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O SENHOR DOS ANÉIS NO BRASIL: Uma análise a partir dos Estudos Descritivos da Tradução

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Academic year: 2021

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Janandréa do ESPÍRITO SANTO (PGET/UFSC)

janejane112@hotmail.com

Resumo: O presente artigo tem como objetivo fazer um breve estudo sobre as traduções da obra The Lord of

the Rings, de Tolkien, publicadas no Brasil. Há, até o presente momento, duas versões brasileiras: a primeira,

traduzida por Antônio Ferreira da Rocha e Luiz Alberto Monjardim, publicada pela Editora Artenova a partir de 1974 e a segunda, traduzida por Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta, publicada na década de 90. Para fundamentação teórica, utilizou-se a Teoria dos Polissistemas, de Even-Zohar, e os Estudos Descritivos da Tradução, de acordo com Toury, Lambert e Van Gorp. Desse modo, a análise é feita a partir do pólo de chegada, evitando o confronto com o original, já que não se tem o objetivo de julgar qual das traduções é a melhor. O foco de estudo não é limitado aos textos, mas à cultura de chegada, sendo vários aspectos relevantes ao estudo, como os fatores sociais, políticos e culturais, as políticas editoriais e, inclusive, a motivação pessoal do tradutor.

Palavras-chave: Senhor dos Anéis; Estudos Descritivos da Tradução; análise descritiva.

Abstract: This article aims to make a study of the translations of the book The Lord of the Rings, by Tolkien,

published in Brazil. There are two Brazilian versions: the first, translated by Antonio Ferreira da Rocha and Luiz Alberto Monjardim, published by Artenova from 1974 and the second, translated by Lenita Maria Esteves and Rímoli Almiro Pisetta, published in the 90’s. For theoretical basis, we used the polysystem theory of Even-Zohar and Descriptive Translation Studies, according to Toury, Lambert and van Gorp. Thus, the analysis is done from the target culture to avoid a comparison with the source text, since our do not have the purpose of judging which of the translations is the best. The focus of study is not limited to texts, but the culture of arrival. Others aspects are relevant to the study, as the social, political and cultural, editorial policies and even the personal motivation of the translator.

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Introdução

A tradução é uma atividade que envolve, inevitavelmente, duas línguas: a língua-fonte e a língua-alvo, e consequentemente, duas tradições culturais. Assim, consideram-se as traduções como funções que estabelecem vínculos entre enunciados da língua de chegada com enunciados da língua de partida. Nessa perspectiva de transferência, a noção de equivalência sempre foi um motivo de debates e polêmicas teóricas, visto que alguns a consideram como uma condição necessária para a tradução, outros um obstáculo para progredir nos estudos da tradução. Entretanto, não cabe aqui analisar a questão de equivalência, visto que o objetivo deste trabalho é fazer um estudo descritivo de duas traduções publicadas no Brasil da obra

The Lord of Rings, de Tolkien.

Para tanto, será utilizada como base teórica a Teoria dos Polissistemas proposta por Itamar Even-Zohar (1990), além das teorias descritivas da tradução conforme sistematização dessa teoria proposta por Gideon Toury (1995). Como fundamentação metodológica, será seguido o modelo proposto por José Lambert e Hendrik Van Gorp (1985). Nesse modelo recolhem-se, primeiramente, informações preliminares do contexto do target text. Essas informações, por sua vez, serão comparadas com as do contexto macroestrutural e, finalmente, com as do nível microestrutural.

Esse modelo permite traçar um complexo mapa de relações dinâmicas entre sistemas e forças de naturezas diversas, desde contextos mais amplos — como os políticos, econômicos ou religiosos —, passando pelas normas e cânones literários vigentes em determinados contextos e chegando até níveis minuciosos de análise dos objetivos, estratégias e soluções de traduções específicas. Além disso, a visão não fica mais limitada aos textos, enfatizando as culturas de chegada e de partida, especificamente ganhando relevância a cultura do pólo receptor. De fato, muitas vezes esse arcabouço pode ser considerado complexo demais para que os estudos possam dar conta de todos esses níveis. Em virtude dessa complexidade e da limitada extensão deste estudo, muitas informações deixaram de ser analisadas, ficando para uma futura complementação deste artigo.

