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PADRÃO ORTOGRÁFICO: UM ESTUDO COM CRIANÇAS DO 4º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Maria José dos Santos 1 Priscila da Silveira Alves 2

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PADRÃO ORTOGRÁFICO: UM ESTUDO COM CRIANÇAS DO 4º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Maria José dos Santos1 Priscila da Silveira Alves2

Durante o processo de aquisição da língua escrita, a criança se depara com duas tarefas: compreender as regras do sistema alfabético de escrita e as normas que regem a escrita, ou seja, as normas ortográficas. Muitos autores têm sugerido que os erros na escrita produzidos pelos aprendizes, não são casuais. Ao produzir uma escrita ortográfica, o aprendiz pensa e aplica suas hipóteses. Alguns estudos revelam que, durante o processo de aprendizagem da escrita ortográfica, diferentes aspectos do sistema de escrita são considerados pelo aprendiz, embora de maneira, muitas vezes, implícita. Nessa investigação temos por objetivo verificar a existência de padrão de desempenho ortográfico em crianças de 4º ano do ensino fundamental. Participaram 23 crianças matriculadas no 4º ano do ensino fundamental da rede pública municipal de Catalão/GO. As crianças participantes realizaram a tarefa de escrita sob ditado de um texto de 20 frases. A análise da ortografia produzida pelas crianças revela uma apropriação progressiva do sistema ortográfico, algumas propriedades do sistema ortográfico são apropriadas pelos aprendizes de modo mais lento e exigem maior esforço. Assim, por exemplo, o erro designado como substituição de letras em razão da possibilidade de representações múltiplas foi o mais frequente.

Palavras-chave: ortografia; aprendizagem; escrita

A aprendizagem da leitura e da escrita é uma exigência social e tem se constituído em grande desafio para a escola. Segundo Foucambert (1994), aprender a linguagem escrita é o meio privilegiado por meio do qual os indivíduos desenvolvem a capacidade de compreender porque as coisas são como são, e descobrem as relações que estão por trás das circunstâncias, ou seja, ir além das aparências.

Nessa mesma perspectiva, Santos (1991) assinala que o exercício da leitura e da escrita flexibiliza a forma de encarar a realidade, favorecendo a compreensão dos fatos, expandindo conhecimentos e auxiliando a realização pessoal.

A aprendizagem da linguagem escrita favorece o desenvolvimento de um pensamento abstrato, complexo e diferenciado daquele permitido pela linguagem oral. A escrita representa,

assim, o instrumento do pensamento reflexivo permitindo a construção de uma visão de mundo, e a atribuição de sentido a este mundo (FOUCAMBERT, 1994).

1 Universidade Federal de Goiás – UFG / CAC. Doutora em Psicologia da Educação. majossantos@hotmail.com 2

Universidade Federal de Goiás – UFG / CAC. Graduanda do Curso de Pedagogia. pri_s.a@hotmail.com

Texto recebido em 28/08/2010; aprovado em 07/09/2010 A Revisão ortográfica e gramatical do texto é de responsabilidade dos autores

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A escola, local privilegiado para o ensino e aprendizagem da leitura e escrita, tem, de certo modo, fracassado em sua tarefa maior, qual seja a de alfabetizar possibilitando aos indivíduos uma relação transformadora da realidade. Avaliações nacionais e internacionais recentes dão conta das precárias habilidades de leitura e escrita dos estudantes brasileiros (OCDE, 2002; INEP, 2007). Estudos mostram que nossos jovens não são competentes em habilidades de escrita (SANTOS E NASCIMENTO, 2007; SANTOS, ROSA E NICOLAU, 2009) tampouco em habilidades de compreensão do que lêem (ZUCOLOTO E SISTO, 2002; SANTOS, PRIMI, TAXA E VENDRAMINI, 2002)

Concordamos com a ideia de que a aprendizagem da leitura e da escrita desenvolve e cria novas formas de pensamento e que seu ensino deve favorecer e ter como meta a formação de indivíduos capazes de ações transformadoras da realidade, entretanto, acreditamos que o ensino da língua escrita não pode desprezar aspectos técnicos dessa aprendizagem, tal como a ortografia.

