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Martins Pena, o comediógrafo do Teatro de São Pedro de Alcântara : uma leitura de O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas e O noviço

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Academic year: 2021

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BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI

MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE

SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O

JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS

ALMAS E O NOVIÇO

CAMPINAS,

2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

BRUNA GRASIELA DA SILVA RONDINELLI

MARTINS PENA, O COMEDIÓGRAFO DO TEATRO DE SÃO

PEDRO DE ALCÂNTARA: UMA LEITURA DE O JUDAS EM

SÁBADO DE ALELUIA, OS IRMÃOS DAS ALMAS E O NOVIÇO

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Orna Messer Levin

Dissertação de mestrado apresentada ao instituto de estudos da linguagem da universidade estadual de campinas para obtenção do título de mestra em teoria e história literária, na área de história e historiografia literária.

CAMPINAS,

2012

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR

CRISLLENE QUEIROZ CUSTODIO – CRB8/8624 - BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM - UNICAMP

R668m

Rondinelli, Bruna Grasiela da Silva, 1985-

Martins Pena, o comediógrafo do Teatro de São Pedro de Alcântara: uma leitura de O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas e O noviço / Bruna Grasiela da Silva Rondinelli. -- Campinas, SP : [s.n.], 2012.

Orientador: Orna Messer Levin.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Pena, Martins, 1815-1848 - Crítica e interpretação. 2. Teatro João Caetano (Rio de Janeiro, RJ). 3. Teatro brasileiro (Comédia). 4. Cultura - História. 5. Imprensa. I. Levin, Orna Messer, 1960-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em inglês: Martins Pena, the comediograph of the São Pedro de Alcântara Theater: a reading of O judas em sábado de aleluia, Os irmãos das almas and O noviço.

Palavras-chave em inglês:

Pena, Martins, 1815-1848 - Criticism and interpretation João Caetano Theater (Rio de Janeiro, RJ)

Brazilian drama (Comedy) Culture - History

Press

Área de concentração: História e Historiografia Literária. Titulação: Mestra em Teoria e História Literária.

Banca examinadora:

Orna Messer Levin [Orientador]

Elizabeth Ferreira Cardoso Ribeiro Azevedo André Luís Gomes

Data da defesa: 04-12-2012.

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Para Neusa e Duilio,

por acreditarem em meus sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Concluído este trabalho, resta-me agora agradecer a todos que o tornaram possível e contribuíram para o seu melhor desenvolvimento.

Primeiramente, agradeço à Prof.ª Dr.ª Orna Messer Levin pela excelente orientação, por acreditar nesta pesquisa, pelas leituras atentas de meus escritos e por contribuir para transformar o Mestrado em um passo importante em minha caminhada profissional e pessoal.

Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão da Bolsa Regular de Mestrado, que me permitiu dedicar tempo integral à pesquisa, e da Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior (BEPE), que financiou a minha estadia na França, entre abril e junho de 2012, possibilitando-me consultar obras e documentos nas bibliotecas e arquivos de Paris, e obter o texto do melodrama Fabio le

Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait.

Ao Prof. Dr. Jean-Claude Yon, do Centre d'Histoire Culturelle des Sociétés

Contemporaines (CHCSC), da Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines (UVSQ),

por ter orientado o meu projeto de estágio de pesquisa, "Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês" (BEPE/FAPESP), durante a minha estadia na França. Sou imensamente grata pela extensa bibliografia que o Prof. Yon me forneceu sobre o teatro francês do século XIX.

Ao Prof. Dr. Jean-Yves Mollier (CHCSC/UVSQ) por ter se prontificado a esclarecer as minhas dúvidas sobre o dramaturgo Noël Parfait. À Prof.ª Dr.ª Anaïs Fléchet (CHCSC/UVSQ), pelas dicas de sobrevivência em Paris.

À Claude Chauvineau, diretora da Bibliothèque des Études Théâtrales – Gaston

Baty (Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3), que atendeu à minha solicitação de

reprodução do melodrama Fabio le Novice.

Ao Prof. Dr. Jefferson Cano (IEL/UNICAMP), pelo debate enriquecedor durante a banca de qualificação desta dissertação.

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Aos professores titulares da banca, Prof.ª Dr.ª Elizabeth Ferreira Cardoso Ribeiro Azevedo (ECA/USP) e Prof. Dr. André Luís Gomes (UnB), por lerem e debaterem o meu trabalho. E às professoras suplentes, Prof.ª Dr.ª Vilma Sant'Anna Arêas (IEL/UNICAMP) e Prof.ª Dr.ª Larissa de Oliveira Neves Catalão (IA/UNICAMP).

Aos membros do projeto temático "A Circulação Transatlântica dos Impressos: a globalização da cultura no século XIX" (FAPESP), em especial à Prof.ª Dr.ª Márcia Azevedo de Abreu, que conhece a minha trajetória acadêmica de perto e sempre contribuiu com valiosas sugestões.

Aos funcionários do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL/IFCH/UNICAMP), sempre solícitos e atenciosos no atendimento aos pesquisadores.

Não poderia deixar de mencionar a grande amiga Danielle Crepaldi Carvalho, a quem sou eternamente grata por, há seis anos, ter acreditado em meu potencial de realizar pesquisas nos periódicos oitocentistas. Foi aí que tudo começou...

Por fim, agradeço ao apoio de meus familiares, sempre orgulhosos de meu trabalho. Especialmente ao Duilio, por compreender as extensas horas dedicadas à pesquisa, por ouvir e debater, com paciência, as minhas ideias sobre o teatro, e, simplesmente, por estar ao meu lado, sempre.

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"Le théâtre est un point d'optique. Tout ce qui existe dans le monde, dans l'histoire, dans la vie, dans l'homme, tout doit et peut s'y réfléchir, mais sous la baguette magique de l'art".

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RESUMO

Este estudo reconstitui as condições em que foram representadas as peças de Martins Pena (1815-1848) no Teatro de São Pedro de Alcântara, entre os anos de 1838 e 1855, a partir de informações recolhidas nos anúncios de espetáculos, crônicas teatrais e cartas de espectadores publicadas pela imprensa fluminense oitocentista. A contextualização dos espetáculos – levantamento de dados acerca da mise en scène, do repertório, dos programas e artistas atuantes – iluminou assuntos e propôs respostas possíveis a questionamentos sobre a produção dramática de Martins Pena, tais como as motivações para a composição de suas comédias e as condições em que estas foram recebidas pela crítica e público. Martins Pena escreveu um total de 22 peças cômicas; destas, 18 estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no São Pedro de Alcântara, em sua grande maioria nos programas de espetáculos beneficentes em favor de atores, dentre os quais Estela Sezefreda (1810-1874), esposa de João Caetano (1808-1863), e os portugueses Manoel Soares (?-1859) e Ludovina Soares (1802-1868). O Judas em Sábado

de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço foram as suas comédias mais encenadas

durante as décadas de 1840 e 1850. Essas peças, tecidas por recursos farsescos, dialogam com a estética do melodrama francês, adaptam discussões trazidas pelos periódicos do Rio de Janeiro e satirizam as ordens religiosas, a polícia, as leis civis e criminais do Império. A reconstrução do contexto de criação das obras de Martins Pena nos permite concluir que o comediógrafo foi influente na constituição dos benefícios teatrais oferecidos pelos artistas do São Pedro de Alcântara, espectador dos programas desse teatro, leitor e censor de seu repertório, e um autor que, além da busca de divertimento, tinha uma mensagem social para transmitir à plateia.

Palavras-chave: Martins Pena; Teatro de São Pedro de Alcântara; Comédia; História Cultural; Imprensa.

