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Cultura de culto ao corpo e dismorfia muscular

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Academic year: 2021

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Eduardo Mendes Medeiros1

Resumo

No presente artigo realizou-se uma articulação teórica discutindo a influência da cultura de culto ao corpo no desenvolvimento da dismorfia muscular. Trata-se de um estudo bibliográfico com abordagem qualita-tiva, onde foram consultadas: a plataforma CAPES, o Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), e as bases de dados: American Psychological Association (APA), Ebsco, Taylor & Francis, Sagepub, Springer e Elsevier, utilizado os descritores e suas combinações em língua inglesa: “Dismorfia corporal”, “Dismorfia muscular”, “Vigorexia”, “Cultura de culto ao corpo”. Nos resultados deste estudo, definiu-se o conceito do transtorno dismórfico corporal e de seu subtipo, a dismorfia muscular. Realizou-se uma articu-lação teórica entre a cultura de culto ao corpo e o surgimento da dismorfia muscular. Apresentou-se, uma revisão dos dados das pesquisas realizadas em seres humanos. Em seguida, identificaram-se as lacunas encontradas nesta investigação científica sobre a dismorfia muscular. Compreendeu-se que no contexto sociocultural ocidental, a cultura de culto ao corpo influenciou a forma como o indivíduo se relaciona com o próprio corpo, visto que a cultura é um dos principais pontos de referência na avaliação da autoimagem corporal. Deste modo, algumas psicopatologias passaram a apresentar-se. Uma vez que, esta cultura pro-pícia que o indivíduo invista em si gradualmente para se adequar aos padrões de perfeição que lhes são exigidos. Concluiu-se que é nesta perspectiva, portanto, que está inserido o objeto de nosso estudo, a dis-morfiamuscular.

Palavras-chaves: Cultura, Psicologia corporal, Gênero masculino, Dismorfia muscular.

1 Psicólogo, Clínica Ecoimagem, Fortaleza, Brasil, E-mail:eduardopsicologia88@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003- 0453-7430

PSIQUE • e-ISSN 2183-4806 • VOLUME XV • ISSUEFASCÍCULO 1 1st JANUARY JANEIRO - 30th JUNEJUNHO2019 • PP . 76-97 DOI: http://doi.org/10.26619/2183-4806.XV.1.5 Submited on September 20th, 2018 | Accepted on April 4th , 2019 (2 rounds of revision) Submetido a 20 de Setembro, 2018 | Aceite a 4 de Abriç, 2019 (2 rondas de revisão)

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Abstract

In the present article a theoretical articulation was made discussing the influence of cult culture on the body in the development of muscle dysmorphia. It is a bibliographical study with a qualitative approach, where it was consulted : the CAPES journal platform , the Open Access Scientific Repository of Portugal ( RCAAP) and the databases: American Psychological Association (APA), Ebsco, Taylor & Francis, Sage-pub, Springer and Elsevier, using the descriptors and their combinations in English language : “Body dysmor-phia”, “Muscle dysmorphia “, “Bigorexia “, “Culture of cult to body”. In the results of this study, we defined the concept of body dysmorphic disorder and its subtype, muscle dysmorphia. A theoretical articulation between the Culture of cult to body and the onset of muscle dysmorphism was carried out. A review of research data on human subjects was presented . Next, we identified the gaps found in this scientific research on muscle dysmorphia. It was understood that in the Western sociocultural context, the culture of cult to body influenced the way the individual relates to the body itself, since culture is one of the main points of reference in the evaluation of body self -image . In this way, some psychopatholo-gies began to present themselves . Since this culture allows the individual to invest in itself gradually to conform to the standards of perfection that are demanded of them. It was concluded that it is in this perspective, therefore, that the object of our study, the muscle dysmorphia, is inserted.

Keywords: Culture, Body psychology, Male gender, Muscle dysmorphia.

Introdução

Atualmente, no mundo ocidental, vivemos em uma cultura que cultiva o corpo, também conhecida como cultura fitness, na qual se estabeleceu uma ditadura de adoração à utopia estética, onde os cuidados excessivos com o corpo tornaram-se o centro da razão de viver de muitos indivíduos. Há um padrão impos-to em que nele só é belo o corpo esbelimpos-to, atlético, definido, sarado (Alves, Pinimpos-to, Alves, Mota, & Leirós, 2009; Andreasson & Johansson, 2014; Cruz, 2015; Dantas, 2011; Mishkind, Rodin, Silberstein, & Striegel-Moore, 1986; Ricciardelli, McCabe, Williams, & Thompson, 2007; Sassatelli, 2010).

Segundo Benedict (2014), a cultura é a lente pela qual o ser humano enxerga o mundo à sua volta. Assim, compreendemos que a cultura exerce uma forte influência sobre a sociedade, sobre a percepção e construção da subjetividade dos indivíduos. Pois estes percebem o mundo, seus modos de se relacionar so-cialmente e a si mesmos a partir de um ponto de vista filtrado pela cultura a qual pertencem. Por sua vez, a cultura cria padrões normais de percepção e comportamento que se tomam normas a serem seguidas pelos indivíduos. Assim, todo aquele que está fora destas normas é considerado diferente, excêntrico, esquisito e acometido por uma patologia. Pois o indivíduo se desenvolve na cultura, por isso, interioriza um conjunto de atitudes, crenças, valores e comportamentos, que são comuns e compartilhados por todos os indivíduos dessa cultura. Logo, o indivíduo molda as suas ações em função daquilo que é normal e aceitável no seu meio sociocultural, na perpétua procura de preencher os requisitos exigidos pela cultura à qual pertence.

Em suma, a cultura regula o comportamento humano. Desta forma, a cultura pode incutir na sub-jetividade dos indivíduos uma utopia estética a ser alcançada a qualquer custo, isto abre espaço para ques-tionarmos se a cultura pode ser uma das principais variáveis que podem influenciar o desenvolvimento da dismorfia muscular (Alves et al., 2009; Benedict, 2014; Lowen, 1983).

A dismorfia muscular caracteriza-se como um subtipo do transtorno dismórfico corporal. Nesta psicopatologia, o indivíduo apresenta uma distorção da imagem corporal, que origina uma busca obsessiva pela grandeza e definição dos músculos, juntamente com uma preocupação excessiva com a ideia de que possuem um corpo muito pequeno, magro, fraco, insuficientemente musculoso e até mesmo esquelético, pois o indivíduo não discerne sua estrutura corpórea real, tende a buscar aumentá-la por intermédio da

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realização de práticas desportivas contínuas, excessivas e supervalorizadas, chegando até a um estado de fanatismo pelos exercícios físicos (Olivardia, 2001; Pope, Pope, Menard, Fay, Olivardia, & Phillips, 2005; Pope, Gruber, Choi, Olivardia, & Phillips, 1997; Pope, Phillips, & Olivardia, 2000).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM–5) menciona que as dismorfias são psicopatologias em que se deve levar em consideração a influência da cultura sobre o indivíduo (Asso-ciação Americana de Psiquiatria, 2014). Porém, este manual psiquiátrico não faz tal discussão. No percurso desta investigação percebeu-se que as publicações científicas internacionais seguem esta tendência, pois a maioria faz apenas uma breve menção da influência da cultura no desenvolvimento desta psicopatologia. Para buscar preencher esta lacuna, este estudo tem como objetivo investigar a influência da cultura de culto ao corpo no desenvolvimento da dismorfia muscular.

