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The Circle Brasil: dinâmicas de rede social e sociabilidade1

Kamilla Abely Dias GOMES2 Alan Soares BEZERRA3

Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL

RESUMO

O The Circle Brasil é um reality show que simula uma rede social na qual os participantes disputam por popularidade. Este artigo discute os aspectos de sociabilidade virtual - amplificados pela competição - e o formato de rede social retratado no programa. Foram destacadas temáticas dentro da 1ª temporada (12 episódios) do The Circle Brasil, utilizando, entre outras, as considerações de Craveiro (2004), Martino (2004), Recuero (2009) e Sibilia (2008) para teorização e análise. Foi possível concluir a abordagem da cultura digital nas mídias sociais como um dos fatores que permitem que as versões de

“The Circle” representem uma fórmula de grande êxito midiático.

PALAVRAS-CHAVE: The Circle Brasil; Rede social; Sociabilidade virtual; Reality show; Netflix.

Introdução

Em um momento de forte aposta das plataformas de streaming nos reality shows e da volta do gênero nas TV’s, o programa The Circle surge com uma proposta diferente e moderna de competição. O atual reality da Netflix4 confina nove participantes,

desconhecidos entre si, em apartamentos individuais para interagirem de forma online, por meio da rede social “The Circle”, competindo por um prêmio em dinheiro.

O programa ganhou uma versão brasileira pelo sucesso já confirmado em outros países (Reino Unido e Estados Unidos5). Gravado em 2019, o “The Circle Brasil” é o

primeiro reality brasileiro lançado pela Netflix. Idealizado por Tim Harcourt, o originário ocorre no Reino unido com duas temporadas (1ª - 2018; 2ª - 2019).

A versão brasileira foi estreada em março de 2020, depois da versão americana (janeiro de 2020), ambas gravadas na Inglaterra - ainda que imagens de cidades locais

1 Trabalho apresentado no DT04 - Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

2 Estudante de Graduação 3º. semestre do Curso de Jornalismo da Ufal, e-mail: kamilla.gomes@ichca.ufal.br 3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Ufal, e-mail: alan.bezerra@ichca.ufal.br 4 Plataforma global de filmes e séries de televisão via streaming.

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dos países sejam apresentadas durante o reality. A última versão do programa, o “The

Circle França” foi lançada em abril. Todas as versões, exceto a do Reino Unido (formato

TV), estão disponíveis na Netflix.

Em resumo, o jogo consiste numa disputa por popularidade em que, a cada pequeno período de horas (um dia, em média), os competidores votam entre si, criando um ranking baseado no quanto interagiram. Os dois primeiros colocados se tornam

influencers com o poder de bloquear/eliminar alguém. O jogador eliminado pode visitar

alguém antes de ir embora, revelando se era realmente quem se mostrava no perfil. Apesar de toda dinâmica ser conduzida pela própria “rede social”, não existindo uma interação simultânea da audiência ou mesmo presença de auditório, o reality não dispensa a figura do apresentador. Na versão brasileira, as situações ao longo do jogo são narradas e comentadas pela atriz e modelo Giovanna Ewbank, de forma indireta.

Um ponto interessante é que o tipo de confinamento apresentado pelo The Circle, no qual os jogadores estão isolados em apartamentos conversando virtualmente, propõe uma metalinguagem com o isolamento social vivenciado mundialmente em decorrência da pandemia da COVID-19.

Temos, nesse sentido, uma característica principal do gênero: união do mundo vivido e mundo midiático como uma simulação (ROCHA, 2009). Através das mídias sociais, apresenta-se um contexto em que as interações humanas se viabilizam, sobretudo, no ambiente virtual: no mundo real, o contato online é potencializado na prevenção à disseminação do novo coronavírus, e no reality como modelo de competição.

Tendo em vista que um reality show dramatiza um conteúdo, baseando-se na realidade, é válido perceber e compreender a forma como tais programas buscam representar as novas tendências vivenciadas. No caso do The Circle, temos a abordagem da sociabilidade humana à distância, no universo das redes sociais. Nele, em virtude da competição por popularidade e espetacularização da vida real, tais aspectos são amplificados ao longo dos episódios.

