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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 91

Punitive Damages: O “puxão de orelha” educativo que faltava ao

causador do dano

Flávio Louzada

Resumo: Tema controverso e de grande relevância no cenário jurídico mundial,

sejam pelas divergências apresentadas pela doutrina, bem como pela sua falta de normatização expressa no nosso ordenamento jurídico brasileiro, entretanto apresenta-se como uma tendência cada vez maior em sua aplicação pelos tribunais internacionais e pátrios. O punitive damages é conhecido no Brasil como “indenização punitiva”, tem origem britânica no ano de 1.278 e vem desde então se desenvolvendo e sendo disseminado a outros países como forma adequada de se punir e prevenir novos atos ilícitos causadores de danos. Adquirindo cada vez mais adeptos, observam-se em vários casos a aplicação do punitive damages desde a sua origem, assim serão abordados nesta pesquisa vários desses casos que se tornaram emblemáticos e que possibilitaram o estudo deste instituto por vários especialistas no decorrer das últimas décadas. Entretanto, serão abordados alguns pontos ainda controvertidos sobre o instituto em comento, o qual sofre várias críticas até hoje, as quais serão trazidas de forma a se desenhar as duas posições, ou seja, as críticas favoráveis e as que vão contra a indenização punitiva. Pontos como a responsabilidade objetiva e o bis in idem também são relevantes, pois ensejam várias discussões pela doutrina. Por fim a dupla função do dano moral no direito brasileiro trará a posição de alguns tribunais pátrios que já se utilizaram em suas decisões do punitive damages, além de se fazer um comparativo da possibilidade ou não da indenização punitiva com fundamento no Código Civil brasileiro.

Palavras-chaves: Punitive demages. Função pedagógica. Dano moral. Punição.

Prevenção.

Abstract: Controversial theme and of great relevance in the world legal scenario,

whether by the divergences presented by the doctrine, as well as by its lack of standardization expressed in our Brazilian legal system, Nevertheless presents itself as an increasing tendency in its application by the international courts and national. Punitive damages are known in Brazil as "indenização punitiva", Has British origin in the year of 1.278 and has since been developing and being disseminated to other countries as an appropriate way of punishing and to prevent further unlawful acts causing harm. Acquiring more and more adherents, in several cases the application of punitive damages from its origin is observed, so will be approached in this research several of these cases that have become emblematic and that made possible the study of this institute by several experts in the last decades. However, some points still controversial about the institute in question will be addressed, which undergoes several criticisms until today, which will be brought in order to draw the two positions, that is, the favorable critics and those that go against the punitive demages. Points such as objective responsibility and bis in idem are also relevant, as they lead to several discussions of doctrine. Finally, the dual function of moral damage in Brazilian law will bring the position of some courts of the country that have already been used in their decisions of punitive damages, besides making a

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 92 comparison of the possibility or not of the punitive demages based on the Brazilian Civil Code.

Key Words: Punitive demages. Pedagogical function. Moral damage. Punishment.

Prevention

1. Introdução

A presente pesquisa tem como objetivo traçar as linhas gerais dos punitive damages e seu desenvolvimento tanto na doutrina como na jurisprudência, esclarecendo inicialmente a sua função pedagógica tanto ao causador do dano como a toda uma sociedade.

Primeiramente será abordada a importância de se entender a própria nomenclatura do punitive damages, ou seja, o que a doutrina entende por ser a melhor tradução. Assim, se verificará que o posicionamento seria no sentido de chamá-lo como “indenização punitiva” e não como “danos punitivos”, uma vez que o termo damages significa não apenas o dano, mas também o montante que a vítima deverá receber devido ao dano sofrido.

Em uma visão histórica será abordada a origem britânica do instituto e seu desenvolvimento no decorrer dos séculos a outros países, mantendo a sua finalidade punitiva e preventiva, com foco principal na conduta do agente ofensor, como forma de desestímulo a determinadas condutas anti-sociais.

A seguir os casos reais mais relevantes e marcantes de indenização punitiva serão relatados, mostrando-se a evolução dos mesmos, discutindo-se pontos como a sua total imprevisibilidade no que tange ao montante a ser pago e em alguns casos de forma desproporcional ao dano sofrido pela vítima.

