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Osteopatia na atenção primária à saúde no município de Florianópolis: uma experiência de matriciamento e educação permanente

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Academic year: 2021

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Leonardo Mozzaquatro Schneider

Osteopatia na Atenção Primária à Saúde no município de Florianópolis: uma experiência de matriciamento e educação

permanente

Tese submetida como requisito final para a obtenção do grau de doutor em Saúde Coletiva pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientador: Charles Dalcanale Tesser

Florianópolis 2018

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais e avós por todo o suporte. A minha esposa e meu filho pelo carinho e equilíbrio emocional. Aos amigos pela expontaneidade e criatividade. Aos professores pelos desafios e obstáculos. Ao meu orientador pelo comprometimento e parceria. Ao programa de pós-graduação em Saúde Coletiva por revelar, no dia a dia, aspéctos sociais que não desejo reproduzir como professor, gestor ou profissional de saúde. Aos meus alunos pela confiança e curiosidade. Agradeço a minha fisiologia por revelar os caminhos e descaminhos da auto-cura. Por fim, aos pacientes, que me ensinaram por meio de seus exemplos, algo a mais sobre as capacidades inerentes do ser humano em se curar em diversas e singulares situações de vida.

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“To find health should be the object of the doctor. Anyone can find disease” A. T. Still 1899

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RESUMO

Esta tese trata das contribuições potenciais dos saberes, técnicas e abordagens osteopáticas ao cuidado clínico realizado na atenção primária à saúde. A tese parte de uma contextualização da abordagem osteopática no mundo, suas características e sua proximidade com o campo da atenção primária à saúde (APS). Em paralelo, organiza conhecimentos acerca de estratégias de aprendizagem voltadas a equipes multiprofissionais e que fomentam a transformação do processo de trabalho nos serviços de APS, segundo premissas da educação permanente em saúde (EPS). A tese se aproxima do campo empírico por meio de uma pesquisa/intevenção que envolveu estratégias de EPS e matriciamento sobre a abordagem osteopática oferecidas a profissionais de equipes de Saúde da Família de Florianópolis, SC. Participaram da pesquisa 35 profissionais de equipes de saúde da família e núcleos de apoio a saúde da família (NASF), sendo divididos em duas ondas de capacitação com carga horária de 32h, divididas em 8 encontros semanais cada uma. A metodologia de aprendizagem envolveu a realização de consultas compartilhadas entre o osteopata/pesquisador e as equipes multiprofissionais. As consultas foram realizadas inicialmente com os próprios profissionais e suas queixas reais para então serem realizadas com os usuários do serviço nos próprios centros de saúde. O processo foi registrado em áudio e vídeo e acrescido de uma entrevista final. Todo o material foi revisitado e a análise dos dados foi feita por meio da Grounded Theory. Os resultados provenientes dos relatos dos profissionais participantes indicam que a aprendizagem de saberes osteopáticos inseridos no processo de trabalho mostrou-se como instrumento disparador de processos reflexivos acerca do cuidado. A eficácia e resolubilidade desta abordagem na prática, motivou os profissionais participantes a transformar seus atos de cuidado dentro do seu processo de trabalho bem como o cuidado consigo, incluindo algumas técnicas e formas de avaliação em sua rotina de trabalho. Segundo os profissionais, o entendimento comum sobre os mecanismos de auto regulação e a inclusão do estudo da mobilidade tecidual em sua anamnese contribuíram para a transformação do processo de trabalho em equipe nos seguintes sentidos: a busca por um cuidado menos protocolar, mais adequado a cada caso, a inclusão de mecanismos endógenos e posturas ativas na terapêutica, o uso racional de exames complementares, medicação, encaminhamentos para procedimentos cirúrgicos. Os resultados também apontam para algumas dificuldades

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envolvendo o ato de diversificar as formas de aprendizagem do cuidado tanto no meio acadêmico como na subjetividade dos profissionais participantes. Isto esteve associado a um estranhamento e despreparo ao lidar com uma natural imprevisibilidade de aprendizagem por meio da vivência e compartilhamento de consultas reais e não teóricas. Todavia, segundo os profissionais a mesma imprevisibilidade, quando bem manejada, motivou um envolvimento capaz de tornar a aprendizagem interessante, humana e participativa. Isto favoreceu a aproximação dos profissionais, no sentido de fortalecer o trabalho em equipe acerca de um saber comprometido com a transformação e aberto a novas formas de cuidado.

Palavras Chave: Saúde Coletiva, osteopatia, medicalização, atenção primária à saúde, educação permanente em saúde.

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ABSTRACT

This thesis explores potential contributions of osteopathic knowledge to clinical care performed in PHC services in the Brazilian national health system. The thesis starts from a contextualization of the osteopathic approach in the world, its characteristics and its proximity to the field of primary health care (PHC). The thesis approaches the empirical field through a research/intervention strategy offered to professionals of Family Health teams of Florianópolis, SC. Thirty-five professionals from family health teams (family doctors, community agents, nurses, nursing technicians) and members of the family health support teams (physiotherapist, psychologist, physical educator) participated in the study. It was conducted two training waves with a 32-hour workload, divided into 8 weekly meetings each. The learning methodology involved shared consultations between the osteopath/researcher and the multiprofessional teams. The consultations were initially carried out with the professionals themselves and their real complaints and in a second moment patients of the service were consulted according the same methodology. After the consultations there was established a reflexive and didactical environment to practice some of the approaches that were utilized in the consultations. The process was recorded in audio and video and added a final interview. All material was revisited and data analysis was done by Grounded Theory. The professionals indicate that the learning of osteopathic knowledge inside the work process has shown to be a triggering tool for reflective processes about how they manage care. The effectiveness and resolubility of this approach observed during the consultations has motivated the professionals to transform their care acts as well as the care with themselves. According to the professionals, the common understanding about the mechanisms of self-regulation and the inclusion of the study of tissue mobility in their anamnesis contributed in the following senses: the search for a less protocolary care, more appropriate to each case, the inclusion of endogenous mechanisms and active postures in the therapeutic plan, the rational use of complementary exams, medication and referrals for surgical procedures. The results also point to some difficulties involving the act of diversifying ways of learning care approaches, both in the academic environment and in the subjectivity of the professionals. This has been associated with strangeness and unpreparedness in dealing with a natural unpredictability of learning through the experience and sharing of real and non-theoretical queries.

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However, according to the professionals, the same unpredictability, when well managed, motivated an involvement capable of making learning interesting, human and participative. This favored the approach of the professionals, in the sense of strengthening teamwork about a knowledge committed to the transformation and open to new forms of care.

Keywords: Collective Health, osteopathy, medicalization, primary health care, permanent education.

