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Mulheres catarinense e o movimento feminino pela anistia: narrativas de suas atuações políticas

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Academic year: 2021

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MULHERES CATARINENSES E O MOVIMENTO FEMININO PELA ANISTIA: NARRATIVAS DE SUAS ATUAÇÕES

POLÍTICAS.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina em cumprimento a requisito parcial para a obtenção do título de Mestra em História, área de concentração História Global, linha de pesquisa Histórias Entrecruzadas de Subjetividades, Gênero e Poder. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cristina Scheibe Wolff.

FLORIANÓPOLIS, 2019

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À minha vó, Dona Lurdes, por todo amor, cuidado e zelo,

Ao meu companheiro, Murilo Magno Paladini, por toda cumplicidade, carinho e força,

Ao meu irmão, Thiago Rodrigo da Silva in memoriam.

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Ao finalizar esta dissertação não poderia, em hipótese alguma, deixar de agradecer às pessoas que acreditaram – por vezes, mais que eu mesma – que esta pesquisa seria possível. Diante deste trabalho que mergulha nas subjetividades humanas, onde a emoção, a memória e, principalmente, a rede de afetos constituída pela solidariedade e os ideais de justiça social se fizeram presentes, reservo para este momento a condição da pesquisadora que, embriagada de sentimentalidade, humildemente reconhece a imprescindível ajuda que obteve.

Primeiramente, gostaria de agradecer à minha querida orientadora, professora Cristina Scheibe Wolff que tem me acompanhado no decorrer da minha trajetória acadêmica: de bolsista de Iniciação Científica, Trabalho de Conclusão de Curso e, agora, de Mestrado. Dessa relação, foi me oportunizado diversos aprendizados, entre eles, participar das discussões do Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH) e ter contato com as pesquisadoras e pesquisadores que o constituem. Obrigada por me proporcionar o acesso à teoria e a prática de pesquisa, além das doses extras de estímulo, coragem e empoderamento. Essas últimas, cruciais para a finalização desta pesquisa.

Agradeço, também, à Professora Dr.ª Ana Rita Fonteles Duarte e ao Professor Dr. Marcos Montysuma por terem aceitado compor a minha banca de qualificação, pelas inúmeras contribuições promovidas naquela ocasião. Às Professoras Dr.ª Janine Gomes da Silva, Dr.ª Cláudia Regina Nichnig e Dr.ª Ana Maria Veiga por aceitarem compor a banca examinadora dos resultados provenientes desta pesquisa.

Ao Programa de Pós-Graduação em História de Universidade Federal de Santa Catarina (PPGH-UFSC) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela aprovação na seleção de mestrado e pela concessão de financiamento ao projeto de pesquisa apresentado, respectivamente. Às professoras e professores que compõem o corpo docente do programa, agradeço pelos ensinamentos na arte de historiar e pelas inúmeras contribuições que as suas aulas proporcionaram a esta pesquisa; agradeço às críticas construtivas e destrutivas em que, ao mesmo tempo que nos tiram o chão, nos fornecem outras paisagens. Ao final tudo se converte em experiência e, em algum recôndito, ensejará saudade. Desejo que outros/as estudantes consigam ter mesmo acesso e oportunidade que eu obtive.

Das redes constituídas na pós-graduação, sou grata por ter participado de algumas das inúmeras discussões em sala de aula – e nos bares –, dos momentos de descontração, de angústia, das dificuldades e,

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que a turma 2016 nos oportunizou. Dos laços afetivos, levo-as com muito carinho: Arielle, Fabiana, Jéssica, José Roberto, Luana e Marina; das trocas acadêmicas (e, também, afetivas) conectadas por meio da linha de pesquisa: Renata, Talita e Tamy. Das amizades feministas construídas no RU, cafés e bares: Esther, Maíra. Que estes laços que juntas construímos nunca se desfaçam. Minha casa e vida sempre estarão abertas a vocês.

Gostaria de dedicar um espaço para agradecer, em especial, ao José Roberto e a Luana, pelas infinitas conversas, trocas acadêmicas, leituras e correções sinceras deste trabalho: as páginas subsequentes carregam muito de vocês. Obrigada de todo coração!

Dentre os amores que fui cultivando ao longo da minha existência, sou grata às amigas-irmãs que sempre estiveram ao meu lado comemorando os bons momentos, transmitindo forças para superar as adversidades, sendo bons ombros e ouvidos: minhas Creuzas amadas, Carolina, Larissa, Samara e Vanessa; minha ruiva poderosa, Mayara; e a

Biruleibe, Débora: que eu consiga ser ombro, ouvido, coração e parceria

para aquela gelada (porque eu não sou obrigada! rs). Compartilhar a minha existência com vocês é uma das maiores aquisições que o universo me proporcionou!

Gostaria de agradecer aos meus familiares, pelo apoio e confiança em todas as fases da minha vida: à minha avó, Dona Lurdes, por todo amor, suporte emocional e material; aos meus pais, Elisete e Luiz, pela educação e apoio em todas as minhas escolhas. Sou grata, também, a família do meu companheiro que me acolheu e com os quais aprendo todos os dias o sentido do ser família. Em especial, agradeço a minha querida sogra Cida, que tem acompanhado de perto todo esse processo de formação acadêmica, que sempre se colocou como uma fonte de apoio, confiança e amor. Deixo aqui meu muito obrigada: amo-os com todas as minhas forças!

Para finalizar, eu gostaria de agradecer ao meu querido e amado companheiro, Murilo, por tudo que compartilhamos ao longo desses nove anos juntos: por todo amor, afetividade e carinho; pelas nossas conversas inacabáveis, pelas teorizações sobre o universo; por compartilharmos os sonhos, desejos, angústias e medos; por todas as doses de coragem, autoestima, motivação e incentivo. Obrigada por se manter ao meu lado nos momentos de angústias e aflições – e por torná-los mais leves. Enfim, sou grata, simplesmente, por ser quem és e como és. Obrigada por existir!

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Quando já não se pode ouvir os sons que vem de dentro,

e o que é de fora, já é tão aceito que se torna parte do centro.

Esquecidas da essência, dançamos fora do tempo, descompassadas,

guiadas por falsos guias

que ao passar dos dias nos distanciam e nos fazem ser quem não somos.

E, afinal, quem somos? Mulheres.

Tantas e tão diversas, e, ainda assim, mulheres. Que aprendem cedo sobre a luta, sobre o “não ceder”,

sobre a labuta, sobre o luto e sobre a importância do “não se calar”.

Desejo que minhas palavras se tornem antídoto com dom da dor:

Transmutar.

Seguimos buscando quem somos,

e mesmo que a muitos não interesse que ensinemos às nossas meninas

a importância da memória e que muito nos seja, ainda,

obscuro o conhecimento da história, de algumas coisas sabemos.

E caminhamos despidas do que já não nos cabe mais,

vislumbrando um lugar onde se possa andar de mãos dadas

com a alegria e a liberdade de sermos quem somos. Mulheres, fortes, inteligentes, livres.