Assim, para a composição deste artigo, foi usado como método a pesquisa bibliográfica; análise descritiva a partir das temáticas identificadas nos episódios da 1ª temporada do The Circle Brasil; análise de matérias sobre o programa e pesquisa na web. Além disso, a análise de rede social e sociabilidade no ciberespaço partiu-se, principalmente, das considerações de Recuero (2009) e Sibilia (2008). As análises sobre

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Reality Show e o programa baseiam-se em Rocha (2009), Craveiro (2004), Jenkis (2009),

França e Guimarães (2004), respectivamente.

Reality show – dinâmica e transformações

No jogo televisivo, a intenção por trás dos conteúdos veiculados é a busca e fidelização da audiência. Para atingir tal objetivo, sobretudo no campo do entretenimento, são trabalhados diversos gêneros já existentes que possuem êxito no mercado. Dentro deles, destacamos o Reality Show que possui uma enorme adesão por se basear numa realidade ensaiada, aproximando-se do público.

Dentro do universo audiovisual, é possível notar maior interesse quando os filmes são “baseados em fatos reais” - possuem compromisso com o real. Esse processo de identificação, que explica a adesão da audiência, também é observado por Sofia Craveiro ao analisar a razão da proliferação de reality shows nas emissoras portuguesas: “Através da realidade representada, os indivíduos identificam-se com os dramas e veem-se nos anônimos” (CRAVEIRO, 2004, p. 29).

“An american family”6 foi a primeira produção televisiva a originar o gênero.

Produzido pelo canal norte-americano PBS, em 1973, exibia a história e impasses de uma família tradicional, abordando temas como divórcio e homossexualidade – grandes tabus da época. Depois de outros realities com inspiração semelhante, o gênero foi ganhando espaço na televisão, evoluindo o formato e se diversificando ao longo do tempo.

No Brasil, o primeiro reality show chegou somente em 2000, através do programa No Limite7 (versão do programa estadunidense Survivor) estreado na Rede Globo. Nele, um grupo de 12 a 20 pessoas conviviam na floresta, competindo entre si na realização de provas e testes de resistência.

Ao se apropriar de elementos de outros programas de televisão (drama das novelas; interatividade do auditório), o reality show demonstra alta capacidade de reinvenção. Apresentando-se, assim, em diversos subgêneros (confinamento, sobrevivência, talentshow, gameshow etc) e conservando a exposição da vida real de pessoas comuns enquanto pilar-base do gênero.

No contexto brasileiro, o programa mais popular do gênero é o Big Brother Brasil (BBB) que conta com 20 edições até o ano de 2020. De acordo com uma pesquisa da

6 Disponível em: <http://www.super.abril.com.br/>. Acesso em 26 de julho de 2020. 7 Disponível em: <http://www.tricurioso.com/>. Acesso em 26 de julho de 2020.

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SEMrush8, empresa de marketing digital, o reality de confinamento da Rede Globo liderou o ranking com cerca de 23 milhões de buscas na internet em 2019.

Também estão investindo nos reality shows atualmente, além das emissoras de televisão, os serviços de streaming – obtendo o segundo maior ibope do Brasil9 no mês de junho. O formato apresenta um bom custo-benefício, mais acessível que a produção de uma série, tendo a capacidade, contudo, de gerar engajamento equivalente ou maior por ser um gênero popular.

Na Netflix, por exemplo, que já possui cerca de 182 milhões10 de assinantes em todo mundo, o número de programas do gênero foi de dois para 64 nos últimos quatro anos. A oferta de catálogos diversificados, para além das séries e filmes, gira em torno da busca pela audiência.

Há uma adaptação dos formatos para o mercado local com a criação de versões, propiciando uma maior aderência do público ao conteúdo pelos personagens nativos. Nas produções originais da plataforma, destacam-se o próprio The Circle, Casamento às Cegas, Too Hot To Handle, RuPaul’s Drag Race, Dating Around, Magos da Decoração,

Next in Fashion, entre outros.

Hibridização - real e virtual

Com o advento da internet, grande parte das interações humanas foram teletransportadas para o mundo digital. Esse local que, além da obtenção e compartilhamento de dados, permite a construção e manutenção de relações sociais é denominado ciberespaço. Conceito que Luís de Sá Martino (2004) define como “espaço de interação criado no fluxo de dados digitais em redes de computadores; virtual por não ser localizável no espaço, mas real em suas ações e efeitos” (MARTINO, 2004, p. 11).