A escrita, ou seja, a codificação da linguagem oral, surgiu da necessidade de perpetuar a mensagem, aquilo que se pretende comunicar (HORTA & MARTINS, 2004). Conforme apontam Horta e Martins (2004), um dos componentes da escrita é a ortografia, definida por elas “como a codificação das formas linguísticas em formas escritas, respeitando um contrato social aceite e respeitado por todos” (p.213).

A definição oferecida pelas autoras acima citadas revela o caráter convencional da ortografia ditado pelo costume e etimologia das palavras, pelo uso e evolução histórica (Morais & Teberosky, 1994). A ortografia reflete, por conseguinte, a história e a cultura da língua que representa.

Podemos perceber, portanto, que a ortografia é um tipo de saber que resulta de uma convenção, de uma negociação social e acadêmica e que, em última instância, tem um caráter normativo e prescritivo.

Tal caráter normativo e prescritivo denuncia de um lado a natureza arbitrária da norma ortográfica, ou seja, esta não possui nenhuma razão de obrigatoriedade, e, de outro, sua necessidade, qual seja a de facilitar a comunicação entre os leitores de uma mesma língua.

A ortografia é uma tentativa de padronização da forma gráfica das palavras de uma língua, a fim de que a comunicação escrita entre os falantes seja eficaz. Dessa forma, por maior que seja a variedade linguística usada pelos falantes e por mais que essa variedade revele a riqueza cultural da língua, a ortografia garante que qualquer leitor reconheça uma dada palavra escrita (MORAIS, 2006).

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Segundo Morais (2006), a ortografia funciona como um recurso capaz de cristalizar na escrita as diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma língua. Escrevendo de forma unificada, a comunicação torna-se mais fácil e eficiente e os usuários da língua continuam tendo a liberdade de pronunciar o mesmo texto à sua maneira quando, por exemplo, forem ler em voz alta. Se assim não fosse, cada um registraria o seu modo de falar, o que dificultaria a leitura pelos diferentes leitores.

Pessoas de diferentes regiões, de diferentes grupos sócio-culturais ou nascidas em diferentes épocas podem pronunciar uma mesma palavra de forma diferente. Consideram-se válidas essas diversas formas de pronúncia, entretanto, o registro gráfico das palavras obedece a uma mesma ortografia, não exigindo do leitor um esforço para decifrar a palavra escrita. A ortografia, assim, unifica o uso da língua na comunicação oficial da escrita.

Não existe uma única forma de pronúncia correta das palavras, assim como não existem argumentos científicos que permitam afirmar que a pronúncia de uma dada região é a melhor entre todas as regiões. Sendo assim, os indivíduos ganham a liberdade para pronunciar as palavras conforme sua tradição cultural ou regional (MORAIS, 2006, p.67).

Se, por um lado, a definição de um conjunto de normas permitiu a estabilidade e a confiabilidade do registro das palavras e facilitou a leitura, por outro lado, desenvolveu-se a noção de erro ortográfico com todo seu conteúdo de culpa e transgressão da norma. Quando a norma está estabelecida, a única alternativa dos usuários da língua é aprender para então reproduzi-la.

Considerando sua natureza de convenção social, o conhecimento ortográfico é algo que a criança não pode descobrir sozinha, sem ajuda. Quando compreende a escrita alfabética e consegue ler e escrever seus primeiros textos, a criança já apreendeu o funcionamento do sistema de escrita alfabética, mas ainda desconhece a norma ortográfica. Esta é uma distinção importante para entendermos por que os alunos principiantes cometem tantos erros ao escrever seus textos e por que temos que ajudá-los na tarefa de aprender a escrever segundo a norma.

