dos fatores que por vezes, acabam desencadeando as rebeliões. Além disso deve-se observar também, alguns casos em que o detento passa todo o período da prisão planejando quando sair dali para se vingar de quem o colocou na prisão, sendo mais um dos dispositivos para recair novamente no crime e retornar para a prisão.

Este sujeito após entrar no sistema carcerário, conviverá no mundo da agressividade, por que neste ambiente, ele se encontra preso pela justiça que nada mais é também, que vingança da sociedade pelo delito que ele cometeu. Colocando o delinquente num quadro de exclusão retirado da sociedade, pela força brutal. O momento da prisão, já começa com muita brutalidade e agressividade, é apontada uma arma em sua direção é algemado e muitas vezes agredido fisicamente, humilhando-o verbalmente com palavras de baixo calão, colocado na traseira de uma viatura, como um animal. Ali já começa o sentimento deste sujeito de ódio e revolta, de um dia se vingar novamente por ter que passado por esta situação.

Levando em conta que, Foucault advertiu que a detenção provoca a reincidência; depois de sair da prisão, se tem mais chance que antes de voltar para ela, os condenados são, em proporção considerável, antigos detentos.

Na perspectiva de Foucault (2010, p. 251) “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade, pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta”. No Brasil aumentou assustadoramente este índice nos últimos anos. Em 2014 o Brasil possuía 622.202 detentos, e ocupava o 4º lugar, perdendo apenas para os Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237). Atualmente, o país se encontra em 3º lugar; - Brasília, 08/12/2017 – O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, divulga a edição mais recente de Levantamento Nacional de Informações Penitenciária (Infopen) – com dados consolidados referente a todo o ano de 2015 e o primeiro semestre de 2016. O número exato de pessoas presas no sistema penitenciário brasileiro somou 726.712 pessoas presas em junho de 2016, ultrapassando a Rússia.

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O relatório mostra também que 40% dos encarcerados são formados por presos provisórios. Neste total de pessoas presas 5,8% são de mulheres, equivalendo num total de 45.989 mulheres presas no Brasil, deste contingente feminino 62% das prisões está relacionado ao tráfico de drogas destas mulheres.

Os crimes relacionados ao tráfico de drogas são a maior incidência que levam os sujeitos a prisão, 28% da população carcerária total. Roubos e furtos chegam a 37%. Homicídios representam 11% dos crimes, o relatório ainda nos traz que 64% da população prisional é constituída de pessoas de pele negra, 35% de pele branca e 1% de pele amarela, em relação a faixa etária estão entre 18 a 29 anos somando um total de 55%.

Esse sujeito ao entrar na prisão se torna tutelado pelo Estado, e um dia receberá a liberdade tão desejada, mas sem condição nenhuma de reinserção social, o que pode levar o mesmo a recair na criminalidade e retornar para a prisão. Isto pode ser justificado pelas prisões alicerçadas no passado (como citado no primeiro capítulo) e no hoje (momento imediatista), as quais pensam apenas em fechar o preso, retirá-lo do meio social, não se preocupam como este se encontra dentro do presídio, nem com sua ociosidade, tampouco no futuro deste sujeito. Como no Brasil não há prisão perpétua, um dia este sujeito retornará a sociedade, então é preciso pensar em políticas de trabalho, de educação, de formação profissionalizante, de preparação e reinserção deste sujeito, para quando ele sair da prisão.

Precisa-se também, oportunizar acompanhamento psicológico (em saúde mental), para auxiliar neste processo de reinserção na sociedade para este apenado, dando condições e pensando como ele entrou e como vai sair do sistema prisional, por ser uma via de mão dupla, em que tanto o preso como a sociedade, têm responsabilidade e deveres como cidadãos. No entanto devido ao período que este sujeito permaneceu na prisão, acaba por desenvolver alguns hábitos específicos de cada instituição, os quais deveriam ser trabalhados para o momento de reinseri-lo a sociedade.