Vivemos rodeados por aparelhos tecnológicos em nossa rotina. Com o uso da internet e dos smartphones, estamos conectados a todo momento, uns aos outros, não importando a distância física, interagindo e compartilhando acontecimentos dentro desses dois mundos paralelos, porém interligados: o virtual e o físico.

A ponte entre esses dois mundos se faz sobretudo pelas redes sociais. Segundo o relatório Global Digital Statshot 201911, produzido pelas empresas de dados Hootsuite e

8 Disponível em: <https://observatoriodatv.uol.com.br/>. Acesso em 26 de julho de 2020. 9 Disponível em: <https://tvefamosos.uol.com.br/>. Acesso em 25 de agosto de 2020. 10 Disponível em: <https://canaltech.com.br/>. Acesso em 25 de agosto de 2020. 11 Disponível em: <https://super.abril.com.br/>. Acesso em 09 de agosto de 2020.

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We Are Social, 3,5 bilhões de pessoas possuem cadastros em alguma rede ao redor do

mundo - o Brasil, com 66% de sua população, é um dos países com maior aumento no número de usuários nas redes sociais. Elas são definidas por Raquel Recuero (2009) “como um conjunto de dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais)” (RECUERO, 2009, pg. 24).

Com isso, percebemos que, à medida em que a realidade está constantemente se modificando, os meios de comunicação também se transformam e se atualizam junto, acompanhando as dinâmicas do mundo virtual. Esse processo de mudança da comunicação é abordado como “era da transição midiática” por Henry Jenkins em seu livro “Cultura de Convergência” (2009).

A fase é pautada pela transformação da forma como os meios de comunicação funcionam. Sendo assim, as mídias tradicionais se misturam com as novas tecnologias que surgiram para suprir as necessidades e novos hábitos dos consumidores. Isso porque:

[...] a mídia não está fora da sociedade (ela faz parte da vida e da dinâmica social), e os produtos midiáticos tanto refletem quanto orientam uma dada realidade. As práticas comunicativas são constituidoras da vida social e, ao mesmo tempo, constituídas por ela - o que altera completamente (mas também dificulta) a forma de abordá-las. (FRANÇA; GUIMARÃES, 2004 apud ANTUNES; VAZ, 2006, p. 44).

Com os mundos real e virtual coexistindo, assim como as novas mídias e os tradicionais meios de comunicação, essas relações vão se misturando a ponto de gerar novos produtos. No ambiente televisivo não seria diferente, o reality show também se adapta às inovações tecnológicas, transparecendo mudanças no formato.

As redes sociais, por exemplo, e a interatividade fornecida por elas são um ponto chave em muitos reality shows da TV aberta (Big Brother Brasil, MasterChef Brasil, A Fazenda). Sendo, assim, ferramentas indispensáveis na continuidade dos jogos em que o público ganha certa autonomia ao decidir o destino dos participantes pela votação.

No contexto de vídeo on demand (VOD)12, essa interatividade não acontece em

tempo real tendo em vista que os episódios e temporadas dos realities ficam disponíveis para quando o usuário quiser acessar, diferente da dinâmica da TV aberta. Tal fato, entretanto, não impede que as mídias digitais se tornem ferramentas de impulsionamento dos programas ou mesmo que tais formatos, no âmbito da cultura de convergência, sofram a influência delas.

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No que diz respeito à divulgação dos realities pela internet, a visibilidade nas redes sociais proporciona destaque midiático e alcança mais pessoas. Isso porque a exposição da vida particular por si só rende debates: na vida, esses julgamentos se veiculam pelo boca-a-boca nas “praças” das cidades; já no caso dos realities, o debate público sobre a vida do outro tem viabilidade no ambiente virtual, por meio das redes sociais.

E a aposta das plataformas VOD no gênero também tem como interesse principal essa vantagem midiática. Em entrevista13 à revista Rolling Stone Brasil, o diretor e criador de conteúdo audiovisual, Rico Perez afirma: "o streaming tem investido (nos reality

shows), porque gera comentário e audiência (nas redes sociais), atrai mais público e

fortalece a rede de assinantes que aquela plataforma tem".