Durante o processo de aquisição da língua escrita, a criança se depara com duas tarefas: compreender as regras do sistema alfabético de escrita e as normas que regem a escrita, ou seja, as normas ortográficas.

A apropriação do sistema alfabético por parte da criança é um processo gradual que envolve vários conhecimentos: a criança aprende a forma das letras, a direção da escrita na linha e a orientação em que se escreve na folha de papel, bem como elabora conhecimentos acerca do funcionamento da escrita alfabética.

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Tendo compreendido o funcionamento do sistema de escrita, resta à criança a árdua tarefa de compreender e apropriar-se das normas que regem esse sistema. Por exemplo, um aprendiz iniciante pode demonstrar ter compreendido as regras do sistema alfabético de escrita do português ao registrar a palavra CASA por CAZA. Neste caso,

o que o aprendiz ainda não domina, porque desconhece, é a norma ortográfica. Ele pode já ter notado algumas incongruências de nosso sistema alfabético (quando, por exemplo, descobriu que duas letras diferentes têm o mesmo som), mas ainda não internalizou as formas escritas que a norma ortográfica convencionou serem as únicas autorizadas (MORAIS, 2006, p.21).

Assim como a linguagem escrita, a ortografia necessita de um ensino formal, portanto é necessário compreender os processos intrínsecos a essa aprendizagem. A compreensão desses processos possibilita que os educadores adequem estratégias de ensino que promovam a aprendizagem da ortografia.

A seguir relatamos resultados de algumas pesquisas que evidenciam os processos de aprendizagem da norma ortográfica.

Nunes (1995) faz uma investigação sobre a origem dos erros de registro das palavras e aponta que os erros cometidos pelas crianças não são casuais, mas refletem tanto a lógica usada pelas crianças como o seu desconhecimento de princípios ortográficos.

Alvarenga (1995) assinala que é fundamental no processo de aprendizagem da escrita ortográfica que a criança (re)construa as relações entre o sistema de representação fonológica da língua falada e o sistema de representação ortográfica adotado.

Partimos do pressuposto teórico básico segundo o qual a aprendizagem acontece por um processo de interação entre um sujeito (um indivíduo que domina o sistema fonológico de sua língua) e um objeto a ser construído (a ortografia oficial importa pela sociedade). Mesmo que o objeto seja, a priori, estabelecido pela sociedade, na aprendizagem ele é, por força da interação, um objeto cuja estruturação interna se dá a conhecer. Nesse sentido, os aprendizes re-constroem o objeto, o que explica suas primeiras produções não serem necessariamente iguais às formas oficiais, que são, do ponto de vista pedagógico, o alvo final da aprendizagem (ALVARENGA, 1995, p. 26).

Carraher (1985) investigou a competência ortográfica de crianças de 1ª à 4ª série. Os resultados mostram que no processo de aquisição da escrita as crianças adquirem um sistema ortográfico, cuja evolução de aquisição se dá pelo confronto de suas hipóteses sobre a forma de registro das palavras durante o processo de aprendizagem. “há evidências de que as crianças adquirem um sistema ortográfico, e não apenas aprendem, pelo treino a escrever certas palavras, uma vez que palavras inventadas mostram os mesmos processos de produção envolvidos na grafia de palavras reais” (CARRAHER, 1985, p. 279).

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Zorzi (1998) realizou um estudo com crianças de 1ª à 4ª série a fim de compreender como se dá a apropriação progressiva do sistema ortográfico. Com base em seus achados fez uma escala de apropriação evolutiva das regras ortográficas. Os erros mais freqüentes foram aqueles originados pelo registro de palavras com apoio na oralidade, os erros por confusão entre as terminações am e ão e os erros ligados às representações múltiplas de fonemas. A sequência apresentada pelo autor reforça a idéia de um processo de construção de conhecimentos acerca da escrita, pela criança,

está claramente evidenciado que a apropriação do sistema de escrita é um processo evolutivo, que se dá de modo progressivo, na medida em que ela tem oportunidades para interagir com a escrita e com pessoas que escrevem. A partir de tal interação, a criança vai elaborando hipóteses ou idéias a respeito do que é a escrita, hipóteses que, por sua vez, revelam diferentes graus de conhecimentos que estão sendo por ela constituídos e organizados (ZORZI, 2003, p. 53-54).