Casos emblemáticos como o do McDonald’s, Ford e BMW, não poderiam deixar de serem comentados, uma vez que foram marcos essenciais para a disseminação do conhecimento a um maior numero de pessoas de como funcionava esse instituto.

Várias são as críticas que serão abordadas ao punitive demages trazidas pela doutrina, elencando-se os seus pontos negativos e a forma como os mesmos são rebatidos, como a sua falta de propriedade confundindo a função do direito civil, o enriquecimento sem causa, e até a sua inconstitucionalidade.

Em seguida se abordará a discussão acerca da existência ou não do bis in idem onde a aplicação da indenização punitiva pelo direito civil é entendida por parte da doutrina como se o agente causador do dano fosse punindo duas vezes caso viesse a ser condenado na esfera penal.

A responsabilidade objetiva e os punitive damages também será abordada, uma vez que este último leva em consideração o grau de culpa do agente e aquele não discute culpa.

Em um próximo momento desta pesquisa se trará a dupla função do dano moral utilizada pelo direito brasileiro, onde se debate a aplicação de aspectos subjetivos do causador do dano para a sua quantificação, bem como a gravidade do dano.

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 93 Elenca-se o entendimento do judiciário brasileiro acerca desta dupla função do dano moral, por meio de decisões do STJ, TJSP, TJDFT e TJRS, demonstrando-se como e em quais casos os punitive damages demonstrando-serão abordados.

Por fim, se verificará como são hoje as aplicações de indenizações punitivas no Brasil, traçando-se um paralelo com o Código Civil brasileiro, tendo neste instituto um tratamento de excepcionalidade, comparando-se a outros já existentes e utilizados pela legislação brasileira referente às penas civis.

2. O Punitive demages

O instituto do punitive damages é motivo de grandes discussões e questionamentos acerca da sua aplicação pelo direito brasileiro, uma vez que não existe ainda previsão legal expressa que venha a fundamentar as decisões dos nossos tribunais.

Entretanto, no decorrer desta pesquisa se poderá verificar que em algumas situações já existem decisões no sentido de se trazer a indenização punitiva inserida dentro dos danos morais como uma forma de não apenas compensar a vítima, mas também de certa forma punir o autor do dano.

Relevante se faz em um primeiro momento, se esclarecer como efetivamente o punitive damages surgiu, bem como se desenvolveu no decorrer dos anos até o momento.

2.1 Da nomenclatura punitive damages

Inicialmente cabe a análise do próprio termo punitive damages, ou seja, qual seria a melhor tradução para este instituto? Tem-se como tradução literal a expressão “dano punitivo”, entretanto esta tradução sofre algumas críticas pela doutrina, uma vez que o termo mais adequado seria “indenização punitiva” como sinônimo de punitive damages.

Segundo Schreiber, o termo “danos punitivos” não estaria correto, uma vez que o que se tem como caráter punitivo não é o dano em si, mas a indenização, sendo o mais correto se falar em indenização punitiva. O termo damages significa não apenas o dano, mas também o montante atribuído à vítima em decorrência do dano. (2013, p. 211)

No mesmo sentido, Martins-Costa e Pargendler, dizem que em uma visão introdutória e geral o punitive damages, pode ser visto como a ideia de indenização punitiva e não como dano punitivo, como em alguns casos se lê. Chamado também de exemplary damages, vindictive damages, smart Money. (2005, p. 16)

Desta forma, pode-se dizer que a palavra damages do inglês, deve ser traduzida neste caso não como dano, mas sim como indenização, pois o que se tem como foco de punição não é especificamente o dano, mas sim uma indenização.

Para que se possa entender em uma visão inicial sobre o que seria este instituto, pode-se dizer que:

Consistem na soma em dinheiro conferida ao autor de uma ação indenizatória em valor expressivamente superior ao necessário à compensação do dano, tendo em vista a dupla finalidade de punição

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 94 (punishment) e prevenção (deterrence) opondo-se – nesse aspecto funcional – aos compensatory damages, que consistem no montante da indenização compatível ou equivalente ao dano causado, atribuído com o objetivo de ressarcir o prejuízo. (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 16)

Após esses esclarecimentos iniciais acerca do próprio termo punitive damages, passa-se agora a uma visão histórica do surgimento e desenvolvimento deste instituto no decorrer dos anos.

