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OS MEGAEVENTOS: A CIDADE MERCADORIA E AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

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Academic year: 2021

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1 Aluno do curso de Mestrado em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Advogado popular. E-mail: ferdinandofi@yahoo.com.br.

OS MEGAEVENTOS: A CIDADE MERCADORIA E

AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

THE MEGA-EVENTS: COMMODITY CITY AND

HUMAN RIGHTS VIOLATIONS

Luiz Fernando VasconceLos de Freitas1

RESUMO: O presente trabalho tem como escopo de-monstrar como a cidade foi apropriada como objeto pelo capitalismo e como os megaeventos esportivos reforçam um projeto de cidade estritamente ligado aos ganhos do capital imobiliário. A cidade, nesse contexto, é apropriada em sua dimensão de valor de troca, fonte de lucros, em de-trimento da fruição da cidade a partir de seu valor de uso, exercício dos direitos no espaço urbano. A luta pelo direito à cidade é a alternativa proposta frente às violações e a esse projeto de cidade mercadoria.

PALAVRAS-CHAVE: Megaeventos. Violações de Diretos. Direito à Cidade. Cidade Mercadoria.

ABSTRACT: This paper aims to present the city as an object of the capitalism and how mega-events, such as the World Cup, helps to maintain its operation exclusively for this system. In this context, the city replaces the concept of usage value for the exchange value - the profit is more important than enjoying the public spaces and other rights related to the urban environment. The struggle for the right to the city is an alternative to the violations caused by this enterprising concept of the cities.

KEYWORDS: Mega-Events. Rights Violations. Right to the City. Commodity-City.

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1. INTRODUÇÃO

O Brasil está totalmente inserido na lógica da competição entre cidades no espaço mundial em busca de recursos e visibilidade. Nessa disputa o Governo Federal conseguiu que o país fosse sede de dois dos maiores eventos esportivos do planeta: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Acontece que esse modelo de cidade, centrado na competição, valoriza apenas a coisificação do urbano como espaço da reprodução am-pliada do capital internacional em sua vertente imobiliária especulativa.

Como se verá adiante, existem dois paradigmas de apropriação da cidade: aquele que está centrado na cidade em seu valor de troca, mate-rialização da cidade como mercadoria, e aquele centrado na cidade em seu valor de uso, cidade como fruição de direitos fundamentais.

O presente artigo busca demonstrar, por meio de pesquisa docu-mental, como a cidade no capitalismo foi apropriada como objeto de lucro e colocada a serviço de um projeto de “desenvolvimento” que, na realida-de, exclui e viola direitos, conformando-se assim em uma modernização conservadora nos marcos do neoliberalismo regulador. Em seguida, serão apresentados dois casos de violações de direitos na cidade de Belo Hori-zonte e a defesa do direito à cidade como alternativa contra-hegemônica ao projeto de cidade mercadoria.

2. A CIDADE MERCADORIA E OS MEGAEVENTOS

A cidade no capitalismo assumiu de maneira bem acabada a for-ma de mercadoria. O espaço urbano foi totalmente apropriado pelo siste-ma de reprodução do capital imobiliário especulativo que definecomo as cidades serão produzidas e reproduzidas. A cidade se torna não apenas o lugar de reprodução do capital, mas principalmente objeto de acumulação do capital em sua vertente especulativa imobiliária.

Tal sistema prioriza a cidade em sua dimensão de valor de troca, em sua apropriação por setores sociais que veem o urbano apenas como espaço do lucro, em contraposição à cidade fruída em sua dimensão de valor de uso, caso da massa de trabalhadores que querem efetivar seus direitos fundamentais.

Nessa linha de pensamento, esses dois paradigmas podem ser resumidos na dicção de Ermínia Maricato da seguinte forma:

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Fazendo um raciocínio muito esquemático, de um lado estão os usuários da cidade, os trabalhadores, aqueles que querem da cidade condições para tocar a vida: moradia, transporte, lazer, vida comunitária, etc. Esses veem a cidade como valor de uso. Do outro lado estão aqueles para quem a cidade é fonte de lucro, mercadoria, objeto de extração de ganhos. Esses encaram a cidade como valor de troca.2.