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LISTA DE ABREVIAÇŌES OIA- Osteopathic International Alliance

OMS- Organização Mundial de Saúde SUS- Sistema Único de Saúde EUA- Estados Unidos da América APS- Atenção Primária à Saúde TMO- Técnica Manual Osteopática

COFFITO- Conselho de Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional PIC- Prática Integrativa e Complementar

PNPIC- Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares EPS- Educação Permanente em Saúde

NASF- Núcleo de Apoio a Saúde da Família SMS- Secretaria Municipal de Saúde

UFSC- Universidade Federal de Santa Catarina eSF- Equipe de Saúde da Família

EC- Educação Continuada

ASO- American School of Osteopathy AMS- Americam Medical Association DO- Diplomado em Osteopatia IBO- Instituto Brasileiro de Osteopatia PL- Projeto de Lei

PNEP- Política Nacional de Educação Permanente MS- Ministério da Saúde

IDH- índice de desenvolvimento humano UPA- Unidade de Pronto Atendimento CAP- Centro de Apoio Psicossocial

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Still e sua relação íntima com o estudo da anatomia ... 24 Figura 2: Hospital escola da American Scholl of Osteopathy (ASO), fundada em 182 ... 24 Figura 3: Primeira turma de formandos osteopatas ... 25 Figura 4: Still em um momento didático. Observa-se a proximidade com seus alunos e a reflexividade de sua aprendizagem ... 29 Figura 5: Willian Stutherland tratando e ensinado sua abordagem craniana. Uma abordagem muito singular para a sua época... 30 Figura 6: Exame de Ressonância Magnética realizada em 2001 quando Leonardo tinha 19 anos ... 72 Figura 7: Finalização da formação como instrutor de yoga em 2002 com a professora Maria Laura Garcia Packer ... 73 Figura 8: Conversa com Professor Hermógenes ... 73 Figura 9: Leonardo como professor de yoga em alguns congressos (2003) ... 74 Figura 10: Leonardo proferindo palestra de yoga em alguns congressos (2005) ... 74 Figura 11: Ambulatório de Osteopatia na UFSC ... 77 Figura 12: Mapa mental do layout inicial das consultas compartilhadas ... 84 Figura 13: Mapa mental sobre as ferramentas pedagógicas iniciais ... 85 Figura 14: Vídeos de introdução ... 86 Figura 15: Mapa mental inicial sobre o método de intervenção/aprendizagem/pesquisa ... 87 Figura 16: Mapa mental sobre a necessidade da construção de um contexto favorável a aprendizagem participativa ... 88 Figura 17: Mapa Mental sobre as dinâmicas reflexivas associadas as consultas compartilhadas ... 89 Figura 18: Primeira consulta conduzida pelo osteopata ... 90

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Figura 19: Primeira aula prática ... 91

Figura 20: Esclarecendo dúvidas na primeira aula prática ... 92

Figura 21: Dinâmica reflexiva ... 92

Figura 22: Produto da dinâmica reflexiva ... 93

Figura 23: Momento de compartilhamento das experiências da semana ... 94

Figura 24: Momento de aprendizagem da mecânica corporal pela própria experiência corporal ... 95

Figura 25: Momento de aprendizagem da mecânica corporal pela própria experiência corporal ... 95

Figura 26: Prática supervisionada ... 96

Figura 27: Consulta osteopática nos participantes ... 97

Figura 28: Mapa mental introdutório do momento de dispersão ... 98

Figura 29: Dinâmica reflexiva acerca da identidade profissional e dos objetivos com a capacitação ... 99

Figura 30: Produto da dinâmica reflexiva acerca da identidade profissional ... 99

Figura 31: Consulta compartilhada no centro de saúde ... 101

Figura 32: Consulta compartilhada ... 101

Figura 33: Dinâmica reflexiva no centro de saúde do Itacorubi ... 102

Figura 34: Produto da dinâmica reflexiva no centro de saúde do Itacorubi ... 103

Figura 35: Referencial comparativo de rotação interna de ombro antes e após a intervenção osteopática ... 105

Figura 36: Profissional relembrando, reescrevendo e relatando as suas conclusões acerca do último encontro ... 106

Figura 37: Consulta à profissional, sempre explicando a racionalidade ... 107

Figura 38: Segunda consulta de Samira para uma dor pós traumática de joelho ... 108

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Figura 39: Segunda consulta de Samira para uma dor pós traumática de joelho utilizado dinâmica breve inspierada em técnica de

constelação familiar... 109

Figura 40: Nas palavras da psicóloga Samira: “foi um ambiente de cuidado” ... 110

Figura 41: Ressonância Magnética de Denise mostrando a presença de uma hérnia cervical volumosa ... 111

Figura 42: Atendimento multiprofissional e integrando diferentes abordagens ... 112

Figura 43: Consulta compartilhada com os profissionais sob supervisão de algumas técnicas ... 113

Figura 44: Consulta compartilhada e anamnese feita em conjunto pela equipe ... 113

Figura 45: Consulta Rejane ... 115

Figura 46, 47, 48, 49: Animações envolvendo diferentes modelos de atenção à saúde ... 116

Figura 50: Animações envolvendo sobre o ato de cuidar em diferentes perspectivas ... 118

Figura 51: Exemplificando conceitos e técnicas osteopáticas na prática ... 119

Figura 52: Mapa mental sobre o olhar integrativo ... 120

Figura 53: Mapa mental sobre o agir integrativo ... 121

Figura 54: profissionais realizando consultas com terapia manual ... 123

Figura 55, 56: Ultima dinâmica reflexiva... 124

Figura 57: Palavras chave escolhidas para sintetizar a última dinâmica reflexiva ... 125

Figura 58: Apresentação coletiva da síntese proveniente da primeira dinâmica reflexiva da segunda turma ... 127

Figura 59: Palavras chave que escolhidas para sintetizar a dinâmica reflexiva... 128

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Figura 61: Explicando a técnica e fazendo sentir ... 131

Figura 62: A profissional agora praticando a técnica após ter sentido 132 Figura 63: Anamnese coletiva nas consultas compartilhadas ... 136

Figura 64: Consulta da Amanda ... 137

Figura 65: Anamnese coletiva orientada pelo osteopata ... 138

Figura 66: Profissional vivenciando a abordagem osteopática ... 140

Figura 67: Profissional relatando sua experiência para o grupo ... 140

Figura 68: Profissional repassando suas experiências para o paciente 141 Figura 69: Mapeamento das queixas de cada participante ... 141

Figura 70: Consulta compartilhada de Janice ... 143

Figura 71: Exames complementares de Janice ... 144

Figura 72: Produto da dinâmica de recapitulação do desenvolvimento da aprendizagem segundo os eventos recordados por cada um a cada semana ... 146

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LISTA DE MATERIAIS ÁUDIO VISUAIS DISPONIBILIZADOS Vídeo 1 entrevistas finais:

Experimentando outras formas de aprendizagem https://youtu.be/pKRUA5K-x68

Vídeo 2 entrevistas finais:

Para além do prognóstico biomédico: o resgate da curiosidade clínica e a surpresa da eficácia dos mecanismos de auto-regulação

https://youtu.be/w3-W5LCyLzw Vídeo 3 entrevistas finais:

Da ampliação do olhar clínico ao trabalho em equipe https://youtu.be/U3WBybOpomI

Vídeo 4 entrevistas finais:

Abrindo os olhos para o fenômeno da catastrofização https://youtu.be/9gUYC9cr3bM

Vídeo 5 entrevistas finais:

Quantidade X qualidade dentro do serviço: qual era mesmo o cuidado que queríamos compartilhar?

https://youtu.be/dyBYZefpvgU Vídeo 6 entrevistas finais:

Refletindo sobre as condutas clínicas e a conquista de maior autonomia https://youtu.be/5PP7lrQcB1w

Vídeo 7 entrevistas finais: O desafio do compartilhamento https://youtu.be/9uhLbeX0468 Vídeo 8 entrevistas finais:

Sinais ou visões de superação do modelo biomédico https://youtu.be/KP2s02wsXeE

Vídeo 9:

Animação didática sobre modelo de saúde I https://youtu.be/dJtl6kPiWSE

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Vídeo 10:

Animação didática sobre modelo de saúde II https://youtu.be/pGM1Vlqvcb4

Vídeo 11:

Técnicas e abordagens mais utilizadas https://youtu.be/GUHMARvxaPs Vídeo 12:

Apresentação da tese:

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SUMÁRIO

1- Introdução ... 23

2- Objetivos ... 30

2.1 Objetivo geral ... 30

2.2 Objetivos específicos ... 31

3- Do núcleo ao campo: referenciais teórico-metodológicos ... 32

4- Revisão de literatura: ... 44

4.1- Origens e características da osteopatia, sua organização profissional e institucional no mundo e no Brasil. ... 44