Tantas e tão diversas. Sobretudo,

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Esta dissertação propõe problematizar a invisibilização da atuação política de mulheres, por meio da narrativa das participantes do Movimento Feminino Pela Anistia em Santa Catarina (1977). Este trabalho se insere na perspectiva da História do Tempo Presente, visto que apesar do período ditatorial ter acabado em 1985, os mecanismos de Estado e as construções de gênero que o mantinham permanecem até hoje. Diante da pouca importância atribuída às ações de resistência dessas mulheres, destaca-se o silenciamento das suas atuações na História que, por vezes, ocorre por se desconectar das construções de gênero designadas a elas. O objetivo ao entrelaçar interpretações acerca do campo de estudos da memória e do esquecimento se dá no esforço de visibilizar diversas formas de interesses permeadas pelas relações de poder e de exclusões, que são observadas na promulgação de Leis como a nº 6.683/1979, conhecida como a Lei de Anistia. Diante da narrativa das entrevistadas, no entrecruzamento de fontes (jornais, panfletos e boletins que circularam entre 1975 e 1979) e na análise de leis, amparada na reflexão proposta por Denise Rollemberg (2015) sobre o conceito de resistência, este debate amplia perspectivas para a reflexão sobre outras experiências de resistências à regimes ditatoriais, bem como visibiliza as ações de mulheres na cena política e pública. Questionar as imposições autoritárias e possibilitar que outras narrativas sobre o período repressivo brasileiro e seus efeitos em Santa Catarina possam ser expostas é a principal contribuição das historiadoras e historiadores que utilizam a história oral como metodologia de pesquisa e análise historiográfica. Palavras-chave: História das Mulheres. Ditadura civil-militar. Movimento Feminino Pela Anistia. Santa Catarina. Gênero. Memória. Esquecimento.

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This dissertation proposes to problematize the invisibilities of the political action of women, through the narrative of the participants of the Feminine Movement for the Amnesty in Santa Catarina (1977). This work falls within the perspective of the History of Present Time, since despite the dictatorial period ending in 1985, the mechanisms of state and the constructions of gender that maintained it remain to this day. In view of the low importance attributed to the resistance actions of these women, the silence of women's actions in History that sometimes occurs by disconnecting to the constructions of gender assigned to them is outstanding. The objective of interweaving interpretations about the field of memory and forgetfulness studies is in the effort to visualize various forms of interests permeated by power relations and exclusions, which are observed in the promulgation of Laws such as No. 6.683 / 1979, known as the Amnesty Law. In the face of the interviewees' narrative, in the intersection of sources (newspapers, pamphlets and newsletters circulating between 1975 and 1979) and in the analysis of laws, supported by Denise Rollemberg's (2015) reflection on the concept of resistance, this debate the reflection on other experiences of resistance to dictatorial regimes, as well as demonstrates the actions of women in the political and public scene. Questioning the authoritarian impositions and enabling other narratives about the Brazilian repressive period and its effects in Santa Catarina can be exposed is the main contribution of historians and historians who use oral history as research methodology and historiographic analysis.

Keywords: History of Women. Civil-military dictatorship. Women's Movement for Amnesty. Santa Catarina. Gender. Memory. Forgetfulness.

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Figura 1: Congresso Internacional das Mulheres – México/1975. ... 48

Figura 2: Manifesto da Mulher Brasileira em favor da Anistia. ... 50

Figura 3: Primeira edição do Maria Quitéria. ... 59

Figura 4: Capa da edição nº 2 do Maria Quitéria. ... 61

Figura 5: Capa da edição nº3 do Maria Quitéria. ... 63

Figura 6: Capa edição nº4 do Maria Quitéria. ... 64

Figura 7: Relatório de observação do DEOPS ao “Campus Universitário” da USP. ... 84

Figura 8: Carta da Anistia Internacional remetida ao bispo Dom Afonso Niehues em 29 de abril de 1976. ... 89

Figura 9: Carta da Anistia Internacional remetida em resposta ao bispo Dom Afonso Niehues em 20 de junho de 1976. ... 90

Figura 10: Milhares de manifestantes pró-anistia participam da passeata na Avenida Rio Branco no centro do Rio de Janeiro. ... 99

Figura 11: Anistia Para Todos os Brasileiros. ... 102

Figura 12: Por uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. ... 103

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AI-5: Ato Institucional n° 5

ALESC: Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina ALN: Aliança Libertadora Nacional

AP: Ação Popular

ARENA: Aliança Renovadora Nacional CBA: Comitê Brasileiro pela Anistia

CELAM: Conferência Episcopal Latino Americana CEV: Comissão Estadual da Verdade

CFH: Centro de Filosofias e Ciências Humanas

CIASC: Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina

CIDH: Corte Interamericana de Direitos Humanos

CMV-UFSC: Comissão Memória e Verdade – Universidade Federal de Santa Catarina

CMVJ: Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça CNV: Comissão Nacional da Verdade

DCE: Diretório Central dos Estudantes

DEAM: Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher DEOPS: Departamento Estadual de Ordem Política e Social DEOPS-DI: Departamento Estadual de Ordem Política e Social - Divisão de Informações

DOI-CODI: Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna

DOPS: Departamento de Ordem Política e Social GTNM/RJ: Grupo Tortura Nunca Mais – Rio de Janeiro IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IML: Instituto Médico Legal

INESP: Instituto de Estudos e Pesquisas IPM: Inquéritos Policiais Militares JEC: Juventude Estudantil Católica JUC: Juventude Universitária Católica

LASTRO: Laboratório se Sociologia do Trabalho LEGH: Laboratório de Estudos de Gênero e História MDB: Movimento Democrático Brasileiro

MFPA: Movimento Feminino Pela Anistia MR-8: Movimento Revolucionário 8 de Outubro ONU: Organização das Nações Unidas

PCB: Partido Comunista Brasileiro

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PDS: Partido Democrático Social PFL: Partido Frente Liberal

PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro PSD: Partido Social Democrático

PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira PT: Partido dos Trabalhadores

RBMVJ: Rede Brasileira por Memória, Verdade e Justiça SC: Santa Catarina

SNI: Serviço Nacional de Informações STF: Superior Tribunal Federal

UDESC: Universidade do Estado de Santa Catarina UDN: União Democrática Nacional

UFSC: Universidade Federal de Santa Catarina UNE: União Nacional dos Estudantes

USP: Universidade de São Paulo

VAR-Palmares: Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares VPR: Vanguarda Popular Revolucionária

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INTRODUÇÃO ... 21

CAPÍTULO 1. SANTA CATARINA E O CONTEXTO DITATORIAL DA DÉCADA DE 1970. ... 39

1.1 A Operação Barriga Verde ... 42

1.2 O Movimento Feminino pela Anistia - MFPA ... 47

1.3 A imprensa do MFPA: apresentando o jornal Maria Quitéria ... 58

CAPÍTULO 2. A ANISTIA COMO PROJETO DE ESQUECIMENTO ... 67

2.1 Memórias em jogo ... 69

2.2 Memórias em (re) construção ... 73

2.3 Memórias de gênero: a articulação do núcleo catarinense do Movimento Feminino pela Anistia ... 75

CAPÍTULO 3. NARRATIVAS (D)E RESISTÊNCIAS ... 95

3.1 O enquadramento de memórias ... 97

3.2 A busca por Memória, Verdade e Justiça no pós-abertura ... 112

3.3 O que tem nessa cesta?: Construções de gênero como silenciador das ações políticas de mulheres ... 127

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 137

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 141

FONTES ... 151

APÊNDICE ... 153

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INTRODUÇÃO

Diante do caótico cenário político brasileiro, parece-me demasiado importante refletir e problematizar os mecanismos responsáveis pela construção das memórias nacionais. Vivemos um momento em que a disputa discursiva se apropria do discurso histórico visando suplantar o oponente da arena política a qualquer custo. Em 2016, presenciamos um novo golpe de Estado orquestrado (mais uma vez) por uma elite que, articulada aos meios de comunicação de massas, com dada ênfase nas redes sociais da Internet e na disseminação das fake news1, angariaram expressivo apoio popular, culminando na deposição da presidenta democraticamente eleita, Dilma Vana Rousseff (G1, 2016).

O desmonte do judiciário em prol dos interesses políticos específicos, manipulação midiática e demonização das esquerdas, apesar de não serem estratégias inéditas dos setores conservadores, foram amplamente manejadas e novamente culminaram na desestabilização política e econômica brasileira. O golpe militar ocorrido em 1964 possuiu estratégias discursivas semelhantes às utilizadas entre o período eleitoral e a posse do segundo mandato da presidenta Dilma V. Rousseff (2015), como a ameaça comunista e à família tradicional brasileira.