E ainda:

Para os trabalhadores em geral, a cidade é um local de moradia, trabalho, lazer etc. Ela é, num primeiro momento, principalmente valor de uso. Para o capital em geral (industrial e comercial) a cidade também responde a interesses genéricos: necessidade de energia, matéria-prima, circulação de mercadorias, insumos. Dependendo do estágio da luta de classes, ganham importância ainda os aspectos relativos à reprodução da força de trabalho. Mas para o capital imobiliário, especificamente, a cidade não é apenas um local para obtenção do lucro; ela é o próprio objeto da extração dos lucros, rendas e juros.3

Essa cidade mercadoria, em um contexto de realização de me-gaeventos esportivos no Brasil – Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 - é potencializada, na medida em que sua justificação encontra materialidade no discurso de que seria uma oportunidade imperdível para o “desenvolvimento” do país, uma forma de mostrar ao mundo que a pu-jança da economia brasileira.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva assim se manifes-tou sobre a escolha do Brasil como país sede da Copa do Mundo de 2014: No fundo, no fundo, nós estamos aqui assumindo uma responsabilidade enquanto nação, enquanto Estado brasileiro para provar ao mundo que nós temos uma economia crescente, estável, que nós somos um dos paí-ses que está com a sua estabilidade conquistada. Somos um país que tem muitos problemas, sim, mas somos um país com homens determinados a resolver esses problemas. 4

2 MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997.

3 MARICATO, Ermínia. Sociedade: A cidade é um grande negócio. Teoria e Debate, número 03, 1988. Disponível em: <http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/ sociedade-cidade-e-um-grande-negocio>. Acesso em 10 out. 2103.

4 SILVA, Luiz Inácio Lula da. Discurso do Presidente da República na cerimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014. Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ ex-presidentes/luiz-inacio-lula-da-silva/discursos/2o-mandato/2007/2o-semestre/30-10-2007-discurso-do- presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-na-cerimonia-de-anuncio-do-brasil-como-sede-da-copa-do-mundo-de-2014/>. Acesso em 10 out. 2013.

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Ocorre que esse desenvolvimento está centrado nos ganhos do capital especulativo que transforma as cidades em uma mercadoria valiosa a ser usufruída por uma pequena parcela da sociedade que ganha lucros exorbitantes com esse modelo de cidade.

Essa sistemática é muito bem explicitada pelo professor Carlos Vainer:

Em síntese, pode-se afirmar que, transformada em coisa a ser vendida e comprada, tal como a constrói o discurso do planejamento estratégico, a cidade não é apenas uma mercadoria, mas também, uma mercadoria de luxo, destinada a um grupo de elite de potenciais compradores: capital internacional, visitantes e usuários solváveis. 5

Instala-se com essa lógica de reprodução do urbano uma compe-tição entre cidades em busca de recursos e visibilidade internacional. Os gestores públicos tornam-se grandes “gerentes” que passam a movimen-tar um sistema em que a cidade mercadoria deve ser vendida no mercado global.

Nesse sentido, veja-se a posição do autor citado acima:

Talvez esta seja, hoje, uma das ideias mais populares entre os neoplane-jadores urbanos: a cidade é uma mercadoria a ser vendida, num mercado extremamente competitivo, em que outras cidades também estão à venda. Isso explicaria que o chamado marketing urbano se imponha cada vez mais como uma esfera específica e determinante do processo de planeja-mento e gestão de cidades. Ao mesmo tempo, aí encontraríamos as bases para entender o comportamento de muitos prefeitos, que mais parecem vendedores ambulantes que dirigentes políticos. 6

Assim, as 12 (doze) cidades brasileiras que se tornaram cidades--sede da Copa do mundo de 2014 7se formataram não apenas como

es-paço privilegiado de reprodução do capital, mas também como objetos principais de acumulação e extração de lucro para determinados setores da sociedade.

E um dado fundamental é que essa apropriação se dá a partir do dinheiro público. Como relata Giovani Clark e Gustavo Vidigal Costa, 5 VAINER, Carlos. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000,

pg. 83.

6 VAINER, Carlos. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos, pg. 78.

7 Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre.

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em artigo em que criticam a falta de planejamento estatal na execução das obras de infraestrutura da Copa do Mundo e a total violação à Constitui-ção Federal de 1988:

O Tribunal de Contas da União, em estudo realizado, mostra a participa-ção da iniciativa privada nos projetos relativos ao acontecimento futebo-lístico internacional em apenas 8,81% no relatório de dezembro de 2011. Grande parte do dinheiro aplicado nas obras/serviços do evento é ou será público e virá de financiamento dos bancos estatais (21,10% da Caixa Econômica Federal e 18,52% do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e 51,57% de recursos federais, estaduais e munici-pais. Trata-se, portanto, de mais de 90% de dinheiro público a ser aplicado no circo mundial do futebol de 2014. Em síntese, um mega investimento estatal estimado em 33 bilhões de reais sem a participação popular, seja na escolha (plebiscito – democracia participativa – Art. 14 da CR/88), seja no planejamento (desplanejamento), seja no controle dos gastos ou da quali-dade das obras e serviços (Comitês Sociais de Controle).8

Dessa forma, se instalou no Brasil uma dinâmica de apropriação do dinheiro público para realização de um megaevento esportivo que be-neficiará apenas os processos de reprodução das cidades pela lógica estrita do capital especulativo imobiliário.

