1 | 2012
Ano I, Número 1
Por uma Geografia Econômica do Tempo Presente
Floriano José Godinho de Oliveira, Guilherme Ribeiro, Leandro Dias de
Oliveira and Désirée Guichard Freire
Electronic version
URL: http://espacoeconomia.revues.org/89 ISSN: 2317-7837
Publisher
Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia
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Floriano José Godinho de Oliveira, Guilherme Ribeiro, Leandro Dias de Oliveira e Désirée Guichard Freire, « Por uma Geografia Econômica do Tempo Presente », Espaço e Economia [Online], 1 | 2012, posto online no dia 13 Outubro 2013, consultado o 01 Outubro 2016. URL : http://
espacoeconomia.revues.org/89
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Por uma Geografia Econômica do Tempo
Presente
Floriano José Godinho de Oliveira, Guilherme Ribeiro, Leandro Dias de
Oliveira and Désirée Guichard Freire
1 Espaço & Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica, periódico que temos a honra de
apresentar ao público nacional e internacional no âmbito da plataforma Revues.org, tem como intuito divulgar e fortalecer pesquisas dedicadas às relações entre espaço e economia. Decerto, a tarefa não é das mais fáceis. Todavia, o momento histórico em que vivemos marca uma série de transições, dentre as quais a reestruturação capitalista assume lugar de destaque. Por conseguinte, novas dinâmicas espaciais entram em cena, reproduzindo e expressando o período de globalização que caracteriza o mundo contemporâneo.
2 Autores das mais distintas filiações têm revelado a face geográfica do capitalismo, que
passou a ser tratada não como reflexo ou epifenômeno, mas sim parte indissociável de sua reprodução. Vide a clássica interpretação marxista relativa ao cercamento dos campos (
enclosures) e seu papel central na desagregação do mundo feudal, transformando em
capital os meios de subsistência e dissociando o trabalhador dos meios de produção (MARX & ENGELS, s/d [1848], 2007 [1845-1846] ; MARX, 1977 [1857-1858], 1867) e da própria natureza (FOSTER, 2005 [2000]; FOSTER & CLARK, 2006; QUAINI, 1979). Outra abordagem situa-se na obra do historiador francês Fernand Braudel a respeito da
civilização material, da economia e do capitalismo, divisão tripartite da vida econômica cada
qual com sua respectiva dimensão espacial, variando desde a escala local dos gêneros de vida agrários até a expansão mundial promovida por impérios e pelas grandes corporações (BRAUDEL, 1967, 1979, 1979a). Igualmente relevantes são as leituras promovidas por Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi em torno do sistema mundial
moderno na longa duração. Articulando de maneira original e seletiva referenciais oriundos
do marxismo à perspectiva braudeliana, tais autores exploram conceitos notadamente espaciais como centro, periferia, semiperiferia, geocultura, territorialismo (WALLERSTEIN, 1974, 1980, 1988, 1999; ARRIGHI, 1996 [1994], 1997).
3 Do ponto de vista da Geografia, contudo, quando se trata de reconhecer as matrizes que
nortearam as relações espaço-economia após a Segunda Guerra Mundial, o pensamento do filósofo francês Henri Lefebvre surge como principal fonte irradiadora de idéias e conceitos a conquistar adeptos mundo afora — incluindo o Brasil. Tendo como núcleo teórico a perspectiva da produção do espaço, ele compreendeu como poucos o que os processos de industrialização e urbanização representavam para o capitalismo no século XX. O capitalismo só se reproduz se produzir espaço. A urbanização autonomizar-se-ia progressivamente da industrialização, conformando um processo revolucionário de urbanização completa da sociedade. Existe uma política do espaço porque o espaço é político1 (LEFEBVRE, 1999 [1970], 2008 [1972], 2001 [1973], 2000 [1974]).