Ao trazermos nosso olhar para o tempo presente, cotidianamente, observamos e sofremos com os retrocessos nas áreas da educação, saúde, direitos humanos, entre outros setores voltados aos programas de inclusão social, em função do golpe sofrido em 2016, que destitui a presidenta Dilma V. Rousseff. Refiro-me à extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos que foram aglutinados à pasta do Ministério da Justiça e da Cidadania; do Ministério da Cultura que foi aglutinado à pasta do Ministério da Educação – tornando-se Ministério da Educação e Cultura, além da extinção de outros nove Ministérios, conforme consta no Diário Oficial de 12 de maio de 2016.

Problematizar os mecanismos responsáveis pela construção e manutenção de uma memória a respeito do processo de impedimento da presidenta bem como da base legitimadora do golpe, emerge como um importante desafio impetrado às ciências humanas. Do mesmo modo está posta a problemática de pensar a atuação política das mulheres e o seu protagonismo ao longo das últimas décadas. Nesse sentido, a proposta desta dissertação é analisar como são construídas e percebidas, no tempo presente, as memórias de mulheres que participaram do Movimento

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Feminino pela Anistia em Santa Catarina (MFPA-SC) e as suas relações com os movimentos de resistência à ditadura civil-militar2, estabelecendo o final da década de 1970 como recorte temporal. Acredito que ao historicizar as narrativas acerca das suas experiências de vida nos últimos anos, permite vislumbrar diferentes formas de resistência e de protagonismo feminino na luta contra o governo militar, instaurado com o golpe impetrado em 1964, e pelo reestabelecimento da democracia, posterior a 1985.

A intenção de pesquisar sobre a construção dessas memórias no tempo presente, se deu em função da elaboração do meu trabalho de conclusão de curso3 em que, ao conversar com as ex-participantes do núcleo catarinense do Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA), despertou-me a inquietação quanto a hierarquização em que as memórias, ainda que pessoais, estão submetidas. Para abordar tais memórias e propor outra leitura do período ditatorial catarinense, utilizo entrevistas orais realizadas por mim e por pesquisadoras e pesquisadores do Laboratório de Estudos de Gênero e História da Universidade Federal de Santa Catarina (LEGH-UFSC) com mulheres que militaram em diferentes momentos e temporalidades nos movimentos de contestação à ditadura civil-militar em Santa Catarina4. São elas: Margaret Grando, Maria Helena Garcia, Marise Maravalhas, Rosângela Koerich de Souza e Maria Rita Bessa. Convém ressaltar que, outras sujeitas dessa história ficaram de fora da construção dessa pesquisa. Não por vontade da autora, mas por questões de tempo, incompatibilidades de agendas e os limites impostos pelo trabalho. Assumo, nesse sentido, a própria constituição subjetiva em face do recorte temático e temporal.

2 Utilizo a expressão ditadura civil-militar buscando enfatizar o apoio e

participação de diversos setores da sociedade civil (como governadores, empresários, multinacionais, entre outros) na promoção do regime ditatorial vivenciado no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. CF: REIS FILHO, 1997, p. 102. Convém ressaltar que há autores que não concordam com a utilização desse termo (CF: NAPOLITANO, 2014).

3 O trabalho intitulado “O Movimento Feminino Pela Anistia: a participação e o

engajamento de mulheres catarinenses entre 1975 e 1979” foi defendido em julho de 2015, pelo curso de História da Universidade Federal de Santa Catarina, também, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Cristina Scheibe Wolff. Algumas discussões iniciadas nesse primeiro exercício de escrita acadêmica foram retomadas e aprofundadas nesta dissertação.

4 Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Ação Popular (AP), o Movimento

Estudantil, Juventude do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e Movimento Feminino pela Anistia (MFPA-SC).

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Contatar essas mulheres não foi tarefa fácil, diante das incompatibilidades de agendas e, principalmente, entre aquelas que não participam atualmente de movimentos políticos e/ou não atribuírem importância às suas ações no tempo passado. Entendo que essa relação de deslegitimação de suas ações está ancorada na construção social de gênero da mulher: do cuidado, zelo e manutenção da família. A atuação em prol das pessoas encarceradas e de seus familiares não é percebida como luta política, mas sim com o cumprimento das suas funções sociais perante a arena pública/política

Esse não reconhecimento da legitimidade da atuação política feminina também pode ser observado ao acompanharmos o processo de deposição da presidenta Dilma Rousseff. As historiadoras Ana Flávia Cernic e Glaucia Fraccaro no texto intitulado “O Golpe de 2016 na vida das mulheres”, – que compõe a publicação “Historiadores pela Democracia: o golpe de 2016: a força do passado” – entendem a articulação do golpe como misógina e machista. De acordo com as autoras:

Enfim, quando se pretende criticar Dilma recorre-se muitas vezes à sua condição de mulher. Para muitos dos parlamentares, Dilma na presidência representava um mundo no qual as coisas estavam “fora do lugar”. Não foi à toa que a figura da “bela, recatada e do lar”, forjada na imprensa através da imagem de Marcela Temer, esposa do vice-presidente, marcaria de forma indelével a derrubada de Dilma Rousseff do comando do país (CERNIC; FRACCARO, 2016, p. 254).

Lançado em São Paulo, o livro-manifesto reúne textos publicados em redes sociais pessoais, sítios eletrônicos, blog’s, colunas de jornais, entre outros meios digitais, consistindo em um “exercício de história imediata construído a partir da seleção e organização em ordem cronológica, de textos, entrevistas e depoimentos de historiadores e cientistas sociais produzidos, em sua maior parte, no calor do processo da atual crise política brasileira” (MATTOS; BESSONE; MAMIGONIAN, 2016, p. 09). No decorrer do processo de impeachment5, por diversas

vezes, as críticas e os xingamentos se davam em função da sua condição

5 O processo de impeachment foi aceito em 02 de dezembro de 2015 pelo então

presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, sob a acusação de crime de responsabilidade, encerrando-se em 31 de agosto de 2016 com a cassação do mandato da presidenta.

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de mulher6. A imagem da “bela, recatada e do lar” 7, publicada pela revista

Veja em abril de 2016 em meio ao processo de afastamento da presidenta

da república, apregoa o tipo de “papel” social a ser desempenhado pelas mulheres: funções relacionadas ao ambiente doméstico ou ao cuidado dos filhos e da família, no geral, a vida “privada”. A possibilidade do retorno de uma primeira-dama em conformidade com as construções de gênero designado às mulheres agrada/ou aos setores conservadores.

Diante desse quadro, diversas inquietações relacionadas à atuação de mulheres na política emergem e promovem a reflexão a respeito de como essa inserção ocorre. Primeiramente, vale assinalar que as lutas feministas no Brasil não inauguraram a participação de mulheres na cena pública e política. Com bem salienta a obra “Nova História das Mulheres no Brasil” de 2013, organizado pelas historiadoras Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria Pedro, ao propor uma reescrita da História das Mulheres dos séculos XX e XXI os textos recorrem à historicização da participação de mulheres em diversas frentes. No capítulo intitulado “Participação feminina no debate público brasileiro” ao contrapor a tradicional expressão “a frente de seu tempo”, as autoras Maria Ligia Prado e Stella Scatena Franco ao abordarem as “mulheres ilustres” do Brasil do século XIX, apontam:

Aos que sugerem que tais mulheres tinham “ideias avançadas”, estavam “a frente de seu tempo” e “fugiam às convenções sociais”, podemos dizer que elas pensavam e agiam como indivíduos pertencentes à sua época e, assim, entre outras atividades, também se envolviam com a política (mais intensamente do que se tem assinalado e não apenas a partir do final do século, quando as lutas sufragistas ganharam destaque). Lembremos que política não se restringe à esfera do Estado e de suas instituições (PRADO; FRANCO, p. 194, 2013).