Dentro da penitenciária, os sujeitos podem acabar por sofrer todo tipo de castigo, tortura física, mental e/ou emocional e assim, com o passar do tempo, alguns perdendo a sua dignidade, pela forma como foram tratados, muitas vezes de maneira desumana. A subjetividade do sujeito pode ser violada. Isto ocorre tanto pelos colegas de cela, como pelos agentes penitenciários, que deveriam estar ali para manter a

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ordem e a segurança, consequentemente por inúmeros motivos este sujeito acaba desenvolvendo sua própria maneira de sobrevivência dentro do presídio, adaptando-se a este novo mundo, utilizando-adaptando-se da “maturidade criminal”.

Costa (2014) desenvolveu a ideia de Maturidade Criminal, ao perceber que dentro dos presídios que trabalhava, e ainda trabalha, muitos que ali estavam eram criminosos ocasionais (imaturos criminalmente) e que à medida que viviam a realidade do cárcere, se tornavam mais agressivos, manipuladores e procuravam estar inseridos em grupos, ou seja, amadureciam criminalmente. E é nesse ambiente, que o indivíduo passa por longo período da vida para cumprir sua dívida com a sociedade sendo importante salientar que, este local se torna mais propício para desenvolver um comportamento antissocial, pois o convívio diário neste ambiente, reforça a cada dia este tipo de comportamento.

Na visão de Costa (2014, p. 81):

Se a sobrevivência fora da prisão já é difícil e desleal, como exemplificarmos no caso de meu conhecido, imaginem o que é a sobrevivência dentro do sistema penitenciário? Imaginem um grupo de homens com uma série de vulnerabilidade em suas relações sociais, que tem que sobreviver de qualquer maneira. Nessa sobrevivência, novas regras serão estabelecidas, e os que ali estão inseridos não se preocuparão em buscar ressocialização, mas simplesmente em sobreviver e, como disse Darwin, a natureza não irá colaborar muito para facilitar as coisas.

Este ambiente cheio de leis e regras a seguir, sem poder escapar por um instante sequer, não aprisiona só o detento, mas também sua alma, pelo período que passa neste ambiente, onde o que prevalece é a lei do silêncio e da obediência ao mais forte.

Ainda segundo Goffman (2015), se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele volte para o mundo exterior, o que já foi denominado “desculturamento” (sujeito que não possui ou ao qual não foi introduzido a cultura, educação, bons modos, sem-educação, sem modos, sem costume). Isto é, “destreinamento”, que o torna temporariamente incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária. O desculturamento, aqui referido pelo mesmo autor, acontece pelo sujeito estar muito tempo em uma instituição prisional, e esta instituição não oferecer o mínimo de atualizações “extra muros”, e acaba apenas obtendo noção das normas e leis internas da instituição, perdendo muitas vezes, o pouco que possuía de cultura

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social antes de ter entrado no presídio. De modo que na prisão, a linguagem pode se tornar grosseira e vulgar, cheia de gírias, os relacionamentos podem se tornar agressivos e desconfiados (não confiando em ninguém) além do normal. Pode também ocorrer maneiras grosseiras de se alimentar (não sabendo, mas se servir e utilizar garfos e facas), pois que na prisão recebem já o alimento servido e só podem comer com colher de plástico.

Relatórios das Nações Unidas (ONU) (2012), apontam que no Brasil, 40% da população carcerária é de presos provisórios, é um relatório inédito das Nações Unidas, que alerta para o excesso de detenções ilegais no Brasil. Muitos desses, podem ser inocentes, tendo a possibilidade de ficarem com traumas irreversíveis por passar pelo sistema prisional e conviver com esta realidade. Ao contrário do que se pensa mundo a fora, a regra tem sido punir antes, para averiguar depois, além do mais, são presos provisórios, que ainda não receberam sentença. Que aguardam por uma decisão judicial(ZIEMKIEWICZ, 2003).

Préameneu (1819) citado por Foucault (2010, p. 252):

O sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma causa que mais podem tornar indomáveis seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o que o cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade: não pensa mais ter sido culpado; acusa a própria justiça.

Esta citação de Foucault retrata muito bem, mesmo com o passar dos séculos, o sentimento de sofrimento e injustiça permanecem os mesmos, os carrascos de outrora, nada mais nada menos são nos dias de hoje, os promotores da justiça, os agentes penitenciários, os policiais e a própria sociedade que o colocou nesta situação, estes passam a ocupar este lugar de carrasco.