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1 A Teoria dos Polissistemas

O paradigma teórico conhecido como Teoria dos Polissistemas (Polysystem Theory) começou a ser apresentado por Itamar Even-Zohar no final da década de 1960, tendo como objetivo inicial elaborar uma base teórica capaz de explicar as particularidades da história da literatura israelense e das traduções literárias realizadas nessa cultura. Assim, tal teoria concebe uma determinada cultura como um grande sistema (polissistema), que é internamente constituído por outros sistemas e que se relaciona com outros sistemas paralelos. Os polissistemas são, portanto, redes dinâmicas hierarquizadas, cujas fronteiras estão sempre se redefinindo. O autor ainda traz as relações de poder entre os elementos dos sistemas através dos conceitos de centro e periferia, sendo o centro o lugar ocupado por aqueles que detêm maior poder dentro de um sistema e a periferia a região ocupada por elementos menos dominantes ou hegemônicos. Desse modo, é a disputa entre os integrantes de cada sistema — que se alternam continuamente no esforço por ocupar e manter-se no centro — que dá forma ao sistema.

Dentre os vários sistemas que constituem uma determinada cultura, encontra-se o polissistema literário, que é composto por diversos sistemas e correlaciona-se com outros sistemas semióticos do polissistema cultural. No seu centro residem seus respectivos repertórios canônicos, estabelecidos pelo grupo que detém o poder em um dado sistema e representam modelos a serem seguidos sendo, por isso, associados a prestígio, status e qualidade. Mas o repertório canônico não é o único presente nos sistemas, pois os sistemas periféricos também fazem parte do polissistema e é através da oposição entre os sistemas do centro e da periferia que se torna possível compreender melhor aqueles que ocupam o centro: as estratégias por eles utilizadas, seus valores, sua evolução, etc. Dessa forma, variedades linguísticas e literárias que gozam de menos status numa dada cultura adquirem interesse enquanto objetos de estudo, tais como a literatura de massa, infantil ou traduzida.

Nesse sentido, o contexto externo àquele sistema (e ao texto propriamente dito) não pode ser deixado de lado, visto que todos esses elementos em conjunto são importantes para a compreensão da obra como um todo. Even-Zohar (1990, p. 37) especifica os componentes para a compreensão do contexto externo, definidos como: Instituição (produtores literários, críticos, editoras, periódicos, meios de comunicação de massa, entre outros); Repertório (materiais e regras que conduzem a elaboração e o uso de qualquer produto); Produtor (autores e criadores de textos literários); Consumidor (mais do que apenas o leitor, visto que o

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consumo de obras literárias se dá através de outras atividades além da leitura integral de cada obra); Mercado (livrarias e clubes literários) e Produto (inclui, além da obra em si, fragmentos retirados das obras ou referentes a elas — tais como citações, resumos, resenhas, etc. — e que ajudam a estabelecer e manter modelos canônicos).

O mesmo ocorre com o polissistema de tradução literária. Even-Zohar é contrário à tendência mais geral de tratar as obras literárias traduzidas individualmente, como práticas isoladas, afirmando que deve se observar o conjunto da literatura traduzida de forma inter-relacionada, em função dos princípios que regem a seleção dos textos a serem traduzidos e do modo como as traduções utilizam o repertório literário de um sistema. Tal conjunto pode então ser estudado como constituindo um polissistema próprio dentro do polissistema literário.