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ABSTRACT

This study reconstitute the conditions in which Martins Pena (1815-1848) plays were represented at the São Pedro de Alcântara Theater, during the years 1838 to 1855, using information gathered from spectacles' announcements, theatrical chronicles and letters from spectators published in the fluminense press of the eighteenth century. The contextualization of the exhibitions – data acquisition about the mise en scène, the repertory, the programs and the acting artists – illuminated issues and proposed possible answers to questions about the Martins Pena's dramatic production, such as the motivations to compose his comedies and how was the public and critic reception. Martins Pena wrote 22 comic plays; 18 of these were first time staged between October of 1838 and December of 1846 at the São Pedro de Alcântara Theater, mostly during the programs of the spectacles in benefit of actors, as Estela Sezefreda (1810-1874), wife of João Caetano (1808-1863) and the portuguese Manoel Soares (?-1859) and Ludovina Soares (1802-1868). O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas and O Noviço were his most staged comedies during the decades of 1840 and 1850. These plays, woven with farcical means, dialogue with the french melodramas' esthetic, adapt discussions present in the Rio de Janeiro daily journals and satirize the religious orders, the police, the civil and criminal laws of the Empire. The reconstruction of the Martins Pena's creation context allowed us to conclude that the comediograph had influence on the organization of theatrical programs in benefit of actors at São Pedro de Alcântara Theater, were spectator of these programs, reader and censor of their repertory, and an author who searched not only to give entertainment to the audience, but also to transmit a social message.

Keywords: Martins Pena; São Pedro de Alcântara Theater; Comedy; Cultural History;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO - UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS DAS

COMÉDIAS DE MARTINS PENA ... 01

CAPÍTULO 1 - MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA E A IMPRENSA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM ... 11

1 A Trajetória do Teatro de São Pedro de Alcântara ... 11

1.1 De Real Teatro de São João a Teatro de São Pedro de Alcântara: história, repertório e companhias teatrais ... 12

1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes ... 19

1.3 Os Espetáculos do Teatro de São Pedro de Alcântara: a plateia, os bilhetes e os cambistas ... 23

2 Um Comediógrafo Brasileiro no Teatro de São Pedro de Alcântara ... 29

2.1 O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça: o início ... 30

2.2 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas: uma fase de transição ... 42

2.3 O Auge das Estreias de Martins Pena (1845-1846) ... 45

2.4 Na Trilha do Melodrama: enredo histórico, cenários europeus e personagens nobres ... 61

2.5 Martins Pena se Despede do Teatro de São Pedro de Alcântara ... 63

2.6 Para Além do Palco: as comédias de Martins Pena na tipografia de Paula Brito . 66 3 As Reprises das Comédias de Martins Pena e o Novo Panorama Teatral na Corte (1850-1855) ... 69

CAPÍTULO 2 - A FESTA RELIGIOSA, A POLÍCIA E AS LEIS CIVIS EM O JUDAS EM SÁBADO DE ALELUIA ... 81

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ... 81

2 O Teatro de São Pedro de Alcântara e a Quaresma ... 89

(18)

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3 A Autoridade Policial e os Direitos Civis ... 95

3.1 O Autoritarismo Policial: a corrupção e o abuso de poder ... 96

3.2 O Direito de Liberdade ... 98

CAPÍTULO 3 - AS IRMANDADES RELIGIOSAS E A MAÇONARIA EM OS IRMÃOS DAS ALMAS: UMA BUSCA DOS DIREITOS DOS HOMENS ... 103

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ... 103

2 O Dia de Finados: religiosidade e festividade ... 108

3 As Irmandades Religiosas, a Maçonaria e os Direitos dos Homens ... 111

CAPÍTULO 4 - O IMPACTO DO MELODRAMA EM O NOVIÇO: PARÓDIA E SÁTIRA ... 121

1 Os Temas, o Enredo e as Personagens ... 121

2 Martins Pena e o Melodrama Romântico Francês ... 126

2.1 Fabio le Novice: a peça, a mise en scène e a recepção em Paris ... 128

2.2 O Noviço e Fabio le Novice: uma leitura ... 132

3 A Sátira em O Noviço: o convento, o patronato e as leis criminais ... 137

CONSIDERAÇÕES FINAIS - MARTINS PENA E SUAS COMÉDIAS : UMA MENSAGEM À PLATEIA ... 143

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 147

ANEXOS ... 159

Um Episódio de 1831 ... 161

Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas ... 167

Representações de Martins Pena em Números ... 189

Preços dos Bilhetes dos Espetáculos Teatrais no Rio de Janeiro (1840-1855) ... 191

A Festa e A Família da Roça (Comédia original) ... 193

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xix

Anúncios das Encenações de Uma Mulher Feia ... 201

Sequenciamento de Cenas de O Judas em Sábado de Aleluia ... 205

Sequenciamento de Cenas de Os Irmãos das Almas ... 209

Sequenciamento de Cenas de O Noviço ... 213

Anúncio da Estreia de Fabio o Noviço ou A Independência de Milão ... 219

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INTRODUÇÃO

UM ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES TEATRAIS DAS COMÉDIAS DE MARTINS PENA

Hoje podemos dizer com segurança que as comédias e farsas estão longe da simplicidade.1

Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro a 05 de novembro de 1815. Além dos estudos na Escola de Comércio, teve aulas de línguas estrangeiras com professores particulares e cursou literatura, pintura, música e canto na Academia Imperial de Belas Artes. Após os estudos, atuou, simultaneamente, como funcionário público, dramaturgo e cronista teatral.

Em setembro de 1838, Martins Pena foi nomeado amanuense da Mesa do Consulado da Corte; em abril de 1843, tornou-se amanuense da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros; e, em outubro de 1847, adido de primeira classe à Legação Brasileira em Londres. A nomeação foi divulgada pela Gazeta Oficial do Império e reproduzida pelo Diário do Rio de Janeiro: "Lê-se na Gazeta Oficial: 'O Sr. Luís Carlos Martins Pena, amanuense da secretaria de estado dos negócios estrangeiros, foi nomeado adido de 1ª classe da legação imperial em Londres'".2 No mesmo mês, o autor embarcou para Londres, deixando a filha, Julieta Pena, nascida de sua relação com uma atriz, aos cuidados de familiares. Em 1848, tentou retornar ao país, devido à tuberculose pulmonar que contraíra. Com a saúde já debilitada, faleceu em Lisboa, a caminho do Brasil, em 07 de dezembro de 1848.3

1

ARÊAS, Vilma. "Relendo Martins Pena". In: PENA, Martins. Martins Pena: comédias (1833-1844); (1844-1845); (1845-1847). Edições preparadas por Vilma Arêas. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. X.

2

Diário do Rio de Janeiro, 04 de outubro de 1847.

3

As informações biográficas foram consultadas nas biografias: VEIGA, Luís Francisco. "Luís Carlos Martins Pena: o criador da comédia nacional". In: Dionysos, Rio de Janeiro, MEC, Serviço Nacional de Teatro, n. 01, ano I, p. 57-68, Out./1949 (publicada, inicialmente, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,

(21)

2

No jornalismo literário, Martins Pena publicou no periódico Gabinete de

Leitura, em 08 de abril de 1838, o conto histórico "Um Episódio de 1831".4 Entre os meses de janeiro e abril de 1839, redigiu para o Correio das Modas – um jornal de modas e literatura, de inspiração francesa e direcionado a um público feminino –, os contos de temas amorosos "A Sorte Grande" e "O Poder da Música", e as crônicas cômicas "Minhas Aventuras numa Viagem nos Ônibus" e "Uma Viagem na Barca de Vapor".5 Nestas, o narrador relata, em primeira pessoa, as experiências engraçadas vividas como usuário dos meios de transporte público da cidade do Rio de Janeiro. Em suas primeiras narrativas publicadas pela imprensa, Martins Pena já adotava um estilo literário particular que dava voz à fala popular e, de modo bem humorado, satirizava a vida cotidiana na Corte em suas relações sociais mais diversas; procedimento que, anos mais tarde, garantiria o sucesso de suas comédias nos palcos fluminenses.