Para cumprir com o objetivo proposto, efetuou-se uma pesquisa qualitativa por meio de uma sele-ção e análise de artigos, livros e trabalhos académicos (Flick, 2009), como também buscou-se realizar uma contribuição teórica sobre a temática proposta (Whetten, 2003).

A realização desta pesquisa torna-se importante, pois promove uma reflexão sobre a cultura de culto ao corpo à medida que se discute acerca da sua influência no desenvolvimento da dismorfia muscu-lar. Contribuindo, assim, com o estudo deste problema contemporâneo de saúde masculina.

Método

Trata-se de um estudo bibliográfico com abordagem qualitativa, que se justifica, pois, segundo Flick (2009) esta abordagem investigativa tem relevância no estudo intersubjetivo das relações sociais humanas por causa da pluralidade das esferas de vida.

Procedimentos

No início desta investigação, definiu-se a pergunta que norteou a realização desta pesquisa, que foi: Qual a influencia da cultura de culto ao corpo no desenvolvimento da dismorfia muscular? Realizamos uma pesquisa na Plataforma Científica de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), onde se utilizou a combinação dos descritores em língua portuguesa: “Dismorfia corporal”, “Dismorfia muscular”, “Vigorexia”, “Cultura de culto ao corpo”. Entretanto, o resultado obtido foi: zero material encontrado.

Posteriormente, consultou-se o: Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), e as bases de dados: American Psychological Association (APA), Ebsco, Taylor & Francis, Sagepub, Springer e Elsevier, onde utilizámos os seguintes descritores e suas combinações em língua inglesa: “Body dysmor-phia”, “Muscle dysmordysmor-phia”, “Bigorexia”, “Culture of cult to body”.

Utilizou-se como critérios de exclusão: estudos que não tratem diretamente sobre esta temática; ar-tigos publicados que se repetiam; estudos que não levam em consideração a influencia da cultura de culto ao corpo no desenvolvimento da dismorfia muscular e estudos que se distanciam do objetivo proposto. Utilizou-se como critérios de inclusão: estudos que discutem a cultura de culto ao corpo como variável de influência no desenvolvimento da dismorfia muscular; pesquisas empíricas realizadas com seres humanos; livros; capítulos de livros; ensaios; estudos que realizam uma análise conceptual dos descritores desta pes-quisa. Anais de eventos académicos, revisões bibliográficas, estudos que se aproximam do objetivo deste estudo.

Foram selecionados 92 documentos que atenderam aos critérios de inclusão, abrangendo a delimi-tação temporal: 1986–2018 (Tabela 1). A coleta (recolha) de dados foi realizada entre o período de fevereiro de 2017 a setembro de 2018.

No percurso da presente investigação, percebeu-se que existe uma tendência nas publicações in-ternacionais sobre esta temática de fazer apenas uma breve menção da influência da cultura no desenvol-vimento deste estado psicopatológico, poucos artigos científicos publicados em língua portuguesa trazem

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uma análise conceptual e/ou contribuições teóricos sobre este assunto, por isso, com a finalidade de trazer uma contribuição teórica em língua portuguesa sobre a temática aqui proposta, realizou-se uma articula-ção teórica (Whetten, 2003), entre a cultura de culto ao corpo e o surgimento da dismorfia muscular.

Resultado e Discussão

Nesta secção serão discutidos os resultados deste estudo, dividindo-os em quatro subsecções. Na primeira, apresentou-se o conceito do transtorno dismórfico corporal e de seu subtipo em questão, a dismorfia muscular. Na segunda, realizou-se uma articulação teórica entre a cultura de culto ao corpo e o surgimento da dismorfia muscular. Na terceira subsecção, apresentou-se o resultado da revisão de estudos sobre a psicopatologia em questão. Na quarta subsecção expõem-se as lacunas encontradas na investiga-ção científica sobre a dismorfia muscular.

Dismorfia Corporal e o Subtipo Dismorfia Muscular

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM–5) descreve o transtorno dismór-fico corporal como uma psicopatologia (F 45.22) de natureza etiológica biopsicossocial, caracterizada pela preocupação com a percepção de um ou mais defeitos ou falhas na aparência física que não são obser-váveis ou parecem apenas leves para os outros, e por comportamentos repetitivos como, por exemplo, verificar-se no espelho, arrumar-se excessivamente, beliscar a pele, buscar tranquilização ou atos mentais como, por exemplo, comparar a própria aparência com a de outra pessoa em resposta às preocupações com a própria aparência (Associação Americana de Psiquiatria, 2014).

Este mesmo documento de classificação nosológica também faz uma descrição de um subtipo específico desta psicopatologia, denominando-a como dismorfia muscular, uma forma de transtorno dis-mórfico corporal que ocorre quase que exclusivamente no sexo masculino. Esta perturbação consiste na preocupação com a ideia de que o próprio corpo é insuficientemente musculoso. Os indivíduos com essa forma de transtorno, na verdade, têm uma aparência corporal normal ou são ainda mais musculosos. Eles também podem ser preocupados com outras áreas do corpo, como a pele ou o cabelo. A maioria, mas não todos, fazem dieta, exercícios físicos como levantar pesos em excesso, às vezes causando danos ao corpo. Alguns homens utilizam esteroides anabolizantes androgênicos perigosos e outras substâncias para tentar deixar seu corpo maior e mais musculoso (Associação Americana de Psiquiatria, 2014; Dias, 2010; Ikander, Nielsen, & Sørensen, 2015; Medeiros, Alves & Nogueira, 2018).

De acordo com Ramos e Amaral (2008), o termo dismorfia é uma palavra grega que significa feiura, especialmente na face. A primeira referência aparece na história de Herodutus, no mito da garota feia de Esparta, que era levada por sua enfermeira, todos os dias, ao templo para se livrar da sua falta de beleza e de atrativos. Ela se manifesta como um sentimento patológico de feiura ou defeito físico que o paciente percebe a despeito de sua aparência.

A dismorfia muscular (Vigorexia) foi descrita e compreendida pela equipa do psiquiatra americano Harrison Pope da Faculdade de Medicina de Harvard, em 1993, com o nome de anorexia nervosa reversa (Falcão, 2008; Pope, Katz, & Hudson, 1993). Em 1997, os pesquisadores publicaram um artigo modificando o nome desta psicopatologia para dismorfia corporal (Pope, Gruber, Choi, Olivardia, & Phillips, 1997). Pos-teriormente, os pesquisadores utilizaram o termo Complexo de Adónis, em referência a um herói grego considerado um ícone da beleza masculina. Esta modificação aconteceu porque os pesquisadores queriam indicar com este termo um conjunto mais abrangente de preocupações secretas com a imagem corporal (Falcão, 2008; Pereira, 2009; Pope et al., 2000; Pope, Pope, Menard, Fay, Olivardia, & Phillips, 2005).

Em seguida, o psiquiatra Harrison Pope a renomeou novamente com o nome vigorexia. Esta mudança ocorreu pelo fato de os indivíduos acometidos por esta psicopatologia não apresentarem um quadro clínico relacionado a problemas alimentares, pois os indivíduos apresentam-se com uma obsessão em adquirir o vigor corporal por meio da hipertrofia muscular (Camargo, Costa, Uzunian, & Viebig, 2008; Pope et al., 2000; Yang, Gray, & Pope, 2005).

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Conforme Falcão (2008), a palavra Vigorexia é uma junção de duas outras palavras: “vigor” (força, robustez) e “rexia”, prefixo do grego “órexis”, que significa apetite, ou seja, apetite de ficar forte. Mas, in-dependente da nomenclatura utilizada para se referir a esta psicopatologia, trata-se de um sintoma psico-lógico extremamente grave que causa desconforto nas pessoas acometidas por este quadro sintomático, e consequentemente aos seus familiares e amigos.