Partindo dos conceitos da Teoria dos Polissistemas, o israelense Gideon Toury defende e adota uma abordagem conhecida como target oriented. A necessidade da tradução é geralmente determinada pela cultura-alvo e ela é ali produzida com o objetivo de ocupar um lugar ou preencher alguma lacuna nesse sistema. Mesmo em casos em que a tradução é realizada ou imposta pela cultura de origem, a tradução só funcionará como tal se o sistema-alvo lhe der esse uso. Em suma, é a partir da cultura-sistema-alvo que é possível constatar que um determinado texto é tratado como uma tradução, sendo a partir desse fato que a pesquisa tem início. No entanto, Toury (1991) argumenta contra a visão de que os Estudos Descritivos se preocupam somente com o lugar da tradução na cultura-alvo. Segundo ele, não há como excluir o texto e a cultura de partida, nem o processo de produção da tradução, no entanto justifica que a hierarquia apropriada considera o sistema-alvo em primeiro lugar por ser, por um lado, o fim que rege todo o processo da tradução e, por outro, o ponto de partida do pesquisador.

Com base nas teorias desenvolvidas por Even-Zohar e Toury, José Lambert e Hendrik Van Gorp (1985) propuseram um modelo bastante sintético e prático para o estudo descritivo de traduções literárias através de uma abordagem funcional e sistêmica. Dado que os textos de Even-Zohar e Toury apresentam o funcionamento dos sistemas e os métodos de estudo de uma forma que tende à generalização e à abstração, o artigo de Lambert e Van Gorp é um contraponto muito útil e tornou-se uma referência frequente nos estudos descritivos.

O principal objetivo do método é revelar as diversas normas que atuam não somente em produtos específicos, mas, de modo mais geral, na atividade tradutória do polissistema

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literário de uma cultura, o que é atingido conectando-se sistemicamente os vários aspectos observados nas traduções. Isso leva os autores a destacarem a importância de estudos em larga escala, para além da contribuição de análises de casos individuais:

Certamente não é absurdo estudar um único texto traduzido ou um só tradutor, mas é absurdo desconsiderar o fato de que essa tradução ou esse tradutor tem conexões (positivas ou negativas) com outras traduções e outros tradutores. (LAMBERT & VAN GORP, 1985, p. 51).

Romanelli (2006) também traz considerações sobre a metodologia de Lambert e Van Gorp. Segundo ele, posto que a tradução seja determinada por mecanismos tradutórios em vários níveis textuais, assume-se como hipótese central que um texto traduzido, mais ou menos adequado ao nível da macroestrutura, será geralmente adequado também ao nível da microestrutura. Desee modo, o primeiro passo é recolher informações preliminares sobre a tradução: título, indicação de gênero, nome do autor, nome do tradutor, etc.; metatexto (na página inicial, no prefácio, nas notas de rodapé); estratégias gerais (tradução integral ou parcial, etc).

A segunda etapa focaliza a macroestrutura: divisão do texto (em capítulos, atos ou cenas, etc.); relações entre os tipos de narração, diálogo, descrição, entre diálogo e monólogo; estrutura interna da narração (prólogo, clímax, epílogo, etc.) e comentários do autor. Todos os fragmentos escolhidos deverão ser analisados do ponto de vista de específicas regras textuais: tendo em vista se o tradutor traduziu palavras, metáforas, sequências narrativas, parágrafos, etc.

A etapa sucessiva prevê a atenção na microestrutura: deslocamentos nos níveis fônico, gráfico, microssintático, léxico-semântico, estilístico, locutório, etc. sendo analisados, assim, a seleção das palavras, os padrões gramaticais dominantes e as estruturas literárias formais, formas de reprodução do discurso (direto, indireto.), registro da língua, etc. Esses dados das estratégias microestruturais levarão a uma nova comparação com as estratégias macroestruturais e a uma suposição da concepção geral de tradução que permeia o texto.

Por fim, a última etapa analisa as oposições entre micro e macroníveis e entre texto e teoria (normas e padrões); relações intertextuais (com outras traduções ou com escritos criativos); relações intersistêmicas (estruturas de gênero, códigos estilísticos, etc.).