4 A despeito da escassa interlocução com os geógrafos, Lefebvre chamou atenção para um
espaço em movimento, relacional, fruto do processo histórico e foco de conflitos político-ideológicos. Social, mas sem deixar de incorporar o meio ambiente. Econômico, mas sem ser o conjunto quantitativo de PIBs e PNBs distribuídos na superfície terrestre. Destarte, ele acabou por transformar não somente a geografia econômica, mas todo o campo da geografia humana. No Brasil, nosso mais célebre representante, Milton Santos, era lefebvriano (SANTOS, 1978, 2002 [1996]). Atualmente, o britânico David Harvey, geógrafo de maior projeção mundial, construiu boa parte de sua trajetória intelectual inspirado no filósofo francês (HARVEY, 1996 [1983], 1992 [1989], 2005). Ambos redigiram alguns dos melhores capítulos de geografia econômica — e humana, inútil esclarecer — de que dispomos.
5 Entretanto, novos desafios se somaram às referidas investigações. Na segunda metade dos
anos setenta, a crise do petróleo, a ascensão do neoliberalismo, o aprofundamento da internacionalização da economia e a reestruturação produtiva deixam para trás o fordismo e o Estado de Bem-Estar Social, inaugurando uma “nova” etapa do modo de produção capitalista. Se Wallerstein alude a uma crise estrutural do capitalismo contemporâneo (WALLERSTEIN, 2003), não há dúvidas de que assistimos a profundas readequações do termo desenvolvimento — local, regional, sustentável, integrado, entre outras — que, a seu turno, gerou uma série de implicações: no paradigma técnico-ambiental; no modelo de acumulação, tornado flexível (HARVEY, 1992 [1989]); na produção e utilização das matrizes energéticas em escala industrial; e na gestão dos recursos territoriais (ALTVATER, 2010 [2005]).
6 Na esteira de tais acontecimentos, no decorrer dos anos oitenta e noventa o cenário
geopolítico também experimentaria significativas transformações. Alicerçado não no binômio unilateralismo-neoliberalismo — como se imaginava logo após a queda do Muro de Berlim e o fim do Socialismo Real —, mas na multipolaridade, a formação da União Européia, o atentado ao World Trade Center e a emergência dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) trouxeram uma gama de dúvidas porém uma certeza meridiana: o século XXI já era uma realidade. Estamos imersos em uma sociedade em rede que inaugurou a era da informação (CASTELLS, 1999 [1996], 2001 [1996], 2008 [1996]). Agora, soluções nacionais devem, mesmo que não o queiram, passar, na maioria das vezes, por instâncias internacionais. Estados-Nação entram em crise. Organismos supranacionais protagonizam a cena. Fronteiras continuam a existir, mas não são as mesmas de antes. Ora a economia é real, ora virtual. A pobreza e a desigualdade, porém, continuam.
7 Esboçado tal quadro, era possível visualizar a progressiva emersão de uma renovada
— as metamorfoses do trabalho e suas ligações com o espaço, a fetichização da mercadoria e da paisagem, a composição orgânica do capital e seus desdobramentos territoriais e a produção capitalista do espaço, com seus sujeitos, escalas e dilemas —, a globalização e a nova ordem mundial trouxeram consigo uma série de outros aspectos. A saber:
i. surgimento de novos processos de regionalização econômica;
ii. a onipresença do capital financeiro e suas consequências, tais como as formas de regulação e de taxação;
iii. a estruturação de redes econômicas ilegais e o combate a elas por parte dos Estados;
iv. os atuais papéis do Estado e das grandes empresas industriais, financeiras, comerciais e midiáticas no sistema mundial;
v. a atuação de organismos internacionais na arbitragem das disputas econômicas, com destaque para tensões relativas às patentes, à questão ambiental e à gestão de mega-eventos esportivos, por exemplo;
vi. fenômeno urbano-metropolitano e a configuração de redes técnicas, produtivas, comerciais e informacionais que lhe sustentam;
vii. a compreensão de desenvolvimento local com base na economia regional;
viii. os novos modelos de planejamento e os investimentos vinculados à disseminação de empreendimentos produtivos e sistemas de engenharia responsáveis pela mercantilização do território.