Porém, na sua descrição oficial, esta psicopatologia é denominada como dismorfia muscular, pois o termo vigorexia não é estrito perante a validação nos manuais diagnósticos em psiquiatria. Assim, este últi-mo terúlti-mo pode ser utilizado apenas coúlti-mo um sinôniúlti-mo alternativo do primeiro (Associação Americana de Psiquiatria, 2014; Murray, Rieger, Touyz, & De La Garza–García, 2010; Nieuwoudt, Zhou, Coutts, & Booker, 2012).

A dismorfia muscular é caracterizada pelos pesquisadores Olivardia (2001), Olivardia, Pope, e Hu-dson (2000), Pope et al. (1997), Pope et al. (2000) e Pope et al. (2005) como uma forma de perturbação onde ocorre uma distorção da imagem corporal, semelhante a um tipo de hipocondria da beleza que distingue-se por se manifestar por meio de uma distorção grave da autoimagem corporal, semelhante a uma miopia da autopercepção, gerando-lhes uma busca obsessiva por um corpo utópico, mais especificamente pela gran-deza e definição dos músculos e uma preocupação excessiva em atingir esta busca mencionada.

Olivardia (2001) esclarece que a dismorfia muscular não é uma tentativa de patologizar o desporto halterofilismo ou a prática do culturismo1, pois a prática deste desporto é benéfica à saúde, especialmente por causa dos malefícios decorrentes de um estilo de vida sedentário, e das taxas crescentes de obesidade presentes na cultura ocidental. Os fatores mencionados anteriormente demonstram a diferença entre um quadro de dismorfia muscular de uma prática saudável deste desporto como um modo de prazer e bem estar de ócio autotélico (Abreu & Almeida, 2016; Cabeza, 2016; Csikszentmihalyi, 2005; Cuenca, 2000; Dingzhu, 2007; Marcelino, 2003; Martins, 2015).

1 Halterofilismo é a prática da ginástica, desporto competitivo ou amador de levantamento de pesos, os halteres; halterofilia, este desporto é

mais conhecido no Brasil com o termo musculação. O culturismo físico é a prática regular de exercícios físicos com a finalidade de desenvolver e cultivar esteticamente os músculos utilizando como meio o halterofilismo (Neves, 2012; Pace, 1986; Pope et al., 2000).

2 Em português europeu, utiliza-se o termo “media” para designar os meios de comunicação social e agências de publicidade que tem a função

de difusão da comunicação em massa.

A Cultura de Culto ao Corpo e o Surgimento da Dismorfia Muscular

De acordo com Courtine (2005), a cultura contemporânea decretou que o corpo de um homem, se é musculoso, mesmo sem roupas está descentemente vestido. Desta forma, para o género masculino ostentar músculos salientes está na moda, pois os homens querem ter um corpo com uma boa aparência. Um corpo trabalhado, cuidado, sem marcas indesejáveis para exibirem em lugares públicos como: festas, desfiles de carnaval, na internet por meio das redes sociais, nas ruas e nas praias. Um corpo utópico capaz de tornar quem o possui um sujeito muito mais atraente, socialmente aceito e valorizado (Aziz, 2017; Courtine, 2005; Sabino, 2007).

De acordo com Pope, Phillips e Olivardia (2000), a cultura está mais do que nunca dizendo aos in-divíduos do género masculino que os seus corpos definem quem eles são como homens. A repressão que a cultura contemporânea exerce sobre o gênero masculino lhes impõe a crença de que possuir músculos grandes aumenta o poder de atração sexual. Na maioria das culturas conhecidas pela história, os homens que exibem vigor corporal e comportamentos tradicionalmente “másculos” e que foram bem-sucedidos nas conquistas tradicionalmente “masculinas” receberam aprovação e respeito (Dryer et al., 2016; Karazsia & Crowther, 2009; Lynch & Zellner, 1999; McNeill & Firman, 2014; Mishkind et al., 1986; Msocsci & Phil, 2011; Pope, Phillips, & Olivardia, 2000; Pereira, 2009; Trekels & Eggermont, 2017).

Pois a mídia2 tem difundido cada vez mais que a sociedade supervaloriza que só é belo o corpo más-culo cada vez mais musmás-culoso. Visto que atualmente a nossa cultura tem sido norteada por uma patológica utopia corpórea que tem influenciado de forma significativa a vida quotidiana dos indivíduos em sociedade

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(Leit, Gray, & Pope, 2002; Pope, Pope, Menard, Fay, Olivardia, & Phillips, 2005), a ponto de acarretar na incidência de psicopatologias como a dismorfia muscular (Msocsci & Phil, 2011; Ricciardelli, McCabe, Williams, & Thompson, 2007).

A dismorfia muscular é uma das mais novas patologias emocionais estimuladas pela cultura e pela mídia (Leit et al., 2002; Pereira, 2009; Pope et al., 2000). Ela surgiu a partir de uma sociedade crescentemente competitiva, onde o culto à imagem corporal é cada vez mais estimulado. No caso da dismorfia muscular/ vigorexia, o sofrimento e a obsessão estão ligados à questão do desenvolvimento muscular, como uma bus-ca excessiva por uma silhueta considerada perfeita e nunbus-ca albus-cançada pelo indivíduo, visto que essa perfei-ção é uma utopia (Alves et al., 2009; Dantas, 2011; Ribeiro & Oliveira, 2011; Serem Júnior, 2012; Severiano, Rêgo, & Montefusco, 2010; Silva, 2007). Com tudo isso, perturbações derivados da excessiva preocupação com o corpo estão se convertendo em uma verdadeira epidemia psicossocial (Pereira, 2009; Pope et al., 2000; Russo, 2005; Silva, 2007).

Pois, conforme argumenta Marchese (2002) os padrões de normalidade do corpo são um produto da modernidade, o corpo ideal surgiu como uma norma baseada no estatutário do ideal de padrão corporal da Grécia antiga. Consolidou-se a partir das pesquisas biométricas de Francis Galton sobre as diferenças individuais e hereditárias onde foram aplicados métodos estatísticos para mensurar: a distribuição geo-gráfica da beleza, levantamento de peso, inteligência e outras pesquisas antropométricas eugênicas que influenciaram negativamente a construção da subjetividade humana tanto a níveis micro quanto a níveis macro (Del Cont, 2008; Marchese, 2002; Schultz & Schultz, 1998; Tort, 2000).

Le Breton (2007) acrescenta que, na modernidade o corpo tornou-se o mais belo objeto de mani-pulação da cultura de consumo que o molda conforme o gosto do dia. O corpo é o lugar que oculta a ver-dadeira identidade do homem, o outro eu. O lugar de origem das sensações, dos desejos, das seduções, do erotismo e dos prazeres, um objeto que foi redescoberto após uma era milenar de puritanismo e passou a dar significado à ideia de libertação física e sexual do ser humano, de tal modo que o corpo passou a ser relevante e está presente na publicidade, na moda, na cultura de massa. A higiene e a dietética corporal foram transformadas nos cultos à estética, a promoção da saúde e conservação do corpo no qual o mesmo é envolvido pela obsessão de juventude, elegância e virilidade nos quais os cuidados compulsivos, as dietas, e as práticas de sacrifícios à beleza derivados dessa obsessão são justificados pela busca da utopia corpórea.