4.2- A osteopatia no SUS e na APS: o desafio do compartilhamento ... 50

4.3 Contribuições da osteopatia para o cuidado no contexto da APS54 Desafios e motivações (parcialmente) semelhantes ... 54

5- Percurso metodológico e resultados ... 68

5.1 Aspectos Éticos ... 68

5.2- Caracterização do território da pesquisa e sobre o pesquisador 69 5.3- Cronograma realizado: ... 77

5.4- Fase exploratória ... 81

5.5- Fase de execução - primeira turma ... 82

5.5.1- Descrição das estratégias de educação permanente da primeira turma ... 84

5.6- Fase de execução da segunda turma (segunda onda da capacitação): ... 125

5.6.1- Descrição do processo de educação permanente da segunda turma: ... 126

6- Metodologia de análise dos materiais e entrevista final:... 146

7. Resultados ... 149

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7.2 Da técnica à postura investigativa e cuidadora osteopática: refletindo sobre o que pode ser socializado. ... 188 7.3 Uma proposta de aprendizagem via consultas compartilhadas 193 7.4 Limitações do estudo: ... 195 7.5- Considerações finais... 197 8- Referências ... 197 9- Artigos: ... 217

Osteopatia e Atenção Primária: uma relação desconhecida no Brasil ... 217 Contribuições da osteopatia para o cuidado na atenção ... 235 primária à saúde brasileira ... 235 Da educação ao serviço: desafios à diversificação da aprendizagem do cuidado a partir da aprendizagem da Osteopatia. ... 255 Osteopatia na atenção primária à saúde: resultados parciais de uma experiência de educação permanente/matriciamento e alguns efeitos iniciais ... 273 ANEXO 1: ... 295

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1- Introdução

Esta tese trata das contribuições potenciais dos saberes, técnicas e abordagens osteopáticas ao cuidado clínico realizado na atenção primária à saúde. Foi desenvolvida por meio de uma pesquisa/intevenção que envolveu estratégias de educação permanente e matriciamento sobre a abordagem osteopática oferecidas a profissionais de equipes de Saúde da Família de Florianópolis, SC.

A osteopatia é definida como um sistema de cuidados à saúde centrado na pessoa, que inclui um senso altamente desenvolvido de toque como um componente significativo de estabelecimento de diagnóstico e conduta terapêutica. Nela se considera necessário um entendimento avançado da relação entre estrutura e função corporal e é aplicada para otimizar as capacidades de auto-regulação, visando a homeostase dos indivíduos por meio de mecanismos endógenos (OIA, 2012).

Foi desenvolvida por Andrew Taylor Still, médico e cirurgião que estabeleceu a primeira escola independente de osteopatia em 1892 nos Estados Unidos da América em meados do século 1892 (GEVITZ, 2004). Still desenvolveu sua abordagem por ser completamente descrente da medicina clínica de sua época. Neste momento histórico a medicina se utilizava de muitas abordagens ineficazes, como a sangria ou uso de purgantes. Still teve influências de seu pai que foi médico e pastor metodista; também houve uma aproximação com as ideias de Mesmer relativos a cura pelo magnetismo natural, porém, não se sabe ao certo onde e como Still entrou em contato com as manipulações que vieram a fazer parte central da osteopatia. O que se sabe é que este tinha uma paixão pela anatomia e fisiologia, o que serviou como base para o desenvolvimento de sua abordagem (PETTMAN, 2007).

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Figura 1: Sitll e sua relação íntima com o estudo da anatomia

Fonte: www.sos.mo.gov; thedo.osteopathic.org

Figura 2: Hospital escola da American Scholl of Osteopathy (ASO), fundada em 1892.

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Figura 3: Primeira turma de formandos Osteopatas. Destaca-se

a presença de mulheres na turma, sendo isso uma luta travada

por Still, uma vez que nesta época as mulheres não eram

aceitas em escolas de medicina nos EUAs pelo argumento

“científico” de sua inferioridade (QUINN, 2017).

Fonte: thedo.osteopathic.org

A osteopatia depende do contato manual para diagnóstico e tratamento. Ela foi desenvolvida centralmente, de um ponto de vista da prática clínica, ao redor do aperfeiçoamento da observação, do toque e da manipulação com as mãos do terapeuta sobre o corpo do usuário, e sua abordagem dos problemas de saúde sempre foi intrinsecamente ampliada ou holística, no sentido de incorporar aspectos físicos, sociais, psicológicos e do contexcto de vida. Nas palavras mais usadas pelos osteopatas, a ostepatia respeita a unidade entre o corpo, a mente e o espírito, principalmente no que compete a influir na saúde e na doença; enfatiza a relação entre os aspectos estrutural e funcional do corpo e a tendência intrínseca do corpo para a autocura. Os clínicos osteopatas utilizam uma grande variedade de técnicas manuais terapêuticas para melhorar a função fisiológica e / ou reestabelecer o fluxo sanguíneo visando a homeostase dos tecidos e do todo. Para os osteopatas, a causa do sofrimento e dos sintomas decorrem da perda de mobilidade tecidual livre e completa (descrita como disfunção osteopática), em estruturas esqueléticas e miofasciais, elementos vasculares, linfáticos e neurais relacionados (OMS, 2010).

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Para a construção do raciocínio clínico osteopático é importante a compreensão da relação entre as estruturas (anatômicas) e sua função (forma como é utilizada), considerando otimizar as capacidades de autorregulação do corpo segundo a singularidade de cada indivíduo. A abordagem baseia-se em três princípios: o corpo é uma unidade dinâmica e indissociável; a estrutura e a função sempre estão interrelacionadas; o corpo possui uma capacidade inerente de se autorregular. Os osteopatas se utilizam de variados modelos explicativos acerca das relações entre estes princípios e aquilo que se observa clinicamente, no intuito de organizar a sua racionalidade clínica, para planejar, intervir e avaliar a evolução terapêutica. Dentre os principais

modelos estão: o modelo biomecânico, o modelo

respiratório/circulatório, o modelo neurológico, o modelo biopsicossocial e o modelo bioenergético (OMS, 2010).

O modelo biomecânico observa a relação das estruturas anatômicas e sua disposição no espaço. Considera os mecanismos de postura relativa das partes, seus braços de alavanca e transmição de força entre as partes e do equilíbrio do corpo frente as forças da gravidade e a otimização dos braços de alavanca necessários às demandas mecânicas e ergonômicas da vida. Segundo este modelo, as técnicas manipulativas osteopáticas permitem a otimização da mobilidade do sistema musculoesquelético, no sendido de restabelecer posturas mais equilibradas e movimentos livres, que possibilitem um menor gasto energético para a realização das atividades de vida diária.

O modelo respiratório/circulatório preocupa-se com a manutenção de ambientes extracelulares e intracelulares através da fluxo desimpedido de oxigênio e nutrientes e da remoção de resíduos celulares já metabolizados. Este modelo considera que o estresse tecidual ou outros fatores que interferem no fluxo ou na circulação de qualquer líquido corporal podem afetar a saúde do tecido. Aplica abordagens terapêuticas, incluindo técnicas manipulativas osteopáticas, para abordar a mecânica respiratória e do fluxo de fluidos corporais (OMS, 2010).

O modelo neurológico considera a influência da função neuro-proprioceptiva, da atividade de nociceptores e do sistema nervoso autônomo na manutenção das condições necessárias a autorregulação. Segundo este modelo, quando o corpo não consegue dar conta dos mecanismos estressores, o sistema nervoso fica hiperestimulado em determinadas regiões, esta hiperestimulação gera reflexos no sistema nervoso autonômo, que altera de forma desequilibrada a vasomotricidade das estruturas e sistemas. Desta forma, este modelo procura lidar tanto com as questões de dor relacionadas aos nociceptores

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quanto com as questões viscerais, endócrinas e de imunidade moduladas pelo sistema autônomo. Para intervir nestes sistemas o osteopata procura diminuir as tensões em regiões mais contraturadas e hiperativas do sistema autônomo simpático, bem como se utiliza de técnicas para estimular o sistema parassimpático quando necessário, e desta forma equilibrar as entradas neurais e reduzir ou eliminar o impulso nociceptivo e autonômico exacerbado (OMS, 2010).