As autoras se referem às diversas atuações femininas no campo da literatura, educação e artes brasileiras ao longo do século XIX e à visibilidade que as novas pesquisas históricas desse período despontam

6 Sobre a temática, ver em: PEDRO et al, 2017, p. 230.

7 LINHARES, Juliana. Marcela Temer: bela, recatada e “do lar”. Veja.com. 18

abr. 2016. Acesso em:08 jun. 2017. Disponível em: http://veja.abril.com.br/brasil/marcela-temer-bela-recatada-e-do-lar/.

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para tais produções literárias (ibidem). Ao longo do artigo, as historiadoras trazem mulheres que tiveram atuações contundentes em rupturas institucionais, como: Bárbara de Alencar, envolvida na Revolução Pernambucana de 1817, sendo conhecida como “a primeira mulher política e presa” no Brasil; Maria Quitéria de Medeiros e Joana Angélica de Jesus, ambas lutaram em 1822 pela independência brasileira; Maria Amália do Rego Barreto que foi impedida de seguir para o Paraguai, para prestar auxílio às tropas em combate como enfermeira, em função da pouca idade – 14 anos; e Antonia Alves Feitosa, mais conhecida como Jovita, que em 1865 travestiu-se de soldado e apresentou-se como “voluntário da pátria” para lutar na guerra do Paraguai que, apesar de ter sido descoberta rapidamente, “foi aceita como recruta e partiu para o Rio de Janeiro com os demais voluntários do Piauí” (ibidem, p. 196-200); são alguns exemplos. Mais tarde, em 1977, Therezinha Godoy Zerbine fundadora e presidenta do MFPA nacional, vai nomear o boletim oficial do movimento como Maria Quitéria, associando a imagem de bravura e de contestação da soldada às participantes.

Prado e Franco em sua pesquisa apontam que, até fins do XIX, ecoavam vozes que salientavam a necessidade da atuação de mulheres na política e, como bem afirma a fundadora do periódico A Família e expoente na luta pelo direito ao voto feminino, Josefina Álvares de Azevedo, “as mulheres estão aptas a possuir os mesmos direitos que os homens. O veto a tais direitos denotaria o preconceito e o atraso existentes no país” (ibidem, p. 214). O artigo mencionado evidencia que, ainda que em pequena parcela, as mulheres por diversas vezes assumiram a defesa de seus direitos políticos culminando nas lutas sufragistas (ibidem). Por meio da análise de diferentes fontes torna-se evidente a participação política das mulheres e a importância da mesma pela conquista e manutenção de direitos. E esse protagonismo tornou-se ainda mais ampliado no decorrer do século XX.

Se as mulheres pobres e periféricas estiveram desde sempre inseridas no mercado de trabalho, as mulheres de classes mais abastadas passam a buscar tal inserção. A autora Raquel Soihet (2013) ao historicizar esse processo da “Conquista do espaço Público”, título do artigo no qual desenvolve tal reflexão, aponta para a crescente industrialização dos produtos consumidos pelas famílias no início do século XX como umas das responsáveis pela necessidade da contribuição financeira feminina (p. 218). Aos questionamentos referentes à qualificação e a supressão das barreiras impostas ao trabalho executado

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por mulheres somaram-se à luta por uma educação de qualidade, direito ao voto e elegibilidade. De acordo com Soihet, tais ações não se concretizaram de imediato, pois no imaginário social brasileiro da época, as mulheres configuravam o sexo frágil e eram menos inteligentes, o que as impossibilitavam de exercer cargos públicos, sendo as tarefas relacionadas ao lar como apropriadas as suas capacidades (2013, p. 218-219). Nesse contexto surgem diversas mobilizações de mulheres em contestação a esse código social e as lutas pela emancipação feminina.

Ao adentrar o campo das reivindicações do início do século XX, as lutas sufragistas e/ou o chamado “Feminismo de Primeira Onda” destacam-se ao “inaugurarem” a lutas de mulheres pelo espaço público. Convém refletirmos acerca das narrativas e discursos que inauguram os feminismos à brasileira. A autora Joana Maria Pedro (2011) destaca a importância dada ao Ano Internacional da Mulher, proposto pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975 como um marco fundacional (p.56). Para Joana M. Pedro, essa decisão da ONU diz mais sobre o próprio movimento da História, pautado nas reivindicações de rua realizadas em vários países da Europa e Estados Unidos, do que uma decisão institucional. Em uma recente publicação (2016) conjuntamente as autoras Cristina Scheibe Wolff e Cíntia Lima Crescêncio propõem analisarmos tal evento no campo discursivo, uma vez que aliando os feminismos às demandas sociais, o percebemos como construção social e um discurso que parte dessa demanda para se estabelecer (2016, p. 55). Essa assertiva oferece uma importante chave interpretativa, pois possibilita a reflexão e problematização dos mecanismos responsáveis pela construção das memórias. No caso das mulheres, tais demandas são pertinentes para vislumbrar os não protagonismos assumidos ao longo da história que são reivindicados quando as mesmas ocupam espaços de poder; e em sua maioria, por elas próprias.

Nesse sentido, o marco de 1975 para as diversas mobilizações de mulheres no ocidente, abre a perspectiva de desvelar a agência das suas reivindicações, distanciando a análise do campo institucional. Ainda de acordo com as autoras anteriormente citadas,

Conceitualmente, o marco de 1975 atende a uma necessidade de identificar as origens de um passado que, de fato, foi afetado pelas ações e reações provocadas pelos investimentos da ONU em países que viviam um contexto bastante restrito em termos de direito à voz. No entanto, esse mesmo marco também serve para desviar o olhar

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de mulheres que, muito antes de receberem atenção institucional internacional, estavam se organizando e enfrentando o sexismo existente tanto na direita quanto nos grupos de esquerdas, como é o caso dos países do Cone Sul. Lançar um olhar crítico para o mito fundador de 1975 é, portanto, humanizar as histórias e os personagens por trás desse marco (ibidem, p. 56).

Paralelamente aos golpes de estado na América Latina8, a década de 1960 foi marcada – principalmente, na Europa e nos Estados Unidos – por cenários de grande efervescência política, de revolução dos costumes e de radical renovação cultural (PINTO, p. 14, 2003). A instituição da ONU como o Ano Internacional da Mulher, tornou o ambiente propício para que movimentos de mulheres, como o MFPA, emergissem, possibilitando empreender resistências por meio do apoio institucional. Apesar de toda a efervescência política que irradiava da Europa e EUA relacionada às lutas feministas, no Brasil o perfil das participantes do Movimento Feminino pela Anistia eram mulheres pertencentes à classe média urbana e que, também, lutavam pela reconstrução de suas famílias, pelo retorno dos seus filhos, maridos, amigos ao lar e as “suas responsabilidades”. Ou seja, essas mulheres não contestavam o seu lugar social muito menos os condicionamentos sociais que lhes eram impostos. Apesar dos primeiros grupos feministas enquanto grupo organizado só terem emergido na década de 1970, essas ideias já circulavam pelo Brasil. Como bem pontua a antropóloga Cinthya Sarti, “o caráter radical do feminismo brasileiro foi gestado sob a experiência da ditadura militar e, assim, nomear, hoje, o que naquele início eram mal-estares sem nome, na ainda feliz expressão de Betty Friedan” (SARTI, 2001, p.32-33).

Sarti (2001) compreende a articulação desse movimento de contestação de mulheres atrelados à expansão do mercado de trabalho, com a inserção de mulheres em algumas atividades laborativas remuneradas, e do próprio sistema educacional. De acordo com Sarti,

A expansão do mercado de trabalho e do sistema educacional que estava em curso num país que se modernizava, gerou, ainda que de forma excludente, novas oportunidades para as mulheres.

