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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO DO DESENVOLVIMENTO

AIALA COLARES DE OLIVEIRA COUTO

NARCOTRÁFICO NA METRÓPOLE

:

das redes ilegais à “territorialização perversa” na periferia de Belém

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AIALA COLARES DE OLIVEIRA COUTO

NARCOTRÁFICO NA METRÓPOLE

:

das redes ilegais à “territorialização perversa” na periferia de Belém

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Planejamento do Desenvolvimento como requisito para a obtenção do título de Mestre em planejamento do desenvolvimento, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará. Orientador: Prof. Dr. Durbens Martins Nascimento.

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Dados Internacionais de Catalogação de Publicação (CIP) (Biblioteca do NAEA/UFPA)

Couto, Aiala Colares de Oliveira.

Narcotráfico na Metrópole: das redes ilegais a “territorialização perversa” na periferia de Belém / Aiala Colares de Oliveira Couto; orientador Durbens Nascimento. – 2010. 167 f.: il; 30 cm.

Inclui bibliografias

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos

Amazônicos, Programa de Pós-Graduação em Planejamento do Desenvolvimento. Belém, 2010.

1. Narcotráfico – Controle – Belém (PA). 2. Territorialidade – Belém (PA). 3. Violência Urbana - Belém (PA). 4. Tráfico de drogas - Belém (PA). 5. Narcóticos – Controle – Belém (PA). I. Nascimento, Durbens, orientador. II. Título.

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AIALA COLARES DE OLIVEIRA COUTO

NARCOTRÁFICO NA METRÓPOLE:

Das redes ilegais à “territorialização perversa” na periferia de Belém

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Planejamento do Desenvolvimento requisito para a obtenção do título de Mestre em planejamento do desenvolvimento, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará.

Data da Aprovação: ______/_______/_______

Prof. Dr. Durbens Martins Nascimento

Orientador - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA Universidade Federal do Pará

Prof. Dr. Nírvea Ravena

Examinador - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - NAEA Universidade Federal do Pará

Prof. Dr. Maria Goretti Tavares

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6 AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus minha fonte de sabedoria que nos momentos de dificuldades iluminou-me e deu-me forças para caminhar e não desistir de concluir este trabalho, mesmo com todas as dificuldades encontradas.

À minha família pela paciência em pelos momentos de compreensão pela minha ausência nos momentos em que mais precisaram da minha presença, em especial à minha mãe Dilma Colares e minha filha Ailana Talissa.

Aos meus amigos que muito contribuíram e confiaram no meu potencial para a pesquisa; Bruno Malheiros, grande mestre e amigo, Rogério Rego, Beatriz Vilar, Odimar Melo e claro aos meus colegas do PLADES/2008 Armando e Leonardo.

À equipe da Biblioteca do NAEA pelo apoio e paciência pelo tempo tomado nas horas em que estava pesquisando, em especial a Andréia pela correção das ABNT.

À Roseane da lojinha, pela correção gramatical e pela simplicidade em me receber sempre que precisei, fico grato por todo o apoio recebido.

À equipe do Departamento de Estatística da Polícia Civil que me forneceu os dados e me recebeu com toda a humildade e o interesse em querer contribuir, a eles serei eternamente grato.

Aos professores e amigos, Marcio Marcondes, Jorge França, Fernando Moraes, Jurueno Sampaio e Adilson Santos, pelo companheirismo e confiabilidade que depositaram neste trabalho e por todos os momentos de distração que nos foram proporcionados e que me serviram de reflexão na maioria das vezes.

Ao Wellington Souza, que contribuiu para este projeto através da confecção dos mapas e toda a equipe da sala 205 do NAEA.

Às minhas amigas bolsistas do Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia (OBED), Regiane e Gisele, pelo companheirismo e paciência nas horas em que estive na sala digitando o trabalho.

Ao meu orientador Durbens Nascimento pela confiança, amizade e dedicação nas conversas que foram produtivas e que muito interessaram à pesquisa.

À professora Maria Goretti Tavares pela discussão na disciplina Redes e Organização do Território que serviu de base teórica para este trabalho. E a professora Nírvea a Ravena, pela críticas realizadas na qualificação que muito me abriram os olhos para esta questão.

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7 RESUMO

A expansão do crime organizado em escala global, sobretudo, atrelado ao narcotráfico vem contribuindo nos últimos anos para que a Amazônia seja inserida na lógica de organização das redes ilegais. Assim, a sua localização geográfica juntos aos principais produtores de cocaína e ao mesmo tempo a sua proximidade em relação aos mercados da Europa e EUA despertam o interesse da economia do tráfico de drogas. Por outro lado, a droga que atravessa a Amazônia também abastece os mercados locais de suas metrópoles, a exemplo de Belém, aonde o narcotráfico vem se espacializando e se territorializando em áreas periféricas da cidade, envolvendo a metrópole na dinâmica economica da geográfica do crime organizado. Assim, os bairros periféricos do Guamá e da Terra Firme, abarcados pela bacia do Tucunduba, estão envolvidos por uma espécie de territórios-rede em que o tráfico local está associado às redes do tráfico global, e ao mesmo tempo, em escala local, convivem com a presença de territórios-zona, onde o tráfico se fecha para comandar sua atuação. Nesse sentido, a criminalidade vem se expandindo na forma de uma territorialização perversa, pois o tráfico de drogas impõe os seus limites pelo uso força e pela lógica do medo como estratégias de dominação.

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8 ABSTRACT

The expansion of the crime organized in global scale, over all, atrelado to the drug trafficking comes in recent years contributing so that the Amazônia is inserted in the logic of organization of the illegal nets. Thus, its geographic localization together to the main cocaine producers and at the same time its proximity in relation to the markets of the Europe and U.S.A. despertam the interest of the economy of the traffic of drugs. On the other hand, the drug that also crosses the Amazônia supplies the local markets of its metropolises, the example of Belém, where the drug trafficking comes if espacializando and if territorializando in peripheral areas of the city, involving the metropolis in the economic dynamics of the geographic one of the organized crime. Thus, the outlying areas of the Guamá and the Firm Land, accumulated of stocks for the basin of the Tucunduba, are involved for a species of territory-net where the local traffic is associated the nets of the global traffic, and at the same time, in local scale, they coexist the territory-zone presence, where the traffic if closes to command its performance. In this direction, crime comes if expanding in the form of a perverse territorialização, therefore the traffic of drugs imposes its limits for the use force and the logic of the fear as domination strategies.

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9 (Refrão) Jovem, preto, novo, pequeno. Falcão fica na laje de plantão no sereno. Drogas, armas, sem futuro. Moleque cheio de ódio invisível no escuro, puro. É fácil vir aqui me mandar matar, difícil é dar uma chance a vida. Não vai ser a solução mandar blindar. O menino foi pra vida bandida.

Desentoca, sai da toca, joga à vera. O choro é de raiva, de menor não espera, a laje é o posto, imagem do desgosto, tarja preta na cara para não mostrar o rosto. Vai, isqueiro e foguete no punho. Quem vai passar a limpo a sua vida em rascunho. Cume envenenado pra poder passar a hora. Vive o agora, o futuro ignora. O amargo do sangue, tá na boca. Vivendo o dia-a-dia, descobre que sua esperança é pouca. moleque vende, garoto compra, pirralho atira, menino tomba. Mete Bronca, entra no caô pra ganhar. joga no ataque, se defende com AK. Pupila dilatada, dedo amarelo, jovem guerrilheiro no seu mundo paralelo, bate o martelo. acabou de condenar, julgamento sem defesa, quem é réu vai chorar, vai babar. Por que o coração não bate mais, agora quer correr a frente, não correr atrás. Idade de Criança, responsa de adulto, mente criminosa enquanto a alma veste o luto, puto. Por dentro, faz o movimento, raciocínio lento e o extinto sempre atento. Não perde tempo, vem fácil, morre cedo, descontrolado, intitulado a voz do medo, vitima do gueto, universo preto. Vida é o preço e pela vida largo o gueto.

