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STANISLÁVSKI E AS AÇÕES FÍSICAS: DAS PARTITURAS CORPORAIS ATÉ A DRAMATURGIA DO ATOR

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Academic year: 2021

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STANISLÁVSKI E AS AÇÕES FÍSICAS: DAS PARTITURAS CORPORAIS ATÉ A DRAMATURGIA DO ATOR

STANISLÁVSKI E ESTADOS ANÍMICOS:

Reflexões sobre Modos de Atuação no Trabalho do Núcleo de Pesquisa ÁQIS

Patricia Leandra Barrufi Pinheiro; André Luiz Antunes Netto Carreira (orientador); PPGT – UDESC

“Será que devemos usar nossos mesmos e velhos sentimentos (…) em todos os tipos de papel, de Hamlet a Sugar, em O pássaro azul? E o que mais podemos fazer? (…) Vocês esperam que um ator invente todo tipo de novas sensações, ou até mesmo uma nova alma, para cada papel que interpretar? Quantas almas teria ele que abrigar?” (Stanislavski, 1988 p. 21)

O grupo de pesquisa ÁQIS – Núcleo sobre Processos de Criação Artística (UDESC), estuda desde 2007, formas de atuação através dos chamados Estados Anímicos. Entende-se por Estados Anímicos o ato de expressar “emoções”, “sensações”, mudanças fisiológicas e/ou comportamentais, buscando assim, uma linguagem corporal. Para o grupo de pesquisa o trabalho com os Estados é um campo de experimentação teatral que não se pauta na representação, mas sim numa proposta de criação e atuação através de estados emocionais gerados de forma lógica pelo ator. Ou seja, o ator define um estado desejado (tristeza, alegria, cansaço, excitação, entre outros) e busca codificar em seu corpo as formas de acessar essa “sensação”: acelerar a respiração, tensionar partes do corpo, etc. Na atuação por estados, os atores identificam logicamente os “gatilhos” para conseguir chorar, por exemplo.

A proposta inicial do trabalho do grupo foi trabalhar a partir da nossa própria noção do que seriam os chamados Estados Anímicos, sem contaminações de definições já pré-estabelecidas, buscando assim, uma pesquisa prática. E em um segundo momento, fomos em busca de conceitos, partindo para estudos teóricos para embasar o trabalho. Neste artigo procuro fazer uma reflexão sobre o trabalho com os chamados Estados Anímicos, utilizando algumas conceitos de Stanislávski em união com a teoria desenvolvida pelo grupo ÁQIS.

O processo com os Estados Anímicos teve início como um desejo de iniciar uma pesquisa consistente e diferenciada, da pesquisa corporal que já realizávamos, voltado para experiências de atuação. Segundo Carreira (2011) “estes estados são induzidos e experimentados pelos atores como jogo” e posteriormente colocados em cena no processo de interpretação.

A construção de jogos de interpretação impulsionada pela experimentação de estados anímicos articula uma condição de interpretação independente da lógica do texto, da história, das motivações internas da personagem proposta pela

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dramaturgia. Então se pode dizer que buscar um estado – de alegria, de tristeza, de imobilidade, de euforia, de depressão etc. -, é buscar uma condição básica, um patamar sobre o qual será construído o processo de interpretação. (Carreira & Fortes, 2011 p.12)

Com base nessa forma de atuação, o núcleo de pesquisa teatral Áqis criou os espetáculos “Circus Negro” (2008), “Pequenos Burgueses” (2011) e “Baal” (2013). Uma das premissas para a criação teatral do grupo é que a construção corporal precede a leitura do texto, não devendo assim, os atores se influenciarem pelos personagens que interpretam.

No trabalho com os Estados Anímicos acredita-se que “despertar” o sentimento (ou sensação) por ele mesmo, sem a intenção de contextualizar uma cena específica ou um texto específico, auxilia na busca por uma ruptura na interpretação. Para uma maior compreensão, podemos ainda definir Estados como:

as emoções como reações subjetivas e experiências associadas a variações fisiológicas e comportamentais, comunicando a condição interna da pessoa aos outros, provocando uma resposta. Identificamos estados emocionais não somente por suas expressões faciais, outrossim, pela atividade motora, linguagem corporal e mudanças fisiológicas. (Pereira in Carreira & Fortes, 2011 p. 114).