Martins Pena foi também crítico teatral. Entre setembro de 1846 e outubro de 1847, publicou seus folhetins semanais no Jornal do Commercio. Estes tratavam dos espetáculos da Corte, principalmente dos líricos, com análises da mise en scène, da atuação dos artistas, do repertório e das políticas teatrais. Os folhetins são de grande valia para a compreensão da dramaturgia do autor, pois revelam "alguém profundamente conhecedor do palco, crítico competente e com uma postura artística e política bastante clara, em certos aspectos avançada para a época".6

Para o teatro, Martins Pena compôs um total de 27 peças, sendo 18 comédias de um ato e quatro de três, somadas a cinco dramas históricos. Do conjunto de sua obra dramática, 19 peças – 18 comédias e o drama Vitiza ou O Nero de Espanha – estrearam entre outubro de 1838 e dezembro de 1846 no Teatro de São Pedro de Alcântara,7 a

vol. XL, segunda parte, 1877, p. 375-407); MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Martins Pena e Sua Época. 2. ed. São Paulo: LISA, 1972; HELIODORA, Bárbara. Martins Pena: uma introdução. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2000.

4

Ver o anexo "Um Episódio de 1831", que traz o texto integral publicado no Gabinete de Leitura.

5

Ver o anexo "Contos e Crônicas de Martins Pena no Correio das Modas", que apresenta os textos que o autor publicou nesse periódico.

6

ARÊAS, Vilma Sant'Anna. Na Tapera de Santa Cruz: uma leitura de Martins Pena. São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 01.

7

O Teatro de São Pedro de Alcântara manteve essa denominação até 1923, quando foi renomeado Teatro João Caetano. A edificação datada do século XIX foi demolida em 1928 e, em seu lugar, construída uma nova sala de espetáculos, existente até hoje ao lado da Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro, com o mesmo nome.

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3

principal casa de espetáculos do Rio de Janeiro na época. Sua produção cômica divide-se em três fases de estreias: a primeira, entre 1838 e 1840, quando foram representadas as comédias roceiras O Juiz de Paz da Roça e A Família e A Festa da Roça; o período de início da abordagem do ambiente urbano, em 1844, quando subiram ao palco O Judas em

Sábado de Aleluia e Os Irmãos das Almas; e a fase mais prolífica de encenações, ao longo

de 1845 e 1846, quando foram criadas 14 comédias, dentre elas O Noviço.

Os textos cômicos de Martins Pena possuem uma fortuna crítica consolidada, que culminou na canonização do autor, na história literária, como o precursor da comédia nacional de costumes. Desde o final do século XIX e início do XX, Sílvio Romero e José Veríssimo reconheceram o valor documental das comédias e o sucesso que estas obtiveram diante de um público que se via reconhecido nos palcos.8 Os estudos críticos subsequentes destacaram Martins Pena como o primeiro comediógrafo brasileiro que, com maestria, soube observar tipos sociais (escravos domésticos, comerciantes, irmandades religiosas, funcionários públicos de baixo escalão), costumes (festas religiosas, danças populares) e aspectos político-econômicos (tráfico de escravos, contrabandos, circulação de dinheiro falso) referentes à vida cotidiana na capital do Império.9 Nesse sentido, as comédias revelam "um pendor quase jornalístico pelos fatos do dia, assinalando em chave cômica o que ia sucedendo de novo na atividade brasileira cotidiana, com destaque especial para a cidade do Rio de Janeiro".10

Em seu estudo pioneiro da produção dramática de Martins Pena, Vilma Arêas defende que o comediógrafo articula no jogo cênico os recursos, temas e personagens da tradição cômica clássica, do entremez português, da comédia francesa, da ópera lírica e do

8

ROMERO, Sílvio. "Martins Pena". In: BARRETO, Luiz Antonio (Org.). Autores Brasileiros. Rio de Janeiro; Aracajú, SE: Imago, 2002, p. 339-414; VERÍSSIMO, José. "Martins Pena e o teatro brasileiro". In:

Estudos de Literatura Brasileira: 1ª série. São Paulo: Edusp, 1976, p. 115-126.

9

Foram consultadas as histórias literárias: AMORA, Antonio Soares. "Martins Pena". In: A Literatura

Brasileira: o Romantismo. Vol. II. 4. ed. São Paulo: Cultrix, 1973, p. 309-330; CANDIDO, Antonio.

"Martins Pena". In: Presença da Literatura Brasileira: das origens ao Romantismo. Vol. I. 7. ed. São Paulo: DIFEL, 1976, p. 220-221; CARVALHO, Ronald. "O teatro". In: Pequena História da Literatura Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1922, p. 285. E os estudos de história teatral: FARIA, João Roberto. Ideias

Teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001, p. 82-83; MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Global, 2001, p. 42; SOUSA, João Galante de. O Teatro no Brasil. Vol. I. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1960, p. 171-175.

10

PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Edusp, 1999, p. 57.

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4

melodrama – que constituem as ações cômicas e produzem o riso –, completando-o "com a série sociológica, com a construção de modelos penetrantes da realidade nacional"11 – que contextualizam os enredos das peças. Essa série sociológica não se resumiria em um retrato da sociedade imperial, com seus costumes e vícios, como propuseram Sílvio Romero e José Veríssimo. Significa "uma tomada de consciência de um momento da história de nosso país, que recém adquiria uma limitada independência, e uma tentativa de pensar criticamente nossa cultura, com as restrições que o contexto impunha ao trabalho intelectual".12

Se a historiografia literária e teatral sempre privilegiou o estudo descritivo dos temas sociológicos presentes nas peças de Martins Pena, tal perspectiva deixou lacunas quanto à recepção crítica e às condições de representações desses textos teatrais nos palcos oitocentistas; contexto que, obviamente, interferiu em seus processos de criação.

A partir da abordagem da história cultural dos espetáculos, pretendemos iluminar assuntos e propor respostas possíveis a questionamentos sobre a produção cômica de Martins Pena, tais como as motivações para a composição das peças, as condições em que estas foram representadas e recebidas pela crítica e público, e qual o papel desempenhado pelo comediógrafo na atividade teatral da capital do Império. Para tanto, torna-se necessária a contextualização do repertório, das políticas administrativas e estéticas concernentes ao universo dos espetáculos no Rio de Janeiro, durante as primeiras décadas do século XIX.

Adotamos o pressuposto de que o teatro, uma atividade do campo socioeconômico e cultural, é o resultado de um trabalho conjunto, que inclui, além do escritor e seu texto literário, os praticantes de teatro (diretor e ator, por exemplo) e os espectadores, constituindo o campo da representação teatral:

Escrever para o teatro não é escrever para a prática econômica da livraria, é escrever para uma prática socioeconômica que é a da cena, e que supõe um lugar cênico, atores, público, despesas no início, estruturas materiais cujas exigências se revertem para a escritura.13

11 ARÊAS, 1987, p. 133. 12 Ibid., p. 264. 13

(24)

5

Martins Pena foi um homem de teatro (dramaturgo, crítico, censor e espectador), não apenas conhecedor do jogo cênico e da tradição dramática, mas também uma figura atuante na atividade teatral fluminense, em sua política administrativa e na constituição dos espetáculos. O comediógrafo abordou temas garimpados no repertório exibido pelo São Pedro de Alcântara, casa de espetáculos onde as suas peças estrearam e foram frequentemente reprisadas. Do mesmo modo, foi observador e crítico dos divertimentos populares, introduzindo, em suas comédias, celebrações religiosas tradicionais na capital do Império. Tendo em vista tais considerações, propomos uma leitura da obra cômica de Martins Pena advinda dessa relação estreita que o autor manteve com a cultura de divertimentos teatrais, mais especificamente com os artistas, os programas e o repertório do São Pedro de Alcântara.