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10 LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia - 1 Bairro da Terra Firme... 83

Fotografia - 2 Ocupação Riacho Doce no Bairro do Guamá... 84

Fotografia - 3 Ocupação urbana ao longo do igarapé Tucunduba... 90

Fotografia - 4 Ocupação Riacho Doce em torno do Tucunduba... 91

Fotografia - 5 PM Box destruído na passagem Ligação (Terra Firme)... 125

Fotografia - 6 Beco na Passagem Ligação... 125

Fotografia - 7 Passagem Ligação (Terra Firme) ... 126

Fotografia - 8 Passagem São João (Guamá) ... 127

Fotografia - 9 Passagem Lauro Sodré (Terra Firme) ... 127

Fotografia - 10 Passagem Caraparú (Guamá) ... 128

Fotografia - 11 O medo da violência na área do Tucunduba... 144

Fotografia - 12 Curiosos em volta de um corpo jogado às margens do Tucunduba... 144

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11 LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Esquema - 1 Esquema das redes... 44

Quadro - 1 Relativizador das diferenças conceituais entre redes e territórios... 55

Mapa -1 Cultivo da Coca (2006-2008) ... 66

Mapa - 2 Rotas do Tráfico de Cocaína no Mundo... 73

Mapa - 3 Rotas do narcotráfico na Amazônia... 75

Mapa - 4 Rota do tráfico de drogas no estado do Pará... 77

Quadro - 2 Evolução Demográfica nos Bairros da Bacia do Tucunduba... 92

Mapa - 5 Escala Local do tráfico de drogas em Belém... 95

Esquema - 2 Organização das redes do tráfico de drogas... 100

Mapa - 6 Território de influência do tráfico de drogas no Guamá e na Terra Firme... 102

Mapa - 7 Pontos de venda de drogas em zonas de influência do tráfico de drogas no Guamá e na Terra Firme... 103

Imagem - 1 A Milícia começa a ocupar a Terra Firme... 132

Imagem - 2 A Milícia começa a ocupar a Terra Firme... 133

Imagem - 3 Tráfico cala as comunidades de Belém... 133

Imagem - 4 “Jack” teria mandado matar três... 139

Imagem - 5 Milícia da Terra Firme comemora morte de rival... 140

Imagem - 6 Onze mortos na guerra do tráfico... 141

Gráfico - 1 Homicídios nos dez bairros mais violentos de Belém (2005-2009)... 146

Mapa - 8 Dez bairros com maior número de homicídios de Belém... 147

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12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT - Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas

DRE - Demonstração do Resultado do Exercício

ELETRONORTE - Centrais Elétricas do Norte do Brasil

EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos

OBED - Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia

ONU - Organização das Nações Unidas

PCC - Primeiro Comando da Capital

PLADES - Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento

SEGUP - Secretaria de Segurança Pública

SIPAM - Sistema de Proteção da Amazônia

SIVAM - Sistema de Vigilância da Amazônia

TCC - Trabalho de Conclusão de Curso

UFPA - Universidade Federal do Pará

UFRA - Universidade Federal Rural da Amazônia

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13 SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 13

1.1 DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA... 15

1.2 HIPÓTESES... 24

1.3 OBJETIVOS... 25

1.3.1 Objetivo geral... 25

1.3.2 Objetivos específicos... 25

1.4 METODOLOGIA... 26

1.5 JUSTIFICATIVA... 35

2 DAS REDES AO TERRITÓRIO: UMA APROXIMAÇÃO TEÓRICO-CONCEITUAL... 40

2.1 REDES... 40

2.2 TERRITÓRIO... 47

2.3 TERRITÓRIOS-REDE EM AGLOMERADOS DE EXCLUSÃO ... 53

2.4 A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” DA CRIMINALIDADE NAS METRÓPOLES... 58

3 REDES ILEGAIS NA AMAZÔNIA E A RELAÇÃO COM TRÁFICO DE DROGAS NA PERIFERIA DA METRÓPOLE... 64

3.1 AS ROTAS DO TRÁFICO DE DROGAS NA AMAZÔNIA... 64

3.2 A ESCALA LOCAL DAS REDES ILEGAIS NA PERIFERIA DA METRÓPOLE... 67

3.3 AS REDES E OS AGLOMERADOS DE EXCLUSÃO NA PERIFERIA DE BELÉM... 81

3.4 O TUCUNDUBA COMO O “NÓ DA TRAMA”: DE LUGAR DE RESISTÊNCIA AO LUGAR DE PERVERSIDADE NO GUAMÁ E NA TERRA FIRME... 88

4 DO TERRITÓRIO-REDE AO TERRITÓRIO-ZONA DO NARCOTRÁFICO NA PERIFERIA DE BELÉM (GUAMÁ E TERRA FIRME) ... 97

4.1 O TERRITÓRIO-REDE E O TERRITÓRIO-ZONA DO TRÁFICO DE DROGAS... 97

4.2 AS REDES SOCIAIS DO TRÁFICO E A TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA DO CRIME... 106

4.3 MOTIVOS QUE LEVAM À CONFIGURAÇÃO DAS REDES SOCIAIS DO CRIME... 114

4.3.1 O desemprego... 114

4.3.2 Busca por dinheiro... 116

4.3.3 Salários baixos... 117

4.3.4 Famílias desestruturadas... 118

4.4 OS ATORES SOCIAS NO ESQUEMA DO TRÁFICO DE DROGAS 119 4.5 AS REDES DE PROTEÇÃO E O MITO DA MILÍCIA ARMADA... 128

4.6 A ORGANIZAÇÃO LOCAL DO CRIME E O CONFLITO ENTRE FACÇÕES RIVAIS PELO USO DO TERRITÓRIO... 135

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 152

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13 1 INTRODUÇÃO

A expansão do crime organizado na Amazônia brasileira nas últimas décadas vem destacando o importante papel que a região desempenha no comércio internacional de drogas. Por outro lado, é importante destacar que a Amazônia não representa apenas uma área de trânsito da droga, mas também um de seus mercados consumidores, pois o narcotráfico se materializa nas periferias das duas metrópoles da região (Belém e Manaus). Nesta pesquisa, destacam-se os bairros do Guamá e da Terra Firme, localizados na periferia de Belém, na Amazônia Oriental, onde o narcotráfico tomou conta de alguns pontos estratégicos para a comercialização da droga e com isso contribuindo para o crescimento da violência urbana na cidade.

O narcotráfico se territorializou nestes dois bairros (Guamá e Terra Firme) a partir de pontos críticos de serviços e infraestrutura urbana, ou seja, em áreas de habitação precária que surgiram com a expansão urbana acelerada, resultado de um processo desestruturado de urbanização espontânea. A expansão urbana de Belém em direção às suas periferias não seguiu um padrão de planejamento adequado, capaz de impedir as contradições sociais na produção do espaço. Nestes locais, é nítida a manifestação da pobreza e da precariedade.

O planejamento da cidade, nas últimas décadas, negligenciou os problemas de suas periferias, priorizando os investimentos na área central, obedecendo a um modelo de desenvolvimento urbano que estava articulado com interesses da classe média da cidade. Nesse sentido, a periferia excluída passou a fazer parte de um processo de construção do espaço urbano segregador e criador de um tecido socioespacial fragmentado.

Essa fragmentação socioespacial do espaço urbano de Belém, que marca as contradições socioespaciais na metrópole, tornou-se estratégica para a atuação do narcotráfico na periferia. Por outro lado, essa expansão do tráfico de drogas na cidade deve ser vista não como algo isolado, mas sim dentro de um contexto global, no qual as redes ilegais do narcotráfico nas fronteiras da Amazônia estão inseridas.

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14 comando do tráfico; e a outra forma definida como territórios-rede, ou seja, territórios abertos onde a estrutura reticular das redes ilegais do narcotráfico foi inserida por meio da organização espacial em pontos de distribuição e controle dos fluxos de droga na cidade.