Ou seja, a atividade motora, a linguagem corporal e as mudanças fisiológicas ditam a condição dos estados muito além das expressões faciais, o ato de “mostrar” estar triste, alegre, etc. Outra questão bastante pertinente ao grupo é a liberdade de improvisação, nas mudanças de estados e na relação com os outros atores. Em nossos estudos, encontramos uma definição do pesquisador teatral Jorge Dubatti, sobre o Teatro de Estados, que se assemelha a nossa compreensão do ato de improvisar a partir de Estados Anímicos. O autor cita que no Teatro de Estados, mesmo realizando experiências com o texto e “desviando a história e extraviando o tempo cronológico pelo tempo de intensidades”, podem surgir “novos espaços-tempo” (Dubatti, 2007).

A questão de criar diferenciados tempos de intensidades e de experimentações (mesmo utilizando um texto, não nos prendemos a ele), torna a pesquisa pela atuação através de estados algo desafiador. Isso acaba obrigando os atores do grupo a questionarem constantemente seus conceitos e seu produto artístico.

Entende por teatro de estados um teatro de corpos de atores afetados pelo acontecimento teatral, pela ação da poética. Um teatro em que vale mais as presenças do que as ausências, um teatro do aqui e agora, do “entre”, que relacionam atores com atores e atores com espectadores (Dubatti , 2013).

Neste contexto, pode-se citar que as investigações cênicas do Áqis contrariam algumas ideias de Constantin Stanislavski.

É possível alguém sentar-se em uma cadeira e sem nenhum motivo ter ciúmes? Ou ficar todo emocionado. Ou triste? Claro que é impossível (…) em cena (…) não pode haver, em circunstância alguma, qualquer ação cujo objetivo imediato seja o de despertar um sentimento qualquer por ele mesmo. Desprezar essa regra só pode resultar na mais repugnante artificialidade. (Stanislavski, 1986 p. 68)

Stanislávski, também utilizou-se da palavra “Estados” no trabalho com atores. Ele buscou a compreensão de estados físicos-espirituais que auxiliassem os atores em seus processos criativos. Mas é interessante ressaltar que, apesar de Stanislávski utilizar-se do termo, este se difere na forma compreendida pelo grupo de pesquisa ÀQIS. Todavia, a compreensão da noção de Estado Interior de Criação, citada por Stanislávski é de supra importância para compreender o trabalho desenvolvido pelo grupo. Para o diretor russo,

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esse Estado Interior é alcançado pelo união de elementos como mente, vontade, sentimentos e disponibilidade de atuação. Para ele, no Estado Criador, é muito importante a “ausência de toda e qualquer tensão física e a completa subordinação do corpo à vontade do ator”, e que a criatividade seria “condicionada pela absoluta concentração de toda a natureza do ator” (Stanislávski, 1988 p.65).

Sobre o Estado Criador, Stanislávski fala ainda sobre desenvolvermos um domínio pleno e completo (ele fala da arte, mas podemos contextualizar aqui, o domínio sobre o corpo e a atuação). No trabalho com os estados também se busca esse controle sobre o corpo, esse domínio sobre o que estamos criando e desenvolvendo como um trabalho de atuação. Nas palavras mais precisas de Constantin Stanislávski acerca desse ato criativo, “Um ator volta-se para o seu instrumento criador, tanto espiritual quanto físico. Sua mente, vontade e sentimentos combinam-se para mobilizar todos os seus elementos interiores”, surgindo assim o que ele define como estado interior de criação, afirmando que assim os atores são capazes de possuir “domínio pleno de sua arte” (Stanislávski, 1988 p.65). O “sistema” leva o ator ao estado criativo através da perda da tensão muscular e objetiva exprimir os estados interiores pela imaginação.

Podemos pensar também na definição das Ações Físicas no contexto com o trabalho com os estados. Principalmente quando o autor fala sobre objetivo e autenticidade. A pesquisa prática dos atores almeja uma definição dos objetivos da construção de seu estado. Eu, enquanto pesquisadora, procuro que estes objetivos sejam claros e autênticos em minha construção criativa.