2.2 Visão histórica

Martins-Costa e Pargendler trazem que a primeira previsão de indenização múltipla no Direito anglo-saxônico foi o Statute of Councester, na Inglaterra em 1.278. (2005, p. 16)

Esta origem britânica foi observada nos casos em que se impunha ao autor do dano, múltiplos financeiros, ou seja, a reparação que lhe cabia seria um múltiplo do valor sofrido pela vítima. Em 1.763 a justiça inglesa já fazia uso dos punitive damages nos termos atuais. (SANTOS JUNIOR, 2007, p. 17)

Em 1.760 algumas cortes inglesas começaram a explicar grandes somas concedidas pelos júris em casos graves como compensação ao autor. A fundamentação das cortes para essas condenações era que a indenização adicional por dano à pessoa referia-se ao exemplary damages, firmando entendimento de que as indenizações elevadas tinham por escopo não só compensar o lesado pelo prejuízo sofrido, mas também punir o ofensor pela conduta ilícita. (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 18)

Entretanto, o precedente na Inglaterra do punitive demages ficou realmente estável apenas no ano de 1963. Já em Portugal, desde o Código Civil de 1966, vem-se adotando os danos punitivos, tendo a jurisprudência, a mesma posição. (MORAES, 2003, p. 226, 228)

No decorrer do século XIX, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra o conceito de indenização compensatória foi ampliado para abarcar os punitive damages, na medida em que se passou a ter como finalidade principal a punição e a prevenção, onde o foco passou a incidir não sobre a espécie do dano, mas sobre a conduta do seu causador. (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 18)

Este instituto foi trazido para os Estados Unidos, sendo difundido rapidamente por volta de 1.960, atingindo por praticamente todos os estados norte-americanos, aplicado na maioria dos casos contra grandes fabricantes e indústrias. (SANTOS JUNIOR, 2007, p. 17)

A Indenização Punitiva possui mecanismos de prevenção e de sanção de atos ilícitos, assim, Gonçalves menciona Aristóteles o qual diz que a justiça é o legal e o equitativo, dividindo-se esta em: justiça distributiva (repartições de dinheiro e outros valores) e a justiça corretiva (ligada à indenizações), onde se tem os danos involuntários e os voluntários, nestes últimos cabendo punições. (2005, p. 105)

Complementa ainda dizendo que a teoria da punição concedida por Aristóteles se adéqua perfeitamente com a doutrina da indenização punitiva, uma

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 95 vez que a mesma só pode ser imposta como reprimenda a um ato que não apenas seja ilícito, senão também intencional e malicioso. (GONÇALVES, 2005, p. 109)

Assim, a indenização punitiva vem então no sentido de restaurar o equilíbrio moral tanto da vítima como da sociedade. Sendo perfeitamente apropriada a indenização punitiva para a repressão de condutas que envolvam um abuso de poder, bem como dos valores da verdade e da confiança. (GONÇALVES, 2005, p. 110-112)

No Brasil, não há a previsão legal para a sua aplicação, mas se encontram embutidos dentro da própria indenização por danos morais. Tendo-se então para os danos morais, além do caráter compensatório, também o caráter punitivo. (SCHREIBER, 2013, p. 211)

Assim, tem-se na punição um valor educativo, tornando não lucrativas as condutas ofensivas pelo corpo social, tendo nas indenizações punitivas um desestímulo de condutas anti-sociais, que do contrário seriam lucrativas. Essas indenizações possuem dois fundamentos de ordem moral, ou seja, a realização da justiça retributiva (tendo um caráter repressivo) e a maximização da felicidade do corpo social (tendo uma faceta preventiva). (GONÇALVES, 2005, p. 115, 118)

3. Casos reais de indenização punitiva

As autoras Martins-Costa e Pargendler enumeram os casos mais relevantes e emblemáticos acerca do punitive damages que foram marcados por decisões que levaram em consideração não apenas a compensação patrimonial da vítima, mas também a punição do autor do delito como forma de evitar com que danos semelhantes aconteçam, como uma forma educativa não apenas para o agente causador do dano, mas também para a própria sociedade como um todo.