Por fim, no ponto de vista do modelo dos programas, essa complexificação entre real-virtual é demonstrada no caso do The Circle e suas versões. Isso porque se trata de um reality show que propõe, enquanto programa que simula a realidade, a imitação de uma rede social - não só enquanto estrutura, mas envolvendo também todas as dinâmicas de sociabilidade existentes como base da competição.

O formato de rede social: Circle, mensagem

O The Circle é uma rede social local que conecta os participantes de cada apartamento do mesmo prédio. Ela é acionada por comando de voz, simulando um tipo de assistente virtual14 (como a Alexa da Amazon ou Google Assistente), apesar de não interagir com os jogadores.

13 Disponível em: <https://rollingstone.uol.com.br/>. Acesso em 22 de agosto de 2020. 14 sistemas inteligentes utilizados para realizar tarefas, respondendo comandos de voz

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A plataforma possui diversos recursos presentes em redes sociais reais. No layout, temos as seguintes abas disponíveis com ícones representativos: Menu principal; Chats; Notícias; Perfil; Álbuns; Avaliações; Jogos.

Os chats propiciam o compartilhamento de mensagens e marcação dos usuários por meio do @ nas conversas. Além do chat do Circle com todos os jogadores, é permitido iniciar novos chats em grupo ou privados. Essa funcionalidade está presente em todas as redes sociais e aplicativos de mensagens (Whatsapp; direct do instagram;

messenger do Facebook).

Vale ressaltar que a troca de mensagens de texto é a única forma de comunicação entre os competidores. A rede social simulada no reality não permite envio de mensagens de voz (áudios), ligações ou videochamadas para proteger a identidade dos participantes por trás dos perfis já que também existem fakes. Essas mensagens de texto são digitadas de forma instantânea pelo assistente digital nas telas de monitores distribuídos pelos cômodos dos apartamentos, ativado por comandos de voz como, por exemplo: “Circle, mensagem”, “Circle, enviar”.

A plataforma também permite a atualização de status “como você está se sentindo?” por meio da aba “Notícias”. Essa atualização pode ser feita com adição de imagens ou apenas texto, layout parecido com o de um tweet (“o que está acontecendo?”) ou post no Facebook (“no que você está pensando?”) com opções de curtir, compartilhar, salvar e visualizar as curtidas. Além disso, há a publicação de vídeos com recados dos jogadores eliminados do reality.

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Na aba “Perfil”, encontramos as seguintes informações básicas preenchidas pelo jogador: foto do perfil, nome, idade, status de relacionamento, “conte-nos um pouco sobre você…” - este último funciona como uma biografia (assim como no Instagram), descrição breve sobre a personalidade e gostos individuais. Nela, também há a opção de atualização de status e visualização de outras fotos adicionadas pelos participantes (assim como o

feed do Instagram).

Ao longo do jogo, há a possibilidade de inserir novas fotos ao perfil com a permissão da plataforma por meio de desafios no chat geral. Na aba “Álbum”, cada participante pode acessar suas fotografias, organizadas em álbuns temáticos como pastas de arquivos.

Aba de configuração de perfil e atualização de status – Fonte: captura de tela da Netflix Aba “Notícias” com status publicados pelos jogadores - Fonte: captura de tela da Netflix

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A aba “avaliações” é um dos recursos principais dentro da dinâmica do reality que permite as eliminações dentro do jogo. Através dela, os jogadores montam um ranking de acordo com a popularidade, avaliando os demais do 1º ao 8º lugar conforme nível de interação e/ou estratégias. Nas redes sociais, não temos esse tipo de classificação, mas em aplicativos como o UBER é possível avaliar em estrelas (de 1 a 5) a qualidade do atendimento e serviço ofertado pelo motorista.

Por fim, o que não poderia faltar em um reality: desafios para acirrar a competição. No “The Circle”, essa interação é encontrada na aba “Jogos” em que, ao longo do jogo, são ofertadas brincadeiras virtuais, como quizzes, desafios etc - algumas delas no anonimato. Esse recurso é encontrado no Facebook que comporta joguinhos online de diversas categorias (populares, batalha, cassino etc) alguns na tipologia “Instant Games” com a possibilidade de convidar amigos.