Arruda (2017), na mesma linha de pensamento traz que a raiva e o ódio que o colocou nesta situação é transferida para o agente penitenciário, além do mais, devido à falta de agilidade nos processos e erros judiciários, muitos destes detentos costumam passar anos nos presídios do Brasil sem ao menos serem julgados e condenados, ou pior inocentemente pagando por um crime que não cometeram, vivendo diariamente com questões que podem chegar ao sofrimento psíquico, devido

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ao convívio diário de injustiça. Aqui se pode identificar um dos motivos das superlotações dos presídios brasileiros.

Além do mais, os apenados não perigosos, com a convivência dos presos de alta periculosidade acabam por introjetar, ódio, raiva e revolta pela sociedade, pensando apenas em se vingar quando saírem. Todas essas vivências encaminham os presos para uma possível reincidência criminal. Todavia é lógico que devesse punir quem rouba (furta), mata (assassinatos), sequestra, etc., mas com a medida certa para tanto, ao mesmo tempo que necessitam que sejam aplicadas corretamente a lei, Wacquante (2001), destaca que o combate da criminalidade se concentra, sobretudo, na estratégia de combate aos pobres e a miséria, dando mais oportunidade de educação e trabalho digno para o cidadão de baixo poder aquisitivo.

Neste sentido, Wacquante (2001, p. 10) citado por Leite (2013) ressalta que:

O sistema prisional brasileiro expressa as disparidades sociais, reforça as diferenças de classe, a estratificação social e a discriminação pela cor. Além da intervenção pela força, utilizada pela polícia como de manter a ordem e o controle, as prisões funcionam como “uma verdadeira ditadura sobre os pobres.

Na perspectiva de Daufemback (2017) é importante salientar que a população carcerária brasileira é constituída basicamente por homens jovens, negros ou pardos, pobres, com baixa escolaridade. No entanto, há um crescente número de mulheres que também estão entrando neste universo, as quais também são privadas de sua liberdade pelos mais diversos motivos, que podem ir de um homicídio, latrocínio, ao furto simples ao tráfico de entorpecentes, por exemplo. No Brasil há 4 presídios federais (segurança máxima) e 27 estaduais de (segurança máxima), mais 1480 presídios estaduais e mesmo assim, ainda se faz necessário mais presídios para a demanda atual. Temos também superlotação de presos nas delegacias por não haver mais espaço dentro dos presídios já existentes. No Rio Grande do Sul há uma população encarcerada de 37.094 presos, o qual 35.148 são homens, e 1.946 são mulheres.

O sujeito que transgride a lei é sempre visto no lugar de excluído, de diferente. Por ter agido pela desrazão ocupa uma posição de negatividade. O louco é talvez mais fácil de ser entendido do que o próprio delinquente, simplesmente por ser louco. O louco se justifica, é compreendido, há explicações para lhe assegurar de seus atos,

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sendo ele posto num lugar de incapaz de trabalhar, de amar, de ter juízo sobre si e com os outros. Quanto ao delinquente, não se explica racionalmente seus atos, eles agem pelo gozo de delinquir (LIRA e CARVALHO, 2002).

Segundo Lacan (1951, p. 29):

Observemos, primeiramente, a crítica a que convém submeter a ideia confusa em que se fiam muitos homens de bem: a que vê no crime uma irrupção dos “instintos” que derrubam a “barreira” das forças morais de intimidação. É uma imagem difícil de extirpar, pela satisfação que dá até mesmo às cabeças sisudas, aolhes mostrar o criminoso fortemente guardado e o guarda tutelar, que, por ser característico de nossa sociedade, passa aqui a uma tranquilizadora onipresença.

De acordo com Melman (1992, p.54), sabe-se o quanto está presente no delinquente a preocupação de se fazer um nome, de se fazer reconhecer: “sim é alguém”. De ser alguém através do ato de delinquir, ele quer ser reconhecido, ser olhado nem que seja pelo ato delinquente que ele cometeu – e do mesmo modo ele age sem a preocupação de seu interesse, o que arrisca, o que põem em questão é o que não se inscreve na filiação do nome do pai, ultrapassa de longe o ganho eventual de sua ação, e é absolutamente esporádico que as satisfações materiais que possa obter lhe permitam ser alguém que se aposenta, que vive de renda, pois como observado, não é isso o que conta, portanto devemos pensar que o delinquente não é responsável pelo que faz. Pois faz para poder obter um lugar de posição, e quando o tem já não faz mais questão.