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2. A obra original

Denomina-se aqui a versão inglesa de O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings) como obra original no sentido de que esta foi a que deu origem às traduções, sem julgar ou qualificar seu valor. Aclamado ou detestado, é fato que Tolkien revolucionou a Literatura Fantástica no século XX através de suas obras, conquistando admiradores por todas as partes do mundo, que ainda hoje lhe prestam homenagens e dedicam a ele e as suas obras desde trabalhos acadêmicos aos mais variados sites na internet. As informações a seguir, sobre sua vida, obra e sobre as traduções para o português foram retiradas de um dos mais renomados sites brasileiros de conteúdo inteiramente tolkiano, a Valinor.

O Senhor dos Anéis foi originalmente publicado em três volumes, entre 1954 e 1955, e

desde então, foi reimpresso várias vezes e foi traduzido para mais de 40 línguas, tornando-se um dos trabalhos mais populares da literatura do século XX. Foi escrito por John Ronald Reuel Tolkien, nascido em 1892, na África do Sul, que aos três anos de idade mudou-se com a família para a Inglaterra onde viveu até a sua morte, em 1973, aos 81 anos. Dedicou-se aos estudos demonstrando grande talento linguístico, dominando cerca de dezesseis idiomas: estudou grego, latim e outras línguas modernas. Além de escritor, foi filólogo e professor universitário, tendo lecionado disciplinas como Anglo-saxão, Inglês e Literatura na Universidade de Oxford. Foi membro da diretoria do New English Dictionary entre 1918 e 1920; recebeu ainda o Doutorado Honorário em Letras da Universidade de Oxford, e o mais importante título: a Ordem do Império Britânico pela Rainha Elizabeth, uma das maiores honras britânicas.

Autor de 34 obras em inglês (três delas publicadas postumamente), Tolkien tem algumas obras publicadas em português, além de numerosos livros e estudos sobre todo o conjunto de sua obra. Apesar da imensa popularidade (e talvez por isso) sua obra não é bem aceita pela crítica literária acadêmica, considerando-o bom escritor, mas um escritor de gênero. Por definição, um escritor de gênero se preocupa mais em fazer um livro cativante, com bom potencial de venda, do que realmente explorar a linguagem literária. Assim, ele era mais um escritor de entretenimento e, nesse sentido, foi dos mais influentes.

Tolkien escreveu O Senhor dos Anéis como se estivesse reunindo e traduzindo documentos antigos de uma época distante, comportando-se como um pesquisador; no texto "Da Tradução", parte II do Apêndice F, o autor incorpora declaradamente o papel de tradutor

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e descreve sua metodologia de tradução, comenta e justifica suas escolhas. Esse texto funciona como uma "nota do tradutor" e é parte da ficção, onde Tolkien compõe uma história para sua tradução. Como Velázques, que se retrata no quadro Las Meninas, revelando o pintor em ação, Tolkien se insere na obra revelando o autor-tradutor em pleno processo criativo. Além dos já citados apêndices e de toda uma mitologia própria, O Senhor dos Anéis comporta uma série de poesias, canções entoadas pelos personagens no decorrer da trama.

3. A Análise das Traduções

A primeira edição em Língua Portuguesa de O Senhor dos Anéis foi publicada pela extinta editora brasileira Artenova, que lançou os livros em seis volumes separados, entre os anos de 1974 e 1979, com tradução de Antônio Ferreira da Rocha (os dois primeiros volumes) e Luiz Alberto Monjardim (os quatro últimos volumes), revisão de Salvador Pittaro e tendo Álvaro Pacheco como editor. Em 1977, a obra foi publicada pela editora portuguesa Europa-América (com tradução de Fernanda Pinto Rodrigues). Uma nova tradução brasileira, feita por Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta, foi publicada pela editora Martins Fontes, em 1998; foi lançada em três volumes como o original e reunidas em um único livro em 2001, antecipando o lançamento da trilogia de filmes baseada nos livros, que aconteceu nos anos de 2001 a 2003. Há rumores de que (talvez por falhas encontradas naquela edição ou por causa do processo legal movido pelos tradutores contra a editora) uma nova tradução está sendo preparada pela Martins Fontes, feita por Waldéa Barcellos e Ronald Kyrmse, responsáveis, respectivamente, por verter as partes em prosa e os poemas para o português.