Ainda de acordo com Le Breton (2007), a retórica que outrora se preocupava com a afetação da alma foi substituída pela preocupação com o corpo sob a proteção da lei do consumo, um imperativo que impõe ao sujeito práticas de consumo com o objetivo de aumentar o hedonismo. Isso é, a busca pelos praze-res sensoriais como o fundamento de todos os outros prazepraze-res. Assim, o corpo foi promovido à significante de status social.

Segundo Goldenberg (2007), na segunda metade do século XX o corpo ganhou uma dimensão cul-tural inédita, visto que entrou na era das massas, onde houve a profissionalização do ideal estético com a abertura de novas carreiras profissionais com foco nos cuidados corporais, generalização das normas e imagens do ideal estético. Neste contexto, a mídia adquiriu um imenso poder de influência das massas, generalizou a paixão pela cultura de culto ao corpo, pela moda, tornando a aparência uma dimensão essen-cial da identidade para um número de sujeitos como nunca antes foi visto.

Igualmente, Azevedo (2007) critica o enaltecimento da beleza que as pessoas e a mídia influencia-das pela cultura impõem e, assim, cobra do sujeito este padrão de beleza exagerado para a aceitação em nossa sociedade. Todos os dias aumenta o número desenfreado de propagandas com mulheres e homens esculturais, “sarados” e cada vez mais “sequinhos”. As indústrias da beleza e da moda estão por trás desta manipulação realizada pela mídia, que promove e dissemina esta idealização que supervaloriza o belo, onde se cultua e se busca o corpo perfeito, que se tornou uma epidemia social (Alves et al., 2009; Azevedo, 2007; Bragança, 2016; Pereira, 2009; Silva, 2007). Onde os cuidados corpóreos excessivos tornaram-se o centro da razão de viver de muitos indivíduos. Assim, essa propagação sociocultural está sendo imposta na sociedade como uma norma, onde quem está fora desse pensamento precisa com urgência aderir a ele (Azevedo, 2007; Bragança, 2016; Pereira, 2009; Silva, 2007).

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Com os artifícios da mídia que tem ao longo dos anos colocado em evidência diversos represen-tantes desta utopia da imagem corporal ideal está cada vez mais disseminada essa cultura normativa de controle por meio da difusão da ilusão de estilo de vida saudável, onde os cuidados excessivos com o corpo tornaram-se o centro da razão de viver de muitas celebridades que consequentemente acabam influen-ciando uma grande parte da população masculina, que interiorizou essa ideologia da ditadura do estilo de vida saudável, seguida pela ideologia do homem másculo, especificamente a juventude (Lynch & Zellner, 1999; Pereira, 2009).

O desenvolvimento da dismorfia muscular pode ser entendido como sendo um produto da inte-ração entre a influência desta cultura de culto ao corpo e as atitudes perfeccionistas preexistentes nestas pessoas (Dryer, Farr, Hiramatsu, & Quinton, 2016). Lynch e Zellner (1999) salientam que o jovem homem ocidental gostaria de ser bem mais musculoso do que aquilo que ele pensa que é. Este fenômeno se dá de-vido à repressão social que os homens sofrem por parte da sociedade ocidental, que supervaloriza o corpo másculo cada vez mais musculoso difundido pela mídia.

Haynes (2004) explica que a interiorização desta utopia de ‘homem másculo’ acontece por meio de diversas influências psicossociais visto que, desde cedo, os homens são doutrinados por meio da educação tradicional dos pais, influência da mídia, amigos, até mesmo de histórias em quadrinhos, revistas direcio-nadas ao público apreciador da beleza masculina. Igualmente a glorificação dos músculos como o principal atributo que define um homem é fortemente retratada em filmes (Aziz, 2017; Haynes, 2004; Leit, Pope, & Gray, 2001, Mishkind et al., 1986; Pope et al., 2000).

Pereira (2009) acrescenta que a estratégia da mídia de colocar em evidência um corpo masculino cada vez mais musculoso e definido, com cada vez menos taxa de gordura e com manipulações tecnoló-gicas de tratamento de imagem, levou que fosse criando e disseminando essa utopia da imagem corporal ideal que foi internalizada nos indivíduos do sexo masculino de nossa sociedade contemporânea. E se tor-nou uma preocupação patológica que está a afetar psicologicamente o gênero masculino. Pois essa é usada para manipular a vontade das massas, já que a mídia não delimita as classificações, isso é, os grupos sociais e classes sociais que serão os alvos de suas manipulações por meio de suas estratégias. Mas os definem por um objetivo que na maioria das vezes é persuasão compulsiva de potenciais consumidores da indús-tria da beleza e do mercado negro de esteroides anabolizantes androgênicos que são indiscriminadamente utilizados como um atalho para a aquisição da imagem corporal ideal (Kanayama, Hudson, & Pope, 2012; Medeiros, Alves & Nogueira, 2018; Pereira, 2009).

Segundo Behar (2010), a imagem corporal ideal é composta por valores, crenças e normas estéticas que são socioculturalmente estabelecidas. Nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI, a utopia da imagem ideal foi caracterizada por um total culto ao corpo. Neste quadro surgiram algumas doenças devastadoras que tem como distinção nuclear a motivação por alcançar a imagem corporal ideal. Transculturalmente estas psicopatologias são ligadas a ocidentalidade e suas significações peculiares que estabeleceram que o ideal estético proposto pela cultura e supervalorizado pela mídia é internalizado pelo género masculino (Karazsia & Crowther, 2009; Leit, Pope, & Gray, 2001; McNeill & Firman, 2014; Trekels & Eggermont, 2017).

Pois, a nossa cultura favorece o bombardeio permanente de mensagens publicitárias para criar, exibir e perpetuar um arquétipo que deve ser alcançado a qualquer custo. Neste ambiente social, o aspecto estético é constantemente avaliado, em detrimento de virtudes intelectuais e afetivas. A coerção da mídia é tão ambígua que confunde os conceitos de beleza e sucesso (Behar, 2010).

Courtine (2005) critica que, com isto, cada vez mais as pessoas procuram formas de transformar o físico na qual o corpo é modelado por meio de ciclos de repetição biomecânica que exigem do corpo uma execução minuciosa de séries de exaustivas repetições para aumentar a força, resistência e definição cor-poral para se enquadrarem nos padrões impostos pela cultura que idolatra o corpo musculoso. Desta forma houve, então, a consolidação da cultura de massa do espetáculo narcísico do músculo que se democratizou. Assim, esta cultura de práticas de idolatria ao músculo, potência anatômica e exibição permanente de uma

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contemplação corpórea obsessiva universalizou-se na cultura ocidental. Essa cultura repressora das prá-ticas corporais estabelece no corpo um elo aprisionador entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada (Courtine, 2005; Jin, Jin, Zhou, Yang, Chang, Li, 2018).

Para Le Breton (2007), com todas estas mudanças às quais o corpo foi submetido houve a inversão do narcisismo que se tornou um símbolo de valor que agora cumpre uma missão de normalização do corpo. Deste modo, o interesse excessivo que dedicamos ao corpo não é espontâneo e livre, é a resposta aos impe-rativos socioculturais. Assim, o cuidado de si mesmo refere-se a essa forma sutil de controle social por meio da manipulação corporal.