Pergunta do jogo “Quebra-gelo” e comentários sobre o resultado – Fonte: captura de tela da Netflix Aba de Avalições – Fonte: captura de tela da Netflix

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Sociabilidade virtual entre os participantes

As dinâmicas de relacionamento online presentes no nosso cotidiano, por meio da utilização das redes sociais, são evidenciadas no programa “The Circle”. Contudo, cabe ressaltar que a sociabilidade em si é amplificada pela natureza de qualquer reality. Há, nesse sentido, a dramatização de um conteúdo (no caso, a interação virtual) com base no mundo real, tornando-o um espetáculo para consumo do público enquanto produto de entretenimento.

Em toda rede social, há o anonimato pelo distanciamento físico e o “The Circle” é um reality que carrega o slogan “jogo em que você pode ser quem quiser”. Após a apresentação dos competidores, o primeiro passo é a criação de um perfil que pode ser baseado na realidade ou não. Já que a primeira impressão é a que fica, vale tudo para criar um perfil interessante e alcançar a popularidade, desde mentir a idade ou status de relacionamento até se passar por outra pessoa.

Os perfis falsos, conhecidos como “fakes” ou “catfishes”, sempre estão na mira dos bloqueios, sobretudo no início do jogo pela pouca interação. Na versão brasileira do

reality, a primeira eliminada foi uma jogadora que, por ter características físicas dentro

do padrão de beleza e por usar uma foto com maquiagem (considerada pouco natural), foi julgada como um perfil não verdadeiro.

Nessa caça aos fakes, há erros e acertos, mas não deve ser o foco principal do jogo. Isso porque o fato de alguns jogadores fakes chegarem à final, surpreendendo a todos os outros participantes, ilustra bem a não anulação de sua presença enquanto ator na rede, fazendo parcerias, interagindo e jogando com estratégia.

Do outro lado do anonimato, há a alta exposição da vida pessoal presente nas redes sociais. Apontado por Sibilia (2008) como “imperativo da visibilidade”, a necessidade de se expor é uma marca das gerações mais novas em pleno desenvolvimento tecnológico.

Esse trabalho de construção de identidade e afirmação de presença no ciberespaço perpassa a criação do perfil do indivíduo. Com isso, a produção constante de discursos públicos e privados (conexões) se torna indispensável na tentativa de chamar a atenção da rede para o ator em questão. Na dinâmica do reality, essa constante narratividade do eu é intensificada por ser tratar de uma competição por popularidade.

Além dos atores, as conexões feitas por eles são a base de toda e qualquer rede social. Na simulação proposta pelo programa, também as interações entre os jogadores,

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por meio de conversas e reações, são a matéria-prima das dinâmicas do reality. Sem acesso à internet e outras formas de comunicação, os competidores estão ali para interagir entre si em busca de uma boa colocação no ranqueamento.

Em uma rede social, a expectativa dos usuários é ter um retorno imediato sobre as mensagens (interação síncrona) - o que evidencia a ansiedade das novas gerações. No

The Circle, isso é intensificado já que o jogo depende exclusivamente das interações. A

atualização de um status é muito bem pensada e a espera de curtidas pode gerar aflição - a quantidade de likes ganha muita relevância, saber quem curtiu ou não curtiu é a base de análise para mudanças nas estratégias na tentativa de garantir a continuidade no jogo.

A percepção do outro no ambiente virtual é limitada, baseada no conjunto de informações disponíveis na rede, julgamentos e imagens que atribuímos a ele. Isso com base em suas opiniões e expressões pessoais que são legitimadas pelos grupos sociais em que o indivíduo está inserido. Na dinâmica do reality, essa percepção que pode gerar afinidade (ou não) ganha peso e sua natureza é decisiva na hora das avaliações.

Além de percebermos o outro, procuramos nos reconhecer nele. Qualquer dinâmica de relacionamento humano é, pois, pautada no pertencimento, e isso também é visto tanto nas redes sociais quanto no The Circle Brasil. A proximidade entre os jogadores se dá além dos modos de pensar e opinar, pautando-se também na personalidade e identidade cultural. Um ponto interessante dentro do reality é a união das minorias (sexualidade, gênero, região) na formação de novos chats e uso de hashtags em comum (#gamers, #nordestinos, #conexãonortenordeste).

