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Estado democrático de direito e judicialização da política

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

BRUNO HENRIQUE CANDOTTI

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA NO CENÁRIO BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2012

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BRUNO HENRIQUE CANDOTTI

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Monografia final apresentada ao Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: doutor Gilmar Antônio Bedin

Ijuí (RS) 2012

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Dedico este estudo àqueles resignados

com o atual sistema jurídico/político brasileiro que, contudo, não deixam de acreditar em melhoras e sustentam veementemente que não há outra alternativa senão estudarpontos polêmicos e dignos de debates.

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Agradeço a todos os mestres

responsá-veis pela construção filosófico-jurídica, a qual culminou em uma visão crítica e convergiuna presente investigação.

Também, à minha arraigada família, responsável pela transmissão de valores e princípios merecedores de propagação.

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“Uma cidadania ativa não pode supor a ausência de uma vinculação normativa entre Estado de Direito e democracia. Ao contrário, quando os cidadãos veem a si próprios não apenas como os destinatários, mas também como os autores do seu direito, eles se reconhecem como membros livres e iguais de uma comunidade jurídica.”

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RESUMO

A tradição constitucional brasileira possui já uma longa caminhada. Este percurso é marcado pelo acolhimento do princípio da divisão dos poderes, com exceção da Constituição Monárquica de 1824 (marcada pela existência do Poder Moderador). Desde então o princípio da divisão dos poderes foi mantido e efetivado como um dos pilares do Estado de Direito. Na atualidade, este princípio está claramente presente na Constituição Federal, também chamada de Constituição Cidadã, e é um dos elementos centrais definidores do Estado Democrático de Direito brasileiro. Apesar da centralidade, este princípio está sendo questionado devido à crescente demanda por soluções judiciárias para a concretização de direitos e garantias fundamentais. Deste processo surge a possibilidade do denominado ativismo judicial e a judicialização da política. O fenômeno da judicialização da política é o tema central do presente estudo.

Palavras-chave: Estado. Direito constitucional. Separação dos poderes. Ativismo judicial. Judicialização da política.Democracia.

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ABSTRACT

The brazilian constitutional tradition has a long walk. This route is marked by the acceptance of the principle of division of powers, with the exception of the Monarchic Constitution of 1824 (marked by the existence of the Power Chair). Since then the principle of division of powers was maintained and executed with one of the pillars of the rule of law. In actuality, this principle is clearly present in the Federal Constitution, also called the Citizen Constitution, and is one of the key elements defining the democratic State of law. Despite its centrality, this principle is being questioned because of the growing demand for legal solutions for the realization of fundamental rights and guarantees. This process is the possibility of the so-called judicial activism and judicialization of politics. The phenomenon of the judicialization of politics is the central theme of this study.

Keywords: State. Constitutional law.Separation of powers.Judicial activism.Judicializationofpolitics.Democracy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 O ESTADO MODERNO E O PRINCÍPIO DA DIVISÃO DOS PODERES ... 11

1.1 O Estado Absolutista ... 11

1.2 O Estado Liberal ... 14

1.2.1 Os contornos do Estado Liberal ... 14

1.2.2 O Estado Liberal e o princípio da divisão dos poderes ... 15

1.3 O Estado Democrático de Direito... 19

1.3.1 As marcas do Estado Democrático de Direito ... 19

1.3.2 O Estado Democrático de Direito e o Princípio da Divisão dos Poderes ... 20

1.3.3 A Constituição Federal brasileira de 1988... 23

2 A DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA ... 26

2.1 A democratização da sociedade ... 26

2.2 O ativismo judicial e a judicialização da política... 30

2.3 A judicialização da política e suas consequências ... 35

CONCLUSÃO ... 39

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INTRODUÇÃO

As mudanças na sociedade e no panorama político/jurídico nem sempre são evidentes devido ao tempo em que tais transformação ocorrem. É possível, porém, identificar alguns elementos constantes nesta trajetória. Neste sentido, o tema principal desta monografia teve origem na promulgação da Constituição Federal de 1988 e, apesar de já terem se passado 24 anos, a Carta Magnaainda mantém uma grande atualidade. Esta atualidade justifica a opção de se trabalhar a análise da centralidade do princípio da divisão dos poderes e sua relativização pelo denominado ativismo judicial e pela judicialização da política.

Para tanto foi necessário o estudo da evolução histórica do Estado a partir do Estado Absolutista e, sucessivamente, do Estado Liberal, visando à compreensão da origem do Princípio da Tripartição dos Poderes, que se consolida de forma avançada na Constituição Federal de 1988 no Brasil. Esta que, indubitavelmente, transformou consideravelmente o ordenamento jurídico, político e social, edificando-o sob o princípio da Democracia.

A Constituição Federal de 1988 redemocratizou o país, principalmente em função dos inúmeros direitos fundamentais e a exacerbada preponderância dos princípios norteadores do ordenamento jurídico. Iniciaram-se, contudo, algumas mudanças no quadro onde figuram os Poderes da União, quais sejam, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo. O que infere afirmar que os temas, ora investigados, despertaram com a promulgação da referida Constituição e têm extrema relevância jurídica, política e social, coadunando-se com questões constitucionais.

Uma das principais mudanças foi o destaque conferido ao Poder Judiciário frente aos demais Poderes, tendo em vista sua eficiência quando buscou os direitos fundamentais da sociedade. Além disso, a evolução do sistema de controle de constitucionalidade teve um

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papel importante neste processo, fazendo com que o Brasil alcançasse um grau avançado de democracia e de efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

Partindo da premissa de que quando o Judiciário julga determinado caso, com fulcro basicamente em princípios, aplicando ahermenêutica, ele está inovando juridicamente, eis que surge a controvertida denominação de “Ativismo Judicial”. Contudo, como já dito, tal postura é polêmica. Neste contexto é importante lembrar que existem diversos posicionamentos acerca dela, os quais discutem a legitimidade institucional.

Neste sentido, o Poder Judiciário vê-se constantee incansavelmente legislando, bem como o Poder Executivo atuando por meio de Medidas Provisórias, o que seria atribuição primária do Poder Legislativo. Em que pese haver atualmente uma notável crise institucionalfrente aos inúmeros escândalos longamente difundidos pela mídia nacional, o Judiciário tem sido a válvula de escape para a solução das polêmicas questões de ordem pública.

Outra constatação é a atuação do Poder Judiciário no âmbito das políticas públicas. Não raramente este órgão é chamado para deliberar acerca de temas estritamente políticos, sendo o Supremo Tribunal Federal o protagonista deste cenário. São inúmeros os exemplos bem recentes neste sentido, conforme se pretende demonstrar neste trabalho. Da mesma forma, o estudo visa a debater a legitimidade deste órgão de cúpula para tais decisões, bem como sua legitimidade (e dos problemas que ele gera). Este é o tema central da presente monografia.