O modelo biopsicossocial reconhece as várias reações e estresses psicológicos que podem afetar a saúde e o bem-estar dos indivíduos. Direciona sua atenção a fatores ambientais, socioeconômicos, culturais, fisiológicos e psicológicos que influenciam a doença. Este modelo aplica as técnicas manipulativas osteopáticas, para abordar os efeitos e as reações a vários estresses biopsicossociais procurando dar consciência sobre alguns determinantes sociais por meio dos seus registros com o corpo, seus sintomas e consequências percebidos pelo individuo. Desta forma, contribui para elucidar fatores causais encontrados em determinantes sociais até então não considerados e que servem como base para a conquista de autonomia, frente a ações que atenuem ou tornem mais resiliente e pró-ativo o usuário, frente à sua realidade (OMS, 2010).

Por fim, o modelo bioenergético observa a dinâmica do corpo em manter um equilíbrio entre produção, distribuição e gasto de energia. A manutenção desse equilíbrio ajuda o organismo a adaptar-se a vários estressores (imunológico, nutricional, psicológico etc.). Este modelo aplica abordagens terapêuticas, incluindo técnicas manipulativas osteopáticas e questões relativas a alimentação, metabolismo e excreção para abordar fatores que têm o potencial de desregular a produção, distribuição ou gasto de energia (OMS, 2010).

A coexistência de modelos explicativos, bem como de uma extensa diversidade de técnicas e abordagens terapêuticas, é característica do conhecimento teórico e prático da osteopatia. O osteopata experiente reconhece a necessidade de relativizar as suas próprias narrativas e abordagens para melhor adequar aquilo que seja mais eficiente e adequado à complexidade de cada indivíduo. Alguns exemplos de técnicas, amplamente descritas e difundidas na literatura e nos cursos de osteopatia são: técnicas de trust ou de movimentos de alta velocidade e baixa amplitude, técnicas de energia muscular, técnicas viscerais, técnicas cranianas, técnica de inibição posicional (Jones), técnicas funcionais, técnicas de equilíbrio dos diafragmas, técnicas de Sutherland, técnicas fasciais, técnicas de liberação somato/emocional, dentre outras. Mesmo considerando a mesma origem, cada uma destas

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técnicas são vistas e difundidas por escolas diferentes e por vezes, com uma certa variação segundo as inclinações filosóficas e técnicas de cada escola.

Para entendermos melhor a complexidade da forma como o conhecimento é produzido e difundido, podemos acompanhar a trajetória das correntes de pensamento osteopático. Isto pode ser visto como uma arvore genealógica onde cada osteopata proeminente de sua época, vai construindo, adaptando e criando conceitos a partir de seus antecessores. As correntes e escolas geralmente respeitam os princípios osteopáticos compilados por Still, porém, cada qual possui suas particularidades, se inclinam no desenvolvimento de determinados modelos explicativos, utilizam-se de repertórios narrativos próximos, entretanto sempre acompanhados de diferenças e peculiaridades de cada escola. Os osteopatas vivenciam uma constante transformação de seus núcleos de saber ao entrarem em contato com outras escolas, outros professores e os novos achados científicos. Embora não se diga frequentemente, o desenvolvimento do saber osteopático pode ser visto como um movimento social de profissionais de alta especialização, que envolve a aprendizagem pelo contato tutorial, acompanhamento das consultas de profissionais mais experientes e geralmente o conhecimento se propaga nos grupos formados por escolas, que mantêm sua agenda de educação permanente, trazendo professores de outras escolas. Cada novo professor, traz um novo olhar ou uma particularidade à prática que a adequa aos paradigmas e as demandas epidemiológicas de sua época. Ao observarmos de fora um consulta de osteopatas de diferentes escolas, percebemos uma dinâmica e um estilo de clinicar, por vezes muito diferentes. Todavia, a título de aprendizagem, cada estilo inspira algo, como uma forma particular de existência clínica.

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Figura 4: Still em um momento didático. Observa-se a proximidade com seus alunos e a reflexividade de sua aprendizagem.

Fonte: www.sos.mo.gov

Um exemplo pode ilustrar parcialmente isso. Still compilou os princípios osteopáticos. Willian Sutherland, aluno direto de Still, desenvolveu as técnicas cranianas, que demoraram a serem aceitas mesmo na comunidade osteopática (SUTHERLAND, 1944). John Upledger inspirado pelas ideias de Sutherland, sobre a mobilidade dos ossos do crânio e seus ritmos lentos, nomeados por Sutherland de respiração primária, desenvolveu a abordagem de liberação somato-emocional no intuito de procurar flexibilizar tensões relacionadas às questões emocionais e traumáticas (UPLEDGER, 2011).

Outro exemplo desta precedência é o caso de Viola Frymann, osteopata que inspirada pela abordagem craniana, desenvolveu e capacitou por anos abordagens aplicadas a recém-nascidos (FRYMANN, 2000). Existem inúmeros exemplos de escolas e conhecimentos que se sucederam e continuam em constante transformação. Vale colocar que as abordagens mais recentes, por vezes, são incluídas gradualmente nas formações de osteopatia. Em contrapartida existem escolas que seguem seu caminho de forma independente, tornando-se não mais escolas de osteopatia mas sim escolas de suas abordagens próprias.

A diversidade de escolas e abordagens é tamanha que para avaliar uma dor no ombro, um osteopata pode concluir que existe um

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interdependência regional entre o ombro e uma pdisfunção proveinente da coluna cervical e seu tratamento envolverá melhora da fisiologia vascular e neurológica advinda da flexibilização cervical. Outro osteopata pode concluir que trata-se de um problema associado ao tensionamento fascial do peitoral maior e menor e de cadeias musculares interligadas por sua continuidade fascial, o que favorece uma protrusão escapular dificultando o movimento livre gleno-umeral. Um terceiro, que tenha maior identidade com escolas que acreditam que os problemas sejam em sua maioria oriundos das vísceras, pode em sua avaliação atribuir a causa desta dor a um tensão diafragmática, que por hipótese, pode ter relação com uma questão associada ao fígado e que, por isso, seu tratamento consiste em repensar a dieta e flexibilizar os tecidos e fáscias relacionados ao fígado e ao diafragma. Em última instância, cada osteopata, segundo suas próprias inclinações, vivências e formações, opta por iniciar e dar continuidade ao percurso investigativo e terapêutico de forma singular.

Figura 5: Willian Stutherland tratando e ensinado sua abordagem craniana. Uma abordagem muito singular para a sua época.

Fonte: www.sos.mo.gov 2- Objetivos

2.1 Objetivo geral

Construir e analisar de maneira participativa estratégias de educação permanente e matriciamento em Osteopatia com/para profissionais da saúde, com especial atenção para a Atenção Primária a

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Saúde e Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) do município de Florianópolis.

2.2 Objetivos específicos

a) Identificar e analisar as contribuições da prática osteopática para o cotidiano dos profissionais da saúde e usuários do SUS, com especial atenção para APS e NASF segundo os interessados (stakeholders).

b) Construir participativamente estratégias viáveis de educação permanente e matriciamento em Osteopatia com/para profissionais da Saúde do município de Florianópolis.

c) Implantar e executar as estratégias adotadas.

d) Analisar as estratégias adotadas e as experiências de matriciamento e aprendizado em conjunto com os participantes.