Não há ações físicas dissociadas de algum desejo, de algum esforço voltado para alguma coisa, de algum objetivo, sem que se sinta, interiormente, algo que as justifique; não há uma única situação imaginária que não contenha um certo grau de ação ou pensamento; nenhuma ação física deve ser criada sem que se acredite em sua realidade, e consequentemente, sem que haja um senso de autenticidade. Tudo isso atesta a estreita ligação existente entre as ações físicas e todos os chamados “elementos” do estado interior de criação. (Stanislávski, 1988 p. 2)

No trabalho realizado no espetáculo “Circus Negro” (2008), a proposta do ÁQIS foi trabalhar com os estados anímicos levados ao extremo e ao mínimo (de forma física). Inclusive definimos graus de atuação destes estados. Poderíamos mantê-los em determinadas porcentagens aproximadas: 1%, 15%, 50%, 80% e 100% (ou poderíamos variar entre estas porcentagens de acordo com nossa vontade). Nesta montagem, foi escolhido apenas um estado como fio condutor para cada atuação. A performance foi criada para ser apresentada no espaço urbano, com utilização de trajeto. O público precisava acompanhar os atores, numa espécie de procissão por vários locais, onde os atores estipulavam que aconteceriam as cenas. Então, a manutenção dos estados deveria se dar por todo esse momento: na relação e na condução do público, na relação com os atores em cena.

Posteriormente a este trabalho, o grupo lançou um livro intitulado “Estados: Relatos de uma experiência de pesquisa sobre atuação” (2011 – UDESC) com artigos escritos por todos os integrantes, onde expõem suas compreensões sobre o processo laboratorial criado com os Estados. Um dos artigos, contextualiza o modo de construção individual dos atores, explanando sobre como estes pensaram sobre seus processos criativos, estímulos, recursos físicos, experiência, modificações e articulação entre texto e estado. Uma das afirmações mais recorrentes foi que a busca pelo estado realmente partia de algo muito íntimo e interno, e que “(...) vários foram os caminhos experimentados por cada ator”, onde chegamos a conclusão que “os questionamentos individuais se intersectam a partir das indagações sobre o jogo com os estados” (Santos in Carreira & Fortes, 2011 p. 33).

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A explicação do processo criativo de uma das atrizes, que também participou da escrita do livro, define bem o trabalho que realizamos para a performance do “Circus Negro”. A atriz Naiara Alice Bertoli transcreve suas impressões físicas quando almejava encontrar os estados de depressão e choro:

(…) encontrei uma forma física que foi se definindo ao longo da pesquisa e que ao final, consistia em movimentar rapidamente o pé direito de forma que toda a perna balançasse e então eu deixava que esse movimento fluísse em todo meu corpo. Ao mesmo tempo, comprimia o abdome repetidas vezes, forçando o ar a sair pela boca. Com a junção do movimento que vinha da perna, o abdome começava a fazer movimentos fragmentados, como quando choramos ou rimos. Porém nesse momento, o impulso para que o estado realmente se instaurasse era auxiliado pelas imagens. Eram imagens provocadas: olhava para alguém com um estado melancólico e sentia pena, tristeza; (…) Mas assim que o choro vinha, começava a focar no abdome e era o suficiente para que me levasse ao extremos do estado (…). (Bertoli in Carreira & Fortes, 2011 p. 85)

Já para a criação dos “Pequenos Burgueses” (2011), a ideia era intercalarmos dois estados e explorar a transição entre eles. Nesta experiência trabalhamos com a noção de camadas, sobrepondo informações como figurino, relação e sobreposição de estados. Isso recorda o pensamento de Stanislavski sobre a composição de elementos em cena e que estes não podem ser dissociados do trabalho de ator: “Em cena, como na vida real, os elementos - ação, objetivos, circunstâncias dadas, senso de verdade, concentração da atenção, memória emocional – devem ser indivisíveis”, afirmando ainda que “Eles atuam simultaneamente uns sobre os outros, e complementam-se mutuamente”, sendo portanto componentes “básicos e orgânicos (…) necessários ao estado criador de um ator” (Stanislávski, 1988 p.55). A apresentação do “Pequeno Burgueses” se deu em uma sala fechada, decorada como sendo uma casa familiar, com sofás, televisão, mesa de cozinha, bebidas e comida. Os atores só ficaram conhecendo o cenário no dia da apresentação e tiveram que aprender a se relacionar com esse local de modo improvisado. Outro diferencial do experimento em questão, era que os atores nunca haviam ensaiado juntos. Uma das propostas era exatamente lidar com o desconhecido: o espaço e a apresentação em si. Como continuamos apresentando algumas vezes, e o espaço já estava então conhecido, criamos de forma inconsciente outra proposta: a montagem “Pequenos Burgueses” possui dois núcleos de atores, que intercalavam sua participação nas apresentações, então nunca sabíamos exatamente com quem iríamos contracenar no dia.