8 Refiro-me aos seguintes regimes ditatoriais no Cone Sul: Paraguai (1954-1989),

Chile (1963-1990), Bolívia (1964-1982), Argentina (1966-1973) e Uruguai (1973-1985). Sobre isto, ver em: WOLFF, 2007.

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Este processo de modernização, acompanhado pela efervescência cultural de 1968, de novos comportamentos afetivos e sexuais relacionados ao acesso a métodos anticoncepcionais e ao recurso às terapias psicológicas e à psicanálise, influenciou decisivamente o mundo privado. Novas experiências cotidianas entraram em conflito com o padrão tradicional de valores nas relações familiares, sobretudo por seu caráter autoritário e patriarcal. Nessas circunstâncias, o Ano Internacional da Mulher, 1975, oficialmente declarado pela ONU, propicia o cenário para início do movimento feminista no Brasil, ainda fortemente marcado pela luta política contra o regime militar (SARTI, 2001, p. 36).

Ao determos a análise no contexto brasileiro, o cenário de dualidade política – esquerda versus direita, resistência versus repressão –, a articulação dos movimentos de mulheres pela anistia e o retorno das pessoas exiladas, contribuíram para o aprofundamento da luta feminista que começara a tomar vulto em finais da década de 1970 e início dos anos 1980. A inserção de mulheres em Partidos Políticos após a democratização e a criação de alguns espaços dentro dos mesmos – como o PMDB Mulher, por exemplo – contribuíram para que as questões relacionadas às mulheres se tornassem pautas e discussões9. Porém, podemos dizer que essas iniciativas contribuíram para que hoje entendamos a importância da representatividade feminina nesses espaços de disputas discursivas, que é a política? Que as questões relacionadas às mulheres não devem ser tratadas como secundárias, pois sabemos que representamos 51% da população brasileira10?

As eleições de 2018 demonstram a displicência em relação a candidaturas de mulheres. Com base nos dados do Cadastro Eleitoral

9 A criação da DEAM – Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher – em

1982 no Rio de Janeiro, só foi possível por meio da inserção de feministas na militância partidária, garantindo a inclusão do tema da violência doméstica contra a mulher na agenda governamental. Cf: MEDEIROS, 2012, p. 4.

10 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo

Demográfico realizado em 2010, as mulheres correspondem à 51% dos 190.755.799 da população brasileira, ou seja, somos um total de 97.348.809 brasileiras. Sobre esta informação, consultar: IBGE, 2010. Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/webservice/default.php?cod1=0&co d2=&cod3=&frm=hom_mul Acesso em: 05 jul. 2017.

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realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres representam 52,5% do total de 147,5 milhões de eleitores brasileiros, ou seja, são mais de 77 milhões de eleitoras. Segundo o TSE, “desse número, apenas 9.204 (31,6%) concorreram a um cargo eletivo”, sendo que “290 foram eleitas, um aumento de 52,6% em relação a 2014” (TSE, 2019). Apesar de apresentar significativo aumento na proporção de candidatas eleitas em comparação às eleições de 2014, compreendem cerca de 16,20% do universo das candidaturas que cumprirão mandato entre anos de 2019-2022. Convém ressaltar que, a Lei n. 9.504 – a “Lei das Eleições” – promulgada em 1995 passou a prever a reserva de vagas para a participação de mulheres no processo eleitoral. Em 2009, foi aprovada uma “minirreforma” na Lei das Eleições, na qual determinou a cota de 30% para candidaturas de mulheres, convertida na Lei n. 12.034. Verificou-se, então, que os partidos lançavam a candidatura de mulheres, porém, configuravam-se como campanhas de fachada, pois não havia o investimento nem em material de campanha e menos ainda em divulgação11.

Reforça-se, diante disso, a imprescindibilidade de problematizarmos a atuação de mulheres na arena política e, principalmente, percebemos que o não reconhecimento da legitimidade dessa atuação, impossibilita o debate e continua promovendo diversas formas de invisibilização. Assim, não só o processo de deposição da presidenta Dilma Rousseff, como as dificuldades em serem lançadas candidatura femininas, evidenciam a necessidade de repensarmos a inserção de mulheres nos partidos políticos e nas mobilizações de resistência por elas protagonizadas.

Pensando nessas relações de invisibilidade no campo político, a proposta deste trabalho se fundamenta em pensar as ações de resistência em um sentido ampliado, pois, de acordo com Denise Rollemberg, “esse debate abre perspectivas para a reflexão sobre outras experiências históricas de resistências a regimes ditatoriais” (ROLLEMBERG, 2015, p. 5). Visibilizar diferentes personagens, como as mulheres, permite conceber as diversas atuações de resistências ao regime ditatorial além daquelas convencionadas pela história e demarcadas pela construção política de gênero.

11 Em maio de 2018, o TSE estabeleceu por meio da Resolução nº 23.575/2018

que: “as agremiações partidárias deverão reservar pelo menos 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), conhecido como Fundo Eleitoral, para financiar candidaturas femininas” (TSE, 2019).

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A historiadora Cristina Scheibe Wolff (2015) ao analisar diversos matérias produzidos por grupos de familiares de presos políticos, contextualiza e localiza o conceito de resistência perante as ditaduras que ocorreram entre os anos de 1960-1980 no Cone Sul. Para isso, ela aponta para duas possíveis vertentes:

O primeiro “tipo” tem sido a resistência organizada por grupos políticos, como os partidos “tradicionais” de esquerda, como o Partido Comunista, por exemplo, e os grupos da chamada Nova Esquerda, inspirada nas revoluções chinesa ou cubana, armados ou não. Essa tem sido, na memória social, a principal forma de resistência reconhecida. É, porém, o segundo “tipo” que constitui a principal preocupação deste texto. Trata-se dos grupos e movimentos que focaram seu discurso e sua ação na noção dos direitos humanos e que incluíram: organizações de familiares de presos desaparecidos; ONGs e grupos ligados à Igreja Católica e a outras instituições de assistência aos familiares, a presos e de denúncia; movimentos como o Movimento Feminino pela Anistia e o Movimento Brasileiro pela Anistia; entidades profissionais como sindicatos e outras associações como, no Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil, em alguns momentos; organizações internacionais, como a Anistia Internacional, e grupos de apoio organizados em outros países (WOLFF, 2015, p. 977-978).

Resistência ampla e a defesa dos direitos humanos são mobilizados neste trabalho que, por meio da lente de gênero, intenciona visibilizar a atuação política das entrevistadas frente a um movimento nacional, compreender as relações entre a Lei de Anistia e o esquecimento como produto social – intrinsecamente ligado às construções de gênero – e, inserindo a luta de familiares de pessoas presas e/ou desaparecidas na busca por Memória, Verdade e Justiça, observar os avanços e retrocessos em âmbito jurídico que possibilitaram (ou não) a discussão sobre o período governado pelos militares. Para realizar a análise, utilizo a metodologia dos “jogos de escalas”, proposto pelo historiador francês Jacques Revel (2010) que sugere relativizar a oposição tradicional entre a abordagem micro e abordagem macro analítica (p. 443). De acordo com Revel,

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O modelo analítico que acabei de esboçar convida a pensar que é em todos os níveis, desde o mais local até o mais global, que os processos sócio históricos são gravados, não apenas por causa dos efeitos que produzem, mas porque não podem ser compreendidos a não ser que os consideremos, de forma não linear, como a resultante de uma multiplicidade de determinações, de projetos, de obrigações, de estratégias e de táticas individuais e coletivas. Somente essa multiplicidade desordenada e em parte contraditória nos permite dar conta da complexidade das transformações do mundo social.