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“Why would you want to be happy if you can be

interested?” Slavoj Žižek

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3- Do núcleo ao campo: referenciais teórico-metodológicos

As reflexões advindas do contexto empírico vivenciado ao longo dos três anos do projeto serviram como referência e inspiração para a construção do método apresentado, bem como, nortearam as escolhas dos materiais, interpretações e narrativas que estruturaram os encontros/intervenções e os produtos acadêmicos (ensaios, resultados e discussões). Em outras palavras, as relações com o contexto empírico vieram do próprio percurso de construção da pesquisa/intervenção e contribuíram para a construção do método como se apresenta agora. Tal percurso foi resultado de constantes reformulações alimentadas por nossas análises, em parceria ou pelo menos colaboração com gestores e profissionais participantes, ao longo do projeto. Desta forma observamos que o método também é uma parte dos resultados. Caso este projeto tivesse continuidade, certamente partiria deste ponto para novos caminhos que encontrassem eco nas demandas e desejos dos participantes.

A primeira proposta submetida ao comitê de ética e à gestão da Secretaria Municipal de Saúde apresentava nossas intenções. Tínhamos os objetivos, neste momento, de negociar espaços que possibilitassem realização das estratégias de educação permanente. Considerando a não neutralidade científica, explicitamos na época uma síntese das intenções iniciais relativas à intervenção proposta pela pesquisa:

a) contribuir para a efetivação do SUS;

b) contribuir para o desenolvimento da auto-percepção, autocuidado, comprometimento e satisfação dos profissionais;

c) contribuir para o manejo do fenômeno de biomedicalização da vida (CLARKE et al., 2010);

d) fortalecer condutas centradas na pessoa (MCWHINEY, 2010; STEWUART et al, 2010);

e) empoderar os profissionais (generalistas e especialistas) e a comunidade em relação a recursos de osteopatia;

f) aumentar a resolubilidade dos profissionais envolvidos na APS de Florianópolis;

Ao longo do processo o projeto foi incluindo a perspectiva dos grupos de interesse dos serviços e da gestão municipal e a cada reunião foi reformulado de tal forma a acomodar as sugestões e consensos. Metodologicamente, tornou-se útil como ferramenta de ensino/pesquisa/intervenção evidenciar para os participantes quatro aspectos principais envolvidos no matriciamento/capacitação proposto: a) a racionalidade clínica orientadora do trabalho assistencial; b) os interesses, desejos e motivações dos profissionais participantes; c) o

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processo de trabalho e d) o sentimento de segurança ou resistência de cada profissional frente ao ‘modelo de cuidado’ a que se propõe a osteopatia.

a) A racionalidade clínica foi observada e discutida a partir das linguagens e narrativas envolvendo as formas de avaliação, estabelecimento de hipóteses diagnósticas, estratégias de cuidado, formas de acompanhamento longitudinal, estabelecimento de prognósticos e das maneiras pelas quais os profissionais comunicam sua racionalidade e suas interpretações com os usuários bem como outros profissionais. Procuramos criar condições para tornar evidente aos participantes a racionalidade de cada profissional, suas narrativas, valorizando o saber-fazer empírico proveniente da experiência clínica e vivida de cada profissional. Nosso ideal foi fazê-lo de tal forma a tornar as linguagens inteligíveis para todos os envolvidos, independente da profissão de base.

No intuito de iluminar a racionalidade de cada profissional participante foram construídos ambientes de confiança e conforto onde cada profissional pôde expressar sua forma de pensar e sanar suas dúvidas sobre a racionalidade do outro. Para isto utilizamos estratégias de consultas compartilhadas, de caráter multiprofissional, seguidas de dinâmicas reflexivas que pudessem organizar os conteúdos e narrativas utilizadas nas consultas. Como ferramentas de organização das narrativas, lançamos mão da confecção coletiva de mapas mentais, contendo palavras-chave para sintetizar os assuntos gerados neste processo (BUZAN, 2005). Como forma de registro, todos os mapas foram fotografados, grande parte das consultas registradas em vídeo e áudio e os diálogos provenientes dos momentos reflexivos foram registrados em áudio. Outros materiais também foram confeccionados pelo pesquisador de tal maneira a organizar os conteúdos discutidos nos encontros após realizados, para serem retomados em sessões posteriores. Para fundamentar nossa opção metodológica, inicialmente nos aproximamos de abordagens construtivistas por duas convicções que se sustentaram ao longo do trabalho de campo. A primeira refere-se a hipótese de que a aprendizagem de conhecimentos básicos e aplicáveis ao campo na saúde (independentemente da profissão), quando inserida no processo de trabalho por meio de consultas compartilhadas entre diversas profissões e de forma organizada, promove protagonismo e autonomia dos sujeitos e coletivos no sentido da transformação do processo de trabalho em saúde. Esta hipótese se sustentou ao analisarmos as entrevistas e relatos dos participantes ao longo de todo o processo de aprendizagem, o que será apresentado nos resultados.

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A segunda convicção, é que modelos tradicionais de educação, baseados no acumulo de conteúdos teóricos previamente estipulados e distantes da prática cotidiana, por vezes, dificultam o entendimento comum entre profissionais. Esses modelos de ensino, quando aplicados ao campo da saúde, podem criar barreiras e obstáculos aos leigos bem como pode distanciar as profissões entre si. Isto ocorre na medida em que as linguagens e narrativas se tornam cada vez mais especializadas e herméticas, dominadas exclusivamente por um grupo ou categoria profissional. O aprendiz de qualquer nova racionalidade clínica, proveniente de outra profissão ou especialidade, naturalmente ainda ignorante sobre o novo campo de saber, sente-se constrangido em não dominar as nomenclaturas e conceitos (no caso, em sua maioria, biomédicos, mas também vários de origem osteopática, desconhecidos na biomedicina) e por isso não se autoriza a questionar, procurar incoerências e participar da solução de problemas. Desnecessário frisar que estes são atributos indispensáveis para indivíduos protagonistas de transformações como se espera em práticas, iniciativas e ambientes de educação permanente.

O construtivismo, bem como o construcionismo social, partem do pressuposto que não existe uma realidade única, mas sim, várias realidades. Uma variação dessa ideia é que a realidade só é apreensível parcialmente aos humanos e essa apreensão é também performadora da própria realidade, ou co-construtora dela. Estas correntes de pensamento consideram a(s) realidade(s) como produto(s) de uma construção social e cognitiva (esta também permeada por forças psico-sociais) e não como algo absoluto e pronto, estável e objetivo do qual nos aproximaríamos através de processos cognitivos, sobretudo através da Ciência, que nos levaria assintoticamente cada vez mais próxima da verdade, vista esta como um descrição e ou explicação fiel da realidade. Os pensadores atribuem especial importância aos repertórios narrativos dos sujeitos e coletivos como elementos constitutivos da(s) “realidade(s)” destes. Tais repertórios dão sentido às subjetividades, culturas e práticas sociais dos sujeitos e assim condicionam o seu agir no mundo, seja no contexto do trabalho, nas relações com profissionais e usuários, bem como em outros contextos de vida (BERGER; LUCKMANN, 2014; TIOLLENT, 1996; ANDERSEN, 2000).