Dentro os casos elencados pelas doutrinadoras acima, destaca-se o caso da Ford Corporation v. Grimshaw (1981) que após um acidente de carro o automóvel FORD explodiu, causando a morte de três ocupantes. A explosão se deu, devido a localização do tanque de combustível na parte traseira do veículo. Esta localização permitia uma economia de 15 dólares por cada automóvel produzido. O júri não hesitou em conceder uma elevada soma a título de indenização punitiva, considerando que a FORD manteve o tanque na traseira do veículo, tendo em vista uma análise de custos e benefícios para a fabricante, sendo mais em conta o ressarcimento eventuais danos a modificar o tanque de lugar.

Nos Estados Unidos os danos punitivos sofrem críticas pela sua total imprevisibilidade, como no caso de uma senhora que ao comprar café no drive-trhough do McDonald’s o derramou em seu colo, tendo vários ferimentos. O juiz condenou a empresa a pagar 540 mil dólares, calculando os danos punitivos no triplo do valor dos danos compensatórios. (MORAES, 2003, p. 232)

Segundo Andrade (2015, p. 01) estamos diante de um novo paradigma quando falamos em responsabilidade civil, ou seja, a visão tradicional de que a ideia da responsabilidade civil era ressarcir o dano sofrido ou compensar a vítima por meio de uma quantia pecuniária é repensada quando nos deparamos com situações onde o agressor obtém benefício econômico mesmo após indenizar a vítima, além disso pode se mostrar indiferente com o valor a ele atribuído para reparar o dano.

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 96 Moraes traz o caso emblemático da BMW ocorrido nos Estados Unidos sobre punitive damages, onde relata que um consumidor comprou um carro BMW e descobriu que apesar de ser novo, verificou que algumas partes do carro haviam sido repintadas por danos sofridos ao veículo no seu transporte da Alemanha aos USA. (MORAES, 2003, p. 237)

A Suprema Corte norte americana entendeu excessivo o valor de dois milhões de dólares a título de dano punitivo, sendo 500 vezes superior ao dano real, considerando a diferença de valor entre os danos punitivos e as penalidade civis ou criminais autorizadas ou impostas em casos semelhantes. (MORAES, 2003, p. 243)

Desta forma a Suprema Corte determinou que o autor da ação aceitasse a redução do valor para 50 mil dólares, caso contrário seria admitido o pedido da BMW para que se fizesse um novo júri. (LEVY, 2011, p.198)

Na Inglaterra, segundo relata Levy (2011, p. 177, 178) um dos casos que tomou grande conhecimento do público ocorreu em 1997 envolvendo o cantor Elton John e o jornal Daily Mirror, onde o referido jornal publicou que o famoso cantor inglês estava adotando um novo regime para emagrecer o qual se utilizava de uma forma de bulimia, pois o mesmo tinha sido visto em uma festa e logo após regurgitando.

Nesse caso, a Corte inglesa entendeu que o jornal ao publicar uma história danosa sobre pessoa pública mundialmente conhecida, agiu indiscriminadamente com o intuito único de obter lucro com tal matéria sensacionalista, ignorando por completo se era ou não verdadeiro o fato publicado, bem como pela violação à intimidade e à privacidade do cantor. Apesar do júri ter condenado o jornal ao pagamento de 275 mil libras, a Cort of Appeal reduziu para 50 mil libras.