Essas duas formas de enxergar a atuação do narcotráfico nestes bairros periféricos representam uma proposta teórica de entender a dinâmica econômica, política e simbólica dessa atividade ilícita na metrópole. Sendo assim, as redes desenvolvem um papel central nesse contexto, ou seja, a organização e a estruturação do território. Para isso, a exclusão social, a precária atuação do Estado, o desemprego crescente e a fragmentação do tecido socioespacial da metrópole são processos que levam à expansão da atuação das redes ilegais do tráfico de drogas, pois essa atividade se apresenta como uma oportunidade de inclusão na sociedade do consumo.

A manifestação da economia do crime, ou melhor, daquilo que Castells (1996) chamou de “integração perversa”, é na verdade uma prática que está dentro de uma escolha racional da sociedade, pois as possibilidades de ganho acabam por justificar as possibilidades de riscos, e diante de uma situação de pobreza e miséria, a população se torna alvo fácil de cooptação. O narcotráfico na periferia de Belém já é reconhecido como uma atividade que gera altíssimos lucros, e por isso acaba por atrair muitas pessoas que são utilizadas como mão de obra barata e descartável para a economia da droga.

Para entender a inserção dos bairros do Guamá e da Terra Firme no contexto do tráfico internacional de drogas, é importante analisar, antes de tudo, os problemas estruturais que os bairros sofrem e que são de grande importância para que a criminalidade se manifeste de forma eficaz, sobretudo no que diz respeito ao tráfico de drogas, que se territorializa a partir de áreas que representam, segundo Haesbaert (2002), os “aglomerados de exclusão”, locais de extrema insegurança e instabilidade, onde a miséria e a pobreza imperam. E sendo assim, a expansão do narcotráfico na periferia se manifesta por meio da lógica territorial do circuito da droga, embutida em duas formas de organização, ou seja, a zonal e a reticular.

Analisando a dinâmica das redes ilegais e os impactos que o narcotráfico vem causando em áreas periféricas de Belém, precisou-se dividir este trabalho em três partes para uma melhor explicação acerca do objeto de pesquisa. Assim dividi-se:

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15 2008) e Santos (1986, 1996, 1998, 2001), constata-se que a produção científica desses autores serviu de grande base para a formulação das questões da problemática e dos objetivos a serem seguidos pela pesquisa.

Na segunda parte, é abordada a dinâmica das redes ilegais do narcotráfico na Amazônia brasileira e a relação dessas redes com o tráfico de drogas na periferia da metrópole Belém, demonstrando por intermédio de mapas temáticos as principais rotas utilizadas pelos narcotraficantes, destacando o papel da região amazônica no contexto global, regional e local na trama das redes ilegais.

Na terceira parte da pesquisa, é realizada a proposta de discussão da categoria território, aplicada ao narcotráfico nos bairros do Guamá e da Terra Firme a partir do território-rede, ou seja, a inserção dos bairros nas redes do tráfico de drogas que circulam na Amazônia e o território-zona a partir da delimitação de áreas que são controladas por facções criminosas ligadas a essa atividade ilícita. A relação entre tráfico de drogas e violência urbana contribuiu para a formulação do conceito de “territorialização perversa”, que se trata das formas de violência e coerção que são impostas à população envolvida pela criminalidade. São apresentados mapas temáticos que possibilitam a visualização do fenômeno na periferia de Belém. Além disso, este capítulo ainda tratará das questões em torno das estratégias de organização do tráfico de drogas em escala local e os conflitos envolvendo facções rivais pela disputa de áreas de influência do comércio da droga e a questão do mito da milícia armada, divulgada pela mídia no bairro da Terra Firme.

1.1 DEFINIÇÃO DA PROBLEMÁTICA

As transformações que o espaço amazônico sofreu a partir da década de 1960, principalmente com as políticas públicas territoriais dos regimes militares, que incentivaram a integração e a ocupação definitiva do território à economia nacional e incitaram a exploração das riquezas naturais da região como estratégias de desenvolvimento regional e nacional, não foram suficientes para reduzir as desigualdades sociais e nem para garantir a melhoria da qualidade de vida da população amazônica, sobretudo de suas principais metrópoles, ou seja, Belém e Manaus, que embora sejam centros econômicos da região, enfrentam grandes contrastes sociais.

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16 principalmente a da área da Pan-Amazônia, ou Amazônia internacional, que abarca países que enfrentam internamente problemas relacionados às guerrilhas e ao narcotráfico.

Para Machado (2003, p. 1):

Duas concepções parecem ser eternamente válidas para muitos setores que lidam com as políticas públicas dirigidas à Amazônia brasileira, a despeito de mudanças no contexto, no conteúdo e nas formas de uso do território. A primeira delas é conceber o território como espaço vazio e a segunda é conceber a região como sistema fechado pelos limites internacionais, o que do ponto de vista geográfico significa desvinculá-la da unidade maior formada pela bacia amazônica sul-americana.

A Amazônia do século XXI enfrenta grandes desafios no que diz respeito à “falta” de consciência ambiental, o que representa uma grande ameaça para o futuro do planeta, questão hoje discutida mundialmente. Porém, além dessa questão, na atualidade, o Estado brasileiro também se preocupa com outra ameaça que envolve a questão da soberania nacional. Trata-se da organização criminosa em rede, principalmente no que diz respeito à atuação e articulação das redes ilegais que atuam nas fronteiras da região, aproveitando-se de sua invulnerabilidade e estipulando um papel central para a Amazônia que se transforma em área de conexão internacional e nacional para o narcotráfico.

As fronteiras da Amazônia com a Colômbia, Peru e Bolívia acabam por facilitar a inserção da região no circuito das redes ilegais. Na realidade, as particularidades geográficas da Amazônia oferecem facilidades para a prática do ilícito (ISHIDA, 2006, p. 4). Pesquisas anteriores sobre estas redes sugerem que nas últimas décadas aquelas que obtiveram relativo sucesso em fazer uso da bacia amazônica sul-americana como unidade funcional e como região geográfica, foram firmas e empreendimentos que exploram o comércio ilegal de drogas e contrabando de mercadorias (MACHADO, 1998).

O grau de conectividade indica alternativas de rota, quando baseadas apenas no desenho das redes de circulação. Como as rotas usam uma combinação de meios de transportes, elas estão associadas, de alguma forma, aos principais pontos de conectividade onde as opções de transporte apresentam grande diversificação (NOVAES, 2003, p. 6). “Os circuitos ilegais podem ajudar a estabelecer o limiar, nível ou ponto de passagem que simultaneamente separa e une dois espaços soberanos” (MACHADO, 1996, p. 6).

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17 consumidores do mundo, ou seja, a Europa e os Estados Unidos. Há também de se destacar o papel do Brasil no que compete ao fornecimento de produtos químicos que servem para o beneficiamento da droga, destacando que aqui no país também se beneficia boa parte da droga que chega aos mercados do Sudeste.

Na última década, uma série de artigos na imprensa popular tem feito denúncias episódicas, quase sempre com estardalhaço, sobre o crescimento e a ampliação das atividades ilegais, tanto nos países ricos como nos países pobres (MACHADO, 1996, p. 9).

[...] a integração horizontal da cadeia produtiva, onde as zonas produtoras de coca situam-se em áreas geográficas específicas da Colômbia, do Peru e da Bolívia, distantes do mercado global, exige uma articulação das operações em diversas escalas e em espaços geograficamente diferenciados, de acordo com cada etapa: cultivo da coca, fases do beneficiamento semi-industrial (pasta base, pasta de cocaína, cocaína), circulação, estocagem, distribuição por atacado do produto aos mercados (onde outros sistemas de distribuição e manipulação do produto dominam), além da reciclagem dos lucros (MACHADO, 1996, p. 9-10, grifo do autor).