Goldenberg (2007) põe em destaque o paradoxo que o culto ao corpo gera na cultura contempo-rânea, pois quanto mais se impõe o ideal de autonomia individual, há um aumento da exigência de que o sujeito deve estar em conformidade com os modelos socioculturais do corpo. Pois o corpo se emancipou de suas antigas prisões sexuais, de indumentária e de procriação. Atualmente o corpo encontra-se submetido a coerções estéticas mais imperativas, geradoras de ansiedade do que antigamente, visto que por trás da aparente libertação física e sexual se esconde uma nova repressão, onde se prega que o indivíduo deve estar em conformidade com um padrão estético de “boa forma”, que se traduz como um corpo admirado, desejado e invejado, pois este é “trabalhado”, “moldado”, “sarado”, “definido”, “esculpido”, isso é, um corpo cultivado obedecendo à moral da boa forma que induz o pensamento de que àquele indivíduo que possui este corpo é dotado de uma virtude superior (Goldenberg & Ramos, 2007).

Portanto, esta cultura da boa forma dita que quanto mais os corpos gozam de “liberdade” para se-rem expostos, mais aumentam as exigências sobre o sujeito que deve submeter o corpo a um maior auto-controle de suas pulsões e aparência física do que na era anterior que durou até metade do século XX, onde havia uma grande preocupação com a afetação da alma e o corpo era mantido escondido pelo decoro, e por prisões sexuais, indumentárias e de procriação (Goldenberg & Ramos, 2007; Le Breton, 2007). Visto que a repressão que antes se limitava a vigiar a não exposição do corpo nu sofreu uma inversão e agora se con-centra em observar as regras da exposição do corpo que deve expor um espetáculo estético de hipertrofia e definição muscular. Ou seja, se o sujeito está obedecendo rigorosamente um conjunto de obrigações para que o seu corpo esteja de acordo com os padrões estéticos considerados ótimos para manter o corpo divino e maravilhoso (Courtine, 2005; Goldenberg & Ramos, 2007). Além de tudo isso, esta cultura dita rigorosas regras anatómicas de tamanhos e formas estéticas para partes específicas do corpo masculino, como, por exemplo, o tamanho do pénis (Pope et al., 2000; Wylie & Eardley, 2007), que na próxima secção faremos uma breve discussão.

A cultura de idolatria à perfeição estética dita que a gordura, a flacidez ou moleza corpórea são símbolos da indisciplina, do desleixo, da preguiça, da falta de virtude, pois o indivíduo que não está de acordo com os padrões estéticos desta cultura não está investindo em si mesmo, visto que segundo a dita-dura desta cultura narcísica, possuir um corpo “sarado” está associado a estar “curado”, pois este indivíduo se sarou de seus males psíquicos e físicos. Por isso, o corpo “sarado” é considerado “saudável”. Da mesma forma esta cultura dita que o sujeito possuidor de um corpo “não sarado”, isso é, um corpo gordo, muito ma-gro ou flácido que não se habituou a sentir prazer em cumprir o conjunto de obrigações para ficar de acordo com os padrões estéticos que esta cultura exige, é considerado “não saudável”, visto que este não foi sarado da “doença” da má forma corpórea. Assim, esta eterna busca por um corpo utópico tem para os sujeitos que se submetem a esta cultura a função de uma luta contra a morte simbólica que é imposta aqueles sujeitos que não se autodisciplinam para enquadrarem-se aos padrões supracitados (Alves et al., 2009; Courtine, 2005; Goldenberg & Ramos, 2007).

Pois, a cultura narcísica pune aqueles sujeitos que se recusam a se submeterem a ela, estigmati-zando-os, visto que para esta cultura o corpo gordo é percebido como um fardo anatómico pesado que é arrastado pelo sujeito. E premia com reconhecimento social, pois o corpo “sarado” ganha todo o benefício do peso no campo do olhar, saturando o olhar do outro de massa muscular, fazendo o sujeito musculoso se impor, pois ele pesa no olhar alheio. O sujeito ganha visibilidade em meio ao anonimato social, visto que os

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músculos o tornam privilegiado, assim a cultura narcísica dá também o título de belo àqueles que sentem prazer em cumprir o conjunto de obrigações para que o corpo esteja de acordo com os padrões estéticos (Courtine, 2005; Goldenberg & Ramos, 2007).

Desta forma, o psiquismo do indivíduo é modelado por esta cultura repressora para que este possa sentir prazer na autodisciplina muscular, visto que no atual contexto sociocultural o indivíduo é um ávido diligente na busca dos ideais narcísicos de perfeição absoluta que é uma suposta garantia de felicidade. Pois, o narcisismo transcende uma condição psicológica. O narcisismo é uma condição cultural que, por sua vez, condicionou o indivíduo em sociedade, pois não há como compreender o indivíduo sem antes compreender a cultura, visto que o ser humano molda a cultura conforme a sua imagem e por sua vez o ser humano é moldado por essa mesma cultura, pois o indivíduo vive em conjunto com a sua cultura e a sua sociedade (Lowen, 1983).

Para Goldenberg (2007), a cultura que presta culto ao corpo é uma cultura do narcisismo, uma cultura onde os indivíduos vivem obceceados por ilusões de perfeição corpórea. Nesta cultura, os indi-víduos têm a sua subjetividade corporal esmagada pela perfeição das imagens de um corpo utópico a ser alcançado a qualquer custo, por ideologias de estilo de vida saudável onde possuir o corpo ideal e estar na moda ideal são elementos fundamentais. Neste estilo de vida consumista, a preocupação com a aparência é carregada de investimento da energia do sujeito (Feraz, 2008; Goldenberg, 2007; Lowen, 1983).

Lowen (1983) questiona se a insanidade está nesta cultura. Este questionamento justifica-se, visto que em nossa contemporaneidade vivemos em uma cultura em que a imagem vale ouro . Isso é, o superfi-cial é demasiadamente valorizado, em que se julga erroneamente a índole do indivíduo conforme a formo-sura de sua aparência, em que se cultua o corpo perfeito, em que há uma coletiva perda dos valores éticos, ou seja, há uma supervalorização das coisas materiais em detrimento do bem-estar psíquico.

Lowen (1983) ainda ressalta que outro sinal de que o narcisismo tornou nossa cultura insana é o fato de as pessoas se tornaram superenvolvidas com a sua imagem corporal. A exacerbada preocupação com o corpo criou detalhadamente o estilo de vida saudável, que estabelece padrões comportamentais, estéticos e alimentares. Desta forma, vivemos sob uma ditadura estética que impõe padrões de beleza onde só é classificado como belo aquele que possui um corpo esbelto, atlético, sarado e adere ao estilo de vida saudável. E aqueles que não se submetem a essa ditadura insana são desclassificados e colocados à mar-gem e assim são excluídos da sociedade estética que é regida por essa cultura narcísica (Courtine, 2005; Goldenberg & Ramos, 2007; Lowen, 1983).

Segundo Lowen (1983), o narcisismo é o eixo que conduz a cultura e o indivíduo. Num lado deste eixo está a cultura que impõe normas de comportamento e normalização ao indivíduo e do outro lado do mesmo eixo está o indivíduo que é reprimido por essa insanidade cultural. Na tentativa de fuga da exclusão sociocultural que é imposta ao indivíduo como forma de punição social, o indivíduo responde a essas pres--sões se adaptando aos padrões patológicos impostos pela cultura ao seu corpo.

Para Lowen (1983), essa busca pelo corpo utópico tal como o corpo de um jovem Adónis por meio da pratica de halterofilismo, que consiste na repetição de levantamento de pesos que produz músculos ma-ciços e hiperdesenvolvidos, é um empreendimento narcísico, nocivo à saúde mental e física. A musculatura robusta gera na pessoa uma ilusão de força superficial, porém reduz a espontaneidade e a vivacidade do corpo e restringe seriamente a respiração, torna a natural movimentação corpórea robotizada e produz uma profunda marca na alma (Lowen, 1983).