Enfim, o trabalho divide-se em dois capítulos, o primeiro dedicado ao estudo, inicialmente, do Estado Absolutista e, em seguida, do Estado Liberal e Estado Democrático de Direito, destacando-se, nos dois últimos, o princípio da Separação dos Poderes. No segundo capítulo foram investigados os fenômenos “Ativismo Judicial” e “Judicialização da Política”, partindo da democratização da sociedade, sucessivamente o surgimento deles, com a devida compreensão de cada um deles e, ao final, suas consequências.

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1O ESTADO MODERNO E O PRINCÍPIO DA DIVISÃO DOS PODERES

Para o devido entendimento das funções do Estado, principalmente no que diz respeito à separação dos Poderes, necessário é o entendimento da trajetória percorrida pelas civilizações até a eclosão dos Estados Democráticos de Direito. O presente trabalho tem como ponto de partida o surgimento do Estado Moderno, entendido como a primeira forma de Estado que compõe uma sociedade civilizada.

1.1 O Estado Absolutista

Registra-se inicialmente que esta época é marcada pela transição do feudalismo ao capitalismo, quando surge a concentração do poder nas mãos da figura dos reis e estes, por sua vez, advêm da vontade de Deus, ou seja, eram fruto da vontade divina. Desta forma, convergem em um sistema que denota o surgimento do Estado, conforme explanado a seguir.

Conturbadas transformações incidiram sobre a cultura e a sociedade na longínqua Idade Média, percebendo-se, com isto, uma convergência para a consolidação “daquilo” que hoje se chamade Estado. Com efeito, estas transformações se iniciaram a partir do enfraquecimento do poder da Igreja na Baixa Idade Média e da crise do Feudalismo com os movimentos chamados de Renascimento e Reforma Protestante.

O surgimento do Estado Moderno ocorreu em função de gradativos acontecimentos da Baixa Idade Média, entre os séculos 13 e 17, tais como a centralização e concentração do poder. Além disso, Bedin (2008, p. 80) salienta a importância de, pelo menos, três outros fatores que impulsionaram a formação do Estado Moderno:

A luta contra os poderes locais e universais da religião como fonte da legitimidade e de identidade do Estado; a constituição dos chamados monopólios estatais (distribuição da justiça, emprego da violência legítima, arrecadação de impostos, etc.); a delimitação territorial e pessoal do Estado moderno. Em relação ao primeiro aspecto, a luta contra os poderes locais e universais, é importante observar que nos séculos XVI e XVII, os monarcas dominaram ou aniquilaram os principais poderes que lhes faziam concorrência.

Desta forma, vaise caracterizando um Estado dotado de autonomia com soberania plena, organizado de forma diversa da sociedade civil, no qual havia um monarca que representava a soberania estatal. Diferentemente da Idade Média, período antecessor ao

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Estado Moderno, cujas principais características são a ligação íntima do homem ao solo em que vive e a dominação do poder pela Igreja, no Estado Moderno o poder da Igreja vai se dissipando e os indivíduos passam a desenvolver novas formas de sobrevivência, as quais não lhes permitem uma vida de forma sedentária (BEDIN, 2008).

Assim, vai se consolidandoo conceito de Estado formado por Perry (1999 apud BEDIN, 2008, p.81), segundo o qual se constitui numa “unidade política autônoma à qual os súditos devem taxas e obrigações. O pré-requisito essencial do conceito ocidental de Estado, tal como se configurou nos primórdios do período moderno, era a ideia de soberania.”

Também nesta seara, Streck e Morais (2010, p.44) definem quatro movimentos que desenvolveram e constituíram o Estado Moderno, quais sejam:

a) de centralização e concentração do poder; b) de supressão ou rarefação e, deste modo, neutralização ou debilitação ao nível societário, das associações e comunidades intermediárias, bem como no âmbito do próprio complexo estatal, das instituições e poderes de nível intermediário dotados de alguma autonomia; c) de redução da população, quaisquer que sejam seus estamentos, classes ou estratos, a uma massa indistinta, anônima, uniforme e indiferenciada de súditos, isto é, à igualdade abstrata de sujeição comum a um poder direto e imediato; e, enfim, d) de um movimento em virtude do qual este poder, o Estado, se destaca, separa e isola da sociedade.

Percebe-se, contudo, que a centralização e a concentração do poder são os mais notáveis movimentos para a consolidação do Estado, pois assim afirma Bedin (2008, p. 83):

Com a cristalização desses dois movimentos, se consolida a noção unitária do

Regnun, que o rei e, em consequência, também o estado materializaram como

realidade histórica ao suplantarem todas as forças concorrentes e ao se apresentarem como corpo político específico, dotado de soberania. Com isto, o Estado moderno está pronto para, do ponto de vista institucional, passar a ser a nova referência de todas as relações políticas, sejam internas ou externas.

É importante mencionar, outrossim, a relevância de outro fenômeno evidenciado na época, que é a Soberania, assim definida por Bodin (apud BEDIN, 2008, p. 109): “é o poder absoluto e perpétuo [...]. É um poder absoluto porque a soberania não é limitada, nem em poder, nem em responsabilidade, nem em tempo e é um poder perpétuo, à medida que é possível conceder poder absoluto a uma ou várias pessoas.”

Não obstante, Bodin (apud BEDIN, 2008, p. 110) ainda menciona atributos específicos à soberania:

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a) direito de dar leis a todos em geral e a cada um em particular; b) direito de declarar a guerra ou de negociar a paz; c) direito de nomear os principais oficiais; d) direito de julgamento em última instância; e) direito de conceder graças aos condenados; f) direito de exigir respeito à fé; g) direito de instituir uma moeda; h) direito de estabelecer pesos e medidas; e i) direito de instituir e cobrar impostos.

Consolidada a forma de Estado, há que relacionar o Poder a uma função, pois para Streck e Morais (2010, p.43):

O rompimento paradigmático da velha ordem medieval para a nova ordem se dá principalmente através da passagem das relações de poder (autoridade, administração da justiça, etc.) – até então em mãos privadas do senhor feudal –, para a esfera pública (o Estado centralizado).