A imprensa oitocentista foi um importante guia no acompanhamento da trajetória da atividade teatral e dos divertimentos populares oferecidos pela capital do Império. No século XIX, os jornais divulgavam anúncios de espetáculos, crônicas e artigos críticos dos programas exibidos, comentários espontâneos de espectadores e comunicados de atores. Além dos periódicos Gazeta do Rio de Janeiro (1808-1822), Diário do Rio de

Janeiro (1827-1855) e Jornal do Commercio (1838-1855), também foram consultados

diversos jornais literários e teatrais – alguns efêmeros –, que ilustram o ambiente cultural da Corte, apresentando crônicas que narram os espetáculos oferecidos pelos teatros, notícias sobre atores, músicos e bailarinos, matérias sobre literatura, música e festas religiosas. Foram lidos os seguintes periódicos: A Aurora (1851), A Caricatura (1851), A

Rabequinha (1851), Coruja Teatral (1840-1841), O Álbum Semanal (1851-1853), O Artista

(1849), O Beija-Flor (1850), O Bodoque Mágico (1851), O Clarim dos Theatros (1851), O

Corsário (1851), O Corsário Vermelho (1851), O Estandarte (1851), O Gosto (1843), O Guasca na Corte (1851), O Jornal das Senhoras (1852-1855), O Martinho (1851), O Montanista (1851) e O Orsatista (1851).

O contato com a imprensa fluminense da primeira metade do século XIX, além de oferecer elementos que nos ajudaram na caracterização do repertório, dos programas e das políticas do São Pedro de Alcântara, nos fez pensar em Martins Pena não somente como um homem de teatro. O comediógrafo parece ter sido um atento leitor de jornais

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6

cotidianos, a exemplo do Jornal do Commercio e do Diário do Rio de Janeiro. Antenado com as discussões políticas, econômicas e culturais do dia-a-dia na cidade do Rio de Janeiro, levou para as suas comédias, em forma de denúncia social, discussões de interesse público que ocupavam as páginas dos periódicos, com temas que trilhavam pelo sucesso das récitas de óperas italianas, o métier da medicina, a produção e circulação de dinheiro falso, e a maçonaria.

Somamos ao homem de teatro e leitor assíduo de jornais, a faceta de um leitor-revisor de textos teatrais. Diante dessa hipótese, lançamos um novo olhar sobre o trabalho que Martins Pena desenvolveu, entre 1843 e 1846, como segundo secretário e censor do Conservatório Dramático Brasileiro, que lhe permitiu entrar em contato com o texto de peças de diferentes gêneros – melodramas, comédias e vaudevilles –, integrantes do repertório dos teatros da Corte. Essa leitura contínua pode tê-lo auxiliado em seu estudo da arte dramática e no desenvolvimento da composição e do jogo cênico de suas comédias. Assim, vislumbramos uma nova perspectiva acerca da atuação de Martins Pena no Conservatório Dramático: não a de um "censor censurado", como o quis seu biógrafo Magalhães Júnior,14 mas a de um leitor de textos teatrais de diferentes gêneros e diversos autores estrangeiros.

Esta dissertação, organizada em quatro capítulos, pretende reconstituir as condições das representações teatrais (estreias e reprises) das peças de Martins Pena na primeira metade do século XIX, e propor uma leitura das comédias que foram mais encenadas no período.

O primeiro capítulo, "Martins Pena, o Teatro de São Pedro de Alcântara e a

Imprensa: caminhos que se cruzam", sustenta a hipótese de que o autor manteve contato

direto com esse teatro e sua companhia dramática; relação que se refletiu no processo criativo e nas representações de suas peças. A fim de verificar os elementos motivadores da composição de sua obra dramática e a recepção ante a crítica e a plateia, restabelecemos historicamente o contexto teatral em que as peças foram representadas no palco do São

14

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7

Pedro de Alcântara, entre 1838 e 1855.15 A reconstituição dos espetáculos levou em consideração a configuração dos programas, o repertório, os acompanhamentos musicais, os dançados, os artistas atuantes e a composição social do público que frequentava o São Pedro de Alcântara. As informações foram obtidas em anúncios de espetáculos, crônicas teatrais e comunicados de espectadores e atores, publicados pelos periódicos cotidianos e literários. Essa investida na imprensa oitocentista nos permitiu configurar o espaço que a obra de Martins Pena ocupou no Rio de Janeiro, por meio do olhar de suas próprias testemunhas, isto é, o público, os artistas e os cronistas de teatro. A proposta de pesquisa da obra do autor, considerando-se o contexto histórico-cultural em que esta foi produzida e recebida, contribui não apenas para a compreensão da realização pessoal de Martins Pena como comediógrafo, mas também para o desvelamento de uma fase da arte teatral na Corte brasileira, com seus pressupostos literários, artísticos e político-econômicos.

A reconstituição das estreias e a verificação da recepção crítica e de público respaldaram a nossa leitura da obra dramática de Martins Pena, conjuntamente aos estudos dos textos (composição formal e cômica)16 e das referências a elementos sociais da capital do Império. Elegemos as comédias O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e

O Noviço para serem analisadas, já que estas estão entre as produções de Martins Pena mais

encenadas nos principais teatros da Corte.17 O Judas em Sábado de Aleluia e Os Irmãos das

Almas iniciam uma fase de transição da escrita dramática do autor, marcando o momento

em que este passa a ambientar as suas peças no cenário urbano. O auge foi em 1845, quando Martins Pena redigiu e encenou a maior parte de sua obra, incluindo O Noviço, sua peça mais exibida nos teatros fluminenses do período.

15

A periodização adotada para este estudo leva em consideração, como início, o ano de estreia da primeira composição de Martins Pena, O Juiz de Paz da Roça, em 1838, e como término, o ano de criação do Teatro Ginásio Dramático, em 1855, quando a comédia realista começou a ser representada na cena teatral fluminense.

16

Para o estudo dos recursos de construção da comicidade, nos baseamos nos elementos cômicos conceituados por Vladímir Propp. (PROPP, Vladímir. Comicidade e Riso. Tradução Aurora Fornoni Bernardini & Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Ática, 1992). Consultamos também a obra O Riso, de Henri Bergson. (BERGSON, Henri. O Riso: ensaio sobre a significação da comicidade. Tradução Ivone Castilho Benedetti. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007).

17

Ver o anexo "Representações de Martins Pena em Números", que apresenta uma tabela com a quantidade estimada de exibições das peças de Martins Pena, nos principais teatros da Corte, entre 1838 e 1860.

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8

O Judas em Sábado de Aleluia, Os Irmãos das Almas e O Noviço apresentam,

em comum, temáticas religiosas, evidenciadas pelos seus títulos: a Festa do Sábado de Aleluia e o ritual de malhação do Judas; as procissões de irmandades religiosas que arrecadavam esmolas a favor de santos; e as doutrinas vivenciadas pelos noviços nos conventos. Como veremos nas análises dessas comédias, o tema religioso relaciona-se ao objetivo principal de Martins Pena de transmitir uma mensagem de conteúdo político e social à plateia. Mensagem que construiu por meio da adaptação de debates presentes na imprensa fluminense da época, pela sátira religiosa e política, e pela recriação de temas e personagens do repertório francês encenado no palco do São Pedro de Alcântara.

O segundo capítulo, "A Festa Religiosa, a Polícia e as Leis Civis em O Judas

em Sábado de Aleluia", estuda, primeiramente, os elementos textuais e cômicos da peça.

Em seguida, discute a presença da festa do Sábado de Aleluia como pano de fundo do enredo. Por fim, se dedica à análise do conteúdo social de O Judas em Sábado de Aleluia, que, por meio da sátira política, denuncia a ação corrupta e o abuso de autoridade cometidos por membros da Guarda Nacional, e o desrespeito das leis civis do Império, instituídas pelo Artigo 179 da Constituição de 1824.