Por consequência dessa excessiva repressão do corpo, surgiu nas pessoas um sentimento de mal estar corporal. Com isso, o indivíduo sente-se desconfortável no seu próprio corpo, levando a pessoa a bus-car uma imagem ilusória do que ela foi levada a acreditar ser o corpo perfeito, com boa aparência saudável. E quanto mais a pessoa se concentra a essa imagem, mais se priva de bons sentimentos em seu próprio corpo. No fim de tudo, a imagem ideal prova ser apenas uma miserável máscara, não mais escondendo a tragédia da vida interior vazia, já que a pessoa sacrificou os seus próprios sentimentos em prol da adoção da imagem aceitável ao bel-prazer das exigências socioculturais, pois a pessoa passou a admirar a imagem

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que projetou e, tal como narciso, apaixona-se por essa imagem. Todavia, o indivíduo adoece, pois a imagem que ele ergueu não corresponde ao íntimo do seu ser, visto que esta imagem esconde o “eu” interior deste indivíduo de si mesmo e do mundo exterior (Lowen, 1983).

Severiano (1998) acrescenta que as motivações do sujeito que vive na cultura narcisista são funda-mentalmente centradas num “eu” que é percebido como “grandioso”, onde o sujeito ocupa-se de investi-mentos estritamente pessoais. Pois ele vive em uma dinâmica psíquica coletiva fundada na expansão do narcisismo de um nível micro para um nível macro de abrangência sociocultural, onde houve uma absolvi-ção do “eu” que repleto de um forte desejo de retorno à onipotência narcísica primária, mediado pelo “ego ideal”, o sujeito adere às imposições da cultura narcísica, visto que busca corresponder aos ideais culturais e as utopias.

De acordo com Ammann (2017), nesta cultura narcísica houve uma regressão a estágios mais primi-tivos da existência do sujeito em que as demandas e os desejos têm um forte carácter imediatista, havendo pouco espaço para a sua repressão e adiamento. Outro ponto que está por trás desta epidemia psicossocial de psicopatologias é a facilidade com que essa multidão de sujeitos submete-se a uma ideia-imagem repres-sora da subjetividade do sujeito que ao mesmo tempo aterroriza e seduz, pois com o poder desta imagem ideal que esta cultura induz o sujeito a buscar coresponder a todo custo aos ideais culturais. Isso está ligado às fantasias de retorno à onipotência do narcisismo primário, independente do seu sentido real.

Ainda segundo Ammann (2017), nesta cultura narcisista onde a beleza é o imperativo, grande es-forço é empregado para corresponder ou se adaptar ao padrão exigente e mutável cujo ideal é o frescor da fantasia de juventude eterna. Busca-se por uma fuga do sofrimento onde não há espaço para a finitude hu-mana, visto que o ideal narcísico busca alienar o sujeito de todas as suas fragilidades humanas. Para evitar o contato com a realidade castradora e negativa, o ideal narcísico é espelhado e projetado incessantemente, alimentando um sistema que promete a ausência de sofrimento e de limites e que personifica na figura do atual líder, o capital, o supremo poder. Porém, a falha e impossibilidade de corresponder ao ideal narcísico pronunciam-se como depressão, melancolia e solidão, pois o ideal inalcançável que esta cultura conduzida pelo narcisismo exige que os sujeitos correspondam a qualquer preço é um ideal utópico fraudulento, uma mimetização fetichista de uma imagem corporal ideal sempre alheia, visto que o objetivo de obter esta ima-gem corporal composta por uma musculatura perfeitamente hipertrófica e definida está sempre em função de atender às exigências dos padrões impostos por essa cultura narcísica. Desta forma, neste objetivo não existe uma correspondência significativa interna para o sujeito (Ammann, 2017).

Como observou Lowen (1983), é a partir desse contexto de centralização no corpo que algumas patologias começaram a apresentar-se, tais como o halterofilismo compulsivo, por exemplo. Sendo assim, é nesta perspectiva, portanto, que podemos, também, inserir o objeto de nosso estudo: a DismorfiaMuscular ou Vigorexia. Pois, a forte influência desta cultura contribuiu para modificar a forma subjetiva como o indi-víduo do género masculino se constrói (Dryer et al., 2016; Karazsia & Crowther, 2009; McNeill &

Firman, 2014; Mishkind et al., 1986; Msocsci & Phil, 2011; Pope et al., 2005; Trekels & Eggermont, 2017). Pesquisas com Seres Humanos

A maioria das pesquisas publicadas adotou o modelo teórico biopsicossocial que não aponta uma causa específica para a etiologia desta psicopatologia, visto que este modelo sugere que esta perturbação é um produto da interação entre três dimensões: biológica, psicológica e social (Diehl, & Baghurst, 2016; Jin et al., 2018; Olivardia, Pope, & Hudson, 2000; Olivardia, 2001; Phillips, 2005; Phillips, O’Sullivan, & Pope, 1997; Pope et al., 1997; Pope et al., 2000; Pope, Pope, Menard, Fay, Olivardia, & Phillips, 2005; Pereira, 2009; Schneider, Rollitz, Voracek, & Hennig–Fast, 2016). Em vista disso, consideramos este como um ponto de consistência entre as pesquisas revisadas.

Grande parte das pesquisas sobre a influência da cultura no desenvolvimento da dismorfia muscu-lar discute acerca da influência da cultura americana no desenvolvimento desta psicopatologia (Courtine, 2005 ; Dryer et al., 2016 ; Frederick et al., 2007 ; Kanayama et al., 2012 ; Karazsia & Crowther, 2009; Koran,

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Abuja-oude, Large, & Serpe, 2008; Leit et al., 2001, 2002; McNeill & Firman, 2014; Mishkind et al., 1986; Msocsci & Phil, 2011; Pope et al., 2000; Trekels & Eggermont , 2017). Assim, precisa ser mais investigada a influência de outras culturas, de outros lugares do globo terrestre, no surgimento da dismorfia muscular.

Alguns autores pontuam que os transtornos dismórficos podem ser modos de o indivíduo expres- -sar concepções e conflitos psicológicos não resolvidos que, por sua vez, produzem alienação, narcisismo e altera- ção da percepção da imagem corporal (Azevedo, 2007; Chung, 2001; Ebbeck, Watkins, Concepcion, Cardinal & Hammermeister, 2009; Feraz, 2008; Kuennen & Waldron, 2007; Wieczorek, 2016).

No percurso desta pesquisa foi identificada uma tendência que se repete na maioria das pesquisas internacionais publicadas sobre esta temática, que apontam a dismorfia muscular como uma comorbidade derivada de outras formas de transtorno dismórfico corporal (Pope et al., 1997; Pope et al., 2000; Pope, Pope, Menard, Fay, Olivardia, & Phillips, 2005; Pereira, 2009). Patologia do espectro do transtorno obsessivo–com-pulsivo, comorbidade da depressão, transtornos afetivos (Carlat, Camargo, & Herzog, 1997; Murray, Rieger, Touyz, & De La Garza–García, 2010; Olivardia, Pope, Borowiecki III, & Cohane, 2004). Fatores citológicos específicos de género, como a preocupação em adquirir um corpo expressivamente másculo e viril (Hale, & Smith, 2012; Phillips, Menard, & Fay, 2006; Pope et al., 1997; Pope et al., 2000; Pereira, 2009).