De grande promessa de “desenvolvimento” a Copa do Mundo de 2014, como se verá adiante apenas legítima a espoliação urbana, a ex-clusão de vários setores sociais vulneráveis afetados pelas obras realizadas em função desse evento.

3. AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS EM

FUNÇÂO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E A

LUTA PELO DIREITO À CIDADE

A Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas, no contexto da cidade mercadoria, não contribuem para o “desenvolvimento” do país, pois entende-se essa palavra como efetivação e conquista de direitos, no-tadamente os direitos sociais, e não como violação de direitos que é o que de fato ocorre nos casos em tela, sob a justificativa da visão ufanista de crescimento econômico.

8 CLARK, Giovani; COSTA, Gustavo Vidigal. O Desplanejamento Estatal: o exemplo da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=d1c38a09acc34845>. Acesso em 15 out. 2013.

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Assim, para além do clima de euforia e confiança no Brasil, que pode ser hexacampeão mundial, é preciso registrar que a realização desses megaeventos aprofunda e acelera o modelo de urbanização excludente que sempre funcionou no Brasil como paradigma de desenvolvimento urbano.

Nessa linha de pensamento é que foi publicado o dossiê da Arti-culação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP) 9

“Megae-ventos e Violação de Direito Humanos no Brasil” que:

Preparado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, ele fala do lado obscuro deste megaeventos. Ele fala de dezenas de milhares de pessoas (170 mil, segundo estimativas conserva-doras), cujo direito à moradia está sendo violado ou ameaçado. Ele fala de milhões de cidadãos a quem o direito à informação e à participação nos processos decisórios tem sido atropelado pelas autoridades constituí-das, assim como por entidades privadas (Comitê Olímpico Internacional, Comitê olímpico Brasileiro, comitês organizadores locais dos eventos) e grandes corporações, a quem os governos vêm delegando responsabilida-des públicas. Ele fala de responsabilida-desrespeito sistemático à legislação e aos direitos ambientais, aos direitos trabalhistas e ao direito ao trabalho.10

Como apresentado nesse dossiê, as ações empreendidas em fun-ção da Copa do Mundo revelam o aprofundamento da segregafun-ção sócio--espacial, através da expulsão das populações pobres das cidades e da es-poliação de direitos de trabalhadores. Entende-se que essa violação ocorre tanto no âmbito dos direitos humanos, positivados no plano internacional, quanto no âmbito dos direitos fundamentais, positivados no âmbito cons-titucional brasileiro.

Apresenta-se a seguir dois casos de violação de direitos ocorridos na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, em função da realização do megaevento esportivo de futebol.

O primeiro caso se refere à remoção da Vila Recanto UFMG localizada exatamente em frente à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Avenida Antônio Carlos, na região da Pampulha, em Belo Horizonte. Composta por antigos moradores de rua e por famílias pobres sem-teto, a Vila foi removida para a construção de um viaduto para me-lhorar o acesso ao estádio Mineirão.

9 A ANCOP reúne vários comitês que foram constituídos nas cidades sedes da Copa do Mundo como forma de organizar uma resistência às violações de Direitos humanos em função da Copa do Mundo.

10 Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP). Disponível em: <http:// www.apublica.org/wp-content/uploads/2012/01/DossieViolacoesCopa.pdf>. Acesso em 15 out. 2013.

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Sobre o terreno ocupado o sociólogo Thiago Pinto Barbosa as-sim se manifestou em sua monografia de conclusão de curso:

Seu terreno possui área total de aproximadamente 4.196m² e era ocupado anteriormente por uma concessionária de automóveis, que, ainda na pri-meira metade da década de 1990, faliu, deixando o terreno abandonado até a ocupação posterior pelos novos moradores. Inexistente nos registros históricos oficiais, a história da Vila remonta ao ano de 1995, quando che-garam os primeiros moradores em início à ocupação por moradia, como contaram estes em entrevista.11

Um terreno privado, então, foi ocupado por dezenas de famí-lias que estabeleceram ali sua moradia, seu “Recanto”, o espaço em que queriam construir suas vidas. Acontece que a Copa do Mundo e as obras viárias na Avenida Antônio Carlos não poderiam deixar à vista uma Vila às portas do estádio de futebol.