O terceiro capítulo, "As Irmandades Religiosas e a Maçonaria em Os Irmãos

das Almas: uma busca dos direitos dos homens", examina a composição formal da peça,

a presença dos recursos cômicos e sua temática de conteúdo social, que satiriza as irmandades religiosas e a maçonaria na capital do Império. Contemporaneamente à comédia Os Irmãos das Almas, os preceitos da maçonaria eram debatidos pelos cronistas da imprensa diária e pela peça Os Dois Francos-Maçons, tradução da obra francesa Les Deux

Francs-Maçons (1808), de Pelletier-Volméranges, representada no palco do São Pedro de

Alcântara. Assim, defendemos que, utilizando o registro farsesco, Martins Pena reinterpreta o tema da maçonaria, conhecido por sua plateia, e lhe confere novos significados, recriando-o no contexto do Rio de Janeiro.

O quarto capítulo, "O Impacto do Melodrama em O Noviço: paródia e

sátira", analisa os elementos dramáticos, os recursos cômicos e a temática social da peça,

que satiriza a autoridade desempenhada pela Igreja, instituição tradicional no Rio de Janeiro, e o patronato, sustentado pelo Estado Imperial. O capítulo discute também o

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9

impacto do melodrama francês, amplamente encenado no palco do São Pedro de Alcântara, na composição de O Noviço, que parodia elementos do melodrama romântico Fabio le

Novice (1841), de Charles Lafont e Noël Parfait.

Em Na Tapera de Santa Cruz, Vilma Arêas destacou que a pintura de "um quadro geral do teatro no Brasil sob a perspectiva do espetáculo, condições de encenações, tipos de público, espetáculos populares, etc.", por meio de "um levantamento sistemático do material enterrado nos jornais, revistas ou ficção"18 do século XIX, possibilitaria apreciações adequadamente enquadradas da obra de um dramaturgo oitocentista. É essa abordagem que norteou este estudo da produção cômica de Martins Pena, o São Pedro de Alcântara, seu repertório, artistas e ideias teatrais. Isso nos permitiu lançar novos olhares sobre aquele que é considerado, pela historiografia literária, o criador da comédia nacional de costumes, partindo de uma proposta que o coloca em diálogo direto com a atividade teatral praticada no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX, "em uma época em que o povo pede teatro, e é todo teatro".19

18

ARÊAS, 1987, p. 263.

19

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11

CAPÍTULO 1

MARTINS PENA, O TEATRO DE SÃO PEDRO DE ALCÂNTARA E A IMPRENSA: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

ANINHA: – Mas então o que é que há lá tão bonito? JOSÉ: – Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do capitão-mor.

ANINHA: – Oh, como é grande!1

1 A Trajetória do Teatro de São Pedro de Alcântara

Quando Martins Pena surgiu na cena teatral da capital do Império, em 1838, o Teatro de São Pedro de Alcântara figurava entre os principais centros de entretenimento dos habitantes fluminenses, juntamente com os pequenos e médios teatros particulares, e com as igrejas, que abrigavam festas religiosas populares em seus contornos.

Ao longo da primeira metade do século XIX, o São Pedro de Alcântara, cuja história é marcada por frequentes incêndios, reconstruções e alterações em sua denominação, ocupou espaço de destaque na Corte brasileira. Criado por ordem do Estado, foi em seu palco que, a partir da década de 1830, o ator João Caetano dos Santos (1808-1863) representou os grandes sucessos do repertório neoclássico e romântico europeu; sua plateia assistiu às peças dos primeiros dramaturgos brasileiros – as tragédias de Gonçalves de Magalhães e as comédias de Martins Pena –; companhias dramáticas francesas, espanholas, inglesas e italianas ali aportaram para longas temporadas de sucessos.

Desde a sua criação, o São Pedro de Alcântara manteve um caráter oficial e monarquista, visível em suas denominações, nos programas de seus espetáculos – que incluíam o hino nacional e os elogios dramáticos em homenagem à Família Imperial –, e

1

PENA, Martins. "O Juiz de Paz da Roça". In: Teatro de Martins Pena: comédias. Vol. I. Edição crítica por Darcy Damasceno. Rio de Janeiro: MEC: INL, 1956, p. 30.

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12

em seu repertório, repleto de dramas históricos e melodramas alusivos às realezas europeias. Muito mais que um espaço privilegiado de entretenimento e reunião social,2 o teatro desempenhava também um importante papel político de legitimação do Estado Monárquico brasileiro.

Antes de tratarmos do período áureo do São Pedro de Alcântara, quando Martins Pena estreou as suas comédias, entre a Regência e os primeiros anos do reinado de D. Pedro II, voltemos ao início, ao momento de sua criação na Corte de D. João VI.

1.1 De Real Teatro de São João a Teatro de São Pedro de Alcântara: história, repertório e companhias teatrais

Em 1808, D. João VI aportou no Rio de Janeiro, trazendo consigo a Corte portuguesa, que acrescentava 20 mil novos habitantes na cidade que, até então, contava com 60 mil.3 Aos poucos, a Família Real e sua Corte investiram em infraestruturas que buscaram organizar e moldar, na cidade tropical, uma capital de Império à europeia. Entre os assuntos em pauta na agenda modernizadora do Estado, estava uma revisão na política cultural, principalmente no que se referia ao divertimento público oferecido pelos teatros.4 Na época, havia uma casa de espetáculos no Rio de Janeiro: o teatro de Manuel Luís. No entanto, devido ao pequeno porte e aos parcos recursos de que dispunha, esse teatro não atendia à demanda de uma cidade que se tornara a sede do Império português. Por isso, em decreto de 28 de maio de 1810, D. João VI reconheceu a necessidade da construção de um teatro de grandes dimensões, que oferecesse entretenimento à Corte portuguesa que ali se instalara, de modo semelhante aos espetáculos teatrais oferecidos pelo Real Teatro de São Carlos, em Lisboa:

2

Segundo Ubiratan Machado, o público frequentava o São Pedro de Alcântara por razões variadas: pelo entretenimento e evasão, pelo puro diletantismo e moda, ou, ainda, pela afirmação de sua classe social. (Cf. MACHADO, Ubiratan. A Vida Literária no Brasil Durante o Romantismo. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001, p. 283).

3

Cf. SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 35-36.

4

Cf. CAFEZEIRO, Edwaldo & GADELHA, Carmem. História do Teatro Brasileiro: um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora UFRJ: EDUERJ: FUNARTE, 1996, p. 112-113.

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13

DECRETO de 28 de maio de 1810

Permite que se erija um teatro nesta Capital.

Fazendo-se absolutamente necessário nesta capital que se erija um teatro decente, e proporcionado à população, e ao maior grau de elevação e grandeza em que hoje se acha pela minha residência nela, e pela concorrência de estrangeiros e de outras pessoas que vêm das extensas províncias de todos os meus Estados, fui servido encarregar o Doutor Paulo Fernandes Viana, do meu Conselho e Intendente Geral da Polícia, do cuidado e diligência de promover todos os meios para ele se erigir.5

Um terreno em frente à Igreja da Lampadosa foi escolhido como o local que acolheria o teatro protegido pelo Rei português, e denominado, em sua homenagem, Real Teatro de São João. O financiamento não foi exclusivamente estatal; uma parte dos custos foi assumida pelo empresário Fernando José de Almeida, que cedeu o terreno e, por isso, tornou-se o proprietário do teatro até 1829, ano de sua morte.6

Em 1811, objetivando arrecadar fundos para a finalização da obra, o Estado autorizou uma loteria,7 dentre as que estavam previstas no decreto de 1810.8 Esta seria a primeira das inúmeras loterias que, a partir de então, tornar-se-iam a principal subvenção estatal ao teatro, destinando-lhe 12% dos prêmios pagos pelos jogos.9 Inicialmente, o teatro estava autorizado a ofertar loterias mensais. Contudo, durante o Segundo Reinado, as subvenções diminuíram: o governo passou a conceder ao São Pedro de Alcântara apenas quatro loterias anuais, totalizando uma renda de três contos e 600 mil réis mensais.10

Em 1813, com o teatro edificado, só faltavam artistas para nele representar. A companhia dramática portuguesa de Mariana Torres foi contratada para se apresentar, exclusivamente, no teatro recém-construído.11 O espetáculo de inauguração do Real Teatro

5

"Decreto de 28 de maio de 1810". In: Coleção das Leis do Brasil de 1810. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 112.