Algumas pesquisas apresentam discordância com o modelo de compreensão desta psicopatologia, apresentado na primeira subsecção deste artigo, pois estas não percebem a dismorfia muscular como um problema de distorção da imagem corporal. Ao invés disto, percebem como um transtorno alimentar como bulimia nervosa, ansiedade alimentar, especificamente uma anorexia nervosa reversa que apresenta de-safios no seu diagnóstico clínico (Carlat, Camargo & Herzog, 1997; Grieve, 2007; Grieve & Helmick, 2008; Mosley, 2009; Murray, Griffiths, & Mond, 2016; Olivardia, Pope, Mangweth, & Hudson, 1995; Olivardia, Pope, Borowiecki III & Cohane, 2004; Pope, Katz & Hudson, 1993; Schiffman & Warwick, 1988).

Em grande parte das pesquisas revisadas, o consumo de esteróides anabolizantes androgénicos e outras drogas são apontados como um fator desencadeador da distorção da imagem corporal que evo-lui para um quadro de dismorfia muscular e outras dismorfias corporais (Cole, Smith, Halford & Wagstaff, 2003; Kanayama, Barry, Hudson & Pope, 2006; Kanayama, Hudson & Pope, 2012; Medeiros, Alves & No-gueira, 2018; Olivardia, Pope & Hudson, 2000; Olivardia, 2001; Phillips, O’Sullivan & Pope, 1997; Pope et al., 1997; Pope et al., 2000; Pope, Khalsa & Bhasin, 2017; Rohman, 2009; Tavares, 2015; Wroblewska, 1997).

Pesquisas empíricas apontam a ocorrência de alguns traumas nos indivíduos acometidos pela dis-morfia muscular, como: sentimentos de inferioridade na infância e/ou adolescência provenientes de humi-lhações, assédio moral infanto-juvenil (bullying) sofridos por estes serem excessivamente magros ou gor-dos, baixa autoestima, sentimento de solidão, vítimas de violência doméstica, onde nestes casos os homens querem transmitir força e poder para fazer com que os outros tenham medo e sintam-se intimidados, pro-blemas com a masculinidade, assim a dismorfia muscular tem a função psicológica de modificar a imagem corporal para, com isso, superar fragilidades e traumas que tiveram origem ainda enquanto estes indi-víduos eram jovens (Chaney, 2008; Didie, Tortolani, Pope, Menard, Fay & Phillips, 2006; Olivardia, 2001; Feraz, 2008; Wolke, & Sapouna, 2008).

Outros achados demonstram que homens acometidos pela dismorfia muscular apresentam sin-tomas mais elevados de preocupação com o tamanho do pénis, caracterizando assim uma comorbidade de dismorfia corporal relacionada a esta parte do corpo masculino. Esta distorção da imagem corpórea causa nestes homens vergonha e preocupações com o tamanho e formato do pénis, fazendo com que estes indivíduos desenvolvam ansiedade social, podendo prejudicar de forma significativa a vida sexual destes homens. Além disso, eles podem desenvolver a síndrome do pénis pequeno, uma ruminação obsessiva com rituais de verificação compulsiva do tamanho e circunferência do pénis. Os autores pontuam que possuir um pénis menor pode ser um fator de risco para alguns homens desenvolverem a dismorfia muscular (Pope et al., 1997; Pope et al., 2000; Tiggemann, Martins & Churchett, 2008; Veale et al., 2014; Veale et al., 2015a; Veale et al., 2015b; Veale et al., 2015c; Wylie & Eardley, 2007). A dismorfia do pénis ocasionou a expansão do fenómeno do faloculturismo, que alimenta a indústria mundial do aumento do pénis que lucra com o

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sofrimento psíquico de uma parcela considerável da população masculina, comercializando produtos que prometem aumentar o tamanho e a circunferência do órgão genital masculino e, por meio disso, prometem uma melhora na qualidade de vida de seus consumidores. Contudo, estão a fomentar o aumento da baixa autoestima e da insegurança dos homens sobre os seus corpos (Goldenberg, 2005a, 2005b). Neste processo investigativo foram encontrados poucos estudos sobre o referido fenómeno. Por isto incentivamos a reali-zação de futuras pesquisas com a finalidade de preencher esta lacuna.

Pois a cultura de culto ao corpo supervaloriza o tamanho do pénis. Isto pode devastar de forma sutil o bem-estar psíquico e social destes homens (Tiggemann et al., 2008). Visto que o tamanho do pénis é um símbolo sociocultural de potência, força e virilidade por excelência. Assim, o ideal viril que esta cultura im-põe sobre o gênero masculino custa muito caro para os homens. Já que estes fazem grandes esforços para se adequarem ao modelo de corpo utópico que, além de lhes causar perturbação psíquica com o tamanho do órgão genital, também provoca a obsessão pelo desempenho sexual, causando angústia, depressão, ansie-dade, estresse, dificuldades afetivas, medo do fracasso e comportamentos compensatórios potencialmente perigosos e autodestruidores (Goldenberg, 2005b).

Outros, porém, defendem que a dismorfia muscular é uma das consequências de um novo pro-blema emocional que tem afetado o género masculino. A referida problemática é denominada como mas-culinidade ameaçada (Faludi, 2011; Hunt, Gonsalkorale & Murray, 2013; Mishkind et al., 1986; Pope et al., 2000). De acordo com Faludi (2011), a masculinidade entrou em crise à medida que as linhas dos géneros foram atenuadas na sociedade ocidental contemporânea, onde as mulheres estão cada vez mais tornando-se independentes do ponto de vista financeiro. Segundo os pesquisadores desta hipótetornando-se, esta critornando-se tornando-se deve ao fato de que a partir do final do século XX houve um aumento da igualdade entre os géneros. Desta for-ma, os homens passaram a ter menores possibilidades para afirmar sua dominância sobre as mulheres. Em suma, os homens perderam o seu antigo papel de ganhadores de pão (Faludi, 2011; Frederick et al., 2007; Hunt et al., 2013; Mills & D’Alfonso, 2007; Mishkind et al., 1986; Pope et al., 2000; Ryan, Morrison & McDer-mott, 2010). Mas, ainda são poucos os estudos que tratam diretamente sobre a influência do fenómeno aci-ma mencionado sobre a insatisfação da iaci-magem corporal aci-masculina que está por trás do desenvolvimento da dismorfia muscular.

Observou-se que em alguns processos investigativos onde tanto a hipótese da influência sociocul-tural quanto à hipótese da influência da masculinidade ameaçada, sobre o desenvolvimento da dismor-fia muscular, foram descartadas por causa das limitações teóricas e metodológicas (Feraz, 2008). Portanto, recomenda-se que se faça a repetição de estudos que apresentaram resultados negativos e limitações, uti-lizando outros métodos e técnicas de investigação científica para que não se cometa o equívoco precipita-do de anular uma hipótese, sem que antes ela seja analisada por diferentes perspectivas metoprecipita-dológicas e teóricas, com aplicação de testes psicométricos e/ou psicológicos, pois tal prática de aceitar uma hipótese como nula, descartando-a completamente de novas pesquisas, pode ser muito prejudicial para o progresso da ciência psicológica (Greenwald, 1975).

Lacunas na Investigação Científica sobre a Dismorfia Muscular

No percurso desta investigação não foram encontrados estudos publicados , que tenham efetuado uma substancial contribuição tanto teórica quanto empírica sobre a influência da cultura em carácter histó-rico comparativo, analisando a influência cultural que se manifesta através da linguagem verbal e corporal, arte, mitos e costumes comuns (Diriwächter, 2004; Wundt, 1900, 2013), no desenvolvimento da dismorfia muscular. Para preencher esta lacuna, recomendamos que sejam realizadas futuras pesquisas empíricas e teóricas sobre esta temática, utilizando abordagens metodológicas qualitativas e quantitativas, e também métodos transversais, longitudinais, estudos antropológicos, análise de grupos. É útil o uso de métodos in-vestigativos da psicologia social.