Poucas famílias foram despejadas e reassentadas em unidades do Vila Viva, programa da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), que não correspondiam à necessidade das famílias, já que o apartamento era muito pequeno em comparação com a moradia que mantinham no “Recanto”.

As pessoas que não foram reassentadas por meio dos programas habitacionais da municipalidade receberam uma indenização que valorava apenas as benfeitorias dos imóveis sem considerar a posse. Com o valor recebido não conseguiram assegurar o direito à moradia comprando outro imóvel.

A violação do direito à moradia, previsto no artigo 6º da Cons-tituição Federal de 1988 e em Tratados Internacionais de Direitos Hu-manos, dessas famílias acarretou o completo desfazimento dos laços de solidariedade e das referências de trabalho, utilização de equipamentos públicos e acesso ao trabalho como bem mostra Thiago Barbosa:

Além disso, percebe-se desde já que o despejo dos moradores dessa área valorizada e central e as limitadas possibilidades de compra de moradia frente ao valor da indenização recebida configuram-se, num âmbito mais geral, no processo de periferização ou metropolização da pobreza, ou, como alguns moradores mencionaram, expulsão dos pobres da cidade. De fato, os bairros ou cidades apontadas pelos moradores como seu destino 11 BARBOSA, Thiago Pinto. A Copa, a Cidade e a Vila: Um estudo de caso sobre a Vila Recanto UFMG.

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ou de seus vizinhos após o despejo são muito distantes do centro de Belo Horizonte e mesmo da Pampulha: Bairro Ribeiro de Abreu, Justinópolis, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves, Ibirité.

Nesse sentido os entrevistados demonstraram pesar em se mudarem para tão longe e por saírem de uma área com tantas facilidades, geralmente listadas em: emprego, várias linhas de ônibus, curta distância do centro, escolas, creches, posto de saúde, universidade. 12

Outro caso de violação de direitos em função da Copa do Mundo é a afronta ao direito ao trabalho (previsto nos artigos 6º e 170 da Consti-tuição Federal de 1988) dos barraqueiros do Estádio Mineirão. Em torno de 150 (cento e cinquenta) barraqueiros, alguns instalados no local desde o ano de 1965, trabalhavam na venda de comidas, bebidas e produtos diversos em dias de jogos, e foram proibidas pelo Governo do Estado de Minas Gerais de trabalhar no espaço após o início da reforma do estádio.

O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE-MG) foram acionados em função da si-tuação delicada pela qual passavam os barraqueiros. Veja-se nesse texto publicado no blog Copa Pública:

Em novembro do ano passado, a Procuradoria dos Direitos do Cidadão do MPF, em conjunto com a Defensoria Pública, encaminhou uma reco-mendação à Prefeitura de Belo Horizonte e ao Governo do Estado ale-gando que as pessoas que trabalhavam no Mineirão “estão passando fome, sendo relegadas à sua própria sorte, em decorrência de um evento que, ao invés de promover a melhoria das condições de vida da população mais carente, tem sido responsável pelo seu empobrecimento e degradação das condições de vida”.

O documento aponta ainda que o Estado e a Prefeitura “apesar das suces-sivas reuniões realizadas com o propósito de buscar alternativas à falta de recursos em poder adquirir um ‘ponto’ no espaço privado, vêm se negan-do a tomar as medidas que propiciem o restabelecimento das condições de dignidade destas famílias.13

Por meio da Associação dos Barraqueiros do Entorno do Minei-rão (ABAEM) e do Comitê Popular dos Atingidos pela Copa (COPAC) travou-se uma luta pelo direito ao trabalho e à cidade até que se estabele-ceu uma mesa de negociação com o Poder Público para que uma solução fosse encontrada, mas até o presente momento nenhuma proposta foi apresentada.

12 BARBOSA, Thiago Pinto. A Copa, a Cidade e a Vila: Um estudo de caso sobre a Vila Recanto UFMG. (Monografia). Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2011. 13 Os sem estádio. Disponível em: <http://www.apublica.org/2012/09/os-sem-estadio/>. Acesso em 17 out. 2013.

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Diante desse projeto de cidade colocado, a única forma de se construir uma alternativa à consolidação da cidade como mercadoria é a luta pelo direito à cidade, por várias cidades que atendam às expectativas e direitos de todos.