6

Cf. SOUSA, 1960, vol. I, p. 139.

7

"Participamos ao público que, para continuação do Real Teatro de S. João, que se está edificando nesta cidade e Corte do Rio de Janeiro, foi o Príncipe Regente nosso Senhor servido, a representação do Intendente Geral da Polícia, conceder uma loteria". (Gazeta do Rio de Janeiro, 09 de março de 1811).

8

"(...) depois que entrar a trabalhar, para seu maior aceio, e mais perfeita conservação, se lhe permitirão seis loterias, segundo o plano que eu houver de aprovar, a benefício do mesmo teatro". ("Decreto de 28 de maio de 1810". In: Coleção das Leis do Brasil de 1810, 1891, p. 112).

9

A informação sobre o porcentual de lucro obtido pelo teatro, a partir das loterias que concedia, foi localizada em artigo publicado pela Gazeta do Rio de Janeiro a 11 de maio de 1816.

10

Informação veiculada pelo Jornal do Commercio, em 12 de setembro de 1850.

11

Os seguintes artistas integravam essa companhia dramática: Maria Amália da Silva, Estela Joaquina de Morais Paiva, Maria Cândida de Souza, Victor Porfírio de Borja, Antônio José Pedro, José Evangelista da Costa e Domingos Botelho. (Cf. CAFEZEIRO & GADELHA, 1996, p. 115).

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14

de São João, que contou com a presença do Imperador D. João VI e de sua família, ocorreu a 12 de outubro de 1813, com muita pompa. O programa, composto especialmente para a noite de gala, apresentou o drama lírico O Juramento dos Numes, do português Gastão Fausto da Câmara Coutinho (1772-1852), como nos narra uma crônica publicada pela

Gazeta do Rio de Janeiro:

Terça-Feira 12 do corrente, dia felicíssimo por ser o natalício do sereníssimo senhor D. Pedro de Alcântara, Príncipe da Beira, se fez a primeira representação no Real Teatro de S. João, a qual S. A. R. foi servido honrar com a sua real presença e a sua augusta família. Este teatro, situado em um dos lados da bela praça desta Corte, traçado com muito gosto e construído com a magnificência ostentava naquela noite uma pomposa perspectiva, não só pela presença já mencionada de S. A. R., e pelo imenso e luzido concurso de nobreza, e das outras classes mais distintas, mas também pelo aparato de formosas decorações, e pela pompa do cenário. Começou o espetáculo por um drama lírico, que tem por título

O Juramento dos Numes composto por D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho, e

alusivo à comédia, que se devia seguir. Este drama era adornado com muitas peças de música de composição de Bernardo José de Souza e Queirós, mestre e compositor do mesmo teatro, e com danças engraçadas nos seus intervalos. Seguiu-se a aparatosa peça intitulada Combate do Vimeiro. A iluminação exterior do teatro, ordenada com esquisito gosto, realçava o esplendor do espetáculo. Ela representava as letras J. P. R. alusivas ao augusto nome do Príncipe Regente nosso senhor, cuja mão liberal protege as artes como fontes perenes da riqueza e da civilização das nações.12

D. João VI e sua família compareciam com frequência ao teatro, especialmente em dias festivos, como no espetáculo em comemoração ao casamento de D. Pedro de Alcântara com Carolina Josefa Leopoldina, Arquiduquesa austríaca, em agosto de 1817. A presença do governante supremo em récitas no teatro perdurou ao longo do século XIX, incluindo o reinado de D. Pedro I e, principalmente, o de D. Pedro II. A partir do Segundo Reinado, as datas comemoradas em espetáculos de gala no teatro foram ampliadas: além dos nascimentos, casamentos e aniversários de membros da Família Imperial, dias religiosos e históricos, como o do Ano-Bom (01 de janeiro) e o da Independência, passaram a integrar a agenda. Os programas desses espetáculos especiais recebiam grande atenção da direção do teatro, que privilegiava o repertório lírico. Durante a semana comemorativa à coroação de D. Pedro II, foi oferecido, a 19 de julho de 1841, um espetáculo repleto de

12

(34)

15

pompa, descrito por um privilegiado espectador, em correspondência enviada ao Diário do

Rio de Janeiro:13

O teatro de S. Pedro de Alcântara, na noite de 19 do corrente, oferecia à vista a mais encantadora, a pompa e a magnificência com que estava preparado, o brilho que lhe dava as inumeráveis famílias ricamente adornadas que estavam nos camarotes, tudo contribuiu para o tornar digno de receber a augusta personagem que o honrou! Foi com o 1º ato da ópera A Italiana em Argel, e com o novo baile

O Amigo Fiel, que a direção festejou o majestoso ato da sagração e coroação de

S. M. I. Não cabe à nossa mesquinha pena descrever a alegria e entusiasmo que se divisava no grande número de espectadores que aí concorreram e que esperavam com ansiedade o momento de verem o seu anjo salvador, o guarda de suas leis, o defensor de seus direitos! Apenas as músicas marciais anunciaram a chegada de S. M. I. e de suas augustas irmãs, divisou-se no semblante de todos o prazer e o desejo de verem e saudarem o monarca americano! Logo que S. M. I. e suas augustas irmãs apareceram na Imperial tribuna, romperam os vivas de todos os lados, seguindo-se diversas poesias, que foram recitadas de diferentes camarotes, todas em louvor e glória ao chefe do Império de Santa Cruz!14

De sua inauguração até o final da década de 1820, o repertório do Real Teatro era composto por peças portuguesas, trazidas pela companhia de Mariana Torres, e por óperas clássicas italianas, como A Vestal (La Vestale, 1810) e A Caçada de Henrique IV (La Caccia di Enrico IV, 1809), de Vincenzo Pucitta (1778-1861), e La Cenerentola (1817), de Gioachino Rossini (1792-1868).15 Os programas se constituíam por uma peça principal, que poderia ser uma comédia – no repertório constava Dever e Natureza, do comediógrafo português Antônio Xavier Ferreira de Azevedo (1784-1814) –, ou uma tragédia neoclássica – Nova Castro (1788), de João Batista Gomes Júnior (?-1803), foi muito encenada –, ou uma ópera lírica. Entre os atos da peça principal era apresentado um

13

Os espectadores cariocas enviavam cartas aos redatores dos periódicos, nas quais emitiam opiniões espontâneas sobre diversas questões envolvendo a atividade teatral, como a administração das casas de espetáculos, o preço dos bilhetes, a atuação dos artistas e o repertório exibido pelos programas. As cartas não eram assinadas com o nome verdadeiro dos remetentes. Estes preferiam o anonimato, anotando apenas as iniciais do nome ou criando pseudônimos, tais como "Um verdadeiro fluminense", "O respeitador do mérito" e "O diletante".

14

Diário do Rio de Janeiro, 28 de julho de 1841.