Uma questão comum entre os métodos que comungam com pressupostos construtivistas é não terem a pretensão de encontrar “o real” ou uma “verdade” supostamente transferível a todos os contextos, mas sim, servir para ampliar a capacidade de compreensão, análise e ação dos grupos sobre suas próprias realidades (CAMPOS, 2000;

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BERGER E LUCKMANN, 2014). No contexto da introdução de novos olhares no campo da saúde, isto é especialmente relevante, pois, cada grupo profissional e especialidade possui seus próprios repertórios narrativos. Tais repertórios pré-determinam condutas por meio do estabelecimento de diagnósticos e suas estratégias terapêuticas específicas. Este trabalho buscou compartilhar no campo multiprofissional, ainda que parcialmente, uma outra racionalidade clínica (a osteopatia), o que inclui distintas narrativas e linguagens sobre a fisiologia, conceitos, estratégias terapêuticas e de diagnóstico, segundo as particularidades da osteopatia. Outra questão relevante é que se pretendeu desenvolver conhecimento sobre aquilo que pode ser compartilhável por toda a equipe de saúde, e por isso, foi imprescindível que a linguagem fosse compreensível para todos os envolvidos. Desta forma as reflexões sobre o método aqui apresentadas podem ser úteis para outras especialidades que tenham o interesse de compartilhar parte de seus saberes específicos com outras profissões.

b) O segundo aspecto que procuramos tornar evidente ao longo do trabalho tem relação com os desejos, interesses, motivações e necessidades dos participantes. Tanto para Santos Filho (2009), quanto para Campos (2000), bem como Tiollent (1996) e Guba e Lincon (2011), é preciso analisar a dinâmica das motivações, desejos e dos interesses dos sujeitos e coletivos. Por meio do acolhimento destes, motiva-se o agir participativo, abrem-se as possibilidades de ressignificação necessárias para o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões, lidar com conflitos, estabelecer compromissos e contratos, “ampliar a capacidade para lidar com informações, interpretá-las, compreender-se a si mesmo, aos outros e ao contexto” (CAMPOS et al.; 2014, p. 985), ampliando, enfim, a possibilidade de mudança. Vale lembrar que, no que se refere a mudança, sobretudo, “não se pretende mudar algo “para” o outro, senão “com” o outro” (CAMPOS et al.; 2014, p.993).

Kenneth e Mary Gergen (2010), no livro intitulado ‘Construtivismo Social: um convite ao diálogo’, instrumentalizam a postura dialógica, nos campos da educação, pesquisa e dentro das organizações. Para os autores, o envolvimento na construção de significados compartilhados favorece o interesse e motivação, principalmente quando estes novos significados aproximam as relações daquilo que se deseja. Consideram importante ter claro o que se deseja e propõem como recurso revisitar momentos e experiências vividas de realização, pois estas podem apontar indícios do que para cada um é o bem e o bom e servir para nortear as transformações. Estes autores

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organizam três etapas para transformar e pesquisar: 1- juntar-se à produção de realidade, 2- explorar juntos os limites e possibilidades e 3- criar juntos novas visões de futuro.

c) O processo de trabalho na perspectiva de cada profissional gradualmente ganha corpo como objeto de análise na medida em que acolhemos e contextualizamos os interesses dos participantes. Tais interesses vêm, na maioria dos casos, de suas necessidades no ambiente de trabalho. Isto envolve suas demandas, suas atribuições, suas práticas, sua produtividade, seus sentimentos e frustrações em relação ao trabalho, cansaço e gasto de energia. Tudo isto sendo parte do corpo palpável e vivido e por isso, acessível e observável não apenas nas falas mas também em sua fisiologia, seu sono, sua força e aptidão física ou a ausência da mesma, sua flexibilidade, sua disposição ou falta de disposição, suas limitações, suas dores, suas crenças, enfim, tudo aquilo envolvido no ato de trabalhar diariamente em determinadas condições estruturadas no processo de trabalho.

As metodologias e práticas desta pesquisa se aproximam no sentido de comprometer-se com a solução de problemas práticos, procurando encontrar ações legítimas e viáveis para a superação dos mesmos. Nesse contexto torna-se importante integrar o conhecer, o agir e o avaliar (THIOLLENT, 1996; GUBA; LINCON, 2011). As arquiteturas metodológicas que aqui se enquadram, como a pesquisa-ação (THIOLLENT, 1996), pesquisa participante (BRANDÃO, 2006), avaliação de quarta geração (GUBA; LINCON, 2011) e o método Paidéia (CAMPOS, 2000; 2003) convidam a elaboração atenta, crítica, sistemática e participativa de narrativas e modelos explicativos da realidade vivida seja ela dentro ou fora do processo de trabalho, com a função ética de organizar o agir coletivo no sentido da superação das adversidades elencadas pelos próprios interessados.

Santos Filho (2009), considerando o contexto de busca de estratégias de transformação do processo de trabalho no SUS, destaca a inseparabilidade entre o fazer, planejar, acompanhar e avaliar dentro do processo de aprendizagem e construção de saber. O autor propõe a inversão do conhecer para transformar, para o transformar para conhecer. Ressalta que a avaliação não pode se dar senão em curso, mediando o percurso de formação/intervenção. Para o pesquisador, formar e intervir tornam-se práticas correlatas, principalmente quando o processo de ensino-aprendizagem se faz na experiência quente dos serviços de saúde e não a partir do estado de quarentena daqueles que se prepararam para uma futura atividade profissional. Propõe, ainda, uma metodologia que abarca estratégias de observação participante, o que

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possibilita uma informação e ação sobre o funcionamento dos serviços em tempo real; implementação de movimentos/encontros das equipes, que podem seguir os modelos de grupos focais, com o objetivo de serem momentos analítico-interventivos; e a utilização de filmagens e debates para facilitar uma autoanálise crítica do fazer, no trabalho. Os assuntos podem ser direcionados/focados tanto no trabalho, ações, procedimentos e projetos, quanto em torno da grupalidade, modos de interação e funcionamento em equipe, incluindo também os usuários. Ressalta também, que a postura do pesquisador deve considerar uma responsabilidade colaborativa e de inclusão das diversas vozes e situações.

Ainda, no que se refere a postura do pesquisador/apoiador, Gastão Wagner de Sousa Campos, construtor do conceito de matriciamento e do método Paidéia, traz algumas sugestões: quando possível, deixar clara as intenções dos pesquisadores para os participantes; trabalhar com uma duplicidade de objetivos, um externa ao grupo – produzindo valores de uso para outros –, e uma interna – ampliar a compreensão e a capacidade operacional dos coletivos; integrar as demandas dos participantes às ofertas do apoiador; apoiar o grupo tanto para construir objetos de investimento quanto para compor compromissos e contratos com outros; pensar e fazer junto com as pessoas e não por elas; autorizar os grupos a exercer crítica generosa e desejar mudanças; autorizar-se a ser agente e não somente apoiador.

d) Por fim, existe a necessidade de evidenciar e acolher o sentimento de segurança ou resistência de cada profissional frente aquilo que até então era desconhecido. O profissional pode dar-se conta de que por vezes, acaba agindo a favor de um ‘modelo de cuidado’ que ele próprio não apoia, porém, que por força da rotina estabelecida, acaba por reproduzir em seu fazer. Este momento é extremamente importante e delicado, pois nele emergem questões que envolvem sua identidade profissional, o que inclui aquilo que orienta como o profissional se relaciona com os usuários, com a equipe e com as suas próprias incertezas e convicções.

Nossa metodologia se apoiou na socialização de saberes osteopáticos, procurando contribuir com a transformação do processo de trabalho. Isto tem direta relação com as identidades profissionais pois é por meio das distintas atribuições e conhecimentos que cada profissão constrói suas relações com as outras. Neste contexto o método Paidéia, proposto por Campos (2003), vem sendo amplamente utilizada para dar suporte ao protagonismo dos coletivos e servindo inclusive como base para a construção das diretrizes dos NASF. O método possui dois eixos

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importantes para nosso trabalho: o apoio matricial e a clínica ampliada e compartilhada. O apoio matricial envolve um arranjo organizacional que sugere um funcionamento de trabalho em rede, tendo o sujeito como centro do cuidado e reorganizando o processo de trabalho envolvendo responsabilização por pessoas e não mais por procedimentos. Busca-se um compartilhamento de saberes dos diferentes grupos profissionais que possibilite a construção de conhecimentos comuns e que sirvam como base para facilitar a comunicação e construção de redes de cuidado multiprofissional compartilhado ou pelo menos intensamente colaborativo.