A alteração de escalas, nesse sentido, auxilia-nos a inserir o núcleo catarinense do Movimento Feminino Pela Anistia na multiplicidade dos grupos de resistência à ditadura civil-militar. Inicialmente, faz-se necessário entender como as relações políticas e socais se desdobravam na década de 1970, em Santa Catarina, em meio a um cenário ditatorial. Para, em seguida e alterando a escala de observação, perceber as estratégias utilizadas para a articulação e disseminação do MFPA para os diferentes estados brasileiros.

Ao pesquisar sobre o período ditatorial em Santa Catarina é notável a quantidade de trabalhos acadêmicos e não acadêmicos (documentários, reportagens jornalísticas, entre outros) que envolvem a Operação Barriga Verde12 e a Novembrada13. Com o passar dos anos, essa reconstrução histórica do período a partir de determinados fatos e personagens, contribuiu para a construção de uma memória coletiva – pegando de empréstimo o termo de Halbwachs14 – sobre a resistência catarinense à ditadura militar. Se a Operação Barriga Verde pode ser considerada uma

12 A “Operação Barriga Verde” foi deflagrada em 1975 com objetivo de prender

os articuladores do Partido Comunista em Santa Catarina. As circunstâncias e aspectos políticos dessa operação são abordados no primeiro capítulo dessa pesquisa.

13 A “Novembrada” foi um protesto articulado por estudantes da UFSC em

decorrência da visita do presidente general João Baptista Figueiredo, em 1979. Sobre esse movimento de contestação, ver em: MIGUEL, 1995; MARTINS, 2006; TORRES, 2009.

14 Segundo Halbwachs ao rememorar alguma ação do passado, nós não

lembramos o passado tal qual ele aconteceu, mas de acordo com as forças sociais do presente que estão agindo sobre nós. Ver em: HALBWACHS, 1990.

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das mais violentas ações do aparelho repressor em solo catarinense, a Novembrada, ainda hoje, é evocada como símbolo de luta e resistência no Estado.

Apesar de contarmos com uma historiografia vertiginosamente crescente sobre a fase ditatorial brasileira, ainda são poucos os trabalhos que se preocuparam em problematizar a atuação das mulheres catarinenses15 e, praticamente, nulo os que se preocupam em problematizar a construção de uma memória sobre o período. Entre as principais produções sobre o pós-abertura política que abordam experiências de mulheres nas sessões de tortura física e psicológica, destacam-se as seguintes obras: “No corpo e na alma” (2002) da ex-militante da Ação Popular (AP), a catarinense Derlei Catarina de Luca; “As moças de Minas: uma história dos anos 60” de Luiz Manfredini (1989). Em relação às trajetórias e a inserção política, as obras “A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil” (1997) de Ana Maria Colling e “Mulheres, militância e memória” (1996) de Elizabeth F. Xavier Ferreira, dão ênfase na construção da mulher enquanto militante e as diferentes formas de entrada na clandestinidade. Lançado recentemente, a obra “Esperança Equilibrista: a resistência feminina à ditadura militar no Brasil” de Olívia Rangel Joffily (2016), também desponta como umas das importantes contribuições para visualizarmos a atuação das mulheres, partindo das narrativas das próprias militantes.

Em relação à bibliografia sobre a fase ditatorial em Santa Catarinense e sobre o núcleo catarinense do MFPA, deparei-me com uma constante: a supervalorização de eventos como a Operação Barriga Verde (1975) e a Novembrada (1979), que foram trazidos para a escrita da história catarinense, resultaram no silenciamento do MFPA e de outras mobilizações sociais que estavam empreendendo luta política à época. Essa construção de um estado que não “sofreu” com a ditadura civil-militar, tende a suprimir o cenário de manifestação e resistência política. Contudo, importantes contribuições para a ressignificação desse cenário são observadas nas obras: “Movimento Estudantil em Santa Catarina” de Serenito Moretti (1984); “Abaixo as ditaduras: história do movimento estudantil catarinense (1974-1981) de Lédio Rosa de Andrade (2010); “A justiça nem ao diabo se há de negar: a repressão aos membros do Partido Comunista Brasileiro na Operação Barriga Verde (1975)” de Mateus Gamba Torres (2009); “Os quatro cantos do sol: Operação Barriga Verde” de Celso Martins (2006); “Histórias na ditadura: Santa Catarina

15 Sobre essa temática ver: BRANCHER, LOHN, 2014; WAGNER, 2003;

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1985) organizado por Ana Lice Brancher e Reinaldo Lindolfo Lohn (2014).

Porém, quase não há a utilização e problematização das memórias de mulheres enquanto participantes da cena política e repressiva. Em face dessas produções, a intenção dessa pesquisa se dá no esforço de, diante de uma perspectiva regional, relacionar a atuação dessas mulheres catarinenses ao cenário nacional, a fim de compreender os principais canais em que exerceram a militância, os processos de construção dessas memórias e dos esquecimentos.

A respeito da bibliografia disposta sobre o Movimento Feminino Pela Anistia, as seguintes obras foram fundamentais para esta dissertação, pois forneceram os substratos que me possibilitaram compreender a perspectiva geral do movimento, as divergências e a estratégia de ação política. São elas: a obra “Memórias em disputa e jogos de gênero: o Movimento Feminino Pela Anistia no Ceará (1976-1979), fruto da tese de doutorado de Ana Rita Fonteles Duarte, lançado em 2012; “O Movimento Feminino Pela Anistia: a esperança do retorno à democracia” fruto da dissertação de mestrado de Anna Flávia Arruda Lanna Barreto, lançado em 2011; “Maria Quitéria: o Movimento Feminino Pela Anistia e sua imprensa (1975-1979) fruto da dissertação de mestrado de Maria Cecília Conte Carboni, defendida em 2008. Essas publicações e suas inegáveis contribuições para o campo de estudos da História das Mulheres e das suas resistências, contudo, dada a invisibilização do núcleo catarinense, sequer mencionam a sua existência. Reforça-se, nesse sentido, a importância de estudos que enfoquem a participação de mulheres, sob diferentes perspectivas e formas de atuação.

Para a referida análise, utilizo a perspectiva do Tempo Presente, pois acredito que na atualidade permite-nos visualizar as reverberações construídas no período posterior à promulgação da última Lei de Anistia (Lei nº 6.683 sancionada em 29 de agosto de 1979), compreendida aqui como a proposição de um projeto de esquecimento do período repressivo brasileiro. Essa é a perspectiva que norteia a pesquisa e, em atenção para o debate proposto por François Dosse (2012), onde busca historicizar a emergência do tempo presente no campo historiográfico:

A história do tempo presente está na intersecção do presente e da longa duração. Esta coloca o problema de se saber como o presente é construído no tempo. Ela se diferencia, portanto, da história imediata porque impõe um dever de mediação (DOSSE, 2012, p. 6).

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Para Dosse, uma história imediata seria aquela que não tem profundidade (ou espessura) temporal e, uma história do Tempo Presente uma espécie de mediação entre o “nosso tempo” e a “longa duração”. Assim, a “história do tempo presente reside na contemporaneidade do não contemporâneo, na espessura temporal do ‘espaço de experiência’ e no presente do passado incorporado” (Ibidem). O historiador Carlos Fico, ao refletir sobre os eventos traumáticos e a publicização de documentos sensíveis disponibilizados pela “Lei de Acesso à Informação” promulgada em 2012, infere que: “a marca central da História do Tempo Presente – sua imbricação com a política – decorre da circunstância de estarmos, sujeito e objeto, mergulhados em uma mesma temporalidade, que, por assim dizer, ‘não terminou’” (FICO, 2012, p. 45). Trata-se, portanto, de importante ferramenta historiográfica para os estudos que problematizam um passado não tão distante, como é o caso da ditadura civil-militar brasileira, em que seus resquícios estão presentes na vida cotidiana e no espaço de experiência das entrevistadas.