8 Entretanto, uma reflexão amparada na escala mundo — imperativo analítico de nossos
dias — não pretende e não pode cerrar os olhos para as realidades nacionais. Uma escala não deve suplantar a outra, mas sim estar em incessante articulação. Destarte, é preciso mencionarmos a existência de uma rica e fértil tradição dedicada a examinar a especificidade do capitalismo em um país periférico como o Brasil. Nela, cumpre separar os nomes de Celso Furtado e Francisco de Oliveira, além do trabalho seminal de Josué de Castro. O fato de não terem sido escritos por geógrafos não impediu que Geografia da fome (CASTRO, 2001 [1946]), Formação econômica do Brasil (FURTADO, 2000 [1959]) e Crítica à
razão dualista (OLIVEIRA, 2003 [1972]) colaborassem sobremaneira no entendimento da
naturalização da Geografia enquanto discurso legitimador das desigualdades sociais, na formação das economias regionais e suas conexões territoriais e no caráter excludente e discriminatório da industrialização e da urbanização brasileiras, respectivamente.
9 Tributários destes intelectuais, um periódico de geografia econômica lançado no limiar do
século XXI tem por obrigação promover uma crítica à mercantilização da vida social que assola a todos nós. Logo, faz-se necessária uma crítica à própria geografia econômica pois, se no passado ela era responsável pela confecção de um mapeamento dos recursos em prol da ideologia industrial e colonial, em nosso dias ela acaba, às vezes, por cair na armadilha do economicismo, transformando todos os aspectos da vida humana em dinheiro, mercadoria , consumo, trabalho, renda, salário, lucro. As ciências e seus sub-campos estão sendo obrigados a se reinventarem. Novas epistemologias estão em pleno curso e elas possuem muita expectativa para com a contribuição da Geografia (MIGNOLO, 2003 [2000]; SANTOS & MENESES, 2007). Como, então, transformar o econômico da geografia econômica, a fim de que ele atue em prol da cultura, da democracia, do direito à cidade, da justiça ambiental? Eis um dos desafios dos editores e, sobretudo, dos leitores e pesquisadores que militam neste domínio.
10 Assim sendo, Espaço & Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica pretende
processo histórico, valorizando a pluralidade de temas, conceitos e teorias, bem como suas
múltiplas escalas de análise.
11 Fruto dos esforços iniciados em 2008 com a criação do Núcleo de Pesquisa Espaço & Economia
(NUPEE) — grupo interinstitucional cadastrado no Centro Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) e composto pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ-FFP) e pelo Departamento de Geociências da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) —, as reuniões mensais do NUPEE culminaram com a realização do I Seminário
Nacional Espaço & Economia: Reflexões Contemporâneas em 2009 e do II Seminário Nacional Espaço & Economia: Políticas Territoriais, Intervenção do Estado e Práticas Sociais na Reestruturação do Espaço em 2011.
12 Entendendo a Geografia Econômica como um terreno repleto de conflitos ideológicos,
tanto sua aplicabilidade quanto sua compreensão conformam-se em exercícios de
intervenção política. Assim, entre o novo e o antigo, entre permanências e transformações, Espaço & Economia: Revista Brasileira de Geografia Econômica se apresenta como uma
alternativa de compreensão de uma realidade cada vez mais complexa e diversificada — e, por esta própria razão, muito mais desafiadora no que se refere ao seu entendimento e à sua crítica.
BIBLIOGRAPHY
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NOTES
1. Para maior aprofundamento da obra lefebvriana, vide a coletânea brasileira O espaço no
fim-de-século: a nova raridade (CARLOS, DAMIANI & SEABRA, 1999).
AUTHORS
FLORIANO JOSÉ GODINHO DE OLIVEIRA
Doutor em Geografia pela USP, com pós-doutorado pela Universidade de Barcelona. Professor do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da UERJ.
GUILHERME RIBEIRO
Doutor em Geografia pela UFF, com estágio doutoral pela Universidade de Paris – Sorbonne (Paris IV). Pós-Doutor pela UFMG. Professor do Departamento de Geociências da UFRRJ.
LEANDRO DIAS DE OLIVEIRA
Doutor em Geociências pela UNICAMP. Professor do Departamento de Geociências da UFRRJ. DÉSIRÉE GUICHARD FREIRE