Na performance teatral “Baal (2013), atual experiência realizada pelo grupo, os atores trabalham com sobreposições de estados, em vários níveis de porcentagens como na montagem “Circus Negro”, mas também com variações. Inicialmente, “Baal” foi desenvolvido para ser apresentado no espaço urbano. Quando apresentamos na rua pela primeira vez, o grupo refletiu e decidiu experimentá-lo também em espaços fechados. Essa decisão se deu pela energia gerada pelos estados dos atores, que nos pareceu, em um primeiro momento, mais baixa do que no trabalho do “Circus Negro”, por exemplo. O núcleo voltou então a se questionar sobre as composições com os Estados Anímicos criados pelos estímulos físicos e sobre a manutenção destes durante o momento da apresentação (período em que nos encontramos atualmente).

Tendo em vista que o trabalho do Núcleo de Pesquisa ÁQIS teve seu início em uma pesquisa prática e posteriormente um aprofundamento em uma pesquisa teórica para embasarmos nossos estudos, foi possível perceber que apesar de parecer contrariarmos as ideias de Constantin Stanislávski, na busca desassociada das “emoções” e estados, o estudo deste se fez necessário para uma maior compreensão deste trabalho. É possível encontrarmos reflexos da noção que possuímos sobre os processos de criação dos Estados

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em vários momentos na fala de Stanislávski: na memória das emoções, nas ações físicas e no estado interior de criação. Apesar das diferenças de pensamento, algumas noções se identificam e se conciliam.

O processo criativo originado através do processo com Estados Anímicos é algo denso para nós, enquanto atores, do ponto de vista da intensidade e pela concentração de informações que buscamos fisicamente para compor nossa linguagem corporal. Procuramos trazer a todo instante uma racionalidade das ações para que a noção desse “estado” não se torne puramente emocional, pois não é esse o objetivo. Essa “sensação” buscada como um modo de atuação deve ser codificada e poder ser acessada sempre que o ator entrar em cena. Por isso não podemos depender de lembranças dessas sensações, mas podemos sim acionar os “gatilhos” que despertam esse corpo anímico, pronto para entrar em cena e atuar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARREIRA, André; FORTES, Ana L. Estados: Relatos de uma experiência de pesquisa

sobre atuação. Editora da UDESC: Florianópolis, 2011.

DUBATTI, JORGE. Apuntes sobre Ricardo Bartís creador. Disponível em: Revista Meyerhold, n. 5. Buenos Aires. p. 1 Disponível em: http://www.revistameyerhold.com/numero5.html acesso 30 de junho de 2013.

DUBATTI, Jorge. Filosofia del teatro I : convivio, experiencia, subjetividad. 2º ed. Buenos Aires: Atuel, 2007.

MAURO, Karina. Estética de la multiplicidad, teatro de intensidades, teatro de

estados: un teatro eminentemente porteño. Informe VII. Alternativa Teatral. 7 de abril de

2009. Disponível em: http://www.alternativateatral.com/nota375-informe-vii-estetica-de-la-multiplicidad-teatro-de-intensidades-teatro-de-estados-un-teatro-eminentemente-porteno acesso em 30 de junho de 2013.

MUÑOZ P., Carolina. Eduardo Pavlovsky: Teatro del Estupor. Acta lit. n.29 Concepción, 2004. Disponível em: http://www.scielo.cl/scielo.php?pid=S0717-68482004002900005&script=sci_arttext acesso em 30 de junho de 2013.

STANISLAVSKI, Constantin. Manual do Ator. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do Ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

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