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Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo

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Academic year: 2020

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Revista do Curso de Direito da Universidade Braz Cubas V1 N2: Junho de 2017

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO

Caio Henrique Martins de Souza1 Resumo

Este trabalho tem como objetivo o estudo da caracterização da reparação civil por abandono afetivo. Atualmente com a introdução da responsabilidade civil nas relações familiares, cogita-se se o abandono afetivo é razão de indenização por dano moral. Com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo texto preconiza a dignidade da pessoa humana, a compreensão da família tem se alterado no estudo do direito civil moderno. A presença de dano à criança por falta de afeto e a impossibilidade de obrigar alguém a amar são características que serão abordadas ao longo deste trabalho, bem como os requisitos da responsabilidade civil e a judicialização deste tema.

Palavras - chave: Reparação civil, abando, afeto, indenização.

Abstract

This work aims to study the characterization of civil damages for emotional abandonment. Currently, with the introduction of the civilian responsability in family relations, it is thought that the emotional abandonment is reason to indemnity for moral damage. With the advent of the Federal Constitution of 1988, whose content preconizes the dignity of the human person, the understanding of family has been changed on the study of the modern civil law. The presence of harm to the child by lack of affection and the inability to force someone to love, are features that will be addressed throughout this work , as well as the requirements of civil liability and the judicialization of this theme.

Key-words: Civil damages, abandonment, emotional, indemnity.

Sumário

1. Introdução – 2. Da responsabilidade civil: 2.1. Responsabilidade contratual e extracontratual. 3. Dos requisitos: 3.1. Da conduta; 3.2. Da culpa ou ato ilícito; 3.3. Do nexo de causalidade; 3.4. Do dano. 4. Da afetividade: 4.1. Classificação da afetividade; 5. Da responsabilidade civil na relações familiares; 6. Da responsabilidade civil por abandono afetivo; 6.1. Da conduta; 6.2. Da culpa ou ato ilícito; 6.3. Do nexo de causalidade; 6.4. Do dano; 7. Do afeto na família e a intervenção judicial; 8. Considerações Finais; Referências.

1 Introdução

O estudo da responsabilidade civil nas relações familiares tem crescido ao longo dos anos, sob a nova ótica do direito civil constitucional, em que se prioriza a dignidade da pessoa humana.

Ocorrer que, ao entrar nessa campo do direito familiar esbarramos com o alto grau de subjetividade das relações familiares, a presença de sentimentos e a relação próprio e íntima daquele núcleo familiar. Não obstante essa peculiaridade, a doutrina insiste na incidência da responsabilidade civil no direito de família, quando a liberdade individual extrapola os limites impostos pela lei.

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O presente trabalho tem o objetivo de esclarecer a possibilidade de reparação por danos morais oriundo do abandono afetivo, este entendido como o desamor, a falta de afeto, carinho que o pai ou a mãe tem por sua prole.

Essa questão, hodiernamente, tem chegado ao Poder Judiciário que tem de dar uma resposta efetiva à esses conflitos extremamente subjetivos. Diante dessas demandas repetitivas, o Superior Tribunal de Justiça se deparou com este assunto complexo e divergente, ao passo que há entendimentos diversos. A 3ª turma, no REsp nº 757.411/MG, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, decidiu não haver caracterização de ato ilícito, esclarecendo que o desamor não gera indenização. Já a 4ª no REsp 1.159.242-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi entendeu que haveria a possibilidade de reparação civil, mas sob fundamento diverso.

Portanto, o objetivo deste trabalho é esclarecer a não possibilidade de reparação civil por abandono afetivo.

A metodologia utilizada é o estudo da legislação pátria vigente, da doutrina que aborda este tema, bem como a jurisprudência.

2 Da responsabilidade civil

No ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade civil tem papel basilar nas relações jurídicas, cumprindo um papel de segurança, paridade e em última analise, um papel de justiça, posto que é o instrumento cabível para se equilibrar eventual prejuízo causado de maneira ilícita.

Importante ressaltar, antes de tudo, que a reparação perseguida na responsabilidade civil não se dá por mero gosto da parte, na medida em que só se cogitará de reparação civil na hipótese de ato ilícito causador de dano a outrem.

2.1 Responsabilidade contratual e extracontatual

No Código Civil Brasileiro de 2002 a exemplo do antigo código de 1916 manteve a classificação da responsabilidade civil entre contratual e extracontratual que possuem, a bem da verdade, os mesmos efeitos, diferenciando-os apenas quanto ao fato gerador do ato ilícito.