Um estudo aprofundado sobre a atuação das redes do tráfico de drogas na Amazônia brasileira chegará à conclusão de que essa atividade gera grandes impactos no território, sobretudo nas metrópoles como Belém e Manaus, que internamente enfrentam grandes desigualdades. Entende-se por desigualdade, a apropriação diferencial de riqueza (renda e bens) por parte de indivíduos e grupos sociais distintos que se relacionam entre si (CASTELLS, 1996, p. 96).

A partir das zonas produtoras, os corredores de exportação se estendem em várias direções, inclusive a do rio Amazonas e seus afluentes em território brasileiro. A eventual associação entre aqueles que exploram o tráfico internacional de droga e os circuitos do contrabando (mercadorias, armas) é, em grande parte, condicionada pelo uso compartilhado de corredores de exportação ∕ importação e de redes de apoio no âmbito internacional, o que diminui os custos com a segurança, reduz o risco de apreensão e possibilita o florescimento de diversos mecanismos de lavagem dos lucros (MACHADO, 2003, p. 12, grifo do autor).

Para a geografia, as questões sobre o tráfico de drogas interessam principalmente quando configuram territórios dominados pelas forças paralelas que controlam o tráfico e por estarem profundamente relacionados à questão urbana e aos novos debates da Geopolítica que vão ganhar força no próximo milênio (RURHOFF, 1998, p. 1).

(19)

18 representam territórios isolados, mas sim articulados de uma escala local para uma escala global. Para o geógrafo Santos (1996), o lugar que a rede organiza sua ação arrumadora do território, é um agregado de relações ao mesmo tempo internas e externas.

Por isso, percebe-se que o comércio ilícito de narcóticos no Brasil (ligado à cocaína) simboliza a materialização das redes que passam pela Amazônia. E sendo assim, a materialização do tráfico de drogas, por meio da construção de territórios, surge a partir de áreas excluídas ou segregadas, onde grande parte da população está inserida no circuito informal da economia ou desempregada e que são facilmente inseridas pelas redes do crime. A informação se torna a matéria-prima essencial do espaço-rede (MOREIRA, 2001).

Daí a importância dos estudos das redes ilegais do narcotráfico na Amazônia, atentando para os possíveis impactos que estão sendo gerados nos territórios dos estados amazônicos e de suas metrópoles. O narcotráfico representa uma forma de organização reticular que constrói sua base territorial. A utilização do termo “rede” não é recente, muito menos a preocupação em compreender seus efeitos sobre a organização do território. Ela não é, tampouco, vinculada diretamente à Geografia: em um artigo publicado em 1832, o economista e engenheiro Michel Chevalier já reconhecia as relações estreitas entre a rede de bancos e a rede de linhas de transporte, evocando a relação entre as comunicações e o crédito (DIAS, 1995, p. 144).

Dias (1995) destaca que a questão das redes aparece hoje de outra forma, renovada pelas grandes mudanças do final de século pelas descobertas e avanços em outros campos disciplinares e na própria Geografia. Assim, um novo contexto teórico estimularia uma abordagem relacional das redes com a urbanização, a divisão territorial do trabalho e a crescente diferenciação que estas introduzem entre as cidades.

De fato, as redes assumem um importante papel no mundo contemporâneo, visto que a intensificação dos diversos tipos de fluxos acontece por meio delas, e são as redes que dão sentido ao território como forma de articulação com a economia globalizada, não negando os efeitos perversos que elas podem trazer para o lugar. “Como forma de organização técnica (infraestrutura de suporte ou logística), transacional (econômico-político), informacional (cognitiva), a estrutura de conexões por rede tem um significado bem mais complexo do que o do simples desenho de nódulos conectados por linhas” (MACHADO, 1995, p. 6).

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19 necessário reconhecer que “a rede de relações é também rede de organização” (DUPUY, 1984 apud DIAS, 1995).

Segundo Santos (1996):

[...] as múltiplas concepções de definição do conceito de rede se enquadram em duas grandes matrizes. A primeira delas considera a realidade material das redes: as redes seriam uma ‘infraestrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação’. A concepção de rede da segunda matriz levaria em conta, além do dado material, o dado social, ‘a rede é também social e política, pelas pessoas, mensagens e valores que a frequentam’ (SANTOS, 1996, p. 209).

Santos (1996) afirma existir a necessidade de se articular as diferentes esferas sociais na análise das redes, quando diz que o atual estudo das redes “supõe não apenas a descrição do que constitui um estudo estatístico das quantidades e das qualidades técnicas, mas, também, a avaliação das relações que os elementos da rede mantêm com a presente vida social, em todos os seus aspectos, isto é, essa qualidade de servir como suporte corpóreo do cotidiano” (SANTOS, 1996, p. 210).

Para implantar e administrar suas operações, e diminuir os riscos de apreensão e de intervenção pelos órgãos públicos de segurança, os empreendimentos ilegais necessitam criar “canais de comunicação” entre os diferentes níveis de organização territorial, gerando uma tensão entre lógicas diferenciadas que devem ser levadas em conta: “as redes encontram outras lógicas, ancoradas no solo. Podem adaptar-se mais ou menos facilmente às cidades ou aos países, à inércia do semiurbano ou à rigidez das malhas agrícolas. No entanto, existe uma instabilidade e uma tensão entre as redes e o território, entre o dinâmico e o estático, entre aquilo que circula e aquilo que habita” (MACHADO, 1996, p. 23).

Fazendo uma discussão sobre as relações das cidades (“nós”), com suas respectivas hinterlândias, Castells (1999, p.409) destaca que os “territórios em torno destes nós desempenham uma função cada vez mais subordinada, às vezes perdendo a importância (ou até mesmo a função)”. Para este autor, nenhum nó consegue estruturar a rede por si mesmo. Por mais importante que seja a função da cidade ali situada, “nenhum lugar existe por si mesmo na rede, já que as posições são definidas pelos fluxos” (CASTELLS, 1999, p. 409).

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20 sabidamente opera em rede transnacional ao nome de um lugar geográfico específico, como a Colômbia ou a Amazônia.

No entanto, apesar do fato das redes obedecerem, em princípio, a uma “concepção teleológica” (MACHADO, 1996, p. 7), ou seja, direcionadas para objetivos específicos, não se pode afirmar que os lugares são neutros, muitos menos que a localização geográfica tenha perdido seu valor estratégico (VIRÍLIO, 1997 apud DIAS, 1995, p. 156). Esta valorização das características dos lugares está necessariamente presente na lógica de organização das redes ilegais. As localidades inseridas na rede são cuidadosamente avaliadas pelas organizações e proto-organizações que operam na ilegalidade (MACHADO, 2003).

O narcotráfico atua de forma estratégica na configuração de sua teia de relações, pois os locais são escolhidos de acordo com as possibilidades de reprodução do sistema e, por isso, quanto maior forem as desigualdades sociais, exclusão e segregação, maiores serão as possibilidades de fixação, principalmente nas grandes metrópoles, que são lócus de pobreza e riqueza, na qual Belém está inserida.

Entende-se que o espaço de uma grande cidade é reflexo e condição para a reprodução de relações sociais capitalistas. Assim, esse espaço sintetiza desigualdades, bem como expressa toda sorte de mazelas sociais que persistem e se reproduzem em um sistema de relações que beneficia alguns e joga para as suas margens muitos. Nas margens sociais e espaciais, atores levam a cabo uma vida que caminha no limiar do desespero, entre a violência de todos os dias e as necessidades que se avolumam.

Para Corrêa (1989, p. 7):

[...] o espaço de uma grande cidade capitalista constitui-se, em um primeiro momento, de sua apreensão no conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si. Tais usos definem áreas, como o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão, áreas industriais, áreas residenciais distintas em termos de forma e encontro social, de lazer e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão. Este complexo conjunto de usos da terra é, em realidade, a organização espacial da cidade ou, simplesmente, o espaço urbano, que aparece assim como espaço fragmentado.