É sabido que o compartilhamento e construção de conhecimentos comuns pode gerar um tensionamento das grupalidades corporativas. No intuito de atenuar a separação de saberes, sem desrespeitar a especificidade de cada especialidade ou profissão são úteis os conceitos de campo e núcleo de saber e de competência. O núcleo de saber conforma as identidades profissionais, havendo uma aglutinação de conhecimentos e práticas e determinados padrões de compromisso com a produção de saúde relativamente específicos e pouco delegáveis ou socializáveis de cada profissão. O campo, por sua vez, pode ser definido como um espaço de interseção entre os saberes especializados e profissionais, com o foco nas necessidades contextuais, havendo assim “uma sobreposição dos limites entre cada especialidade e cada prática, e onde todo profissional de saúde poderia atuar, independentemente de sua categoria ou formação” (CAMPOS et al.; 2014, p. 989).

Fora o aspecto corporativo, que pode fomentar resistências a mudanças geradas por um compartilhamento de saberes, o método Paidéia também procura desenvolver o conceito de clínica ampliada. Este conceito procura estimular a mudança do processo de trabalho, propondo uma superação da prática clínica reducionista. Isto pode gerar resistências na medida em que os profissionais se deparam com uma forma de atuar diferente daquela na qual foram formados (com uma predominância de elementos técnicos e pouco estímulo a habilidades relacionais). Ao tratar da clínica ampliada, Campos (2003) evidencia a comum e muito criticada presença de práticas e abordagens clínicas, sobretudo na medicina, caracterizadas por grande reducionismo (geralmente biológico), em que as doenças e os respectivos protocolos ou raciocínios clínicos de diagnose e indicações terapêuticas passaram a se sobressair e ficar em primeiro plano, consumindo o grosso da atenção dos profissionais, deixando os sujeitos doentes, seus sofrimentos e sua situação de vida em segundo plano.

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Nesse contexto, as tecnologias duras (corporificadas em produtos e aparelhos de alta tecnologia), os procedimentos e os tratamentos mais comuns e consagrados, para os quais foi gerado o grosso das evidências científicas, notadamente os exames complementares como processos diagnósticos, os fármacos e cirurgias como instrumentos terapêuticos, tornaram-se o foco e o centro do trabalho interpretativo e terapêutico, respectivamente (CAMARGO, 2003). Além disso, e com isso associada, há uma comum degradação das relações terapêuticas em termos de reciprocidade, empatia, solidariedade, escuta, dialogicidade e estímulo a participação dos usuários, com proeminência de um estilo de relação terapêutica autoritário, controlador e paternalista (EMANUEL; EMANUEL, 1992), em que os profissionais interrogam (anamnese), examinam (exame físico), investigam (exames complementares) e prescrevem (fármacos e ou cirurgias) e espera-se dos usuários não mais que submissão e cumprimento das prescrições. Esse tipo de relação terapêutica, obviamente, reduz a participação dos usuários, reduz o espaço na interação profissional-usuário para suas vivências, crenças, desejos, experiências de vida, explicações ou hipóteses sobre seu próprio adoecimento, e faz decair e empobrecer a comunicação, o conhecimento mútuo, a parceria e a cumplicidade entre profissionais e usuários. Essas e outras características, associadas aos comuns problemas de infraestrutura dos serviços de saúde e seu subdimensionamento no setor público, notadamente na APS, e à desigualdade e iniquidade social no Brasil geraram o que pode ser considerado uma clínica reduzida e degradada, a tal ponto de ela poder ser em muitos locais considerada 'normal', pois muito comum.

Advogando o rompimento com essa quase 'tradição' biomédica (TESSER, 2007; 2009) de clínica degradada e reduzida, a então qualificada como 'clínica ampliada' estende o objeto de atenção clínica para além das doenças e riscos biológicos, considerando as capacidades de estabelecimento de contratos e compromissos, de elaboração de interpretações pessoais e posicionamentos participativos, as dimensões psicossociais e as singularidades dos usuários. Isso amplia os objetivos para além de curar, reabilitar e prevenir. Apoia a promoção de saúde dentro do ato clínico e terapêutico, no sentido do desenvolvimento de maiores graus de autonomia e auto-atenção dos sujeitos e de sua capacidade de realização pessoal (MENÉNDEZ, 2003). Não obstante, a proposta da clínica ampliada diversifica também os meios de trabalho em saúde, reformulando a relação clínica e os processos de educação em saúde, bem como amplificando as possibilidades de recursos terapêuticos e interpretativos na atenção básica (CUNHA, 2007).

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Constrói relações que superam ou atenuam/relativizam lógicas hierárquicas de poder e proporcionam contextos de aprendizagem e intervenção baseadas no diálogo, no vínculo e na corresponsabilização (CAMPOS et al., 2014).

No contexto do Sistema Único de Saúde, para além dos NASF, há ainda outras diretrizes e políticas que convergem com essa abordagem de cuidado colaborativo e compartilhado e de ampliação da clínica e da participação. Mais especificamente, no que se refere a formas de abordagem interpretativa e terapêutica, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). A PNPIC busca ampliar a oferta de ações de saúde por meio de práticas Integravas e Complementares (PIC), com ênfase na atenção primária (BRASIL, 2006). A partir de experiências de longa data já presentes no SUS e na APS, a PNPIC oficializa o reconhecimento da possibilidade do uso de outras formas de cuidado à saúde caracterizadas pelo seu não pertencimento ao escopo do que é consagrado na medicina convencional e nas outras profissões da saúde: as anteriormente chamadas medicinas alternativas e complementares e medicinas tradicionais, hoje designadas medicinas tradicionais e complementares (OMS, 2013). Para tal, a política prevê o desenvolvimento de estratégias de qualificação e aprendizagem em PIC para profissionais do SUS, em caráter multiprofissional e em conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos para educação permanente em saúde (EPS), outro enfoque assumido pelo SUS como desejável no cotidiano das práticas do SUS, convergente com a clínica ampliada e a perspectiva deste trabalho.

A educação permanente é aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho. A educação permanente se baseia na aprendizagem significativa e na possibilidade de transformar as práticas profissionais. Pode ser entendida como aprendizagem-trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano de trabalho das pessoas e das organizações (BRASIL, 2009).

Vale lembrar, que a EPS se diferencia do modelo de educação continuada (EC), pois, enquanto esta apresenta-se fragmentada em especialidades, sustenta-se em verdades (supostamente) transferíveis a todos os contextos e legitima-se a priori pela ciência, independente das necessidades e peculiaridades dos grupos envolvidos, a EPS fundamenta-se na valorização do trabalho como fonte de construção conjunta de conhecimento, contextualiza-se nos processos de trabalho, necessidades e desejos dos grupos de interesse por meio do diálogo e

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visa transformar o exercício cotidiano do trabalho por meio da aprendizagem significativa e valorização da articulação com a atenção à saúde, a gestão e a participação social. Considera também que as práticas de educação e qualificação são definidas por múltiplos fatores, voltadas à multiprofissionalidade e à interdisciplinaridade, com estratégias de ensino contextualizadas e participativas (PEDUZZI, 2009).

Para a Política Nacional de Educação Permanente (PNEP) (BRASIL, 2009), as ações voltadas a formação e desenvolvimento dos trabalhadores na área da saúde devem ser produto de cooperação técnica, articulação e diálogo entre as três esferas de governo, as instituições de ensino, os serviços de saúde e a participação da sociedade e usuários no sistema público e seus serviços de saúde. Isto foi muito caro para a este trabalho, uma vez que a escolha metodológica foi construída no intuito de não fechar-se nos próprios objetivos, nem tampouco fingir que não existem, mas abrir-se no sentido do diálogo organizado com diversas instâncias e grupos de interesse, tendo como objetivo facilitar a transformação de processos de trabalho, na medida em que os participantes sintam-se intrinsecamente motivados a fazê-lo.