Para fins deste trabalho, será analisado apenas o primeiro volume das duas traduções brasileiras da obra: a publicada pela editora Artenova e aqui denominada por tradução 1 e publicada pela Martins Fontes, denominada tradução 2.

Na análise preliminar, nota-se que na capa constam, na tradução 1: o título da série em português – O Senhor dos Anéis – e o título do primeiro livro – A Terra Mágica – além da informação “O mais fabuloso romance de fantasia de todos os tempos – Livro Primeiro”. Constam ainda, na capa, o nome do autor – J. R. R. Tolkien – e da editora ArteNova. Na tradução 2, temos na capa grande destaque para o sobrenome do autor, logo em seguida o título da série e o título do livro – A Sociedade do Anel. Ainda mais abaixo, o nome da editora. Na folha de rosto de ambas as traduções repetem-se as informações da capa,

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acrescidas do título original em inglês e do nome do tradutor. Na tradução 2, além do nome, constam as informações sobre as credenciais dos tradutores, do revisor técnico (Ronald Kyrmse) e do coordenador (Luís Carlos Borges). Já na página subsequente, ainda na tradução 2, tem-se a Nota à Edição Brasileira, na qual os editores falam brevemente sobre as escolhas tradutórias, a apreciação dos executores do espólio de Tolkien e novamente sobre as credenciais da equipe que trabalhou na tradução e edição da obra. A seguir, o prefácio, no qual o autor fala sobre seu processo de criação e sobre a opinião da crítica sobre seus livros. Essa edição possui ainda, na orelha, informações sobre os livros que dão continuidade à série. Diferente no que acontece na tradução 2, a edição da tradução 1 é mais simples, sem orelhas ou notas explicativas, partindo direto da folha de rosto ao prólogo. É importante ressaltar também que a Editora Artenova publicou os seis livros separadamente, diferente do que aconteceu com o original e com a tradução da Martins Fontes. Assim, o livro que, na Martins Fontes foi publicado como A Sociedade do Anel engloba o que a Artenova publicou em dois volumes: A Terra Mágica e A Sociedade do Anel.

Na segunda etapa da análise, leva-se em consideração a macroestrutura, que engloba, entre outras coisas, a divisão do texto, a estrutura interna da narração e comentários do autor. Quanto à divisão em capítulos, ambas as traduções equivalem-se em quantidade, embora não se possa afirmar o mesmo sobre os parágrafos, sendo a tradução 1 visivelmente menor que a tradução 2, o que indica a omissão de certos parágrafos pelo tradutor.

A etapa sucessiva prevê a análise da microestrutura dos textos traduzidos que visa a destacar, principalmente, os deslocamentos nos níveis gráfico, sintático, léxico-semântico, estilístico, etc. Analisam-se, assim, a seleção das palavras, os padrões gramaticais dominantes e as estruturas literárias formais. Neste estudo, constatou-se que os nomes próprios diferem-se bastante de uma tradução para a outra, sendo que o tradutor 1 optou por aproximar-se da cultura alvo, enquanto que o tradutor 2 preferiu a proximidade com o original. Vemos essa diferença em palavras como “trolo” na tradução 1 e troll na tradução 2, tal qual o original, para designar uma raça de seres mitológicos. Outro exemplo é o nome do mago Gandalf (tradução 2 e no original) e “Gandalfo” (tradução 1), ou ainda topônimos, como a “Colinas dos Túmulos” na tradução 2 em equivalência a Mundas-Modorras na tradução 1. É interessante observar as escolhas desta última tradução, posto que Munda é mesmo colina e

Modorra é uma palavra arcaica para túmulo (romano), assumindo certo tom de

estranhamento. Outros exemplos podem ser citados: a taberna chamada “Pônei Empinado” (tradução 1) e “Pônei Saltitante” (tradução 2), de Prancing Pony do original; os personagens

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“Ceveiro Sombreiro” (tradução 1) e “Cevado Carrapicho” (tradução 2), para Barliman

Butterbur no original. E ainda os “Guardiães” (tradução 2) e Rangers (no original)

tornaram-se “Vagamundos” (na tradução 1) e tornaram-seu chefe, o “Passolargo” (tradução 2) (Strider, no original), na tradução 1 é chamado de “Caminheiro”.