15

As traduções de tais óperas eram comercializadas pela loja da Gazeta, que vendia por 800 réis cada exemplar, como nos indica o anúncio publicado pela Gazeta do Rio de Janeiro a 11 de outubro de 1820: "A

Vestal, tragédia que está em cena no Real Teatro de S. João, se acha impressa em português, e se vende na

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16

entremez,16 um dançado ou uma pantomima, desempenhados pela companhia de baile dirigida por Lourenço Lacombe, que tinha Auguste Toussaint como primeiro dançarino. Os bailados eram musicados por Marcos Portugal (1762-1830), o músico-compositor do teatro. Em 25 de março de 1824, o teatro sofreu o primeiro incêndio devastador, o que levou o Estado Imperial a interferir ainda mais em sua administração e na organização dos espetáculos. D. João VI, em alvará de 10 de maio de 1808, havia criado a Intendência Geral de Polícia, que tinha como atribuição, dentre outras, a de fiscalizar os espetáculos teatrais. Após o incêndio, Francisco Alberto Teixeira de Aragão – Intendente Geral de Polícia da Corte entre 1824 e 1827 – regulamentou a inspeção do teatro no edital interventivo de 29 de novembro de 1824, que traçava deveres institucionais e normas de conduta a serem adotados, obrigatoriamente, pelo diretor do teatro e espectadores. O conjunto de 19 normas elencadas no documento demonstrava a necessidade de medidas de segurança e da presença de autoridade policial durante os espetáculos:

Faço saber que sendo conveniente ao bem público estabelecer e regular as medidas de segurança e polícia que devem observar-se em todos os teatros que nesta capital se instituírem, para evitar deste modo as desordens e irregularidades que privam os povos da utilidade que este divertimento deve produzir-lhes quando é bem ordenado; e imitando nesta parte as providências que as nações mais civilizadas da Europa tem adotado, ordeno que no teatro se executem os seguintes artigos (...).17

Os artigos exigiam que o Real Teatro, e todos os que futuramente fossem construídos na capital do Império, se munissem dos equipamentos necessários ao combate de incêndio e que iniciassem os espetáculos, pontualmente, no horário anunciado ao público. Aos espectadores, era proibida a entrada na plateia portando armas, bengalas e chapéus de chuva, assim como, proibia-se qualquer barulho que atrapalhasse a

16

De origem ibérica, o entremez (do espanhol entremés) trata-se de uma peça teatral breve, com personagens populares, tom gracioso e, por vezes, musicada, encenada entre os atos de uma peça maior. Sobre a entrada dos entremezes nos palcos brasileiros, consultamos LEVIN, Orna Messer. "A rota dos entremezes: entre Portugal e Brasil". In: ArtCultura (UFU), vol. 7, p. 09-20, 2006; LEVIN, Orna Messer. "O entremez nos palcos e folhetos". In: ABREU, Márcia & SCHAPOCHNIK, Nelson (Orgs.). Cultura Letrada no Brasil: objetos e práticas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2005, p. 413-420.

17

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17

representação das peças. Ademais, os espetáculos seriam vigiados por um oficial de polícia, que deveria ser obedecido por todos:

Haverá na plateia um Oficial da Intendência Geral da Polícia, que se fará conhecer, quando for necessário, por uma medalha com a inscrição POLÍCIA DO TEATRO. Toda pessoa, sem exceção, deve obedecer provisoriamente ao Oficial de Polícia; e por isso, quando este intimar a alguém que saia da plateia, o deve imediatamente fazer, apresentando-se ao Ministro Inspetor a expor-lhe as circunstâncias e razões do acontecimento sobre o que o dito Ministro dará providências.18

Algumas medidas do edital, que vigorou por longo período nos teatros da Corte, foram regulamentadas pelas leis do Império. O Capítulo I da lei nº 261 de 03 de dezembro de 1841, que reformava o Código do Processo Criminal, reorganizou as atividades incumbidas à polícia da Corte. Dentre as competências da instituição policial, estava a inspeção dos teatros:

Art. 4º. Aos Chefes de Polícia em toda a Província e na Corte, e aos seus Delegados nos respectivos Distritos, compete:

(...)

§ 6º Inspecionar os teatros e espetáculos públicos, fiscalizando a execução de seus respectivos Regimentos, e podendo delegar esta inspeção, no caso de impossibilidade de a exercerem por si mesmos, na forma dos respectivos Regulamentos, às Autoridades Judiciárias, ou Administrativas dos lugares.19

A autoridade policial vistoriava os teatros para impedir desordens e agrupamentos políticos contrários à ordem monárquica. Martins Pena via com maus olhos a presença da polícia no teatro; acreditava que tal procedimento eliminava a elegância e a civilidade pretendida pelos espetáculos teatrais, provocando situações constrangedoras aos espectadores. O autor comentou o assunto, por diversas vezes, em seus folhetins no Jornal

do Commercio, nos quais criticava, com frequência, o comportamento inapropriado dos

pedestres – representantes do baixo escalão da polícia civil –, responsáveis por impedir agitações nos teatros, além de policiar ruas e capturar escravos fugidos:

18

Diário do Rio de Janeiro, 01 de dezembro de 1824.

19

"Lei nº 261 de 03 de dezembro de 1841 - Reformando o Código do Processo Criminal". In: Coleção das

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18

Os pedestres e todos os perdigueiros policiais escolhem o caminho mais curto, e como não é sempre este o que tomam os criminosos, segue-se que desta vez ainda se desencontram; mas como os agentes policiais hão de por força agarrar, porque é seu ofício, os ditos pedestres engalfinharam-se a um pobre e inocente homem que tranquilo descia do seu camarote, e o levaram à presença do juiz que, conhecendo o engano, o mandou soltar.20

Após a reconstrução do edifício, destruído pelas chamas do incêndio de 1824, o teatro foi reinaugurado a 04 de abril de 1826, como Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara, em homenagem a D. Pedro I. O teatro se manteve fechado em abril de 1831, devido às agitações políticas decorrentes do retorno do Imperador a Portugal. Reabriu em 03 de maio do mesmo ano, rebatizado como Teatro Constitucional Fluminense. Nessa fase, apresentava-se em seu palco uma companhia dramática lisboeta que aportara no Rio de Janeiro em julho de 1829, trazendo artistas como a trágica e primeira dama Ludovina Soares da Costa,21 seu irmão, o ator cômico Manoel Soares (?-1859), e ainda, José Joaquim de Barros (?-1844) e Gertrudes Angélica da Cunha.22 Integravam o repertório dessa companhia os elogios dramáticos, que vangloriavam o regime monárquico e a situação política brasileira, como O Memorável Dia Sete de Abril no Campo da Honra ou A Nova

Regeneração do Brasil, e os entremezes portugueses, a exemplo de A Parteira Anatômica,

de Antônio Xavier, e O Chapéu Pardo. Além da companhia dramática e do corpo de baile, uma companhia lírica italiana representava óperas clássicas no palco do Constitucional.

A partir de 1834, uma nova fase se iniciou no Constitucional. João Caetano assumiu o comando da companhia dramática do teatro – composta por artistas portugueses e brasileiros –, e passou a introduzir o repertório romântico europeu, constituído, principalmente, por dramas históricos e melodramas franceses, portugueses e espanhóis, tais como Catarina Howard (Catherine Howard, 1834), de Alexandre Dumas Pai (1802-1870), Os Sete Infantes de Lara (Les Sept Infants de Lara, 1836), de Félicien Mallefille

20

PENA apud SOUZA, Silvia Cristina Martins. As Noites do Ginásio: teatro e tensões culturais na Corte (1832-1868). Campinas, SP: Editora da UNICAMP: CECULT, 2002, p. 164-165.

21

Ludovina Soares da Costa (1802-1868) acumulou grandes glórias no teatro brasileiro da primeira metade do século XIX. No palco do São Pedro de Alcântara, onde permaneceu por vários anos, encantou a plateia carioca e construiu sólida carreira como protagonista de tragédias e dramas históricos, sempre ao lado de João Caetano.

22

Gertrudes Angélica da Cunha (1794-1850), além de atriz, foi também autora de peças: compôs a tragédia

Norma e as farsas A Mudança de Sexo ou Quanto Podem As Boas Maneiras, O Noivo do Algarve ou Astúcias de Dois Ladinos e A Atriz, todas encenadas no São Pedro de Alcântara. (Cf. SOUSA, vol. II, 1960, p. 202).