Não se encontrou pesquisas empíricas cross-cultural que tenham realizado uma mensuração

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Incentivamos a realização de estudos futuros que preencham esta lacuna. Percebeu-se que muitos teóricos argumentam a existência de predisposições comuns nos indivíduos que desenvolvem a dismorfia muscu-lar, porém, não se encontram evidências empíricas que esclareçam quais são estas predisposições. Assim, recomendamos o desenvolvimento de novos estudos que procurem preencher esta lacuna.

Igualmente, não foram encontrados estudos empíricos que relatem a atuação do psicólogo do des-porto na prevenção da dismorfia muscular em clubes, ginásios e academias de halterofilismo. E na promo-ção do bem-estar de qualidade nestes ambientes que podem ser iatrogênicos para seus frequentadores. Esta é uma lacuna que precisa ser preenchida, pois contribuiria para a promoção do bem-estar nos ambien-tes onde se pratica este desporto, assim como na vida dos halterofilistas amadores e profissionais. Portanto, incentiva-mos a realização desta prática que pode contribuir para prevenção dos malefícios ao bem-estar humano, discutidos neste estudo. É útil o uso de técnicas psicocorporais (Cardas, 1997; Ekkekakis, 2013 ; Flaherty, 2014; Gama & Rego, 1994; Lowen & Lowen, 1985; Neidhoefer, 1994; Reich, 1979). Recomenda-se, também, que esta prática seja respectivamente acompanhada por um estudo, para documentar o impacto benéfico na qualidade de vida de halterofilistas amadores decorrente do trabalho de psicólogos do despor-to nos ambientes onde se pratica este despordespor-to.

Apesar de existirem estudos empíricos que relacionam o consumo indiscriminado de esteroides anabolizantes a dismorfia muscular , existem poucos estudos sobre quadros mais agudos da dismorfia mus-cular e o consumo de outras substâncias como o uso de óleo para obter uma imagem corporal vigorosa , por exemplo, o Synthol (Dias, 2010; Hall, Grogan & Gough, 2016; Ikander, Nielsen & Sørensen, 2015; Pupka, Si-kora, Mauricz, Cios & Płonek, 2009 ). Por isto, recomenda-se a realização de novas investigações empíricas. A utilização de métodos de análise de neuroimagem é útil para auxiliar no esclarecimento desta lacuna.

Observou-se que existem poucos estudos sobre a dismorfia muscular realizados no modelo feno-menológico (Olivardia, 2001; Hitzeroth, Wessels, Zungu–Dirwayi, Oosthuizen & Stein, 2001; Veale et al, 2015a). Poucos estudos de caso no modelo psicanalítico (Feraz, 2008; Volta, 2017). Assim, recomendamos a realização de novos estudos em modelos teóricos e metodológicos diferentes dos modelos habituais utili-zados pelos pesquisadores, para que se possa ampliar a percepção e o conhecimento deste fenómeno.

Não foram encontrados estudos que discutem a influência da cultura de culto ao corpo sobre o assédio moral infanto-juvenil (bullying). Incentivamos a realização de futuros estudos tanto empíricos quanto teóricos sobre esta questão, porque este trauma é apontado como fator subjetivo que exerce forte influência no desenvolvimento da dismorfia muscular (Chaney, 2008; Olivardia, 2001; Wolke & Sapouna, 2008; Didie et al., 2006).

Conclusão

Esta investigação permitiu-nos revisar a dismorfia muscular, promovendo uma reflexão sobre a cultura de culto ao corpo à medida que se discutiu sobre a influência dela no desenvolvimento desta psi-copatologia. Contribuiu com a realização de uma articulação teórica entre a cultura de culto ao corpo e o surgimento da dismorfia muscular.

Definiu-se o conceito da dismorfia corporal e do seu subtipo, a dismorfia muscular que se distingue por se manifestar por meio de uma distorção grave da autoimagem corporal, semelhante a uma miopia da auto-percepção, que acomete sujeitos do género masculino, gerando-lhes uma grande preocupação com a ideia de que o próprio corpo é muito pequeno, magro, fraco ou insuficientemente musculoso . Dando ênfase à notória influência da cultura de culto ao corpo na construção subjetiva desta psicopatologia con-temporânea.

Foi possível compreender, portanto, que os padrões de normalidade do corpo são um produto da modernidade, o corpo ideal surgiu como uma norma baseada no estatutário do padrão ideal corpóreo da Grécia antiga. Consequentemente , no contexto sociocultural ocidental , a cultura de culto ao corpo in-fluenciou a forma como o indivíduo se relaciona com o próprio corpo, pois ela é um dos principais pontos de referência na avaliação da auto-imagem corporal. Assim algumas psicopatologias passaram a

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apresen-ta-se. É, nesta perspectiva , portanto, que está inserido o objecto de nosso estudo: a dismorfia muscular. Uma vez que esta cultura propicia que o indivíduo invista em si gradualmente para se adequar aos padrões de perfeição que lhes são exigidos.

Sobretudo no Brasil, onde claramente há uma grande influência da cultura dos Estados Unidos da América, visto que mesmo pertencendo geograficamente à América do Sul, o povo brasileiro não se consi-dera latino, tão pouco , há uma identificação com a cultura latina, nem com a língua espanhola que preva-lece na maior parte dos países da América Latina (Santos, 2005 ; Weissheimer, 2012 ). Há uma identificação com a cultura da América do Norte e Europa, e com o crescente fenómeno da globalização, popularização da cultura de culto ao corpo ou cultura fitness, e difusão por parte da mídia do padrão de perfeição

corpó-rea masculina. Onde se considera como padrão de beleza o corpo masculino presente nos filmes europeus e estadunidenses como o ideal a ser alcançado . Em vista disso , podemos supor que a cultura dos Estados Unidos da América pode ser um fator de influência psicológica na cultura de culto ao corpo e, por conse-quência, no desenvolvimento da dismorfia muscular.

Por isso, incentivamos a realização de novas investigações sobre a influência das variáveis acima mencionadas no desenvolvimento desta psicopatologia. Igualmente, propomos que se efetuem pesquisas sobre a influência das culturas de cada país da América do Sul, América Central, Europa. E, nos países de língua portuguesa, no desenvolvimento da dismorfia muscular, identificando possíveis manifestações distintas desta perturbação psicocorporal em cada região geográfica distinta. Pesquisas transculturais para comparar possíveis variações deste distúrbio em diferentes contextos culturais. E investigações de pos- -síveis influências da prevalência de uma cultura sobre outra cultura no desenvolvimento da insatisfação masculina com a imagem corporal, e dismorfia muscular.

Por fim, espera-se que esta revisão estimule a realização de futuras investigações com a utilização de outras técnicas e métodos de investigação científica que explorem de uma forma ainda mais profunda as lacunas e discordâncias identificadas no decorrer do presente artigo. Sugerimos a realização de futuros estudos que se proponham a esclarecer ainda mais a influência da cultura sobre a génese da dismorfia muscular.

Por fim, espera-se que esta revisão estimule a realização de futuras investigações com a utilização de outras técnicas e métodos de investigação científica que explorem de uma forma ainda mais profunda as lacunas e discordâncias identificadas no decorrer do presente artigo. Sugerimos a realização de futuros estudos que se proponham a esclarecer ainda mais a influência da cultura sobre a génese da dismorfia muscular.

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