Com o objetivo de examinar a existência de padrões de erros ortográficos Santos e Maluf (2006) investigaram o desempenho ortográfico de alunos de 5ª à 8ª séries. Os resultados mostram que algumas propriedades do sistema ortográfico são apropriadas pelos alunos de modo mais lento e exigem mais esforço. Segundo as autoras, o erro designado como substituição de letras em razão da possibilidade de representações múltiplas do som, foi o que mais se manteve ao longo das séries.

Monteiro (2005) investigou a capacidade que crianças de 4ª série têm de gerar ortografia. Os resultados indicam que os erros cometidos pelas crianças não são aleatórios, mas obedecem a uma lógica e expressam as hipóteses dos aprendizes. As crianças usam estratégias que revelam uma busca pela regularidade do sistema de escrita, que só é vencida pela criança quando os dados de realidade se contrapõem às suas hipóteses.

Com o objetivo de investigar o papel do significado na escrita de palavras, Nicolau (2007) realizou um estudo com alunos do 6° ao 9° ano do ensino fundamental. Os resultados indicam que os alunos não consideram o significado como fator diferenciador da grafia das palavras. Segundo a autora, a escrita correta de várias palavras do português requer a coordenação de dois princípios da ortografia: o principio fonográfico e o principio ideográfico. As crianças investigadas parecem levar em consideração mais frequentemente o princípio fonográfico. Nicolau (2007) salienta que as práticas pedagógicas pouco favorecem considerações do princípio ideográfico, enfatizando apenas o princípio fonográfico.

Rego e Buarque (1997) investigaram as contribuições específicas da consciência fonológica para a aquisição de regras ortográficas. Participaram do estudo 46 crianças de 1ª e 2ª séries do ensino fundamental. A consciência fonológica mostrou-se relacionada com a aquisição

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de regras ortográficas que dependem de uma análise minuciosa do contexto grafo-fônico da palavra, entretanto não constitui fator determinante na aquisição de regras ortográficas que dependem do uso de critérios gramaticais.

Leal e Roazzi (2005) estudaram a relação entre consciência metalinguística e ortografia. Participaram do estudo 112 alunos da 1ª e 2ª séries do ensino fundamental. Os autores aplicaram tarefas de escrita de palavras, tarefas de leitura e, posteriormente, foram entrevistadas. Os resultados indicaram que as crianças tentam fazer uso de informações sobre a ortografia para ler adequadamente as palavras. A consciência dos acertos deriva da consciência que a criança tem em relação às regras ortográficas, sendo assim, podemos dizer que os conhecimentos da ortografia são utilizados de forma mais eficaz quando são explícitos, mesmo que a explicitação seja verbalizada, pela criança, de maneira rudimentar.

É necessário que se perceba a busca consciente que a criança realiza ao tentar atingir a escrita ortográfica, e que pensar sobre ortografia faz com que ela adote estratégias gerativas, que resolvem o problema da opção ortográfica não apenas para uma palavra, mas para um conjunto de palavras com características similares (LEAL & ROAZZI, 2005, p. 118).

Morais (2003) propõe um modelo explicativo da aprendizagem da ortografia em que defende a ideia de que essa não seria uma aprendizagem direta dos estímulos. Segundo ele, o registro das palavras segundo a norma exigiria uma redefinição das representações internas elaboradas pelo aprendiz sobre as palavras e a norma ortográfica que define sua notação. A fim de verificar essa hipótese o autor criou uma situação de transgressão que admitiria abordar as relações entre a norma, o erro e a explicitação das representações ortográficas. As crianças fizeram uma atividade escrita em forma de ditado, logo depois o autor pediu para que essas mesmas crianças reescrevessem o mesmo texto, em outro papel, cometendo transgressões da norma ortográfica. Os resultados mostram que as crianças com menos erros no ditado tiveram uma tendência a transgredir no nível fonográfico, trocando consoantes de convencionalidade irregular, já as crianças com pior desempenho ortográfico, substituíam vogais ou operavam sobre aspectos gráficos. Essas crianças faziam transgressões superficiais que não danificavam a norma ortográfica.