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torna-21 se imperativa a criação de alternativas habitacionais, uma vez que “sem” opções no mercado imobiliário formal, com pouco ou nenhum financiamento público ou privado, os atores das periferias são forçados a se sujeitar a formas de habitação altamente degradadas, num entorno social sem emprego, saúde e educação de qualidade. Assim, é pouco provável que essas características não tenham sido escolhidas pelas organizações criminosas do narcotráfico.

Segundo Corrêa (1989, p. 9), "as áreas residenciais segregadas representam papel ponderável no processo de reprodução das relações de produção, no bojo do qual se reproduzem as diversas classes sociais e suas frações: os bairros são os locais de reprodução dos diversos grupos sociais”. E de acordo com essa ideia, os bairros populares são os mais aproveitados pelas relações sociais do tráfico de drogas.

Os bairros do Guamá e da Terra Firme também são campos de lutas dos mais diversos atores ou grupos sociais que ali se reproduzem e criam suas dinâmicas, onde expressam os seus anseios e desejos por vida digna, sem preconceito e exclusão social, criando estratégias de sobrevivência que o próprio sistema capitalista lhes impõe. A urbanização brasileira teve um caráter excludente na produção desigual do espaço, segregando especialmente a população pobre e pouco inserida no mercado formal da economia.

A segregação socioespacial com tendência à periferização deixa grandes lacunas no que diz respeito ao desenvolvimento social, e, diante desse contexto, formam-se os enclaves de mão de obra submissa, prato cheio para o crime organizado, tráfico de drogas e outras atividades criminosas, que se tornam, nesse momento, uma das alternativas de ganhar a vida para a população segregada, desempregada e sem expectativas de melhores condições de vida. Os bairros populares do Guamá e da Terra Firme, na Zona Sul de Belém, surgiram em meio a um processo de expansão urbana em direção às áreas de baixadas (a partir da década de 1950) e de grande valorização da área central da cidade, o que deslocou a população pobre para longe do centro. Devido à disponibilidade de terras, estes bairros passaram a abrigar uma população de baixa renda, que encontrou nas baixadas de Belém, um local para a habitação permanente e para reprodução social.

Com uma precária infraestrutura e muitos problemas sociais, além da pouca atenção dada pelas políticas de planejamento urbano, a pobreza dos bairros se torna funcional para o narcotráfico, que passa a atrair um grande contingente de pessoas, principalmente aquelas que estão excluídas (ou incluídas precariamente), marginalizadas e sem perspectivas de ascensão socioeconômica, e assim passam a fazer parte da rede do tráfico de drogas.

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22 trabalhadores autônomos, artesãos, subcontratados etc.) é a percepção de que essa prática possa ser uma via de ascensão social com acesso rápido às benesses do consumo, reais ou ilusórias (MACHADO, 2003, p. 6).

Nessa perspectiva, percebe-se nitidamente na metrópole de Belém a expansão desenfreada do tráfico de drogas nas periferias, mas que hoje já chega às áreas centrais da cidade. O narcotráfico se apresenta como uma atividade funcional para a inserção de um grande número de desempregados, que passam a fazer parte da lógica de organização territorial das redes, e uma rede de relações bastante complexa que se organiza e se territorializa nas metrópoles, e os bairros do Guamá e da Terra Firme não fogem à regra desse circuito.

Portanto, daí a importância em se buscar relacionar a expansão do narcotráfico na metrópole de Belém com as redes de distribuição de drogas que passam pela Amazônia e que são funcionais para a territorialização desses agentes, ou seja, as redes ilegais acabam por envolver uma atividade organizada ∕ territorializada em rede.

Segundo Dias (1995):

[...] a questão das redes aparece hoje de outra forma, renovada pelas grandes mudanças do final do século e pelas descobertas e avanços em outros campos disciplinares e na própria Geografia. Assim, um novo contexto teórico estimularia uma abordagem relacional das redes com a urbanização, a divisão territorial do trabalho e a crescente diferenciação que esta introduz entre cidades.

A proposta desta pesquisa está fundamentada no papel que as redes assumem no mundo contemporâneo. Nesse sentido, admitimos que:

[...] como forma de organização técnica (infraestrutura de suporte ou logística), transacional (econômico-político), informacional (cognitivo), a estrutura de conexões por rede tem um significado bem mais complexo do que o do simples desenho de nódulos por linhas (MACHADO, 1996, p. 6).

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23 de pesquisa nos bairros do Guamá e da Terra Firme, considerados áreas de baixadas da cidade.

Os traficantes, então, reproduzem-se nos espaços periféricos da cidade, e os atores que vivem neles acabam se inserindo direta ou indiretamente nesta economia criada a partir do circuito da droga, seja se beneficiando dos lucros da revenda, seja sofrendo pressões de um poder paralelo estabelecido que se territorializa e define espaços sob o exercício do poder.

Nesse contexto, a atuação do narcotráfico na periferia de Belém faz parte de uma estratégia da atuação das redes ilegais que vão buscar se consolidar dentro do bairro, e que passará a fazer parte do jogo geoestratégico dos narcotraficantes, uma vez que o bairro torna-se um dos “nós da trama”, uma espécie de nexo (ponto) de contato entre o local e o global, entre as relações horizontais e as relações verticais, não deixando de internamente ter também seus vários pontos de atuação.

As organizações ou grupos envolvidos com o tráfico internacional de drogas também desenham estratégias desde cima, porém com uma importante diferença. Ao contrário das organizações legítimas, o negócio ilegal exige integrar a visão desde baixo, pelo motivo óbvio de estar sujeito a uma maior exposição ao risco no terreno. A exploração, e eventual êxito, dos negócios ilegais são fortemente dependentes de conexões locais, tendo em vista que operam com complexas e instáveis linhas de informação e comunicação (MACHADO, 2003, p. 4).

Dessa maneira, são criados territórios controlados pelo tráfico de drogas, onde a repressão e a violência são simbolismos demarcadores dos mesmos, pois a carência da população pobre, que faz parte desses territórios, implica na sua participação, como forma de sobrevivência e de acesso aos recursos, mesmo que para isso seja então preciso fazer parte do mundo do crime.

Diante das carências, o tráfico se oferece como oportunidade de emprego e de renda, e isso acaba por levar muitos jovens desempregados, que muitas vezes não apresentam nenhum tipo de resistência, a serem incorporados ao sistema das redes ilegais, ou seja, o abandono do Estado, ou a pouca atenção dada por ele, tornam-se um grande abismo entre desenvolvimento e pobreza, e o narcotráfico tira aproveito para consolidar a sua atuação.

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24 a) Qual a relação entre as redes ilegais do narcotráfico na Amazônia e o tráfico de

drogas na periferia de Belém?

Essa questão central para ser mais bem compreendida deve se desdobrar em questões específicas, uma vez que, embora redes do tráfico e território do tráfico sejam temas complementares, pressupõe processos distintos. Assim, listamos três questões para melhor problematizarmos estes processos, a saber:

b) Como se caracteriza o território-zona e o território-rede do narcotráfico nos bairros periféricos do Guamá e da Terra Firme?

Entender a organização do tráfico de drogas pressupõe uma melhor compreensão das estratégias de controle do território pelos atores sociais envolvidos na trama. Nesse sentido, é imperativa a questão:

c) Quem são os atores sociais envolvidos na organização do tráfico de drogas e na territorialização perversa no Guamá e na Terra Firme?

A dinâmica de construção de territórios envolve necessariamente a construção de estratégias de domínio e apropriação do espaço. Dessa forma é importante questionar:

d) De que forma se manifesta a violência urbana imposta pelo narcotráfico nos bairros periféricos de Belém?

1.2 HIPÓTESES

a) As redes ilegais do narcotráfico na região amazônica estão articuladas a uma escala global que parte em direção aos principais mercados consumidores. Além disso, vale destacar o papel do Brasil não apenas como área de trânsito da droga, mas também como fornecedor de produtos químicos para o beneficiamento da cocaína. Por outro lado, ressalta-se também que os mercados do Brasil são importantes, pois é nesse contexto que o tráfico de drogas se organiza em territórios na periferia de Belém, ou seja, a partir dessa relação entre global e local.