Melman (1992, p.55) ainda ressalta que,

(...)o objeto pelo qual ele pega (rouba) é o falo por que ele não tem, só tem acesso a ele quando rouba, furta [...] e podemos pensar então que a aplicação da pena, não funciona para ele, assim como é concebida, não pode senão participar da manutenção, da validação do processo mesmo da delinquência.Em todo caso, sendo psicanalistas é que podemos eventualmente ser levados a dizer nossa palavra sobre a questão, isto nos obriga evidentemente a tentar repensar o que poderia ser uma ação que levasse em conta fenômenos, efeitos de estruturas psíquicas dos quais, no estado atual das coisas, participa, colabora intensamente nosso sistema penal e repressivo. Então como pensar em re-socializar este sujeito que precisa da falta para se reconhecer. Saber interpretar esta falta do delinquente é o trabalho do psicólogo se colocando como profissional da escuta dando voz a este sujeito, pois, cada caso é único e individual com estes seres humanos.

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Ainda segundo Melman (1992, p. 44):

As condutas do delinquente são simbólicas de uma falta, e de uma falta essenciais, uma vez que é a falta de acesso ao objeto que conta. Não este ou aquele objeto, nem mesmo de objetos dos quais ele faz coleção em sua diversidade heteróclita. Trata-se de uma falta de acesso a este objeto que comanda o gozo, isto é, ao falo. É, portanto, precisamente a falta de tomada pela ordem simbólica, na medida em que está dá acesso a este objeto essencial, que não deixa ao delinquente outro recurso que não seja o rapto, da apreensão violenta, da violação. Mesmo porque não há para ele outra maneira de entrar em relação com o falo, de detê-lo, de possuir dele uma parte, se deseja manter-se na virilidade.

A lógica do sistema prisional faz o sujeito apenado ser nomeado pela sociedade como excluído, um fora da lei, já que ele se encontra em um lugar de penitência – penitência de liberdade, penitência de expressão, penitência da fala. Diante disso, como estar num lugar do social e ser visto como um de fora? No sentido de promover a construção desse sujeito além dos muros do cárcere, faz-se necessário o olhar do outro, o reconhecimento, uma palavra dirigida a esse ser, uma nomeação (LIRA e CARVALHO, 2002). Para tanto, é preciso fazer uma leitura institucional e uma avalição para com o trabalho deste sujeito, colocando-o em uma posição de sujeito do desejo. Fazendo uma análise crítica do sistema prisional brasileiro e do detento, desenvolvendo um projeto de trabalho específico para cada situação, a psicanalise aplicada na instituição deve ser feita no caso a caso, cada sintoma é individual, deve o psicanalista se orientar a partir da realidade psíquica, através da fala (MOHR e VALORE, 2012 apud OLIVEIRA, GONÇALVES e MENDES, 2015).

Leite (2011) cita os autores Monteiro, Coimbra e Mendonça Filho (2006, p.8), os quais se referem ao sistema prisional como um sistema fracassado em que não há políticas de ressocialização e de reabilitação para as pessoas em cumprimento de pena. As prisões são lugares de sofrimento e de “atualização das senzalas”. Onde o sujeito é guardado da sociedade, por muitas vezes por meio da violência e humilhações.

A violência culturalmente enraizada nas relações institucionais vem se atualizando no cotidiano e reafirmando a prisão como lugar destinado à população marginalizada socialmente. Segundo Leite (2011, p. 10), é o poder do Estado sendo exercido diretamente na vida das pessoas consideradas “improdutivas e impróprias” para o social.

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Oliveira, Gonsalves e Mendes (2015), descrevem no relatório de pesquisa realizado em 2009 pelo CFP e pelo CREPOP (Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas), que a atuação do psicólogo no sistema prisional deve ser a de realizar atividades de elaboração de laudos, relatórios, pareceres, avalição psicológica, atenção psicológica individual e grupal, pronto atendimento, encaminhamento, reuniões de equipe, acompanhamento extramuros, atuação nas relações institucionais, promoção de eventos, atuação conjunta com equipes de saúde e coordenação de biblioteca dentro do presídio, trabalhando junto com a equipe de multidisciplinaridade.