Por fim, a última etapa analisa as oposições entre micro e macroníveis e entre texto e teoria (normas e padrões); relações intertextuais (com outras traduções ou com escritos criativos); relações intersistêmicas (estruturas de gênero, códigos estilísticos, etc.). Em pesquisa feita por Carolina Alfaro de Carvalho (2003) sobre as traduções de O Senhor dos

Anéis para Língua Portuguesa e sua recepção por leitores brasileiros, foi constatado que os fãs

– que leem, releem e pesquisam sobre a obra – preferem, em vários aspectos, a tradução que foi lida primeiro. Entretanto, esse fato não é novidade, pois Lefevere e Bassnett (1990, apud Carvalho, 2003) já citam esse sentimento de violação que parece descaracterizar o mundo que foi construído pelo leitor e que costuma ser atribuído ao texto e ao autor, e não à sua interpretação pessoal. Nesse sentido, a leitura que um determinado indivíduo faz de um texto não depende nem do texto nem do leitor, mas exclusivamente da comunidade na qual ele se insere e através da qual seus pensamentos são moldados. No caso de obras consideradas canônicas, cuja fama as precede, essa influência do entorno se torna bastante clara.

Com o lançamento da tradução da Martins Fontes, são enfatizadas as fontes originais, buscando valorizar e resgatar o autor, suas ideias e sua obra, de acordo com os padrões mais tradicionais. Logo nas primeiras páginas apresentam-se as credenciais dos tradutores e do consultor e uma Nota à Edição Brasileira, justificando a recriação de nomes próprios com base em instruções deixadas pelo próprio Tolkien. Assim, a editora buscou amenizar esse sentimento de violação apelando ao senso comum dos leitores, que têm a ilusão de ter um contato mais direto com o autor e sua obra, ou seja, que têm uma tradução mais fiel da obra de Tolkien.

Em conclusão deste capítulo dedicado à análise e apresentação dos dados relevados, faz-se necessária uma pequena reflexão sobre as razões que conduziram aos diferentes comportamentos tradutórios. Ao se fixar o objetivo na investigação da influência dos aspectos da cultura de chegada sobre a tradução, eximiu-se, aqui, de emitir um juízo de valor acerca da tradução, posto que a noção de melhor ou pior é deveras pessoal. De fato, a tendência target

oriented dessas traduções, sua preocupação em tornar os textos o mais compreensíveis

possível, teve diferentes efeitos nas duas traduções. A tradução 1, que optou por uma maior aproximação com a língua de chegada, não gozou de tanto prestígio quanto a tradução 2, que

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enfatizou sua fidelidade ao original. Assim, percebem-se elementos que supõem a existência de constrições externas a influenciar os tradutores, como por exemplo, as políticas das editoras, o público-alvo, os padrões literários da cultura de chegada e também da língua. Além disso, podem haver também constrições internas, ou seja, a motivação do trabalho, o retorno financeiro, etc.

Considerações finais

Em linha geral, através deste estudo, pode-se chegar a algumas conclusões a respeito da aplicação dos Estudos Descritivos da Tradução. Ao adotar uma visão sistêmica da tradução e ao inseri-la em um polissistema maior, tem-se um novo paradigma de pesquisa, ampliando o conceito tradicional de tradução.