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25 c) Configura-se uma economia horizontalizada e verticalizada com diversos atores

sociais envolvidos, em que cada um desempenha uma função específica para o comércio/varejo da droga, em que se destacam: os atravessadores, que se arriscam trazendo a droga dos países produtores para o seu destino final; os distribuidores (considerados narcotraficantes), que se encarregam de vender a droga em grande quantidade para outros traficantes realizarem o comércio local por meio das petecas de cocaína; os gerentes da boca ou “boqueiros”, que se encarregam de realizar o comércio do tráfico de drogas nos bairros com a ajuda dos aviões ou aviõezinhos, que na maioria das vezes são menores de idade; os soldados (ou matadores), que têm o papel de dar proteção para os traficantes, seja nos conflitos com outros grupos rivais, com a polícia ou pelo chamado acerto de contas com quem deve e não paga;

d) O tráfico de drogas estimula a violência urbana em Belém por diversos fatores, um deles relacionado à busca pelo consumo da droga, o que incentiva pequenos ou até mesmo grandes furtos e roubos. Além disso, existe a disputa de grupos rivais pelo controle do território, contribuindo para a elevação da taxa de homicídio na cidade. Muitas vezes, o latrocínio que ocorre é praticado por assaltantes que estão sob efeito de drogas, jovens menores de idade que são consumidores e precisam pagar o que devem ou querem consumir a cocaína, e vão atrás do dinheiro.

1.3OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

a) Relacionar as redes ilegais do narcotráfico na Amazônia com o tráfico de drogas nos bairros periféricos do Guamá e da Terra Firme.

1.3.2 Objetivos específicos

a) Caracterizar o território-rede e o território-zona nos bairros do Guamá e da Terra Firme;

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26 c) Relacionar o tráfico de drogas com a violência urbana no Guamá e na Terra Firme.

1.4 METODOLOGIA

Para uma melhor compreensão do fenômeno do narcotráfico na periferia de Belém e sua ligação com as redes que circulam na Amazônia, foi realizada uma pesquisa qualitativa. Godoy (1995a, p. 62) ressalta a diversidade existente entre os trabalhos qualitativos e enumera um conjunto de características capazes de identificar uma pesquisa desse tipo, como: o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental, o caráter descritivo, o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida como percepção do investigador, e o enfoque emotivo.

A pesquisa qualitativa tem como objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação (MAANEN, 1979, p. 520). Destaca-se que, em sua maioria, os estudos qualitativos são realizados no local de origem dos dados, ou seja, não impedem o pesquisador de empregar a lógica do empirismo científico. Para a realização deste tipo de pesquisa, é necessário fazer um corte temporal-espacial de determinado fenômeno por parte do pesquisador.

É justamente este corte que irá definir o campo e a dimensão onde o trabalho será desenvolvido, isto é, o território a ser mapeado. Segundo Manning (1979, p. 668), o trabalho de descrição tem caráter fundamental em um estudo qualitativo, pois é por meio dele que os dados são coletados. Faz-se necessário a aplicação da pesquisa qualitativa nos estudos sobre o fenômeno do tráfico de drogas em Belém, sobretudo, nos bairros do Guamá e da Terra Firme que representam os territórios a serem pesquisados. A descrição dos acontecimentos, visualizando a ordem simbólica criada pela expansão do tráfico de drogas nestes bairros, é levada em conta na pesquisa partindo do pressuposto que se deve destacar a importância da lógica empírica para o entendimento dos fatos.

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27 exclusiva de um desses grupos. Entretanto, a omissão no emprego de métodos qualitativos, num estudo em que se faz possível e útil empregá-los, empobrece a visão do pesquisador quanto ao contexto em que ocorre o fenômeno.

Duffy (1987 p. 131) destaca alguns benefícios no emprego conjunto dos métodos qualitativos e quantitativos como: a possibilidade de congregar controle dos vieses (pelos métodos qualitativos) com compreensão da perspectiva dos agentes envolvidos no fenômeno (pelos métodos qualitativos); a possibilidade de congregar a identificação de variáveis específicas (pelos métodos quantitativos) com uma visão global do fenômeno (pelos métodos qualitativos); a possibilidade de completar um conjunto de fatos e causas, associados ao emprego de metodologia quantitativa com uma visão da natureza dinâmica da realidade; a possibilidade de enriquecer constatações obtidas sob condições controladas com dados obtidos dentro do contexto natural de sua ocorrência; e por fim, a possibilidade de reafirmar validade e confiabilidade das descobertas pelo emprego de técnicas diferenciadas.

Embora a pesquisa se caracterize enquanto um objeto de estudo de caso, visto que envolve a situação de dois bairros populares da periferia de Belém, tem uma relação direta com o contexto global do fenômeno estudado. Godoy (1995 b, p. 25) destaca que este tipo de pesquisa visa ao exame detalhado de um sujeito ou de uma situação em particular. Neste caso, o particular não está dissociado do geral que envolve a relação global e local. A explicação para o fenômeno da territorialização do tráfico de drogas na metrópole deve seguir esse método como forma de melhor visualizar a referida problemática.

Além disso, o estudo baseia-se na intuição, pois o método intuitivo cria leis a partir da observação dos fatos, mediante a generalização do comportamento observado. Assim, realiza-se uma espécie de generalização, realiza-sem que por meio da lógica realiza-se possa conrealiza-seguir uma demonstração das citadas leis ou conjunto de conclusões. Para o filósofo inglês Francis Bacon, os sentidos dos homens são infalíveis e representam a fonte de todo conhecimento válido, quando guiados pelo método científico (JAPIASSU, 1995).

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28 Para dar respostas às questões levantadas nesta pesquisa, o método indutivo aparece como uma das principais estratégias de pesquisa. É partir da observação de um caso particular que envolve o narcotráfico nos bairros do Guamá e da Terra Firme que se chega a uma ideia mais geral, ou seja, o narcotráfico em escala global, utilizando-se das rotas estabelecidas na Amazônia. Dividiram-se as etapas desta pesquisa em quatro fases que serviram como propostas metodológicas importantes para a sua conclusão.

A primeira etapa atenta-se para algumas reflexões teóricas de autores importantes que trabalharam com este tema. Nesse sentido, foi realizada a pesquisa bibliográfica e a revisão da literatura que aparecem na pesquisa como suporte conceitual-teórico-metodológico. Em se tratando do narcotráfico na Amazônia e a relação dessa atividade com a cidade de Belém, não foi encontrado nenhum trabalho que destaque esta situação, por outro lado, num contexto regional do tráfico de drogas, foi importante a análise dos trabalhos de Machado (1996; 1998; 2003). Já no contexto global, os relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre tráfico de drogas deram uma grande contribuição para o entendimento da dinâmica do narcotráfico na Amazônia.

A segunda etapa diz respeito à análise documental sobre reportagens de jornais locais que destacam a questão do tráfico de drogas e da violência urbana nas áreas pesquisadas, visto que geralmente as reportagens apontam a área de ocorrência destes delitos e acabam destacando alguns dados secundários. Documentos da polícia civil também foram analisados, sobretudo aqueles divulgados pelo departamento de estatística que relataram a questão das taxas de homicídios em Belém, roubos e apreensão de entorpecentes no período entre 2006 e 2009 e que representam os dados primários. Destaca-se também a análise dos relatórios da polícia federal sobre o narcotráfico na Amazônia, destacando as principais rotas e o combate a essa atividade e que aparecem nos boletins informativos, disponíveis no site da polícia federal (ver referências). Esta estratégia significa uma forma de aproximar o pesquisador do objeto pesquisado como uma das formas de garantir uma melhor aproximação da área de estudo. As fontes históricas e trabalhos referentes à formação socioespacial da área de estudo foram consultadas na biblioteca do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Assim, concorda-se com as ideias de Kuhn (1975) quanto à questão da familiaridade, visando à quebra de paradigmas tão importante para a construção de um novo conhecimento.