Ainda de acordo com o relatório de pesquisa realizado pelo CFP e pelo CREPOP, na maioria das vezes, o trabalho do psicólogo junto ao detento, dentro do sistema prisional, depende da escolta policial e dos agentes penitenciários, pois são esses funcionários que os retiram das celas para trazer junto ao psicólogo. E os policias têm muita resistência com o trabalho do psicólogo, dentro desse contexto, pois acham “injusto” que os detentos tenham um psicólogo par atendê-los, sendo que muitas vezes ele e a família não têm esse “privilégio” (OLIVEIRA, GONÇALVES E MENDES, 2015). É preciso lembrar que cabe ao Estado dar suporte psicológico tanto para os agentes penitenciários, como para os detentos, contratando mais profissionais de psicologia para trabalhar dentro do sistema prisional, para trabalhar tanto com os agentes de segurança como com os apenados.

De acordo com Barros e Amaral (2016, p. 61):

As prisões exercem um efeito nocivo sobre as pessoas que ai vivem e trabalham. Colocam em tensão permanente dois grupos – presos e funcionários, estes últimos compostos pelos (as) servidores(as) da segurança e por profissionais da área técnica, incluindo o setor administrativo, os setores assistenciais como médicos (as), dentistas, farmacêuticos(as) e psicólogos(as) – todos envolvidos no tratamento do que é rejeitado pelo corpo social.

Para tanto, faz-se importante destacar as diretrizes da psicologia no sistema prisional brasileiro e todas as suas práticas. A lei de Execução Penal – LEP (Brasil, 1984) teve um papel importante na definição dos papéis do psicólogo nos presídios. Esta lei cita, diretamente, o psicólogo em seu artigo 1º e 2º. No primeiro artigo ele apresenta a Comissão Técnica de Classificação, e no segundo artigo apresenta o Centro de Observação Criminológica.

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Segundo a LEP (Lei de Execução Penal), o psicólogo no sistema prisional possui duas atribuições básicas: a) realizar exames diagnósticos com o objetivo de elaborar o projeto individualizado (como trabalhar com este detento); b) realizar o exame prognóstico voltado à instrução dos incidentes do processo de execução penal (CFP,s/d).

O Conselho Federal de Psicologia – CFP (s/d) coloca que estas sínteses sobre as diretrizes do trabalho do psicólogo no sistema prisional são reforçadas pelo Código Penal (Brasil, 1940) em seus artigos 34 e 35.

O artigo 34 aponta que o condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico de classificação para individualização da execução. Já o artigo 35, traz que aplica-se a norma do arg.34 deste código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984).

Sendo assim, o Ministério da Justiça Departamento Penitenciário Nacional – (DEPEN) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), Diretrizes para atuação do psicólogo no sistema prisional brasileiro,( Brasília, 2007) estabeleceram as diretrizes para as competências dos psicólogos que atuam no sistema prisional O psicólogo, para desenvolver suas atribuições/atividades, deverá ser capaz de atuar dentro e fora do sistema prisional. Para estes órgãos, o psicólogo deve:

 Atuar no acompanhamento do condenado, visando estabelecer um vínculo de confiança;

 Atuar com as pessoas presas com vista a vida em liberdade, para além dos murros da instituição prisional, estimular a descontinuidade dos círculos viciosos da prisão que favorece a produção de mais encarceramento, violência e exclusão reduzindo os danos causados pela mesma;

 Por vezes proporcionar ao condenado o fortalecimento de laços sociais, o resgate de sua cidadania e a inserção na sociedade;

 Atuar de forma a desconstruir o conceito de que o crime está relacionado unicamente a patologia ou história individual, ao biográfico, e enfatizar os dispositivos sociais que promovem a criminalização.

 Com base no saber psicológico, questionar, refletir e propor mudanças aos organismos executores das institucionais penitenciarias, intervir no plano diretor das unidades prisionais, na configuração da estrutura organizacional, no planejamento dos métodos e procedimentos e na concepção de programas e projetos.