Levy afirma que enquanto nos EUA se observa uma limitação à aplicação dos danos punitivos, na Inglaterra, há um arrefecimento dos filtros de aferição, mas em ambos o ilícito lucrativo é o principal fundamento para as indenizações punitivas. (2011, p. 202)

3.1 Críticas à indenização punitiva

Várias foram as críticas feitas pela doutrina a respeito dos punitive damages, cabe ressaltar aqui as três críticas abordadas por Gonçalves (2005, p. 150, 167) em sua obra, bem como a defesa para cada uma delas. O autor elenca primeiramente a falta de propriedade da indenização punitiva, após o enriquecimento sem causa do autor da ação civil e por último aborda a sua inconstitucionalidade, como disposto abaixo:

1ª – Falta de propriedade da indenização punitiva: talvez seja a mais antiga das objeções a este tipo de indenização. Desde o século XIX há registros de sua presença. Tida como “uma heresia monstruosa, uma excrescência doente e impensada, que deforma a simetria da estrutura do direito.” (MCBRIDE apud Gonçalves, 2005, p. 150, 167)

Segundo jurisprudência norte-americana, as indenizações punitivas confundem a função do direito civil, que é compensar, com a função do direito criminal que é a de infligir penalidades preventivas e punitivas.

2ª – Enriquecimento sem causa do autor da ação civil: o autor se beneficia com o recebimento de quantia em dinheiro superior ao valor dos danos por ele

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 97 suportados. O valor da indenização punitiva é substancialmente elevado e muito superior ao da indenização, sendo em alguns casos como se ganhar na loteria.

Um outro aspecto trazido pelo autor é que a vítima ao receber a indenização punitiva, teria uma função de interesse público, pois condena alguém a este pagamento que foi contrário à lei, com atitudes anti-sociais, merecendo assim a prevenção e a punição.

Outro argumento, diz respeito ao fato de que é melhor se beneficiar a vítima do que uma pessoa que aja ilicitamente retendo para si o lucro proveniente de sua atitude. Desencoraja-se futuros comportamentos semelhantes.

Acerca desta problemática do enriquecimento ilícito, vários doutrinadores apóiam a mudança no modelo do quantum das indenizações punitivas, fazendo com que a totalidade de tais verbas não seja mais dada às vítimas, mas entregue ao Estado.

3ª – Inconstitucionalidade: alega-se a inconstitucionalidade, uma vez que o ato ilícito passível de sanção por meio de indenizações punitivas constitua também um crime, pois sendo o réu punido, na esfera criminal e também na esfera cível, iria contra o princípio constitucional segundo o qual uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo delito.

Acerca desta inconstitucionalidade, constitui uma ofensa ao devido processo legal, pois quando imposta em valor excessivo, mostra-se desconforme com o princípio da proporcionalidade.

Contrariamente a este entendimento, Gonçalves diz que referente à proibição de uma dupla condenação pelo mesmo ilícito (ne bis in idem ou double jeopardy), vale aqui ressaltar que o próprio ato de deferir danos compensatórios já implicaria em uma punição ao réu, assim, por que então não se aplicar a indenização punitiva?

Argumenta Gonçalves que contrariamente a este entendimento, se o réu for punido na esfera penal adequadamente, um pedido de indenização na esfera cível não deve ser barrado, mas ambas se comunicam uma complementando a outra sem caracterizar a excessiva cobrança de indenização.

Acerca do conflito entre direito penal e direito civil, Santos Junior já se manifestou ao afirmar que a doutrina recusa o caráter punitivo à indenização, uma vez que a aplicação de pena diz respeito apenas ao direito penal, o qual deve prever tal pena evitando-se afronta ao princípio da legalidade. (2007, p. 24)

Complementa ainda o mesmo autor dizendo que “proibir a sanção no instituto da responsabilidade civil é tirar do direito um meio eficaz de inibir práticas atentatórias contra a ordem social”.

No que tange ao fato de que a punição cabe apenas ao direito penal, a atração exercida pelos punitive damages está justamente na ultrapassagem dessa cisão trazendo para a responsabilidade civil a ideia de pena privada. (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 16)

O Direito Penal não seria capaz de tipificar todos os casos de ofensa à dignidade da pessoa humana, separando assim claramente a punição constante do Direito Penal do punitive damages do Direito Civil. (ANDRADE, 2015, p. 09)

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 98 Ocorre que, como adiante será demonstrado, na jurisprudência pátria não se traz esta problemática quando se tem claramente o dano moral exercendo uma dupla função, ou seja, compensatória e punitiva.