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19

(1813-1868), Um Auto de Gil Vicente (1838), de Almeida Garrett (1799-1854), e A

Conjuração de Veneza (La Conjuración de Venecia, 1830), de Francisco Martínez de la

Rosa (1789-1862).23 Esse repertório marca não somente a trajetória artística de João Caetano nos palcos do Rio de Janeiro, mas também uma etapa de representações no principal teatro da Corte que, em julho de 1837, foi nomeado, definitivamente, Teatro de São Pedro de Alcântara.

1.2 O Ator João Caetano e os Diletantes

O período áureo dos espetáculos no São Pedro de Alcântara teve início com a chegada de João Caetano na supervisão da companhia dramática do teatro, em 1834. A boa fase adentrou a década de 1840, quando Luiz Manuel Álvares de Azevedo e José Antônio Tomás Romeiro foram os diretores da casa de espetáculos.24 Em 1851, João Caetano retornou como administrador e primeiro ator da companhia dramática, mantendo-se no São Pedro de Alcântara até a sua morte, em 1863. Ao longo desses 12 anos, o ator-empresário revigorou os espetáculos e os programas, representando peças europeias inéditas, como Os

Nossos Íntimos (Nos Intimes, 1861), do francês Victorien Sardou (1831-1908), e obras de

autores brasileiros, a exemplo de O Fantasma Branco (1851), Cobé (1859) e Amor e Pátria (1859), de Joaquim Manuel de Macedo, e de outros dramaturgos, atualmente desconhecidos e não canonizados.

A trajetória de João Caetano, desde os primeiros anos do decênio de 1830 até 1863, se confunde com a própria história do teatro no Rio de Janeiro. Em 02 de dezembro de 1832, ele estreou profissionalmente no Teatro Niteroiense25 com uma companhia

23

Sobre o repertório romântico encenado por João Caetano no Constitucional Fluminense, futuro São Pedro de Alcântara, e em outros teatros cariocas, consultamos a biografia do ator, redigida por Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano: o ator, o empresário, o repertório. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1972, p. 35-52).

24

Na época, o diretor de teatro exercia múltiplas tarefas: ele era o responsável pela seleção do repertório a ser encenado, submetia as peças à censura do Conservatório Dramático Brasileiro, fiscalizava as receitas dos espetáculos e os preços dos bilhetes.

25

O Teatro Niteroiense, edificado em Niterói no ano de 1827, foi reformado na década de 1840 por iniciativa de João Caetano que, como recompensa, obteve o direito de usufruí-lo por 12 anos. A reinauguração ocorreu

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dramática composta integralmente por artistas brasileiros. Fato considerado primordial para a consolidação do teatro nacional, pelo menos em relação aos artistas, já que, até então, duas companhias dramáticas inteiras haviam sido importadas de Portugal.

O público carioca honrava os trabalhos artísticos de João Caetano, devido à sua iniciativa pioneira que contribuíra para o desenvolvimento do teatro brasileiro:

Era justamente nesse tempo em que a populosa cidade do Rio de Janeiro, para ter espetáculos dramáticos, mandava engajar artistas, que (salvos as honrosas exceções) eram pessoas inábeis e grande parte daqueles que no teatro de Lisboa não passavam de puxadores de vistas, iluminadores etc. (...) Sim, hoje, 02 de dezembro de 1852, fazem 20 anos que nasceu a nossa companhia dramática nacional, festejando nesse dia o 7º aniversário natalício de S. M. o Imperador, o Sr. D. Pedro II, em um pequeno teatro na Vila Real da Praia Grande (hoje cidade de Niterói) no mesmo local em que está edificado o Teatro de Santa Tereza. Um jovem brasileiro sem literatura, sem vastos conhecimentos, entendeu que o querer era poder, pondo-se à testa da revolução dramática do seu país como agente principal na sua realização começou a obra da reforma, e nós sabemos quanto de então para cá tem havido de saliente, de harmônico e de progressivo, estendendo este jovem os benefícios dessa revolução até às nossas províncias, por onde hoje se acham disseminados imensos de seus discípulos.26

Dois anos após a estreia profissional, João Caetano se instalou no São Pedro de Alcântara e organizou uma nova companhia dramática, incluindo os artistas brasileiros que já o acompanhavam e alguns portugueses que ali permaneceram e não se transferiram para o Teatro da Praia de D. Manuel, futuro Teatro de São Januário.27 A Companhia Nacional, como foi chamada, encenava um repertório neoclássico e romântico, de origem ibérica e francesa. Além do repertório estrangeiro, João Caetano abriu espaço para as peças de dramaturgos brasileiros: foi sob a sua direção que estrearam as tragédias Antônio José ou O

a 02 de dezembro de 1842 e o teatro passou a ser denominado Teatro de Santa Tereza, em homenagem à noiva de D. Pedro II, a princesa Tereza Cristina Maria de Bourbon. (Cf. HESSEL, Lothar & RAEDERS, Georges. O Teatro no Brasil sob Dom Pedro II. Porto Alegre: Ed. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1979, p. 285-286).

26

Diário do Rio de Janeiro, 02 de dezembro de 1852.

27

Em 1833, a companhia dramática de Ludovina Soares erigiu, com apoio governamental, o Teatro da Praia de D. Manuel. No ano seguinte, muitos artistas portugueses, que se apresentavam no Constitucional Fluminense, se transferiram para o novo teatro. Quatro anos depois, a casa de espetáculos se transformou no Teatro de São Januário, em homenagem à princesa Januária Maria, filha de D. Pedro I. Na década de 1840, o teatro esteve sob a direção de João Caetano que, além de diretor, também atuava na companhia dramática. (Cf. HESSEL & RAEDERS, op. cit., p. 279).

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Poeta e A Inquisição (1838) e Olgiato (1839), de Gonçalves de Magalhães, e as comédias O Juiz de Paz da Roça (1838) e A Família e A Festa da Roça (1840), de Martins Pena.

Segundo Décio de Almeida Prado, a técnica de representação de João Caetano era embasada na escola do melodrama, caracterizada pela intensa comunicação com o público e por efeitos emocionais:

A escola do melodrama teve grande importância na formação de João Caetano, explicando as suas qualidades, a fácil e intensa comunicação com o público, e também os seus defeitos, a tendência para o exagero, a busca do patético a qualquer custo. Era uma representação extrovertida, solta, explicitada, de intenções marcadas, de gestos largos, de efusões emocionais, de arroubos oratórios, sem preocupação com a elegância ou com a pureza estilística, romântica na medida em que a espontaneidade e a autenticidade do sentimento contavam mais do que os requintes da técnica.28

Com sua técnica de atuação, que lhe permitiu eternizar no palco os protagonistas de melodramas e dramas românticos, João Caetano acumulou glórias e encantou os diletantes, que enviavam inúmeras correspondências à imprensa, declarando grande admiração pelo ator. Em 1852, um diletante publicou no periódico Diário do Rio de

Janeiro um poema dedicado a João Caetano:

Soneto improvisado no Teatro de São Januário, no dia 20 do corrente, e dedicado ao Sr. João Caetano dos Santos.

Se um nome não tivesses conquistado Que não teme o poder do tempo insano, Este dia bastara (eu não me engano) Para dar-te valor, tornar-te amado. No Kean tu fizeste admirado; Em Otelo sondaste divo arcano; Mas hoje com poder além de humano Te mostras um artista consumado. Ah! Não temas, não temas zoilo infame Que busca marear teu brilhantismo, Embora, qual possesso, irado clame.

28

PRADO, 1972, p. 116. Sobre as técnicas interpretativas adotadas por João Caetano, consultamos também a obra João Caetano e A Arte do Ator, de Décio de Almeida Prado. (PRADO, Décio de Almeida. João Caetano

Referências

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