De outra banda,seguem afirmando os autores:

Se na Idade Média o poder político de controle social permanecia em mãos privadas, confundindo-se com o poder econômico, a partir do Estado Moderno e da economia de mercado formalizou-se uma separação relativa entre tais poderes. Com isto, estabelecia-se a dicotomia público-privado ou sociedade civil/sociedade política. É nesse exato sentido que Roth1 lembra que a distinção entre a esfera privada e a pública, a dissociação entre o poderio político e o econômico e a separação entre as funções administrativas, políticas e a sociedade civil, são as principais especificidades que marcam a passagem da forma estatal medieval para o estado moderno. (STRECK; MORAIS, 2010, p. 43).

Streck e Morais (2010, p.46) ainda referem que “a passagem da forma estatal medieval para o Estado Absolutista representou um avanço para as relações sociais e de poder.” Também mencionam que o Estado calca-se na burocracia e no exército, sendo elementos fundamentais, respectivamente, para a manutenção estrutural principal do Estadoque é a soberania.

Por fim, o Estado Moderno começa a ter impasses voltados à democracia, os indivíduos buscam liberdade de consciência e a limitação do poder legal, o que remete ao surgimento de uma nova forma de governo.

1

Cfe. Roth, André-Noël. O direito em crise: fim do estado Moderno? In: FARIA,José Eduardo (Org.).Direito e

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1.2 O Estado Liberal

1.2.1 Os contornos do Estado Liberal

Do século 17 em diante, com o desencadeamento de processos de contradições, inicia-se a transição do modelo governamental de Monarquia Absoluta para o Liberalismo Político, este último remetendoà ideia de “limites”, cujo idealizador principal foi John Locke. Para Streck e Morais (2010, p.52), “é em Locke que vemos a constituição inaugural do perfil do liberalismo político sustentando a necessidade de limitação do poder e das funções do Estado.”

Dessa forma, Streck e Morais (2010, p.55) afirmam:

Poder situar o liberalismo como uma doutrina que foi-se forjando nas marchas e contramarchas contra o absolutismo onde se situa o crescimento do individualismo que se formula desde os embates pela liberdade de consciência (religiosa). Todavia, isso avança na doutrina dos direitos e do constitucionalismo, este como garantia(s) contra o poder arbitrário, da mesma forma que contra o exercício arbitrário do poder legal.

Bonavides (1996, p.42) entende que é o primeiro Estado jurídico guardião das liberdades, e surgiu com a Revolução Francesa. Refere, também, que a foi a burguesia, por meio de contradições principiológicas, quem acordou o povo para a consciência de suas liberdades políticas. Aponta que foi a Revolução Francesa que pontificou o liberalismo nos textos constitucionais.

Com isto, é possível trazer breves definições de liberalismo emitidas por Bobbio (apud STRECK; MORAIS, 2010, p. 56-57), segundo o qual “[...] o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções.” Ou “o liberalismo é uma determinada concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social.”

Verifica-se, portanto, que o Estado Liberal é um modelo governamental em que surgem as primeiras aparições de limites de poder do Estado e nascem as ideias de garantia das liberdades individuais. Provavelmente seja o primeiro momento em que há sinais de democracia.

(16)

Neste sentido, Streck e Morais (2010, p.95) apontam as principais características do Estado Liberal de Direito:

a) Separação entre Estado e Sociedade Civil mediada pelo Direito, este visto como

ideal de justiça;

b) A garantia das liberdades individuais; os direitos do homem aparecendo como mediadores das relações entre os indivíduos e o Estado;

c) A democracia surge vinculada ao ideário de soberania da nação produzido pela

Revolução Francesa, implicando a aceitação da origem consensual do Estado, o que aponta para a ideia de representação, posteriormente matizada por mecanismos de democracia semidireta – referendum e plebiscito – bem como, pela imposição de um controle hierárquico da produção legislativa através do controle de constitucionalidade;

d) O Estado tem um papel reduzido, apresentando-se como Estado Mínimo,

assegurando, assim, a liberdade de atuação dos indivíduos.

Com estas características, o Estado liberal supera o Estado Absolutista e inicia o processo de democratização da soberania e de reconhecimento de direitos e garantias fundamentais.

1.2.2 O Estado Liberal e o princípio da divisão dos poderes

Neste processo as ideias de John Locke tiveram uma importância diferenciada. Locke partiu da teoria dos direitos naturais, afirmando que a existência do indivíduo é anterior ao surgimento da sociedade e do Estado. E que “nesse estado pacífico os homens já eram dotados de razão e desfrutavam da propriedade que, numa primeira acepção genérica utilizada por Locke, designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano.”(MELLO, 2006, p. 84-85).

Quanto à propriedade, Locke (apud MELLO, 2006, p. 85) diz que: “já existe no estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à sociedade, é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado.” Refere também que o homem era naturalmente livre e proprietário de sua pessoa e de seu trabalho, sendo que o limite da propriedade era fixado pela capacidade de trabalho do ser humano.

Com esta concepção de propriedade ele ainda entende que possa haver violação desses direitos e para coibir estes inconvenientes os homens se unem e estabelecem livremente o contrato social que, por sua vez, realiza a transição do estado de natureza para a sociedade política ou civil. Nesse sentido, Mello (2006, p.86) expressa:

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Esta é formada por um corpo político único, dotado de legislação, de judicatura e da força concentrada da comunidade. Seu objetivo precípuo é a preservação da propriedade e a proteção da comunidade tanto dos perigos internos quanto das invasões estrangeiras.

Nesta linhagem Mello (2006, p.87) refere que após estar estabelecido estado civil, em sequência vem a escolha da forma de governo, e que no contrato originário, por unanimidade ganhou lugar o princípio da maioria, no qual prevalece a decisão majoritária, mas são respeitados os direitos da minoria.

Ainda, na concepção de Locke (apud MELLO, 2006, p. 87), “todo o governo não possui outra finalidade além da conservação da propriedade.”E, em seguida, para o autor:

Definida a forma de governo, cabe igualmente à maioria escolher o poder

legislativo, que Locke, conferindo-lhe uma superioridade sobre os demais poderes,

denomina poder supremo. Ao legislativo se subordinam tanto o poder executivo, confiado ao príncipe, como o poder federativo, encarregado das relações exteriores (guerra, paz, alianças e tratados). Existe uma clara separação entre o poder legislativo, de um lado, e os poderes executivos e federativos, do outro lado, os dois últimos podendo, inclusive, ser exercidos pelo mesmo magistrado. (MELLO, 2006, p. 87).

Ademais, Locke ainda reconhece o direito de resistência quando o executivo ou o legislativo violam lei estabelecida e quando atentam contra a propriedade. Mello (2008, p.88) menciona que para a teoria de Locke,“o direito do povo à resistência é legítimo tanto para defender-se da opressão de um governo tirânico como para libertar-se do domínio de uma nação estrangeira.”