Outra ponto que se faz necessário abordar é a divergência quando se fala em punitive damages e a sua possibilidade ou não de ser aplicado nos casos de responsabilidade objetiva.

Inicialmente, pode-se dizer que não há que se pensar em punir casos de responsabilidade objetiva, que obedecem a diversa racionalidade, sendo irrelevante para este regime, a apreciação da subjetividade. (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 21)

Na responsabilidade objetiva não é considerada a conduta do agente, isto é, não há juízo de censurabilidade à conduta subjetiva, pois como se poderia falar em proporcionalidade entre conduta reprovável e punição se não se tem como saber o quanto foi o agente culpado? (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 24)

Complementa Martins-Costa e Pargendler, dizendo que não se pensa em punir aqueles casos em que a ação culposa não se apresentou acompanhada por especial gravidade.

Entretanto, trazem as autoras que o TJRS já decidiu sobre a aplicação dos punitive damages em casos de responsabilidade objetiva (Apelação Cível 596.210.849, 21/11/1996, 5ª Turma Cível).

No caso supra o credor promoveu execução forçada contra homônimo, não havendo intenção alguma de cometer o ilícito. O executado move ação requerendo compensação em danos morais. Foi mencionado no caso em tela os punitive damages mas se sabe que no direito anglo-saxônico não seria possível. (MARTINS-COSTA; PARGENDLER, 2005, p. 24)

Alega Schreiber (2013, p. 217) que em um momento em que a responsabilidade civil tem modificado sua visão de culpa e admitindo a responsabilidade objetiva, diz o autor que não seria possível ir contra essa construção, uma vez que os danos punitivos levam em consideração a culpabilidade do agente, com o intuito de reprovação moral castigando o ofensor.

No mesmo sentido, Levy (2011, p. 193) traz que não caberia a fixação da indenização punitiva nos casos de responsabilidade objetiva, uma vez que não se admite nos casos de simples negligência, o que dirá nos casos de responsabilidade objetiva.

Outrossim, elenca o autor os requisitos utilizados pela maioria dos Estados americanos para servirem de base para a fixação do quantum pelo júri, destacando que além da discussão do grau de culpa do agente, também se deve observar a situação econômica das partes, a proporção dos danos compensatórios e punitivos, a natureza e a gravidade do dano, bem como qualquer outro fator que venha a ser relevante no caso concreto. (LEVY, 2011, p. 193)

Em sua dissertação de mestrado, Andrade (2003, p. 280) se manifesta acerca da responsabilidade objetiva e o punitive damages esclarecendo que apesar de se trazer como regra a impossibilidade de haver indenização punitiva nos casos de responsabilidade objetiva, alerta que nos casos de culpa grave ou dolo do agente seria possível a sua aplicação.

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 99 Como se pode verificar há posição contra ao punitive damages, posição a favor, como a jurisprudência elencada, e o último caso onde há posição contraria, entretanto relativizando nos casos de culpa grave ou dolo do agente.

4. Da dupla função do dano moral

Não há previsão em nosso ordenamento jurídico acerca da punição dentro do dano moral, sendo previsto apenas e unicamente como um caráter compensatório pelo dano sofrido, apesar disso tanto a doutrina como a jurisprudência pátrias vêm aplicando esse caráter punitivo nos danos morais tendendo assim para a aplicação dos punitive damages, com o intuito de evitar com que aquele que cometeu o ato ilícito volte a cometê-lo, desestimulando novas condutas lesivas.

O que a legislação brasileira prevê é que o valor a título de indenização seja medido apenas pela extensão do dano causado, segundo o que dispõe o art. 944 do Código Civil brasileiro: “A indenização mede-se pela extensão do dano.”

Como se pode observar, não existe no artigo de lei supracitado qualquer referência de que para se valorar a reparação do dano deve-se levar em consideração qualquer aspecto ou qualidade subjetiva daquele que causou o ato ilícito e consequentemente o dano.