A Ostepathic International Association (OIA) registrou em 2012 a existência de programas de educação em osteopatia em mais de 25 países. A diretriz europeia para a educação e formação em osteopatia (VAN DUN; KOUWENBERG, 2012) enfatiza alguns aspectos peculiares à essa formação que norteiam o presente trabalho:

1- O estudo da osteopatia coloca o indivíduo no centro de aprendizagem, integrando aprendizagem teórica e prática, inseridas no contexto clínico;

2- A formação visa não ser demasiadamente prescritiva, incentivando a diversidade educativa e inovação na área da aprendizagem;

3- Tem foco na busca de soluções compartilhadas;

4- Enfatiza um estudo centrado na pessoa, em vez de ser centrado na patologia;

5- A natureza do estudo em osteopatia é multidisciplinar, envolvendo conhecimentos de alimentação, práticas físicas e estilo de vida e trabalho;

6- Enfatiza aspectos relacionais e comunicacionais, envolvendo conduta esclarecida e pactuada entre profissional e indivíduo;

7- Desenvolve habilidades manuais terapêuticas e diagnósticas segundo os princípios osteopáticos.

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Como nosso enfoque é a construção de formas de compartilhamento de conhecimentos que fortaleçam o campo comum de cuidado profissional na atenção primária á saúde, entendemos que os principais objetos de reflexão a serem ampliados e relativizados dentro do pensamento clínico são os diagnósticos, seus prognósticos e as terapêuticas. Isto porque, uma vez estabelecidos os rótulos diagnósticos há um desencadeamento de pressupostos e narrativas que norteiam o funcionamento do processo de trabalho em saúde. Ao incluir novas abordagens de avaliação e anamnese torna-se possível a visualização de outras possibilidades de ações terapêuticas e de acompanhamento conjunto dos casos.

Por fim, ao flexibilizar padrões de conduta baseados em diagnósticos biomédicos, amplamente conhecidos e compartilhados pelos profissionais, é imprescindível analisar o sentimento de segurança por parte de todos os envolvidos. Isto deve ser constantemente observado nas consultas e dinâmicas reflexivas, incluindo a avaliação conjunta de quais procedimentos utilizar e quais não em cada situação específica. Caso o sentimento de segurança dos profissionais não seja alcançado naturalmente, retorna-se ao modelo anterior, com seus rótulos, prognósticos e pactuações de responsabilidades, muitas vezes por processos e não por pessoas.

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4- Revisão de literatura:

4.1- Origens e características da osteopatia, sua organização profissional e institucional no mundo e no Brasil.

A osteopatia foi desenvolvida por Andrew Taylor Still, nos Estados Unidos, no fim do século XIX. Médico e cirurgião, com considerável interesse por mecânica e anatomia, e descrente dos métodos terapêuticos da medicina de sua época, percebeu que a flexibilização dos tecidos, por meio de técnicas manuais, contribuía para a manutenção da saúde de seus pacientes (GEVITZ, 2009)

Em 1892, Still fundou a Escola Americana de Osteopatia (American School of Osteopathy - ASO) em Kirksville. Entre 1896 e 1899, 13 faculdades de osteopatia foram abertas nos EUA. No início apresentavam algumas características típicas da APS como o primeiro contato e o acompanhamento longitudinal, pois, se estabeleciam em pequenas cidades e estados rurais do meio-oeste, isolados de maiores instituições de saúde e abrindo freqüentemente seus próprios hospitais de pequeno porte (GEVITZ, 2004). Com a expansão das escolas de osteopatia, foi criado em 1901 a American Osteopathic Association (AOA), três anos antes do primeiro relatório da Americam Medical Association (AMA), instituição que viria gradualmente a regular as escolas médicas no país, incluindo escolas de osteopatia, após o relatório Flexner, de 1910, que avaliou as escolas médicas nos EUA, segundo critérios biomédicos da época (GEVITZ, 2009).

Mesmo sendo abertamente avesso à modalidade, Flexner manteve a osteopatia como escola médica em seu relatório, pois, observou que “na seita, os osteopatas eram treinados a reconhecer uma enfermidade e a diferenciar uma patologia da outra tão cuidadosamente quanto qualquer outro médico” (FLEXNER, 1910) Esta investigação criteriosa somada à capacidade de abordar o indivíduo como um todo, se encontram nos alicerces da prática osteopática e convergem como os conceitos atuais de clínica ampliada (CUNHA, 2007).

Flexner observou também que as escolas de osteopatia tinham pouco investimento em infra-estrutura, poucos equipamentos, os alunos avançados ensinavam os mais novos em disciplinas teóricas, e a osteopatia, na prática, era aprendida através do acompanhamento direto de consultas de profissionais mais experientes (FLEXNER, 1910). Tais relatos históricos revelam a importância que a osteopatia atribui ao estudo dos sinais clínicos como referência para a tomada de decisão, dispensando muitas vezes a necessidade de exames de alta complexidade. Indica também a aprendizagem como uma forma de

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compartilhamento de experiências clínicas e não de protocolos e diretrizes rígidas e fechadas.

Outro tema observado neste material histórico, que converge com desafios atuais da APS, refere-se à confiança que os osteopatas tinham na promoção de saúde por meio do estímulo de mecanismos de autorregulação, bem como a resistência ao uso irracional de medicamentos (o que provavelmente vale hoje, mesmo sendo muito diferente dos daquele tempo). Ao visitar a ASO, Flexner destacou a existência de uma disciplina, composta por vinte seminários, que versavam sobre falácias da medicina alopática da época, tendo por intuito instrumentalizar os estudantes a não utilizar drogas nos tratamentos. Mesmo assim, encontrou diferentes pontos de vista sobre o uso ou não de fármacos no tratamento e uma unanimidade na aplicação de técnicas manuais entre os profissionais (FLEXNER, 1910).

Como consequência de seu relatório, o ensino de osteopatia teve que se adequar aos padrões biomédicos por ele estabelecidos, sob a pena de fechamento das escolas. Devido à resistência e de amplos debates internos quanto ao uso ou não de fármacos, as disciplinas de farmacologia passaram a ser oficialmente ensinadas apenas em 1929. A regulamentação do uso de recursos médicos, incluindo procedimentos cirúrgicos, foi gradualmente conquistada por meio da submissão dos egressos a exames conduzidos pela AMA, recebendo titulação dupla de Diplomado em Osteopatia (DO) e de Doutor em Medicina (MD), com direitos ilimitados de prática profissional médica, que se mantém até hoje naquele país (GEVITZ, 2009).

Embora nos Estados Unidos os profissionais osteopatas tenham conseguido legitimar socialmente e politicamente sua profissão, a prática enfrentou um percurso de discriminação que pode ser observado até hoje. Um exemplo foi a luta de médicos osteopatas para servirem ao seu país durante a primeira e segunda guerra (SILVER, 2012). Outra batalha travada por osteopatas foi contra a discriminação das mulheres na formação médica nos EUA. Still acreditava na igual capacidade de homens e mulheres e manteve as portas abertas das faculdades de osteopatia, tendo seus cursos oferecidos sem distinção alguma para homens e mulheres (QUINN, 2017).

Paralelamente ao processo norte-americano, em 1917, o escocês John Martin Littlejohn, formado na ASO, fundou o primeiro centro de treinamento de osteopatia na Europa, a Escola Britânica de Osteopatia, atuante até hoje. Forma profissionais osteopatas em nível superior (título de DO), que não realizam procedimentos cirúrgicos nem tampouco prescrevem fármacos. A osteopatia foi regulamentada como profissão de

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