A narrativa que proponho realizar ao analisar as memórias construídas a respeito desse movimento de mulheres constituído na década de 1970, possui as seguintes categorias analíticas do campo de estudos da História Cultural: estudos de Gênero, Memória e Esquecimento. Ao realizar entrevistas com mulheres que participaram de movimentos de resistência, a perspectiva da História Oral se mostra como uma importante aliada na construção de uma História sobre Mulheres ao contrapor uma narrativa tradicional em que restringe essas sujeitas aos ambientes privados e a rigidez das construções de gênero. Como lembra Michelle Perrot, as mulheres “são uma leve sombra” na historiografia tradicional, pois ela “privilegia a cena pública – a política e a guerra – onde elas aparecem pouco” (PERROT, 2005, p. 33). Essa história tradicional positivista acreditava em uma imparcialidade e busca pela verdade objetiva, ancorada na produção daquilo que é documentado, descartando a subjetividade presente na elaboração destes documentos.

Para utilizar a memória como fonte para a pesquisa, faz-se de extrema importância apreender a questão da subjetividade que envolve o ato de rememorar e transformar em palavras aquilo que se tem na memória ou o que se faz perceber como memória e fazemos recordar por meio de perguntas. Ao provocar a rememoração, provocamos, também, a interpretação da experiência vivenciada. Com relação à essa interpretação, o autor Alessandro Portelli aponta que: “a motivação para narrar consiste precisamente em expressar o significado da experiência através dos fatos: recordar e contar já é interpretar” (PORTELLI, 1996, p. 2). A escolha em trabalhar com entrevistas orais deve vislumbrar que a

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rememoração é uma construção que se dá no presente e como fruto de uma “entre/vista”, ou seja, a partir da interação da pesquisadora com a entrevistada que conta sua história através da memória, mas, também, que reconstitui as respostas a partir das perguntas direcionadas (PORTELLI, 1996, p. 2). Compreendo, com isto, que a memória não é engessada, mas que exige um “trabalho” que está intrinsecamente ligado, ao ato ou ação de lembrar, esquecer, silenciar, emergir (CF: JELIN, 2002).

Buscar na rememoração dessas mulheres sobre as suas experiências e vivências afloram outros aspectos relacionados à esfera entre a memória e a história suscitando diferentes análises para o campo historiográfico (SALVATICI, 2005, p.40-41). As diferentes relações de poder, com dada ênfase nas relações de gênero presente nestas rememorações, nos dão um panorama de como as construções dos papéis tradicionais de gênero estão arraigados no imaginário social e são responsáveis pelas construções das memórias sobre determinada região ou atuação política. Alejandra Oberti (2010) ao destacar os deslocamentos de gênero que os testemunhos de mulheres, em geral, suscitam, enfatiza que essas narrativas não pretendem refazer a história, incluindo as mulheres (p.15), mas sim, propõe a construção de uma memória que valoriza questões que não estão presentes – e nunca serão – nos grandes fatos da história (p.28). As narrativas de mulheres permitem uma outra perspectiva diante dos acontecimentos em função das construções de gênero.

A mobilização dessa categoria de análise permite compreender o estabelecimento das relações de poder construídas dentro do panorama de lutas e resistências. Compartilho da definição de Joan Scott (1995) em que percebe o gênero constituído pelas relações sociais como consequência das relações de poder. Ao fundamentar sua proposição percebendo o gênero “como um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos”, Scott entende, então, que “o gênero é o primeiro modo de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 13-14).

A construção de um movimento encabeçado por mulheres, como no caso do MFPA, não é considerada como político por este imaginário socialmente construído, pois faz parte da atribuição social de mulheres: o zelo, o cuidado e proteção das suas filhas e filhos, esposos, netas e netos. A elas são definidas as ações relacionadas ao cuidado materno, sem associá-las com a política; que nesse cenário é entendida como legado masculino. O papel materno não só dissocia a mulher da política como é visto como excludente: ou ela faz parte da vida pública ou da vida privada,

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doméstica. Em função disso, faz-se necessário atentarmos para o fato de que mulheres e homens são afetados de maneiras diferentes em governos de exceção, em grande medida, baseadas nas construções sociais de gênero.

Outra questão importante de ser mencionada é o uso político das emoções e afetos e a sua influência na sociedade, na cultura e na política (CF: WOLFF, 2015, p. 977). A historiadora Cristina S. Wolff aponta para a emergência desse novo campo de estudos “que para alguns constitui um giro afetivo ou giro emocional (affective turn ou emotional turn)” em que “trata-se de focar o olhar nas emoções, afetos, sentimentos, como parte da experiência humana, de procurar uma compreensão do social que inclua essa dimensão nos estudos” (ibidem). O movimento argentino das

Madres da Plaza de Mayo é uma referência para refletirmos sobre o uso

dos sentimentos e das emoções como estratégia política. A luta dessas mães por notícias de suas filhas e de seus filhos desaparecidos durante o governo ditatorial é legitimada por meio da maternidade, em que pese os sofrimentos, as angústias e as lágrimas: “como enfrentar mulheres que utilizam publicamente a condição de mãe, figura exaltada pelos discursos oficiais? A única coisa que desejavam era encontrar os filhos e cuidar deles” (DUARTE, 2009. p.32-35).

O Movimento Feminino Pela Anistia, de modo geral, também vai utilizar esse discurso com base nas emoções e na ânsia de recompor e pacificar as famílias. A função social das esposas, mães, avós, irmãs, entre outras, foram acionadas para amenizar o caráter político do movimento e, com isso, sofrerem menos os efeitos da repressão. A memória que se construiu ao longo de tempo sobre a atuação do MFPA reside na busca pelos maridos, filhos e, não no protagonismo por ser a primeira mobilização a encampar a luta pela promulgação de uma lei que concedesse uma anistia ampla, geral e irrestrita.

Já o núcleo catarinense do MFPA, por ter um caráter restrito, destoa do panorama nacional. As disputas relacionadas à memória da luta pela anistia e desse movimento não existe/existiu porque houve o silenciamento tanto na historiografia quanto na História catarinense. Ao longo da narrativa das entrevistadas, ao mesmo tempo em que as mulheres percebem a importância de sua atuação no MFPA de Florianópolis, há um esvaziamento de sentido ao relacionar as suas ações ao contexto vivenciado à época. Acredito que um dos fatores que contribuem para esta esfera de esquecimento e desqualificação, esteja relacionada ao perfil conservador que o Estado intenciona disseminar.

Contudo, tanto a Operação Barriga Verde como a Novembrada galgaram projeção nacional, não sendo possível dissimular as ações e

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efeitos da repressão promovida pelo governo militar em solo catarinense. A ênfase dada a Novembrada, principalmente pelos meios de comunicação com a elaboração de reportagens especiais e documentários, por exemplo, tendem a resumir o cenário da resistência catarinense. Contribuem, dessa forma, para a construção de uma memória parcial sobre a ditadura civil-militar, na qual corrobora com a tese da inexpressividade de ações repressivas e de movimentos de resistência.

Para a discussão pertinente à problemática proposta, este trabalho está dividido em três capítulos, nos quais me preocupei em separá-los por subitens que melhor esclarecem minhas intenções e interações com esta pesquisa. No primeiro capítulo, por meio da metodologia dos jogos de escala, proponho uma contextualização da década de 1970 em Santa Catarina bem como a articulação nacional do Movimento Feminino Pela Anistia. Ao analisar a constituição desse movimento, destaco as disputas e as estratégias utilizadas pelas participantes para esquivarem-se da repressão, buscar apoio de entidades civis e, afastar o rótulo de feministas ou subversivas.