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29 que davam legitimidade à pesquisa e intencionavam acelerar este processo, caso os dados demorassem a serem despachados para as mãos do secretário de segurança. Mas, a boa vontade de funcionários da secretária de segurança pública, em especial os que trabalham com as estatísticas, foi determinante para o andamento e conclusão do trabalho, pois se dedicaram na agilidade da entrega dos dados, tudo conforme o projeto ordenava.

O terceiro momento foi reservado para a pesquisa de campo, justamente o mais importante de toda a pesquisa, em que várias visitas foram realizadas na área de estudo, e nesse sentido foram desempenhados registros fotográficos a respeito da realidade socioespacial estudada. Em algumas ocasiões, a coleta de informações ficou comprometida pelo fato de que em algumas áreas, fortemente controladas por grupos de criminosos, as pessoas não se sentiam seguras para dar informações; nesse caso, foi utilizada a pedagogia investigativa, ou seja, o pesquisador fez perguntas e em cima das respostas elaborou outras perguntas, e assim obteve mais respostas.

Para a continuidade da pesquisa investigativa em campo, foi necessário formar uma rede de relações entre o pesquisador e os atores sociais envolvidos no recorte temporal-espacial. Trata-se de uma forma do pesquisador garantir segurança na área de estudo e a confiança dos entrevistados. Pode-se dizer que desse modo o pesquisador não encontra tantas dificuldades para receber as informações precisas e importantes para o andamento da pesquisa. Por outro lado, se tratando de uma pesquisa investigativa e arriscada, ficou impossibilitada a aplicação de questionários, pois este fato poderia criar certa desconfiança nos entrevistados e por isso poderia comprometer o andamento do estudo.

As perguntas eram formuladas priorizando a questão da violência urbana e do tráfico de drogas. “Contudo, este procedimento reconhece a importância de se manter uma sincronização permanente de reflexão e ação no trabalho de campo, como um ato de permanente equilíbrio intelectual” (BORDA, 1981, p. 55). Vale ressaltar que 154 pessoas foram envolvidas nas entrevistas entre o período de 2007 a 2009.

O quarto e último momento foi especificamente dedicado para a realização de observações sistemáticas sobre o contexto da criminalidade e do tráfico de drogas nos bairros do Guamá e da Terra Firme, resultando em relatórios de campo para a elaboração de dados que se destacam como fontes primárias.

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30 despertaram interesses nos últimos anos (movimentos sociais, participação política, estudos de bairros periféricos, conjuntos habitacionais etc.), os cientistas sociais estiveram envolvidos em projetos que utilizaram entrevistas longas e ampla convivência com os informantes (CARDOSO, 1986, p. 98).

Talvez a primeira experiência do pesquisador de campo (ou no campo) esteja na domesticação teórica de seu olhar. Isso porque a partir do momento em que nos sentimos preparados para a investigação empírica, o objeto sobre o qual dirigimos o nosso olhar já foi previamente alterado pelo próprio modo de visualizá-lo (OLIVEIRA, 1996, p. 15).

Para a coleta de dados, será necessário fazer um convite aos sujeitos que participarão da pesquisa, pois este procedimento será importante para entender a dinâmica do comércio da droga em Belém e o envolvimento dos atores sociais nessa atividade ilícita, e a sua forma de organização em rede, pois “uma percepção que se deve ter ao se fazer boas perguntas, é compreender que a pesquisa baseia-se em perguntas e não necessariamente em respostas” (YIN, 2002, p. 88). Foram entrevistadas 184 pessoas envolvidas com o tráfico de drogas, porém destacamos no trabalho aquelas mais relevantes, além disso, muitas respostas eram parecidas, e por isso foram selecionadas para serem destacadas apenas algumas delas.

Assim, esse procedimento será importante para comprovar as hipóteses levantadas sobre a economia do narcotráfico em Belém e a sua ligação com as redes ilegais do tráfico internacional de drogas nas fronteiras amazônicas. Segundo Cardoso (1996, p.101), a coleta de material não é apenas um momento de acúmulo de informações, mas se combina com a reformulação de hipóteses, com a descoberta de pistas novas que são elaboradas em novas entrevistas.

Assim, concordamos com a ideia de Borda (1981, p.55), pois para ele o conhecimento então se move como uma espiral contínua, em que o pesquisador vai das tarefas mais simples para as mais complexas e do conhecimento para o desconhecido, em contato permanente com as bases sociais.

Os sujeitos que serão escolhidos intencionalmente e convidados para participar das entrevistas vão ser aqueles que têm, segundo Minayo (1995, p. 18), “vinculação mais significativa para o problema a ser investigado”. Além do mais, a concepção do objeto de estudo qualitativo sempre é vista na sua historicidade, no que diz respeito ao processo desenvolvimento do indivíduo e no contexto dentro do qual ele se formou (GUNTHER, 2006, p. 202).

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31 teórico como prático, de exercê-la acarretará consequências, e de que é ele o autor, a causa voluntária dessas consequências (SCHLEMMER, 1992, p. 137).

Foram muitas dificuldades encontradas para a finalização da pesquisa. Para a coleta de dados primários em órgãos de segurança pública, foi preciso um documento que comprovasse que eram para fins acadêmicos, entretanto, só poderiam ser liberados diante de uma análise e posteriormente uma aprovação do delegado geral, o que provocou um atraso na coleta de dados.

Foram aproximadamente quatro anos acompanhando de perto a realidade dos moradores dos bairros do Guamá e da Terra Firme. Vários relatos destes moradores já levantavam essa questão do tráfico de drogas e da violência urbana. Até mesmo os atores sociais envolvidos na trama do narcotráfico admitem que estes dois bairros são marginalizados e por isso tornaram-se violentos. O pesquisador acompanha essa realidade desde o curso de graduação em bacharelado e licenciatura em geografia, quando ocorreu o interesse pela pesquisa direcionada para esta temática muito questionada na época, mas hoje, diante dos fatos, realizada. A título de pesquisa científica e com a finalidade de chegar a conclusões precisas que foram levantadas pelas hipóteses, procurou-se cruzar as informações para saber até que ponto as entrevistas apontaram para uma mesma resposta, de forma a garantir que, de fato, são verdadeiras e ajudarão a compreender melhor a organização do narcotráfico na cidade e nos bairros estudados.

Para a formulação dos mapas temáticos que são apresentados na pesquisa, com informações precisas, foi preciso inserir-se diretamente na pesquisas de campo, quase sempre acompanhando viciados (ou consumidores), indo até as bocas de fumo ou aos pontos de vendas de droga. As várias visitas do pesquisador em territórios controlados pelo tráfico facilitaram a criação de uma rede capaz de fornecer informações precisas e relevantes para a pesquisa.

Por isso, os limites territoriais destacados nos mapas foram definidos a partir do contato com o objeto de pesquisa. Foram mais de 12 meses de visita de campo até ganhar a confiança de alguns e ao mesmo tempo a desconfiança de outros. As informações recolhidas eram depois anotadas em um caderno de anotações onde eram registrados os fatos. Assim, ficou fácil visualizar o limite de cada grupo e identificar a localização de alguns pontos.

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32 Ainda jovem, tive contato com a criminalidade quando com 14 anos fundei uma gangue nos limites do bairro da Terra Firme e do bairro de Canudos. Muitos dos jovens que faziam parte desta gangue acabaram por se envolver em atividades ligadas ao tráfico de drogas, como aviões, consumidores e até mesmo traficantes que controlam hoje áreas na Terra Firme.

Por várias vezes visitei as bocas de fumo para adquirir maconha e pasta de cocaína. Na época o pó de cocaína, que é muito comercializado hoje, representava uma raridade no comércio do narcotráfico. Por várias vezes desempenhei o papel de aviãozinho para ganhar confiança de alguns traficantes da área. Mesmo não consumindo cocaína, achava importante ir até a boca buscar o “bagulho”, pois na periferia quem está perto do traficante se sente protegido e quem está longe pode ser perseguido. Naquela época, os traficantes da área não gostavam de pichadores, nos achavam um “bando de sujeiras” que atraía a polícia para perto das bocas, e quase sempre nas fugas da polícia quando estávamos em conflitos com outras gangues, nós não corríamos para os locais controlados pelos traficantes, pois eles atiravam como forma de represália.