Além disso, não se tem a graduação da culpa do ofensor como fundamento para se majorar ou não o valor por ele pago a título de indenização à vítima. Ocorre que gradativamente se vem modificando este entendimento, passando-se da concepção clássica da responsabilidade civil para uma visão onde não apenas se tenta compensar a vítima, mas também punir o ofensor, incluindo-se um valor como punição e aumentando-se assim o valor a título de dano moral.

Afirma Schreiber que significativa parte do judiciário brasileiro tem admitido o duplo caráter do dano moral, onde se aplica deliberadamente critérios punitivos como: gravidade do dano; capacidade econômica da vítima; grau de culpa do ofensor; e capacidade econômica do ofensor. (2013, p. 212, 213)

Complementa o autor dizendo que da forma que se está utilizando esta punição haveria uma afronta à proibição do enriquecimento sem causa, bem como haveria a aplicação da pena sem fundamento legal.

Assim, conclui o mesmo que a prática brasileira se distancia da norte americana, uma vez que traz critérios punitivos e compensatórios conjuntamente, não possibilitando ao agente do dano saber em que medida está sendo apenado, perdendo o caráter dissuasivo do instituto.

No que tange ao caráter punitivo, além do compensatório, embora não adotada pelo legislador ordinário, também ressalta Moraes (2003, p. 217, 218) que esse aspecto vem trazendo vários adeptos na doutrina brasileira, bem como na jurisprudência.

Dentre os adeptos na doutrina, destacam-se, Caio Mário da Silva Pereira, Silvio Rodrigues, Maria Helena Diniz, Sérgio Cavalieri, Araken de Assis. Contrários estão, José Aguiar Dias, Pontes de Miranda, Orlando Gomes.

A satisfação do dano moral, para os que defendem o dano punitivo, além de atenuar o sofrimento injusto, retirando a ideia de vingança, prevenirá ofensas futuras, fazendo com que o ofensor não deseje repetir tal comportamento, onde a

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 100 teoria do desestimulo deve estar presente no âmbito da indenização. (MORAES, 2003, 219-222)

Foi com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que a dupla função do dano moral tomou espaço nas decisões dos tribunais brasileiros, bem como pela doutrina nacional, conforme assenta Andrade. (2015, p. 02)

Complementa o referido autor ainda que a dupla função da indenização do dano moral para a vítima, atuaria como compensação pelo dano sofrido; voltada aos olhos do ofensor, funcionaria como uma pena pelo dano causado. (ANDRADE, 2015, p. 04)

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), AgRg no Ag 850273/BA, já se manifestou sobre a fixação dos danos morais os quais devem ser aplicados com moderação sem com que haja o enriquecimento ilícito, observando-se o caso concreto servindo de desestímulo àquele que cometeu o ato ilícito, afirmando expressamente que a aplicação irrestrita do punitive damages é vedada pelo Código Civil brasileiro quando esse proíbe o enriquecimento sem causa.

A mesma Corte Superior já havia se manifestado também anteriormente acerca dos parâmetros que devem ser levados em consideração para a fixação dos danos morais, como o grau de culpa do ofensor, a situação econômica das partes, o caso concreto em questão, com o intuito de desestimular o agente causador do ato ilícito a repetir tal dano. (STJ, REsp 246258/SP)

O Tribuanl de Justiça do estado de São Paulo (TJSP), Apelação nº 0053002-93.2011.8.26.0002, em decisão datada de 09/02/2015, traz expressamente a expressão punitive damages, quando alegou que após a Constituição Federal de 1988 o dano moral passou a ter uma punição ao agente ofensor, com o intuito de desestímulo para atitudes futuras semelhantes, mas também vem em proteção tanto da vítima como da própria sociedade.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Acórdão 807416, 20120710327182APC, também já se manifestou acerca da aplicação dos danos morais e seus requisitos para valoração, como as circunstâncias do caso, a situação econômica das partes, a extensão do dano, evitando-se o enriquecimento sem causa, mas aplicando-se a teoria do valor do desestímulo espelhando-se no punitive damages norte-americano, trazendo-se tanto a compensação como a punição.