Adentrando nas funções exercidas pelos poderes, Locke (apud MELLO, 2006, p. 100) acentua a extensão do poder legislativo, dizendo que “a primeira lei positiva e fundamental de todas as comunidades consiste em estabelecer o poder legislativo enquanto primeira lei natural fundamental, que deve reger até mesmo o poder legislativo.” Menciona também que “esse poder legislativo não é somente o poder supremo da comunidade, mas sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade tenha uma vez colocado.”

Pode-se perceber indícios de democracia pelo que expõe Locke (apud MELLO, 2006, p. 101) sobre o poder legislativo:

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Nem pode qualquer edito de quem quer que seja, concebido por qualquer maneira ou apoiado por qualquer poder que seja, ter força e a obrigação de uma lei se não tiver sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo público; porque, sem isto, a lei não teria o que é absolutamente necessário à sua natureza de lei: o consentimento da sociedade, sobre a qual ninguém tem o poder de fazer leis senão pelo próprio consentimento daquela e pela autoridade dela recebida.

Na percepção de Locke (apud MELLO, 2006), o poder legislativo é aquele “que tem o direito de estabelecer como se deverá utilizar a força da comunidade no sentido da preservação dela própria e de seus membros.” As leis devem ter força constante e duradoura, necessitando, consequentemente, de perpétua execução e observância. Assim, torna-se necessário um poder permanente que acompanhe a execução das leis, qual seja, o executivo.

Locke (apud MELLO, 2006, p. 102) também se refere a um terceiro poder, que diz ser um poder natural de uma comunidade, conferido aos indivíduos quando há controvérsias entre qualquer membro da sociedade e os que estão fora dela. Quando da reparação do dano são empenhados todos os membros da comunidade, surgindo o poder federativo, que assim define: “O poder de guerra e de paz, de ligas e alianças, e todas as transações com todas as pessoas e comunidades estranhas à sociedade, podendo-se chamar ‘federativa’, se assim quiserem.”

No que diz respeito à vinculação entre os poderes, Locke (apud MELLO, 2006) entende que os poderes executivo e federativo, por mais que distintos, não devem separar-se, colocando-se em mãos distintas, em virtude de que a força do público ficaria sob comandos diferentes e, consequentemente, causar desordem, ou nas suas palavras “ruína”.

Importante salientar que Locke (apud MELLO, 2006, p.103) se refere ao legislativo como sendo um poder fiduciário, destinado a entrar em ação para certos fins, e ainda que “cabe ainda ao povo um poder supremo para afastar ou alterar o legislativo quando é levado a verificar que age contrariamente ao encargo que lhe confiaram.”

Mello (2006, p. 103) segue apresentando o parecer de Locke a respeito:

Não é necessário, tampouco conveniente, que o poder legislativo esteja sempre reunido; mas é absolutamente necessário que o poder executivo seja permanente, visto como nem sempre há necessidade de elaborar novas leis, mas sempre existe a necessidade de executar as que foram feitas. Quando o legislativo entregou a execução das leis que fez a outras mãos, ainda tem o poder de retomá-la, se houver motivo, e de castigar por qualquer má administração contra as leis. O mesmo se

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aplica ao poder federativo, já que este e o executivo são ministeriais e subordinados ao legislativo que, conforme mostramos, é supremo em uma comunidade constituída.

Por último, Locke (apud MELLO, 2006) afirma que quando o poder executivo, senhor da força da comunidade, empregá-la para impedir a reunião e a ação do legislativo, ou seja, empregar a força sobre o povo num estado de guerra com o povo, este que tem o direito de reestabelecer o poder legislativo ao exercício dos seus poderes.

No tocante às funções do Estado, traçou-se uma linhagem que eclodiu em um sistema no qual suas funções estão divididas. Nesse sentido Streck e Morais (2010, p.180) se manifestam:

Foi, contudo, com Montesquieu em seu De L´EspritdesLois(1748) que emergiu a percepção de uma tripartição (Executivo, Legislativo e Judiciário) de funções como “poderes” independentes entre si. Entretanto, permanecem obscuras as atribuições a cada um deles.

Para Albuquerque (2006, p. 120) “a teoria dos poderes de Montesquieu se torna vertiginosamente contemporânea”, pois ela teria ligação direta com as teorias democráticas que, por sua vez, impedem que alguma força política possa prevalecer sobre as demais, impedindo a mudança de regras políticas após o início do jogo.

O mesmo autor discorre sobre a teoria dos poderes de Montesquieu, afirmando:

Na sua versão mais divulgada, a teoria dos poderes é conhecida como a separação dos poderes ou a equipotência. De acordo com essa versão, Montesquieu estabeleceria, como condição para o Estado de direito, a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário e a independência entre eles. A ideia de equivalência consiste em que essas três funções deveriam ser adotadas de igual poder. (ALBUQUERQUE, 2006, p.120).

Albuquerque (2006, p. 120) ainda menciona que na teoria de Montesquieu “há uma imbricação de funções e uma interdependência entre o executivo, o legislativo e o judiciário.” Ou seja, há vinculação entre os mesmos e, desta forma, necessidade de outra instância capaz de moderar o poder do executivo. O autor traduz essas palavras, expressando que:

Trata-se, dentro dessa ordem de ideias, de assegurar a existência de poder que seja capaz de encontrar uma instância independente capaz de moderar o poder do rei (executivo). É um problema político, de correlação de forças, e não um problema jurídico-administrativo, de organização de funções.

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Para que haja moderação é preciso que a instância moderadora (isto é, a instituição que proporcionará os famosos freios e contrapesos da teoria liberal da separação dos poderes) encontre sua força em outra base social. (ALBUQUERQUE, 2006, p. 119-120).

Considerando que no Estado Moderno a separação dos poderes atua conjuntamente com o constitucionalismo, limitando o seu poder, surge o sistema de freios e contrapesos (checksand balances), com a finalidade de controlar a reciprocidade entre os três poderes, a fim de salvaguardar a liberdade (STRECK; MORAIS, 2010, p.181).

Os mesmos autores, todavia, mencionam que “as transformações sentidas pelo Estado conduziram a um processo de compartilhamento de atribuições.” (STRECK; MORAIS, 2010, p. 181). Referem que para amenizar estes problemas utilizam-se mecanismos como o de delegar atribuições de um a outro órgão. Contudo, afirmam que atualmente seria preferível falar em colaboração de poderes,

[...] particularmente no âmbito do parlamentarismo e de independência orgânica e harmoniosa dos poderes, quando do presidencialismo, embora mesmo isso sofra os influxos da organização sociopolítico-econômica atual, podendo-se melhor falar em exercício preponderante de certas atribuições por determinados órgãos do poder público estatal ou, como é o caso das funções executivas e jurisdicional no campo da aplicação do direito e ao caso concreto, onde o que diferencia é a maior ou menor eficácia conclusiva do ato praticado ou da decisão. (STRECK; MORAIS, 2010, p. 182).

