2355 OS (DES)CAMINHOS DO GOVERNO ITAMAR FRANCO REPRESENTADO
POR MEIO DA CHARGE
Rafael Lugli Rodrigues (Universidade Estadual de Londrina)
Resumo: Ao assumir a Presidência da República, após o impeachment de Fernando Collor de Mello, o até então vice-presidente Itamar Franco buscou compor um entendimento político nacional em torno de seu governo, com vistas a recuperar a credibilidade das instituições e dos políticos. Porém, pelas circunstâncias como assumiu o cargo, Itamar Franco e toda a sua equipe de governo foram vistos com desconfiança. No decorrer de seu governo, várias ações políticas e pessoais foram alvos de críticas, dentre elas a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o relançamento do fusca, até que Itamar Franco lançou as bases, pelas mãos de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, de um plano econômico que viria proporcionar a tão almejada estabilidade econômica e monetária; estamos nos referindo ao Plano Real. Toda essa história, marcada por exageros e controvérsias, foi registrado com humor por meio da charge. Esse artigo, desenvolvido como parte de um projeto de iniciação científica, teve como objetivo analisar os principais fatos econômicos, políticos e sociais do governo Itamar Franco (1992-1994) a partir das charges publicadas na imprensa brasileira. As análises seguiram uma metodologia de análise do discurso chárgico e o que se pode verificar é que elas apresentam uma excelente síntese crítica da conjuntura da sociedade brasileira no final da primeira metade da década de 1990.
Palavras-chaves: Governo Itamar Franco; charge; imprensa brasileira. Financiamento: Fundação Araucária/PIBIC
2356 Introdução
Esta iniciação científica, que contou com o financiamento da Fundação Araucária, teve como objetivo compreender a história do governo Itamar Franco por meio da análise das produções chárgicas publicadas na imprensa brasileira.
No final do ano de 1992, após o afastamento do então presidente Fernando Collor de Mello, o seu vice, Itamar Franco, assumiu a Presidência. As circunstâncias nas quais Itamar assumiu o cargo de chefe de Estado causaram desconfiança por parte de inúmeros setores da sociedade, em especial, os setores de oposição ao governo Collor.
Itamar Franco ficou marcado por seu estilo despreocupado de lidar com a vida pessoal e política. Talvez, por isso, seu mandato tenha recebido pouca atenção por parte dos pesquisadores acadêmicos. Entretanto, ações ou situações políticas importantes aconteceram durante o seu governo, como por exemplo, a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o relançamento do Fusca como opção de carro popular, o plebiscito para a escolha da forma e do sistema de governo, o debate em torno da revisão constitucional e a criação do Plano Real. Em relação a esta ultima questão, vale lembrar que Itamar Franco contou com a efetiva articulação de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que viria a se tornar candidato a presidente da República e seu imediato sucessor.
Em nosso estudo, nos debruçamos sobre as charges publicadas na imprensa brasileira a respeito do governo Itamar Franco a fim de verificar como o período foi compreendido e, consequentemente, retratado nas imagens.
Materiais e métodos
Para possibilitar a realização de uma análise adequada da produção chárgica referente ao governo Itamar Franco foi desenvolvido, inicialmente, e em conjunto com os demais integrantes do projeto de pesquisa, uma contextualização histórico-social do governo Itamar Franco, levando em consideração a definição de pesquisa bibliográfica proposta por Ida Stumpf (2006, p.51) como “um conjunto de procedimentos que visa identificar informações e selecionar os documentos
2357 pertinentes ao tema estudado e proceder à respectiva anotação ou fichamento [...] para que sejam posteriormente utilizados na redação do trabalho acadêmico”.
Como tarefa específica da iniciação científica, foram selecionadas algumas produções iconográficas da imprensa brasileira referentes ao período do governo Itamar Franco. Além de uma seleção de imagens obtidas diretamente no acervo online de alguns veículos de comunicação da grande imprensa da época, bem como de charges publicadas na imprensa sindical encontradas no acervo da Hemeroteca Sindical do Curso de Especialização em Comunicação Popular e Comunitária da Universidade Estadual de Londrina, utilizamos de maneira especial a coletânea de charges intitulada “Era Itamar: 100 charges”, publicada pela Folha de S.Paulo em 1993.
Para a realização das análises, com a aplicação da metodologia de análise do discurso chárgico, foram levados em consideração aspectos como as condições de produção sociopolíticas, a caracterização dos chargistas, o veículo em que cada imagem foi publicada e os elementos estruturais, verbais, contextuais e narrativos de cada charge.