Na presente pesquisa, tentou-se mostrar como esses conceitos podem ser percebidos na prática tradutória, sobretudo na literatura popular brasileira. Vários fenômenos se repetem no decorrer dos textos e, além disso, outros pontos são relevantes para análise, porém a extensão das obras e os objetivos já preestabelecidos para este trabalho nos impedem de ir além. Entretanto, pode-se fazer um balanço geral do que foi visto.

No caso de O Senhor dos Anéis, desde seu lançamento o livro obteve enorme sucesso e foi traduzido para um grande número de línguas, tornando-se um dos trabalhos mais populares da literatura fantástica do século XX. Mesmo tendo sido escrito por um renomado professor universitário, a obra ficou restrita ao sistema periférico, por causa da opinião dos críticos literários. Cerca de 20 anos depois da publicação original, surge a primeira edição em língua portuguesa, publicada pela extinta editora brasileira Artenova. Já nesse momento a obra era um grande sucesso da literatura fantástica, principalmente entre os universitários americanos, de modo que chegou ao Brasil com forte apelo comercial, estando assim no centro do polissistema da literatura traduzida do Brasil. Fatores externos à obra – por dificuldades econômicas, a editora não conseguia publicar os volumes da obra regularmente, havendo um grande espaço de tempo entre uma e outra – a deslocaram para a periferia e durante bastante tempo a opção mais acessível para leitores brasileiros foi a tradução portuguesa. Os leitores mais antigos valorizavam a edição portuguesa, considerando-a melhor

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que a da Artenova (o que coincide com a opinião geral da mídia), mas, devido à distância geográfica, havia dificuldade em conquistar novos leitores.

Antecipando o lançamento da trilogia de filmes baseada nos livros, ao mesmo tempo reavivando comunidades já existentes de fãs e estimulando a formação de um novo público leitor de Tolkien, a editora Martins Fontes publicou novamente a série, com uma nova tradução bastante preocupada com a fidelidade ao original. Mesmo enfatizando a ideia de fidelidade, essa edição ainda não segue muito de perto o estilo repleto de inversões e arcaísmos de Tolkien, optando por uma linguagem mais coloquial e modernizada, pensando em agradar um público ainda maior. Assim, impulsionado pelo sucesso dos filmes e seguindo as regras do sistema-alvo (target oriented), O Senhor dos Anéis novamente passou a figurar numa posição central no polissistema da literatura traduzida no Brasil.

Assim, o polissistema da literatura traduzida pode ocupar uma posição mais periférica ou mais central no polissistema literário. Geralmente localiza-se na periferia, seguindo de forma um tanto submissa os modelos estabelecidos pelo cânone literário, cumprindo assim a função de instrumento de conservação do repertório canônico. Tal processo tende a produzir traduções que se afastam dos modelos e normas da cultura de origem de modo a se ajustarem aos moldes já existentes na cultura de chegada e assim serem mais bem aceitas no sistema. Desse modo, cabe ao teórico compreender, na cultura e no contexto estudados, quais as normas que precisaram ser atendidas para que um texto fosse aceito como equivalente a outro.

Evidentemente, o presente estudo não pretende encerrar a questão acerca desse assunto, mas considera-se, de qualquer forma, relevante para fins de pesquisa sobre tradução.

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REFERÊNCIAS

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modos de dizer, modos de fazer, 2004, Rio de Janeiro. Anais do XII Congresso da

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ROMANELLI, S. A Gênese de um processo tradutório: os manuscritos de Rina Sara

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http://www.valinor.com.br/artigos/artigo.asp?id=258. Acesso em novembro de 2009.

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______________. O Senhor dos Anéis. Trad. Lenita Maria Rimoli Esteves e Almiro Pisetta. 1ª ed. Reimp. São Paulo, Martins Fontes, 2001.

_______________. O Senhor dos Anéis. Trad. Antonio Ferreira da Rocha. Rio de Janeiro, Artenova, 1974.

TOURY, G. Descriptive Translation Studies and Beyond. Amsterdam/Philadelphia, John Benjamins Publishing Company, 1995.

Referências

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