Desta forma, o Estado Liberal chega ao seu limite e uma nova etapa do Estado Moderno está se formando: a denominada etapa do Estado Democrático de Direito e seus avanços.

1.3 O Estado Democrático de Direito

1.3.1 As marcas do Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito surge marcado por várias conquistas democráticas. Neste sentido, incorpora as conquistas do Estado Liberal e avança significativamente rumo ao reconhecimento de novos direitos e de novas prerrogativas. Desta forma, convém lembrar, com base em Streck e Morais (2010, p.98-99), que este tipo de Estado é marcado por:

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a) Constitucionalidade: vinculação do Estado Democrático de Direito a uma constituição como instrumento básico de garantia jurídica;

b) Organização Democrática da Sociedade;

c) Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos, seja como Estado de distância, porque os direitos fundamentais asseguram ao homem uma autonomia perante os poderes públicos, seja como um Estado antropologicamente amigo, pois respeita a dignidade da pessoa humana e empenha-se na defesa e garantias da liberdade, da justiça e da solidariedade;

d) Justiça Social como mecanismos corretivos das desigualdades;

e) Igualdade não apenas como possibilidade formal, mas também como articulação

de uma sociedade justa;

f) Divisão de poderes ou de funções;

g) Legalidade que aparece como medida do direito, isto é, através de um meio de

ordenação racional, vinculativamente prescritivo, de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência;

h) Segurança e certezas jurídicas.

Na tentativa de conceituar o Estado Democrático de Direito vêm à tela as palavras de Coelhoet al. (2009, p.171), os quais o entendem como:

[...] a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama, entre outras, a Constituição brasileira.

Todo o enunciado anteriormente exposto revela pontos relevantes à presente investigação. O constitucionalismo e a divisão dos poderes, no entanto, são os pontos mais fundamentais ao estudo, motivos que levam a expor, a seguir, a caracterização da vinculação do Estado à constituição e do princípio da separação dos poderes frente às funções do Estado.

1.3.2 O Estado Democrático de Direito e o Princípio da Divisão dos Poderes

No Brasil tem-se atualmente uma constituição fortemente dirigente2, e segundo palavras do Ministro Eros Grau (apud STRECK; MORAIS, 2010, p. 106):

a Constituição do Brasil não é um mero ‘instrumento de governo’, enunciador de competências e regulador de processos, mas, além disso, enuncia diretrizes, fins e programas a serem realizados pelo Estado e pela sociedade [...] um plano global normativo da sociedade [...].

Inevitável tecer, entretanto, algumas considerações acerca da linha evolutiva traçada pelo governo brasileiro até o surgimento da atual Constituição Federal. Inicia-se pela era

2

“A constituição dirigente é o estatuto jurídico do político, o plano global normativo do Estado e da comunidade.” (CANOTILHO apud BULOS, 2009, p. 21).

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deDom Pedro I, que no ano de 1823 dissolveu o Poder Constituinte e, temendo limitações, passou a elaborar a primeira Carta Magna do Brasil de forma, evidentemente, autocrática.

A primeira Constituição do Brasil, outorgada em 1824, ficou caracterizada por atender diretamente aos interesses do Rei, e em sua construção não houve participações políticas a não ser as impostas pelo soberano. Surgiu, assim, além dos três tradicionais Poderes(Legislativo, Executivo e Judiciário), o Moderador, concedendo amplos poderes políticos ao Imperador, conforme art. 10 da Constituição vigente à época:

Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.

As principais características apresentadas por este Poder referem-se à capacidade concedida ao Imperador para anular, desfazer ou modificar as decisões tomadas pelos outros Poderes. Por outro lado, o sistema eleitoral, organizado de forma indireta, previa que para ter direito ao voto o cidadão deveria ser do sexo masculino, ter mais de 25 anos de idade e auferir renda mínima de 100 mil-réis anuais.

Como exemplo dos amplos poderes exercidos pelo Imperador, transcreve-se os seguintes artigos:

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e ao seu Primeiro Representante, para que incessantemente velem sobre a manutenção da Independência, equilíbrio e harmonia dos demais Poderes Políticos.

[...]

Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador [...]

VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do art. 154.

Art. 154. O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra elles feitas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informaçãonecessaria, e ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são concernentes, serão remettidos á Relação do respectivo Districto, para proceder na fórma da Lei. [sic].

Julgando ser esta a principal característica que marcou o Brasil Império, além da forma de governo monárquico-hereditária, os demais pontos não merecem ênfase no presente estudo, uma vez que o Poder Moderador sobressaifrente aos demais que têm relação com o presente tema. Ademais, é importante compreender algumas particularidades da época em que o fato se sucede, qual seja, o Brasil Republicano.

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Esta época destaca-se pela proclamação da República Federativa do Brasil, liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, em 15 de novembro de 1889. E, pela presidência fortemente ligada ao setor agrário, em que se vislumbram os ditames que orientaram o desenvolvimento da Constituição de 1891.

Nesta Constituição desaparece o Poder Moderador, avançando muito no sentido político, mas apresentando limitações diante do veemente zelo pelos interesses da elite agrária. Há que considerar, contudo, a influência norte-americana no que diz respeito ao controle de constitucionalidade.

Quanto à evolução das sucessoras constituições merece destaque a separação de poderes e o controle de constitucionalidade. As Constituições brasileiras de 1934, 1946, bem como a ditatorial de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, enfatizavam em seus textos que no Brasil fosse dada continuidade à divisão clássica dos poderes, instituída por Montesquieu. Conclui-se, assim, que essas legislações consagram a divisão tripartite dos Poderes.

Como já citado anteriormente, reafirma-se que a divisão de Poderes no Estado brasileiro tem seu fundamento na Teoria Clássica de Locke e Rousseau. Assim, as lições de Silva (2010, p. 109) são elucidativas:

O princípio da separação dos Poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina da separação de poderes que afinal, em termos diversos, veio a ser definida e divulgada por Montesquieu. Teve objetivações positivas nas Constituições das ex-colônias inglesas da América, concretizando-se em definitivo na Constituição dos Estados Unidos de 17.9.1787. Tornou-se, com a Revolução Francesa, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes, tal a compreensão de que ela constitui técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.