Nesse sentido, David Harvey define o direito à cidade como sendo o direito de transformar a cidade em algo radicalmente oposto ao que ela é hoje. Seria o direito de transformação da cidade mercadoria em vários tipos de cidades que atendam às reais necessidades humanas. Em 2009, Harvey fez a palestra inaugural do seminário Lutas pela reforma urba-na: o direito à cidade como alternativa ao neoliberalismo, e assim se manifestou:

Eu tenho trabalhado já há algum tempo com a idéia de um direito à cidade. Eu entendo que o direito à cidade significa o direito de todos nós a criar-mos cidades que satisfaçam as necessidades humanas, as nossas necessida-des. O direito à cidade não é o direito de ter - e eu vou usar uma expressão do inglês - as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos que existam. O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo ra-dicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital.14

Somente a luta organizada pode conseguir disputar um projeto de cidade alternativo à cidade apropriada pelo capital. E essa perspectiva se manifesta na luta pelo direito à cidade empreendida por todos aqueles que são excluídos desse direito humano.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As cidades no sistema capitalista são regidas mais pela orientação do mercado do que pela atenção aos direitos humanos e fundamentais. Os megaeventos esportivos levam ao extremo essa proposição e tornam as cidades espaços injustos e voltados para anulação da cidadania.

Durante o desenvolvimento do presente trabalho assentou-se a ideia da cidade como mercadoria capitalista e apresentou-se o caso da re-moção da Vila Recanto UFMG e a violação do direito ao trabalho dos barraqueiros do Mineirão. Apresentou-se como alternativa ao modelo de 14 HARVEY, David. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/02/440802.shtml>

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cidade mercadoria a luta pelo direito à cidade em torno de um novo pro-jeto de cidade centrado no seu valor de uso.

Os atingidos pelos megaeventos têm o direito de lutar por uma outra cidade, têm o direito de transformar radicalmente a cidade em algo diferente do que ela é hoje.

Em uma sociedade cada vez mais urbanizada, as cidades pos-suem um papel central em grandes processos de transformação social. Nesse sentido, a luta contra as violações de direitos humanos em contexto de megaeventos é a afirmação do direito à cidade em sentindo amplo – luta não apenas por fruição de direitos no espaço urbano, mas também por um novo modelo de sociedade.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Thiago Pinto. A Copa, a Cidade e a Vila: Um estudo de caso

sobre a Vila Recanto UFMG (Monografia). Universidade Federal de Minas

Gerais – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2011.

CLARK, Giovani; COSTA, Gustavo Vidigal. O Desplanejamento Estatal: o exem-plo da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Disponível em:

<http://www.publica-direito.com.br/artigos/?cod=d1c38a09acc34845>. Acesso em 15 out. 2013. CLARK, Giovani. Política Econômica e Estado. Revista de Estudos Avan-çados. São Paulo, v. 22 n. 62, p. 207-217, janeiro/abril 2008. <http://www.

scielo.br/pdf/ea/v22n62/a14v2262.pdf>. Acesso em 21 abr. 2014.

COUTINHO, Mateus. Os sem estádio. Disponível em:

<http://www.apu-blica.org/2012/09/os-sem-estadio/>. Acesso em 17 out. 2013.

DOSSIÊ DA ARTICULAÇÃO NACIONAL DOS COMITÊS POPULA-RES DA COPA (ANCOP). Disponível em: <http://www.apublica.org/wp--content/uploads/2012/01/DossieViolacoesCopa.pdf>. Acesso em 15 out. 2013.

HARVEY, David. Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/ blue/2009/02/440802.shtml> Acesso em: 25 abr. 2013.

MARICATO, Ermínia (Org.). Cidades Rebeldes: Passe Livre e as

Manifesta-ções que Tomaram as Ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013.

___________. Habitação e Cidade. São Paulo: Atual, 1997.

___________. Sociedade: a cidade é um grande negócio. Teoria e Debate,

(11)

<http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fa- zemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/sociedade-cidade-e-um--grande-negocio>. Acesso em 10 out. 2013.

SILVA, Luiz Inácio Lula da. Discurso do Presidente da República na ce-rimônia de anúncio do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014.

Disponível em: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/ luiz-inacio-lula-da-silva/discursos/2o-mandato/2007/2o-semestre/30-10- -2007-discurso-do-presidente-da-republica-luiz-inacio-lula-da-silva-na-ce-rimonia-de-anuncio-do-brasil-como-sede-da-copa-do-mundo-de-2014/>. Acesso em 10 out. 2013.

VAINER, Carlos. A cidade do pensamento único: desmanchando

consen-sos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

recebido em: 21/10/2013 aproVado em: 24/04/2014

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