No segundo capítulo, detenho minha análise na memória da luta pela promulgação de uma Lei de Anistia, em que a proposta apresentada pelo governo militar divergia das pautas dos movimentos sociais. Apresento, também, um panorama a respeito das discussões historiográficas sobre a memória articulada ao caráter de esquecimento promovido pela Lei de Anistia aprovada em 1979. Utilizo, dessa forma, o Movimento Feminino pela Anistia de Santa Catarina, que teve sua atuação solapada na História e na historiografia, como exemplo do processo de esquecimento desencadeado pela Anistia.

No capítulo três utilizo, para problematizar o pós-abertura, utilizo as mobilizações de familiares na esfera jurídica e a constituição de grupos que lutam por memória, verdade e justiça e que possuem profícua atuação até o presente momento. Apresento, também, uma discussão que intenciona vislumbrar as diferentes ações políticas protagonizadas por mulheres, desde a década de 1970, mas que são deslegitimadas como tal em função da hierarquia de gênero. No último tópico, com o qual fecho a dissertação, relaciono as narrativas das entrevistas onde realizam um balanço subjetivo de suas atuações no MFPA e, manifestam as construções e reconstruções de si realizadas no tempo presente.

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CAPÍTULO 1. SANTA CATARINA E O CONTEXTO DITATORIAL DA DÉCADA DE 1970.

Por um lado, a ‘mirada’ regional abre a oportunidade de ampliar o nosso conhecimento para além dos tradicionais estudos dedicados às áreas dominantes, em especial o eixo Rio-São Paulo. Assim, podemos observar como a ditadura foi vivida em outras partes do Brasil, quais seus efeitos e impactos nas regiões situadas fora dos grandes centros (BRANCHER; LOHN, 2014, p.7-8).

Trilhando na perspectiva dos jogos de escala, é importante destacar a obra Histórias na ditadura: Santa Catarina (1964-1985), mencionada na epígrafe, publicada em 2014, durante o cinquentenário do golpe civil-militar, organizada pelos historiadores Ana Lice Brancher e Reinaldo Lindolfo Lohn, que acertadamente utilizam a metodologia dos jogos de escalas e propõe outra perspectiva da ditadura por meio de uma mirada regional. Ao buscar vislumbrar os processos políticos e sociais ocorridos em Santa Catarina em meio ao contexto ditatorial iniciado em 1964 com o golpe civil-militar, este capítulo deterá sua análise diante de uma perspectiva regional.

Realizar este movimento de redução de escala, do nível nacional para o regional, permite-nos perceber a inserção e os efeitos do novo regime instaurado no Brasil perante o cotidiano catarinense. Entendo que esse aprofundamento em situações específicas viabiliza tanto a constatação de diferentes objetos de pesquisa bem como suscita novas questões à historiografia catarinense (BRANCHER; LOHN, 2014, p.7-8).

O artigo intitulado Relações políticas e ditadura: do consórcio

autoritário à transição controlada de autoria do historiador Reinaldo L.

Lohn aborda por meio da análise de reportagens veiculadas pelo jornal O

Estado, a adaptação partidária mediante os eventos pós-golpe e a

configuração da direita e das esquerdas no panorama político catarinense. Ao abordar a mobilização das principais redes políticas do estado, Lohn aponta para o importante enlace das redes político-empresariais que “tiveram atuação decisiva nos processos políticos de meados do século XX” (LOHN, 2014, p. 19) e que seriam mantidas e ampliadas ao longo da ditadura.

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De caráter conservador e alinhado à política de Estado implementada pelo golpe de 1964, o então governador de Santa Catarina, Celso Ramos (PSD)16, declarou “amplo apoio e solidariedade às forças armadas” assim que fora tomada a presidência da república (LOHN, 2014, p. 19). Relacionando aos eventos nacionais, com a declaração da vacância do cargo de presidente, em 02 de abril de 1964 pelo senador Auro Soares de Moura Andrade (UDN), o jornal O Estado já expressava seu apoio e reconhecia a legitimidade da ação civil-militar. Lohn, ao analisar duas edições do referido jornal de circulação diária, destaca algumas sentenças presentes nas edições de 04 e 05 de abril de 1964, nas quais ilustram não somente o apoio, mas também, a necessidade de mencionar uma passividade popular frente aos acontecimentos nacionais. Segundo o historiador,

Na capital, a imprensa esforçou-se para apresentar uma cidade em que tudo corria “em perfeita paz”, com “todos os estabelecimentos escolares funcionando normalmente”, comércio e indústria “trabalhando sem impedimentos” e o “povo aguardando com calma”. A cúria metropolitana convidou católicos para a versão local da “Marcha da família com Deus pela liberdade”, promovida pela primeira-dama do estado, Edith Gama Ramos, para celebrar os “sentimentos democráticos e cristãos do povo brasileiro”, por “mais uma grande vitória” que fora “conseguida sem o derramamento de uma gota de sangue” e, melhor, “sem lágrimas”: “viva o Brasil” (LOHN, 2014, p.19).

O jornal O Estado, conhecido pelo enaltecimento de figuras públicas da cena política e social catarinense, nos últimos anos vem sendo utilizado por muitos pesquisadores e pesquisadoras de diversas áreas, no intuito de compreender a cultura política de Santa Catarina. Fundado em Florianópolis em 15 de maio de 1915, por Henrique Rupp Junior, Oscar Ramos, Joe Gollaço e Ulysses Costa, inicialmente circulava em Florianópolis, em seguida passou a nível estadual. Possuindo perfil político, as matérias publicadas relacionavam-se às questões militares, ao transporte marítimo e à economia (MOREIRA, 2017, p. 68). Não somente o caráter político, mas ideológico, d’O Estado se caracterizou como uma

16 Celso Ramos foi governador de Santa Catarina entre os anos de 1961 e 1966 e

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importante ferramenta auxiliando na representação e manutenção dos interesses das classes políticas e empresariais catarinense. Sentenças como as destacadas por Lohn faziam parte do cotidiano do impresso onde as reportagens demonstravam o alinhamento político ideológico com o regime ditatorial.

Ao mesmo tempo em que há um alinhamento dos setores empresariais catarinenses ao sistema político vigente, seguindo o movimento nacional, nesse mesmo período observamos diversos movimentos de oposição às ditaduras civil-militares se articulando tanto no Brasil quanto na América Latina, que intencionavam romper com o estado de exceção e restabelecer a democracia. As incertezas desencadeadas a partir do golpe de 1964, “motivou a reunião de diferentes grupos guerrilheiros, compostos por estudantes em sua grande maioria, mas incluindo também antigos militantes comunistas, militares nacionalistas, sindicalistas, intelectuais e religiosos - de forma clandestina” (KOTCHERGENKO, 2011, p. 282). Na medida em que o regime ditatorial aumentava a repressão, a ofensiva governamental buscava desmantelar os principais grupos de oposição, sendo eles: ALN (Aliança Libertadora Nacional), MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), Ala Vermelha, VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária-Palmares), entre outros17.

As alterações de escala na mirada na década de 1970 justificam-se pela complexidade das discussões presentes naquele momento. Percebemos que não somente as questões da política estadual catarinense impactaram no cotidiano como, também, as mobilizações dentro e fora do âmbito nacional. Além dos processos ditatoriais e de oposição presentes na América Latina, os efeitos da chamada “Segunda Onda” do Movimento Feminista terão reflexos na cena pública brasileira. Aliada às reivindicações da liberdade do corpo feminino (como o uso da pílula anticoncepcional e a liberdade sexual), essa “segunda onda” vai impactar também dentro dos movimentos de esquerda.

A formação dos grupos de discussão que problematizavam a atuação das mulheres na sociedade, possibilitaram para aquelas que exerciam a chamada dupla militância – feminista e de esquerda - perceberem suas posições e a questionarem a repetição dos “tradicionais padrões sociais” construídos outrora, nos próprios movimentos de

17 Informações presentes no livro-relatório organizado pela Secretaria Especial

dos Direitos Humanos da Presidência da República conjuntamente à Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (BRASIL, 2007, p. 27).

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