Finalmente, quando se trata do controle de constitucionalidade, todos os textos, sem exceção, contemplam que a fiscalização das leis que não se coadunam com as normas constitucionais terão sua apreciação realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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1.3.3 A Constituição Federal brasileira de 1988

Posteriormente, em 1988, surge a nova Constituição Federal do Brasil, marcada demasiadamente pela proteção dos direitos individuais e sociais, eis que Barroso afirma que “a experiência política e constitucional no Brasil, da independência até 1988, é a melancólica história do desencontro de um país com a sua gente.” Assegura ainda que “a falta de efetividade das sucessivas constituições brasileiras decorreu do nãoreconhecimento da força normativa aos seus textos e da falta de vontade política de dar-lhe aplicabilidade direta e imediata.” (apudALMEIDA, 2011, p. 19).

Para Barroso (apud ALMEIDA, 2011, p. 19), a Constituição de 1988 é o marco do novo direito constitucional, assim discorrendo:

No caso brasileiro, o renascimento do direito constitucional se deu, igualmente no ambiente da reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e promulgação da Constituição de 1988. Sem embargo de vicissitudes de maior ou menor gravidade no seu texto, e da compulsão com que tem sido emendada ao longo dos anos, a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento, para um Estado democrático de direito.

Para Maciel e Koerner (2002, p. 123-124),

Ao contrário do constitucionalismo liberal, que seria marcado pela defesa do individualismo racional, a garantia limitada dos direitos civis e políticos e clara separação dos poderes, o constitucionalismo democrático priorizaria os valores da dignidade humana e da solidariedade social, a ampliação do âmbito de proteção dos direitos e a redefinição das relações entre os poderes do Estado.

Os autores mostram, de forma clara, a existência de abstração quando da consolidação desses princípios, o que é pormenorizado a seguir.

Este novo modelo constitucional traz consigo a valorização dos princípios e dos direitos fundamentais, sendo materializados na Constituição Federal de 1988 e, consequentemente, impondo uma nova forma de interpretação pelo Poder Judiciário, de modo que todo ordenamento jurídico passa a ser interpretado à luz dos princípios nela incluídos. Considerando os princípios como normas abertas, segue o entendimento de Barroso(apudALMEIDA, 2011, p. 22) a esse respeito:

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Com efeito, neste novo modelo, o constituinte opta pelas denominadas cláusulas abertas ou conceitos jurídicos indeterminados no qual os intérpretes – juízes e demais operadores jurídicos – tornam-se coparticipantes do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.

E, ainda discorrendo acerca das normas abertas, Barroso(apud ALMEIDA, 2011, p. 23)leciona que:

No Direito contemporâneo, a Constituição passou a ser compreendida como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivo, no qual as ideias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. Rememore-se que o modelo jurídico tradicional fora concebido apenas para a interpretação e aplicação de regras. Modernamente, no entanto, prevalece a concepção de que o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e princípios, nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça do caso concreto.

Pode-se dizer que os princípios são alicerces capazes de sustentar o ordenamento jurídico e político do Estado, tornando-se fundamentais para a sociedade pelo fato de serem norteadores das principais garantias e direitos individuais e sociais. Sem dúvida, os princípios são, segundo Bonavides(2010, p. 274), ao citar Farias, “Uma ideia, todavia, retorna com frequência, se não exclusiva, decerto preponderante: os princípios são a alma e o fundamento de outras normas. Substancialmente é a ideia de fecundidade do princípio aquela que se acrescenta à de mera generalidade.” E, no mesmo sentido, Farias adorna:

A forma jurídica mais definida mediante a qual a fecundidade dos princípios se apresenta é, em primeiro lugar, a função interpretativa e integrativa. O recurso aos princípios se impõe ao jurista para orientar a interpretação das leis de teor obscuro ou para suprir-lhes o silêncio. Antes ainda das Cartas Constitucionais, ou melhor, antes que, sob o influxo do jusnaturalismo iluminista, máximas jurídicas muito genéricas se difundissem nas codificações, o recurso aos princípios era já uma necessidade para interpretar e integrar as leis. (apudBONAVIDES, 2010, p. 274).

Para relevar, contudo, de forma mais impetuosa, a importâncias que hoje se dá aos princípios, Bonavides (2010, p. 294) emite sua percepção:

Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São, qualitativamente, a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma constituição.

Assim, é indubitável sua supremacia e, logo, vislumbra-se a forma como se insere no presente tema.

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Infere-se, portanto, que quando da aplicação e interpretação das normas ditas “abertas”, principalmente os princípios, o intérprete, que no caso é o Juiz, acabada inovando juridicamente, pois é necessário um juízo de valor quando da sua aplicação.“A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.” (HESSE, 1991, p. 22-23). E, desta forma, urgem os fenômenos que serão objeto de estudo do próximo capítulo.

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2 A DEMOCRATIZAÇÃO DA SOCIEDADE E A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Após longínquo período de conquistas políticas alcançadas pela sociedade brasileira, foi a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 que se iniciou um período de verdadeira consolidação de seus direitos fundamentais. A democratização da sociedade é uma das características mais marcantes desta Constituição. Neste capítulo serão explanadas as consequências da instituição desta Constituição para a sociedade.

2.1 A democratização da sociedade

A afirmação do Estado Democrático de Direito ocorre de forma concomitante à democratização da sociedade e à massificação dos conflitos. Este processo impulsiona a necessidade de maior iniciativa dos poderes constituídos, em especial do Poder Judiciário. Por isso, refere Ramos (2010, p. 111), “o Estado democrático de direito nasce sob o signo da juridicização do Poder”, ou seja, institucionaliza os Poderes, submetendo-os às formas prescritas na Constituição. Eis que surge o Estado constitucional submetido, inegavelmente, ao princípio da separação dos Poderes, os quais são capazes de identificar as principais funções a serem exercidas pelo Estado.

Além dessas características, a Constituição Federal brasileira de 1988 veio com o condão de redemocratizar o país, trazendo consigo fatores determinantes que oportunizaram o “Ativismo Judicial”, cujas linhas são descritas por Barroso (2010, p.3):

No Brasil, a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988, que nos últimos 20 anos recuperou as garantias da magistratura, e revolucionou o papel do Judiciário, que deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou numa verdadeira “função” política, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros “Poderes” e outros interesses. Ou seja, depositou-se no judiciário atual a esperança democrática moderna, e muniu-se, esse mesmo judiciário, com instrumentos dilapidados e até ausentes de democracia. Mas a ampliação destes aparelhos determinou, para além e contra as intenções, um incremento dos poderes do juiz, que patologicamente possui uma legislação inflacionada em alguns setores e deficitária, para não dizer inativa, em outros.