Apoiadas na hipótese de Morais (2003), Santos e Maluf (2006) investigaram a relação entre tipos de transgressão intencional e desempenho ortográfico. Participaram da pesquisa 22 crianças da 4ª série do ensino fundamental. As crianças escreveram, sob ditado, um texto com 20 frases e em seguida receberam um protocolo com 22 palavras escritas. Foi pedido a elas que cometessem erros ortográficos, transgressões intencionais em cada uma das palavras. Os

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resultados mostraram que as crianças que cometeram menos erros ortográficos no ditado, faziam transgressões intencionais, considerando as normas do sistema ortográfico, já as crianças que cometeram mais erros ortográficos no ditado faziam transgressões intencionais que afetavam as regras do sistema alfabético de escrita de forma a modificar a palavra. Segundo as autoras seus resultados corroboram a hipótese de Morais (2003), ou seja, as crianças com melhor desempenho ortográfico são também mais capazes de transgredir deliberadamente a norma ortográfica.

Buscando compreender como o conhecimento de radicais semânticos pode favorecer a geração da ortografia, Guimarães e Roazzi (2005) investigaram a produção escrita de 80 alunos de diferentes graus de escolaridade. Os resultados mostraram que

muitos de nossos sujeitos, apesar de perceber tal semelhança, não utilizaram esse conhecimento na geração de grafias iguais para radicais semanticamente iguais. (...) Os sujeitos demonstram não ter consciência da importante conexão entre escrita e significado, e os professores não têm trabalhado com seus alunos como as regularidades dos morfemas se relacionam com a ortografia (GUIMARÂES; ROAZZI, 2005, p. 65).

Apoiada nos estudos de Guimarães e Roazzi (2005), Rosa (2007) investigou se alunos dos primeiros anos do ensino fundamental percebem a existência de radicais semânticos nas palavras e se esse conhecimento era usado como fator uniformizante na geração de ortografia. A autora utilizou um ditado de 6 quadras de palavras derivadas, sendo que em cada quadra havia duas palavras dicionarizadas e duas inventadas. Os resultados mostraram que muitos alunos não fazem considerações semânticas para gerar a grafia de palavras que compartilhavam o mesmo radical.

Consideramos que o conhecimento demonstrado pelas crianças [...] é um conhecimento implícito, portanto, não está sob o controle intencional do aprendiz. A explicitação desse conhecimento exige uma reflexão, por parte da criança, de que radicais semânticos iguais devem ser registrados da mesma forma. Tal reflexão e explicitação diminuiriam significativamente a necessidade de memorização da grafia convencional de nossa língua (ROSA, 2007, p. 38).

As pesquisas apresentadas anteriormente mostraram que a aprendizagem da linguagem escrita alfabética é um processo longo e complexo. A aprendizagem da língua escrita exige que o aprendiz tome a língua não apenas como meio de comunicação, mas como objeto de aprendizagem. Conforme sublinhado por Santos, Rosa e Nicolau (2009)

após a descoberta do princípio alfabético, ou seja a compreensão da correspondência entre letras e sons, a criança precisa relativizar essa concepção e considerar as regras ortográficas de registro das palavras, uma vez que nossa língua não apresenta regularidade absoluta entre letras e sons. Há, portanto, a necessidade de uma aquisição

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mais complexa e sofisticada que vai além do mero registro de sons (SANTOS; ROSA;

NICOLAU, 2009, p. 125).