Eu e mais alguns integrantes da gangue tínhamos, como se diz na periferia, “moral” com eles, pelo fato de às vezes irmos até a boca enquanto consumidores ou então “avião camarada”, que na época era aquele que se dirigia até a boca de fumo para pegar droga para alguém, mesmo não trabalhando para o traficante.

Nessa época comecei a presenciar os conflitos envolvendo traficantes da área, levando, inclusive, à morte alguns. Todo o sistema era bem montado e organizado, o avião dificilmente leva o consumidor até a boca e se eles não conhecem o consumidor, eles o roubam.

Por algumas vezes nos reuníamos em uma casa para fazermos a “roda da maconha”, droga que cheguei a experimentar, mas não me tornando viciado. Quando acabava, alguém tinha que ir atrás da chamada “biata”. Quando cabia a mim a tarefa de ir atrás da maconha, nas proximidades da “boca de fumo”, por várias vezes me deparei com a polícia indo ao encontro de alguns traficantes para negociar o chamado “acerto”, ou seja, a parte para o policial pelo fato de saber que a atividade ocorre no local e ele permite. São chamados de “bate pau”, às vezes eram ex-policias que não faziam mais parte da segurança pública, mas eles levavam outros policiais que passavam a também se beneficiar com o sistema.

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33 Amigos de infância de meu convívio social da baixada da Terra Firme já não estão mais vivos e outros estão presos. Tive uma infância conturbada, pois a perda precoce do meu pai e a infância pobre da periferia em muito contribuiu para que eu tivesse envolvimento com a criminalidade.

Diante das dificuldades de sobreviver em uma situação de pobreza e abandono, o envolvimento com as gangues era um refúgio. Existia uma rede social que crescia e dificilmente naquela época, em plena década de 1990, um jovem da periferia não se envolvia com as gangues. O meu envolvimento se deu, a princípio, dentro da Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, com incentivo de outros colegas. Nunca imaginei que fazer parte do contexto das gangues de rua fosse me envolver completamente em uma situação de risco, pois se envolver em uma gangue era assinar sentença de morte, pois o jovem ficava marcado pelos integrantes das gangues rivais. Durante alguns anos, minha circulação ficou restrita apenas a uma parte do bairro, ou então em áreas de gangues aliadas.

Na escola, alguns alunos fumavam maconha no banheiro ou então na quadra de esporte. Era inevitável o contato com a maconha. Nessa época, a Terra firme já era conhecida pelas gangues, mas a fama de bairro violento estava com o Benguí e com a Pedreira. Belém era a cidade de muitas gangues de rua e vários pichadores que enfeitavam a paisagem da cidade com símbolos que demonstravam a influência de determinados grupos, a disputa era por quem pichasse mais o centro da cidade. Por que o centro? Era no centro que estavam os “filhos de papai”, a elite, aqueles culpados pelas desigualdades, por isso suas mansões deveriam ser riscadas, seus filhos roubados etc. Essa era a imagem que se tinham do centro, a disputa era grande.

Infelizmente tive a infelicidade dessa triste realidade, mas que muito me serviu de aprendizado e experiência de vida. Perdi muitos amigos que hoje, não estão mais vivos para contar suas histórias, mas que muito me serviu para este projeto. Acompanhei o enterro de alguns, soube da notícia da morte de outros que não pude dar o adeus final e por isso me senti triste e incapaz de mudar a história desses jovens. As mortes destes sempre estiveram relacionadas com a criminalidade. Felizmente pude trilhar um caminho diferente, recuperar o tempo perdido, entrar na UFPA e mudar a minha história.

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34 Durante o terceiro ano de faculdade, certa vez o professor me fez a seguinte pergunta: a) qual o título do teu trabalho?

E respondi para ele:

b) A territorialidade do narcotráfico na Terra Firme!

Diante da incerteza de muitos que estavam na sala de aula e não acreditavam que eu estivesse falando sério, veio à tona a vontade de contar a minha história de vida, e o professor perguntou se realmente eu estava falando sério e o que me levou a pesquisar este tema.

Expliquei os fatores e falei sobre a minha adolescência. Passei cinco anos da minha vida envolvido em uma rede social do crime. Sinto-me seguro para explicar esse fenômeno, talvez a explicação dos fatos seja mais bem analisada por que já fez parte do sistema. Não se trata de uma pesquisa que vise marginalizar os bairros e sim mostrar que já são bairros marginalizados e que essa é a condição fundamental para que o tráfico de drogas atue de forma eficaz, recrutando soldados e ampliando e fortalecendo sua rede social.

Todas as informações colhidas e anotadas que estão nas escritas deste trabalho são verdadeiras. O contato com os atores sociais envolvidos na trama das redes ilegais levou à conclusão deste projeto. A busca de uma metodologia de estudos aplicados para o tráfico de drogas é algo ainda muito complexo, talvez nem tanto se o pesquisador se envolver com a pesquisa e criar estratégias metodológicas, porém o risco é quase sempre inevitável e deve-se ter muito cuidado para não se confundir com o objeto.

As respostas aqui apresentadas para as questões levantadas representam noite e dias de pesquisas. Ainda hoje, me sinto envolvido pelas redes, não mais como “aviãozinho” e sim como morador do bairro que se sente inseguro diante da criminalidade crescente. Com toda certeza, os moradores dos bairros do Guamá e da Terra Firme, estão mais expostos à violência, muito mais do que a classe média, que ainda tem seguranças em seus condomínios fechados. Na periferia a única “segurança” é fazer amizade com um traficante da área ou com um criminoso que tenha poder em proibir assaltos na rua.

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35 Diante destes projetos, e mais alguns, o Estado estaria se fortalecendo diante das redes ilegais que hoje vêm criando um poder paralelo e não constituído. E os dois bairros deixariam de serem considerados bairros marginalizados. Isto não corresponde apenas a uma realidade específica do Guamá e da Terra Firme. Hoje, se estende para a região metropolitana e já é motivo de preocupação da sociedade e do Estado.

1.5 JUSTIFICATIVA

Para melhor justificar a escolha da referida pesquisa, é necessário antes de tudo entender a formação socioespacial da metrópole. Belém, enquanto uma cidade que passou por um processo de expansão urbana acelerado. O conteúdo socioespacial da cidade nos remete a desigualdades e diferenciação no uso do solo urbano, como já apontado por Trindade Junior (1998). É diante dessa realidade sociogeográfica que partiu o interesse em explicar por meio da pesquisa o fenômeno do tráfico de drogas em redes para a comunidade acadêmica enquanto uma problemática presente no cotidiano da sociedade belenense.

Os dois bairros escolhidos para a pesquisa estão entre os mais violentos de Belém, e ainda, possuem as maiores taxas de homicídios da cidade e de acordo com os dados da Polícia Civil e Militar do Pará, são áreas que apresentam bolsões de pobreza e miséria, e forte discriminação. E, por isso, o tráfico de drogas e a criminalidade são características que marcam com frequência a história de vida dos moradores desses dois bairros e nesse sentido a proposta deste trabalho e demonstrar a semelhança entre eles.

O Guamá e a Terra Firme são de fato bairros próximos do centro de Belém, onde o crime controla algumas áreas por meio da “territorialização perversa” relacionada diretamente com o narcotráfico, onde o igarapé Tucunduba em contato com o rio Guamá representa, de acordo com a visão empírica dos moradores, o limite entre os dois bairros, mas ao mesmo tempo é uma área de grandes desigualdades e utilizada para o transporte de cocaína, realizado pelas diversas embarcações que ancoram sem uma fiscalização. E os becos e vielas que existem em torno do igarapé, são aproveitados como “espaços camuflados” para os traficantes.

Referências

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