Ramos (2010, p. 268) sinaliza que “o primeiro elemento de impulsão do ativismo judiciário está relacionado ao modelo de Estado que o constitucionalismo pátrio vem prestigiando desde a Carta de 1934: o do Estado democrático-social, de perfil intervencionista”. Aponta o propósito democrático com a oportunização da participação

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cidadã, concluindo que o sistema político estruturado pela Constituição está ligado ao welfarestate, qual seja, um Estado que tudo providencia, bem como em tudo intervém.

Em suas palavras, Ramos (2010, p. 271) infere que este modelo de Estado-providência é justamente propulsor do Ativismo Judicial:

ao Poder Judiciário deveria caber, nesse modelo, o controle jurídico da atividade intervencionista dos demais Poderes. No entanto, sobre ele também recaem as expectativas e pressões da sociedade no sentido da mais célere possível consecução dos fins traçados na Constituição, incluindo a imediata fruição dos direitos sociais [...]. (RAMOS, 2010, p. 271).

Para melhor elucidar, Ramos (2010, p. 271) apresenta o entendimento de Cappelleti a este respeito:

O principal fator que leva os juízes a atuarem de modo mais criativo (no limite, chegando ao ativismo) é a grande transformação do papel do direito e do Estado na moderna “sociedade do bem-estar”: mais cedo ou mais tarde, no entanto, como confirmou a experiência italiana e de outros países, os juízes deverão aceitar a realidade da transformada concepção do direito e da nova função do estado, do qual constituem também, afinal de contas, um “ramo”. E então será difícil para eles não dar a própria contribuição à tentativa do Estado de tornar efetivos tais programas, de não contribuir, assim, para fornecer concreto conteúdo àquelas “finalidades e princípios”: o que eles podem fazer controlando e exigindo o cumprimento do dever do Estado de intervir ativamente na esfera social, um dever que, por ser prescrito legislativamente, cabe exatamente aos juízes fazer respeitar.

Com isto, em determinadas situações, o Poder Judiciário passou a assumir “as vezes” do Legislativo, suprindo o que foi deixado para trás por aquele. Pode-se referir,neste sentido, “que os limites impostos pelo legislador são claramente ultrapassados, configurando-se, pois, desvio de função por parte do órgão jurisdicional.” (RAMOS, 2010, p. 110). Porquanto, nesta seara, o autor tece as seguintes considerações:

Ao fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. (RAMOS, 2010, p. 116).

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Nos últimos anos, uma persistente crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral.

Ressalta-se que com o advento da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário, visivelmente, passou a se destacar na sociedade brasileira, tendo em vista, principalmente, o fato deste poder ter sido incumbido de zelar por valores constantes do texto constitucional.

Isto se dá devido ao que o autor denomina como sendo a judicialização da vida, o que significa que as questões abastadas de repercussão política e social, que deveriam ser decididas pelas instâncias políticas tradicionais, quais sejam, o Congresso Nacional e o Poder Executivo, estão sendo deliberadas pelos órgãos do Poder Judiciário. As causas disto, certamente, advêm de uma tendência mundial e do modelo institucional brasileiro.

Considerando que a causa mais relevante da judicialização foi a redemocratização do país, Barroso (2010) considera, também, a constitucionalização abrangente e o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade como causadores dos fenômenos. Para ele,

a constitucionalização abrangente [...] trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária [...] a Carta brasileira é analítica, ambiciosa, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. (BARROSO, 2010, p. 4).

No que tange ao controle da constitucionalidade, é salutar referir que o sistema brasileiro é um dos mais abrangentes do mundo, denominado “híbrido” ou misto, o qual combina aspectos do sistema americano e europeu. Assim, unindo o controle incidental e difuso com o controle por ação direta, pelo primeiro “qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional”, e pelo segundo “permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal.” (BARROSO, 2010, p. 4).

A Constituição Federal de 1988 inovou, consideravelmente, quanto ao controle de constitucionalidade, ressaltando que tais inovações modernizaram o sistema, bem como ensejou, visivelmente, a democratização. Nas palavras de Bonavides (2010, p. 325): “Em nosso sistema constitucional, o emprego e a introdução das duas técnicas traduzem de certo

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modo uma determinada evolução doutrinária e institucional, que não deve passar despercebida.”

As “duas técnicas” de controle, citadas pelo autor, são o controle por via de exceção e o controle por via de ação. Porquanto, a primeira trata-se de um meio menos amplo, aplicado pelo recurso extraordinário e mandado de segurança. A segunda estende, amplamente, os meios para atacar inconstitucionalidades. Desta forma salienta Bonavides (2010, p. 330):

A via de ação tomou, em consequência, um perfil definido: toda lei de nosso ordenamento jurídico, a partir da aplicação do novo dispositivo constitucional, poderia ser objeto de um exame de constitucionalidade, mediante uma ação direta ou específica, destinada exclusivamente a liquidar o ponto controverso. A lei em tese, abstratamente, desvinculada da via incidental, era passível, portanto, de verificação de constitucionalidade, sendo competente para o exercício dessa ação Procurador-Geral da República.

Também são significativas as lições de Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 1054) ao referirem que:

A Constituição de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade incidental e difuso ao ampliar, de forma marcante, a legitimação para propositura da ação direta inconstitucionalidade (art. 103), permitindo que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo Tribunal Federal mediante processo de controle abstrato de normas.

Pelo exposto, merece destaque o art. 103 da Constituição Federal de 1988, anteriormente referido:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) I - o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004);

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004);

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Por derradeiro, infere-se do exposto que os fenômenos ora estudados começam a confundir-se, principalmente pela falta consensual de conceituação. É possível, contudo, diferenciá-los, apesar das divergentes correntes doutrinárias, passando-se a expor suas principais características e, principalmente, o princípio que ensejou as hodiernas correntes doutrinárias.

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2.2 O ativismo judicial e a judicialização da política

Dito isto, já é possível colacionar um amplo conceito de “Ativismo Judicial” a partir do entendimento de Ramos (2010, p. 129), que assim expressa:

deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos).

Limitando-se ao breve conceito acima exposto, é necessário trazer à tela o entendimento de outros autores a fim de complementar o exposto por Ramos (2010), partindo inicialmente de Barroso (2010, p.6):

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política.[...] Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

Barroso (2010) faz entender que o ativismo não é fato, mas sim atitude. Ocorre quando há déficit ou retração de outros Poderes, permitindo que o Judiciário aplique princípios, principalmente visando a preencher lacunas, diante de situações que não estão previstas em lei. Desta forma, inovajuridicamente e se tornaprotagonista no cenário.