Como foi possível perceber por meio dos resultados das pesquisas anteriormente relatadas, aprender a escrever em um sistema de escrita alfabética e ortográfica é um processo complexo e gradual, bem como uma tarefa árdua para o aprendiz. Nesse processo de aprendizagem, apenas a análise da fonologia, ou seja, dos sons, não é suficiente para uma escrita correta. É preciso levar em conta outros aspectos da estrutura linguística: morfologia, sintaxe e semântica. Conforme demonstrado por Zorzi (1998) a apropriação das regras ortográficas é progressiva e durante o processo de aquisição é possível identificar padrões de erros ortográficos.

Neste estudo temos por objetivo verificar o desempenho ortográfico de alunos de 4°ano do ensino fundamental identificando os erros mais frequentes. Participaram deste estudo 23 crianças com idades entre 9 e 10 anos, sendo 12 meninos e 11 meninas matriculadas em uma escola da rede pública municipal da cidade de Catalão/GO. As crianças realizaram uma tarefa de escrita sob ditado de um texto, adaptado de Zanella (2005), com 20 frases. A adaptação consistiu no acréscimo de palavras com dificuldades ortográficas que o instrumento original não contemplava.

Na análise das alterações ortográficas foram consideradas as seguintes categorias:

1. Alterações ortográficas por representações múltiplas de som: São alterações que se

caracterizam pela correspondência múltipla entre letras e sons. Exemplos: carrossa; traviceiro; queicho.

2. Alterações ortográficas por apoio na oralidade: As alterações que se caracterizam

pelo apoio na oralidade correspondem a uma tendência de se escrever as palavras do modo como elas são pronunciadas, como uma espécie de transcrição fonética. Exemplos: Girasou; soutou; inchugar.

3. Alterações ortográficas com omissões: As alterações por omissões de letras, como o

próprio termo sugere, caracterizam-se pela ausência de letras que deveriam estar compondo as palavras. Exemplos: taqui; quete; cobinar.

4. Alterações ortográficas com junção/separação: Alterações caracterizadas por junção

ou separação inadequada de palavras. Exemplos: deretemte (de repente); em dora (embora).

5. Alterações ortográficas com confusão am X ão: Alterações por substituição da

terminação “am” e “ão”. Essa troca também é influenciada pela oralidade. Exemplos: sigotarão (se gostaram); ficarão (ficaram).

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6. Alterações ortográficas com generalização: As alterações que configuram as

generalizações correspondem a um processo no qual um conhecimento gerado em uma determinada situação é estendido a outras com as quais a criança vê alguma semelhança. Exemplos: sentendo (sentindo); dandeicha (bandeja).

7. Alterações ortográficas com surdas/sonoras: Alterações decorrentes da confusão

entre letras que representam fonemas surdos e sonoros. Exemplos: machugado (machucado); ticholu (tijolo).

8. Alterações ortográficas com acréscimo: Alterações por aumento do número de letras

nas palavras sem precisão. Exemplos: vece (vez); auçaotou (assaltou).

9. Alterações ortográficas com letras parecidas: Alterações por não compreender com

precisão o traçado das letras assim como o valor sonoro que pode ser atribuído a cada uma delas. Exemplos: naçã (maçã); bicicheta (bicicleta.

10. Alterações ortográficas com inversões: Alterações por inversões correspondem a

confusões ou alterações que dizem respeito à posição das letras, quer em relação ao próprio eixo, quer em relação ao local que deveria ser ocupado dentro da palavra. Exemplos: cedola (cebola); dagusa (bagunça).

11. Outras alterações ortográficas: Nesta categoria enquadram-se formas particulares de

grafar determinadas palavras e que fogem dos erros mais comumente encontrados. Exemplos: tioro (piorou); deretemte ( de repente);

Para a análise qualitativa dos erros não consideramos a categoria 11, uma vez que foram incluídos nessa categoria de alterações formas particulares de grafar determinadas palavras que fogem dos erros mais comumente encontrados, como por exemplo, “prelacapicha” para pentacampeã; “farbido” para fabulosa; “sodor” para xodó.