Análises Chárgicas
Para a produção do presente artigo, selecionamos e analisamos algumas charges publicadas no livro Era Itamar: 100 Charges, publicado pelo jornal Folha de São Paulo no ano de 1993. Tais obras foram produzidas por dois chargistas brasileiros: Glauco Villas-Boas e Arnaldo Angeli Filho.
2358 Charge 1
Fonte: Folha de S. Paulo (1992, p. 13)
A charge acima se remete ao início do governo interino do ex-presidente Itamar Franco. O perfil do ex-presidente junto à conjuntura política da época fez com que ele não tivesse a legitimidade moral de chefe de Estado. Apesar de ter assumido a presidência interinamente de maneira legal, as autoridades não o enxergavam como presidente.
2359 Charge 2
2360 A obra chárgica acima se remete justamente ao perfil de Itamar Franco. O político mineiro conduzia a política de maneira provinciana e com morosidade nos momentos decisórios, características diferentes das esperadas de um chefe de Estado.
Charge 3
2361 Uma das decisões mais polêmicas do governo de Itamar Franco foi a de voltar a fabricar o Fusca, modelo de carro já fora de linha. A proposta era fabricar um carro popular, ou seja, mais acessível às classes baixas.
Charge 4
2362 Esta obra de Glauco retrata dois pontos que citamos neste artigo: o fusca, carro o qual Itamar está dirigindo na charge; e a morosidade e inércia de seu governo.
Charge 5
2363 Esta charge de Angeli retrata a articulação para construir uma imagem positiva de Fernando Henrique Cardoso, o qual seria eleito Presidente da República nas eleições de 1994. O papel de FHC como Ministro da Fazenda e a criação do Real foram os fatores que evidenciaram o nome do político e proporcionaram sua eleição. A demostra a ascensão de Cardoso e reforça a passividade de Itamar Franco.
Resultados e Discussão
Depois de intensivas leituras e discussões coletivas do material bibliográfico, vários exercícios de análise de charge foram realizados. Os principais fatos econômicos, políticos e sociais do governo Itamar Franco foram identificados nas charges e, a partir do contexto de cada veículo de comunicação analisado, procuramos perceber as especificidades e as diferentes perspectivas políticas retratadas.
A imprensa sindical procurou revelar as mazelas do governo Itamar Franco, principalmente, em razão de sua posição crítica em relação ao “novo” governo. As vacilações do presidente diante de questões fundamentais para o interesse dos trabalhadores, como o combate ao desemprego e a garantia dos direitos trabalhistas, bem como a sua decisão de dar continuidade ao processo de privatizações do governo anterior, a exemplo da privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), foram temas recorrentes nas charges da imprensa sindical. A falta de atitudes mais contundentes diante da crise política e econômica do país, a inoperância em relação a ações sociais mais incisivas, os escândalos que tomaram conta da cena política brasileira da época e as situações cotidianas que envolveram a figura do presidente também rechearam, com crítica e humor, as páginas dos periódicos sindicais.
Em relação à grande imprensa, Itamar Franco também era personagem frequente nas charges. Essa presença passou a ser dividida com Fernando Henrique Cardoso quando este assumiu o Ministério da Fazenda e lançou as bases do Plano Real. No entanto, as charges publicadas nos veículos da grande imprensa procuravam muito mais apresentar curiosidades do cotidiano da economia e da
2364 política brasileiras do que, propriamente, apresentar uma crítica à conjuntura da época. Na coletânea “Era Itamar: 100 charges”, que oferece uma boa síntese do que foi produzido de charges no jornal Folha de S.Paulo - e também é representativo do que se produziu nos demais veículos da grande imprensa -, a comicidade das situações retratadas pareceu ser o principal objetivo da referida produção chárgica.
Conclusões
Apesar da importância política do governo Itamar Franco (1992-1994), por ter sucedido um governo marcado por um processo de impeachment, e ter alçado Fernando Henrique Cardoso ao cenário político, que acabou se tornando presidente da República por oito anos, verificamos que houve menor exploração iconográfica do próprio presidente e de suas ações. Vários episódios importantes do período não chegaram a receber a atenção por parte dos chargistas.
Do conjunto de charges analisado, a principal conclusão a ser apresentada é que houve uma diferença significativa de perspectiva crítica entre as charges publicadas na grande imprensa daquelas publicadas na imprensa sindical. Uma ampliação no corpus de análise poderia revelar outras perspectivas e que passou a ser uma possibilidade de continuidade para esta pesquisa.
Referências
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PAIVA, Denise. Era outra história: política social do governo Itamar Franco 1992-1994. Juiz de Fora. MG: Editora UFJF/FAP, 2009.
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