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 Prestar assistência psicológica seguindo o Código de ética do psicólogo.  Atuar em âmbito institucional e interdisciplinar;

 Identificar, analisar e interpretar histórica e epistemologicamente as variáveis que constroem a lógica do encarceramento;

 Visualizar e posicionar a atuação psicológica para além de um mecanismo jurídico;

 Identificar, analisar e interpretar as bases das teorias psicológicas e suas relações com a prisão;

 Construir processos de trabalho alternativos à lógica do encarceramento;  Facilitar relações de articulação interpessoal e interinstitucional;

 Identificar e distinguir sua função e “lugar” enquanto psicólogo frente à pessoa encarcerada, aos seus familiares, aos demais profissionais, à administração do estabelecimento, ao Judiciário e à sociedade em geral, considerando esse conhecimento para delimitar suas atividades;

 Identificar, distinguir, interpretar e propor objetivos de trabalho;

 Criar estratégias e ferramentas que facilitem a expressão do sujeito como protagonista de sua história;

 Compreender os sujeitos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional, e atuar a partir desse entendimento;

 Identificar, analisar e interpretar os referenciais teóricos das diversas ciências que possibilitam a compreensão dos sistemas prisional e judiciário;

 Identificar, analisar e interpretar as variáveis que compõem o fenômeno da violência social e da criminalidade;

 Criticar e desenvolver conhecimento contínuo sobre sua atuação;

 Estabelecer relações e elaborar propostas referentes às temáticas de políticas públicas, inclusive de saúde mental, e de direitos humanos no sistema prisional;

 Identificar, analisar e interpretar o sofrimento psicossocial no contexto das desigualdades sociais e da exclusão;

 Elaborar e propor modelos de atuação que combatiam a exclusão social e mecanismos coercitivos e punitivos.

Além do mais, a psicologia jurídica penitenciária, tem o objetivo de evitar a reincidência criminal (REDONDO, 2000). O autor destaca os pontos do trabalho a ser desenvolvidos são:

 Avalição de risco;

 Programas em liberdade vigiada;  Classificação intra penitenciária;  Prognóstico do caso;

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 Intervenção individual e grupal para reinserção. A proposta de uma ressocialização efetiva seria a de poder investigar os presidiários com o intuito de conhecê-los, a fim de poder proporcionar uma atividade que possibilite uma ressignificação para a vida daquele indivíduo, podendo ensinar coisas novas e talvez descobrir a partir disso, novos talentos e aptidões a serem exploradas.  Fator de riscos;

 Tratamento com drogas;  Prevenção de suicídio;

 Assessoria técnica para permissões;

 Preparação para o egresso, preparar o apenado para retornar a sociedade.

Monge (2011, apud PORTAL EDUCAÇÃO 2015), ao estudar a psicologia nos presídios, aponta como principais funções do psicólogo nesta área:

a) Avaliar detentos nas diferentes fases de internamento: inteligência, personalidade, processo psicológico, habilidade e outros.

b) Elaborar relatórios para as autoridades competentes: mediante solicitação e baseada na abordagem criminológica.

c) Elaborar planos de tratamento para cada pessoa privada de liberdade. d) Executar programas de intervenção psicoterapêuticas: individual e em grupo. e) Proporcionar formação para novos profissionais da psicologia que venham a

compor o quadro de recursos humanos.

f) Realizar diagnósticos de transtornos mentais, distúrbios de comportamento sexual e de alta periculosidade.

g) Desenvolver programas de saúde social e mental.

h) Organizar grupos de apoio com detentos: comissão de saúde, disciplina, higiene, esportes.

i) Treinar todos os profissionais da equipe técnica e de vigilância.

Werle (2016) ressalta que o trabalho realizado pelo psicólogo, não deve e nem pode estar sozinho neste local, ele estará sempre inserido em uma equipe multiprofissional, com os agentes, que o trazem para o atendimento, com o assistente social, com os agentes da saúde com os educadores, entre outros parceiros, o que é de suma importância no que se refere à tentativa de mudar os conceitos e preconceitos existentes dentro e fora do sistema prisional, dando ênfase no trabalho de readaptação das pessoas que cumprem pena de liberdade. Muitas pessoas, que acham que segregar e excluir esses indivíduos que cometem atos ilegais é a melhor solução, esquecem que um dia esses mesmos indivíduos irão voltar a fazer parte do convívio social. Então o que esperar deste sujeito? cabe a nós psicólogos nos

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