Como se pode observar por meio dos julgados supracitados, hoje o dano moral é visto não apenas como uma forma de compensar o dano sofrido pela vítima, mas também, como forma de punir o ofensor o qual cometeu um ato ilícito, seguindo parâmetros conforme o caso concreto, onde se analisará o seu grau de culpa, bem como um valor para desestimulá-lo a cometer o ilícito novamente, servindo também como forma de reprimenda e aviso a toda a sociedade.

Ressalta-se por fim a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), Apelação Cível Nº 70059069708 de 26/08/2014 que fundamenta sua decisão com base nos punitive damages com o intuito de sancionar o lesante, a fim de desestimular comportamentos altamente lesivos.

Gonçalves traz em sua obra um capítulo que trata das condições de aplicação de indenizações punitivas no Brasil, o qual inicialmente menciona Moraes dizendo que na doutrina se admite a indenização punitiva quando for imperioso dar uma resposta à sociedade, havendo a necessidade de se requer a manifestação do

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 101 legislador neste sentido para se estabelecer parâmetros e garantias processuais do instituto. (2005, p. 199)

Acrescenta ainda que a imputação da indenização punitiva, por se tratar de direito excepcional, não se pode prescindir de uma base legal nesse sentido. Entretanto no Brasil se pode defender a imposição de indenizações punitivas por meio do art. 945 do Código Civil brasileiro, o qual preceitua que: Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. (GONÇALVES, 2005, p. 202)

Segundo o autor em comento, trata-se da culpa concorrente, onde a lei autoriza o juiz a utilizar um elemento estranho à mera quantificação do prejuízo para o cálculo da indenização nesses casos, introduzindo um elemento punitivo quando desloca o critério da reparação do dano, para a causa da lesão. Se o legislador utiliza a culpa como referencial nesse caso, é porque considera o elemento volitivo, seja da vítima, seja do autor do dano. (GONÇALVES, 2005, p. 202)

Por fim, diz o autor que a aplicação de penas civis é já corrente no Brasil, nas hipóteses de dano moral, individual ou coletivo, das indenizações punitivas múltiplas, do sinal, da cláusula penal, da cláusula resolutiva e do preceito cominatório, podendo-se por isto sustentar que a imposição de uma indenização punitiva não é estranha ao âmbito da responsabilidade civil. (GONÇALVES, 2005, p. 250)

Conclusão

A indenização punitiva conforme observado pela pesquisa efetuada, vem ao passar dos anos adquirindo um maior número de adeptos, tanto na doutrina como na jurisprudência.

Clara é sua função punitiva e preventiva, o que se verificou que a punição em matéria de Direito Civil sofre várias críticas, uma vez que parte da doutrina alega o bis in idem com a condenação do Direito Penal.

Os casos reais trazidos no decorrer deste trabalho podem ilustrar como o punitive damages vem sendo aplicado no passar dos anos, desde a sua criação na Inglaterra em 1.278.

As críticas a esse instituto são recorrentes, entretanto as alegações de falta de propriedade para se punir no Direito Civil, o enriquecimento sem causa e a inconstitucionalidade, são rebatidos de forma fundamentada pela doutrina, demonstrando a possibilidade da utilização da indenização punitiva.

A utilização da indenização punitiva nos casos de responsabilidade objetiva, viu-se que apesar de existir julgamento no TJRS aceitando a aplicação de punição nesse tipo de responsabilidade, a doutrina se posiciona contrariamente, salvo culpa grave ou dolo.

Pode-se verificar também que existe hoje tanto nos nossos tribunais como na doutrina a posição acerca da dupla função do dano moral, ou seja, além de se compensar uma afronta aos direitos da personalidade, também se tem o caráter punitivo e pedagógico.

Decisões do STJ, TJSP, TJDFT e TJRS, demonstraram que a dupla função acima citada é consolidada quando da aplicação e da fundamentação para se compensar esses danos.

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Projeção Direito e Sociedade, volume 8, número 1, ano 2017. 102 Por fim, se verificou que, por meio de um paralelo traçado entre as indenizações punitivas e o nosso Código Civil, esse instituto vem cada vez mais tomando corpo e sendo utilizado com o intuito de desestimular novas condutas ilícitas, bem como de punir o agente causador do dano, observando-se assim um novo paradigma na responsabilidade civil brasileira.

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