Ainda no mesmo sentido, e com o intuito de pormenorizar a matéria,Barroso (2010, p. 6) refere que “a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais.”Apresenta três condutas como sendo justificadoras da postura ativista:

(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas

em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário;

(ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do

legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição;

(iii)a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

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Por final, sinaliza Barroso (2010), o oposto de ativismo é a autocontenção judicial, a qual se exprime de modo que o Judiciário torna exígua a interferência nos demais Poderes, principalmente abstendo-se de interferir na definição de políticas públicas. Em suma, o ativismo visa a colher o potencial máximo do texto constitucional, enquanto a autocontenção aponta no sentido de favorecer as instâncias políticas, reduzindo a incidência da Constituição.

A este respeito se manifesta Gomes (apud ALMEIDA, 2011, p. 6), afirmando que “para Arthur Schlesinger há ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a Constituição no sentido de garantir direitos.”O autor segue afirmando que “se a Constituição prevê um determinado direito e ela é interpretada no sentido de que esse direito seja garantido, não há ativismo, mas sim, judicialização do direito considerado.” (GOMES apud ALMEIDA, 2010, p. 6). Ainda, segundo o autor, o ativismo ocorre sempre que o juiz inventa uma norma, cria um direito, ou inova o ordenamento jurídico. Além disso, cita duas espécies de ativismo judicial: o inovador, no caso de o juiz criar uma norma, e o ativismo revelador. Nesse último o juiz também irá criar uma regra, um direito, contudo com base em princípios constitucionais ou na interpretação de uma norma lacunosa.

Quanto à origem do Ativismo Judicial não há nenhuma corrente que lidere a produção científica do tema nem mesmo teorias pétreas que orientem a sua investigação. Sabe-se, porém, de antemão, que sua origem faz alusão com a jurisprudência norte-americana, conforme dispõe Barroso(2010, p. 7):

Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. BoardofEducation, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973).

Em que pese o entendimento acima referido ser um dos mais conhecidos, há que referir as posições que o controvertem, tais como os citados por Almeida (2011, p.5):

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Vanice Regina Lírio do Valle assevera que o termo ativismo judicial, conquanto se refira ao meio jurídico, nasceu com a publicação de um artigo na revista americana Fortune, pelo jornalista americano Arthur Schlesinger, numa reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos, no qual ele traçou o perfil dos nove juízes da Suprema Corte. Ainda, segundo a autora, desde então o termo vem sendo utilizado, normalmente, em uma perspectiva crítica quanto à atuação do poder judiciário.

Neste mesmo sentido também leciona Almeida (2011, p. 5):

Em sentido contrário, Carlos Eduardo de Carvalho afirma que o vocábulo ativismo judicial, de acordo com investigação sobre a sua origem, foi empregado, pela primeira vez em 1916, na imprensa belga. Porém, foi consagrado nos Estados Unidos da América, em face da postura adotada pela Suprema Corte no julgamento de determinados casos, que tiveram efeitos mais abrangentes. Além do que, conforme citado pelo autor, apoiado nas lições de Dierle José Coelho Nunes, tal vocábulo já era utilizado e defendido desde o final do século XIX.

Percebe-se, portanto, que não há consenso quanto à origem do Ativismo Judicial. Sabe-se, contudo, como refere Valle (apud ALMEIDA, 2011, p. 5), que

no enunciado da primeira referência, a ênfase se dá ao elemento finalístico, o compromisso com a expansão dos direitos individuais; no da segunda, a tônica repousa em um elemento de natureza comportamental, ou seja, dá-se espaço à prevalência das visões pessoais de cada magistrado quanto à compreensão de cada qual das normas constitucionais. A dificuldade ainda hoje subsiste, persiste o caráter ambíguo que acompanha o uso do termo, não obstante sê-lo um elemento recorrente tanto da retórica judicial quanto de estudos acadêmicos, adquirindo diversas conotações em cada qual desses campos.

Enfim, mesmo não conhecendo sua origem, o fenômeno é reconhecido mundialmente e se destaca nos mais diversos países, conforme cita Barroso (2010, p. 2):

De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coreia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment. Todos estes casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo.

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Não obstante, é primordial referir o sistema commomlaw, que é o sistema jurídico pátrio dos Estados Unidos e da Inglaterra, em que a jurisprudência é a principal fonte do direito. O fato, substancialmente, favorece ao Ativismo Judicial, uma vez que o sistema bastante se aproxima da função legislativa. O tribunal é competente para exercer a função legislativa, criando uma norma individual e a validando unicamente para o caso, salvo seu efeito de precedente.

Cappeletti (apud RAMOS, 2010, p. 110) afirma que no sistema de commom Law os precedentes assumem posição declarativa ou criativa, interferindo diretamente na maneira como os juízes e tribunais aplicam o direito legislado, e afirma: “o direito legislativo é visto em certo sentido como fonte excepcional do direito.”Ramos (2010, p. 110) assim complementa:

Diante do exposto, resta compreensível porque nos sistemas de commomlawse adota uma conceituação ampla de ativismo judicial, que abarca desde o uso da interpretação teleológica, de sentido evolutivo, ou integração de lacunas, em que o Poder Judiciário atua de forma juridicamente irrepreensível, até as situações (raras, na perspectiva jurisprudencial da família anglo-saxônica) em que os limites impostos pelo legislador são claramente ultrapassados, configurando-se, pois, desvio de função por parte do órgão jurisdicional [...]. Ao contrário, invariavelmente o ativismo é elogiado por proporcionar a adaptação do direito diante de novas exigências sociais e de novas pautas axiológicas, em contraposição ao “passivismo”.

Outro fator determinante, neste sentido, foi o Federalismo norte-americano, o qual conferia o controle à Constituição pelo judicial review, sendo este um sistema de revisão judicial/fiscalização pela Suprema Corte e pelos Juízes, tendo eles poderes para invalidar leis inconstitucionais.

No que tange à Judicialização da Política, há que se considerar tratar-se de um “fato” que sucede do modelo constitucional adotado, representando-se, principalmente, pela transferência de poder político para o Judiciário. Pode-se dizer que se trata do enfrentamento de temas essencialmente políticos pela Corte. Isto é, uma “judicialização dos conflitos que acaba por tornar cada vez mais o Poder Judiciário inserido em grandes problemas políticos nacionais, o que lhe dá proeminência e possibilita o controle judicial do jogo político.” (BARCELOS, 2011, p. 20).

É relevante colacionar, outrossim, o entendimento de Streck e Morais (2009, p. 15) para minuciar a diferenciação entre os fenômenos:

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