Nas redes sociais, uma figura conhecida e bastante discutida ultimamente são os influenciadores (digital influencers). Estes servem como modelo de atitudes e comportamentos para os demais membros da rede, sendo assim, responsáveis por mudanças na dinâmica das conexões e dos fluxos de informação.

Esse destaque nos processos de difusão das mensagens e responsabilidade na manutenção da estrutura social da rede, dado aos influenciadores, é amplificado no reality. Isso porque, na dinâmica do jogo, os jogadores escolhidos como influenciadores possuem o poder de bloquear um jogador, eliminando-o da competição.

No “The Circle Brasil”, os participantes também se tornam influenciadores no mundo real – ganhando uma audiência continuada nas redes sociais pessoais. Atualmente, participantes da primeira temporada como Raphael Dumaresq e Marina Gregory

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contabilizam centenas de milhares de seguidores, João Paulo (JP) Gadêlha está próximo do primeiro milhão.

Além da sociabilidade entre os participantes, há a interação com a plataforma que possibilita uma personalização. O “Circle”, sistema ativado por voz, assume o papel de companheiro dos jogadores, recebendo desde saudações (como um bom dia) até reflexões sobre as estratégias no jogo. A aproximação com máquinas é uma realidade cada vez mais alavancada pela evolução da inteligência artificial.

Fora do reality, essa construção identitária é ilustrada pela comunicação humanizada nas redes sociais - aposta das empresas nas plataformas. A Netflix, por exemplo, interage diretamente com seus usuários, adquirindo características humanas e respondendo de forma personalizada as dúvidas e comentários dos seguidores.

Considerações finais

Surgindo no momento em que o reality show é destaque de entretenimento, The

Circle gera um reflexo do mundo contemporâneo. O formato moderno favorece uma

aproximação não só com as gerações imersas no ambiente online, mas com a tendência de cultura e transformação digital em si. Contexto que, acelerado pela crise de saúde pública mundial do novo coronavírus, propõe virtual e físico concatenados.

Na imitação de rede social que o reality apresenta, notamos diversas ferramentas encontradas nas mídias existentes. Tais recursos (chats, perfil, notícias etc) servem para viabilizar toda dinâmica do jogo que gira em torno da interação (à distância) entre os jogadores – fator indispensável no subgênero de confinamento.

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No programa, a sociabilidade no universo online reflete também o cotidiano relacional dos usuários comuns. Trazendo à tona aspectos como: anonimato, alta exposição, necessidade de conexão, percepção do outro, necessidade de pertencer, a busca por aprovação, além da sedutora possibilidade de exercer poder nos fluxos de informações.

Tais temas destacados são potencializados não só pela dramatização e objetivo de entretenimento inerentes aos reality shows, mas também pelo modelo de competição sustentado pelo The Circle. Nele, ser bem visto, por exemplo, é ser bem curtido/avaliado e a construção de conexões é matéria-prima para a permanência e alcance do prêmio final. Anunciadas pela Netflix, as renovações do programa mostram a adesão da audiência à proposta. O investimento em versões locais propicia maior identificação do público, pois os jogadores trazem uma representatividade não vista na TV aberta (ainda que ilustrem personas padronizadas - mulher gorda, nerd desconectado das mídias, homem gay afeminado etc).

Além disso, a exposição da vida alheia nas telas rende, por si só, comentários e audiência. O reality show, com sua alta capacidade de reinvenção, permite que novos formatos, como o “The Circle”, sejam criados e adaptados para os streamings - tão consumidos atualmente. A abordagem da cultura digital no universo das redes sociais faz com que as versões de “The Circle” representem uma proposta inovadora e fórmula de grande êxito midiático.

REFERÊNCIAS

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OBSERVATÓRIO DA TV. BBB lidera a lista dos reality shows mais populares do

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SUPER INTERESSANTE. Qual foi o primeiro reality show da história?. Disponível em: <https://tinyurl.com/primeirorealitymundial>. Acesso: 26 jul. 2020.

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