A tabela abaixo mostra a frequência e a porcentagem das alterações ortográficas registradas pelas crianças em cada categoria.

Tabela 1. Frequência e porcentagem das alterações ortográficas realizadas pelas crianças

CATEGORIAS E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 E8 E9 E10 T

FREQUÊNCIA DE ERROS 236 41 842 162 29 78 148 129 68 15 1748 PORCENTAGEM DE ERROS 13, 50 2,34 48,16 9,26 1,65 4,46 8,46 7,37 3,89 0,85 100

Como é possível observar na tabela acima, a alteração ortográfica mais frequente foi por omissão de letras (E3), seguida pela alteração por representações múltiplas de sons (E1).

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Nas alterações por omissões encontramos omissões de letras que deveriam estar compondo a palavra, como por exemplo, “capo” para campo, omissões de letras que designam o plural, como por exemplo, “todo” para todos e omissões de sílabas e partes mais significativas das palavras, como por exemplo, “exente” para exigente.

Os resultados encontrados não são coerentes com resultados de outras pesquisas, uma vez que a literatura aponta que as alterações ortográficas mais frequentes são aquelas por representações múltiplas de sons. Embora as crianças investigadas tenham apresentado um número significativo de alterações por representações múltiplas de sons, essa categoria foi a segunda mais frequente.

Segundo Zorzi (2003), as alterações ortográficas por omissão de letras, sílabas ou partes mais significativas da palavra, não podem ser justificadas por uma dificuldade de origem visual, em termos de análise e síntese, de discriminação ou memória.

A ausência de uma ou mais letras nas palavras pode ter como causa um processo ainda não suficientemente desenvolvido de segmentação fonêmica, de modo que a criança pode não estar conseguindo detectar todos os sons componentes das palavras que escreve, o que resultaria na omissão das letras que a eles poderiam corresponder (ZORZI, 2003, p. 85).

Vale lembrar que as crianças investigadas estão no quarto ano do ensino fundamental e, portanto, o processo de aquisição e compreensão do princípio alfabético de escrita não está consolidado.

Algumas omissões podem ter ocorrido pelo fato das crianças terem ainda como hipótese a existência exclusiva da sílaba canônica, ou seja, a sílaba composta por consoante/vogal. Por exemplo, na palavra atletas, houve o registro de atetas. Isso também indica que as crianças ainda não dominam as peculiaridades do princípio alfabético de escrita, uma vez que sílabas complexas não foram ainda totalmente compreendidas pelas crianças. Escrever sílabas compostas por consoante/vogal parece ser mais simples do que escrever sílabas com outras possibilidades, tais como consoante/consoante/vogal.

Outra dificuldade que se impõe à criança no processo de aquisição da escrita é a compreensão de que uma vogal nasal é representada por duas letras, como no caso de campo. Na palavra campo, a primeira sílaba (cam) é composta, na oralidade, por uma consoante e uma vogal nasal, porém, ao escrevê-la, a criança deve fazê-lo com três letras. Neste caso, o m não está representando uma consoante, mas, sim, registrando a nasalidade da vogal. Enquanto na oralidade detectamos dois sons, são necessárias três letras para registrá-los. Podemos então concluir que o padrão de construção silábico tem relação com a omissão de letras.

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Os resultados encontrados mostram o quão complexo é o processo de aquisição da língua escrita do português. Sugerem também que o processo de alfabetização deve focalizar habilidades de segmentação das palavras de modo a levar a criança a detectar todos os sons que compõem as palavras, identificar as correspondências entre letras e sons, e explorar a construção de sílabas cuja construção não corresponde à sílaba canônica (C/V).

Nossos resultados apontam a necessidade de que a criança desenvolva procedimentos de análise e comparação que a levem a compreender a estrutura sonora das palavras, as possibilidades de construção silábica e suas representações gráficas.

REFERÊNCIAS

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