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Assim a responsabilidade contratual advém de um negócio jurídico não cumprido por inexecução voluntário ou involuntária do devedor, seja a obrigação positiva ou negativa, de modo que violando disposição expressa e causando dano a outra parte, deverá assumir sua responsabilidade e estará sujeito ao dever de indenizar.

Na responsabilidade extracontratual ou aquiliananão se cogita de negócio jurídico prévio entre as partes, aqui refere-se a infração ou prática de ato contrario ao direito, seja por violação a norma legal imposta ou por descumprimento do dever geral de abstenção em relação aos direitos da personalidade ou aos direitos reais.

3 Dos requisitos

Independente da modalidade da responsabilidade civil há que se verificar que ambas seguem os mesmo requisitos, quais sejam: o ato ilícito, dano e o nexo de causalidade, este entendido como o ligamento intrínseco entre a conduta ilícita e o dano causado, de modo que, a velha compreensão do antigo código civil de 1916 sobre a alternatividade dos requisitos, está vencida.

No código de civil de 1916 em seu artigo 159 dizia: ...violar direito OU causar prejuízo a

outrem... vê-se que a palavra utilizada era ‘ou’ causando séria divergência na doutrina e

jurisprudência se o requisito era alternável ou cumulativo. Com o advento do Código Civil de 2002 essa dúvida foi superada ao teor do novo artigo 186 que assim dispõe: Aquele que

por ação ou omissão vonluntária, negligência ou imprudência, violar direito E causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Ora, a simples leitura

da conjunção ‘e’ esclarece, por um interpretação literal, que se trata de requisito cumulativo. Ainda que houvesse dúvidas, mais adiante o próprio Código corrobora para tal entendimento no artigo 927, dispondo em seu caput a possibilidade de reparação daquele que cometer ato ilícito, causando dano a outrem, ou seja, é possível a reparação para aquele que cometeu o ato ilícito, cuja conseqüência é o dano, de modo que, não havendo dano, não há o que se reparar. O próprio verbo indenizar, significa a ação de tornar algo indene. O adjetivo indene significa algo que não sofreu perda, dano ou prejuízo, logo, a ideia de indenizar não tem sentido quando não houver um prejuízo passível de reparação. Portanto, andou bem o legislador ao conferir cumulatividade nos requisitos da responsabilidade civil. Superada a dúvida de alternatividade dos requisitos, passamos ao estudo pormenorizado de cada elemento, quais sejam: conduta, culpa, nexo de causalidade e dano.

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3.1. Da conduta

A responsabilidade civil tem como seu fato gerador a conduta, aliás o próprio ato jurídico é resultado de uma conduta humana. Nesse sentido, a conduta humana pode trazer efeitos jurídicos, é o exemplo de um negócio jurídico que pode criar e extinguir direitos ou deveres, surgindo, portanto uma relação obrigacional. Quando, porém, a conduta desrespeita um contrato pactuado previamente ou contraria a norma imposta, surge a responsabilidade civil.

A conduta, portanto é o nascedouro da responsabilização, pois se tem a origem do ato, bem como singulariza a pessoa que deve indenizar. O ato jurídico é voluntário, oriundo da manifestação da vontade do indivíduo. Assim podemos concluir que a conduta há de ser voluntária e ilícita seja em relação a violação de uma norma imposta ou, como preconiza o art. 187 do Código Civil, o abuso do direito que é exercido em excesso aos limites impostos.

3.2 Da culpa ou ato ilícito

A culpa é a inobservância de um dever jurídico por estrita vontade ou por falta de diligência, é o próprio ato ilícito presente no artigo 186 do Código Civil. A culpa abrange o dolo, que é a vontade evidente de se causar dano, e a culpa em sentido estrito, que se refere à negligência, imprudência ou imperícia.

É importante ressaltar que ainda que seja culpa em sentido estrito, a voluntariedade do agente não se encontra na conduta, mas sim na vontade de se produzir um evento danoso, de modo que o ato por ele prático sempre será voluntário, característica essencial para a teoria geral da responsabilidade.

3.3 Do nexo de causalidade

Superado os conceitos de conduta e culpa, passamos a análise do nexo de causalidade ou a relação causal que interliga a conduta com o dano, com o objetivo de delimitar quem efetivamente praticou o ato, imputando-lhe o dever de indenizar. Esse liame é de suma

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importância, pois regra geral a responsabilização se dá em relação ao infrator, já que ele é o responsável pela sua conduta.

3.4 Do dano

Por fim, o dano é o prejuízo causado por outrem, tal requisito é o coração da responsabilidade civil, pois a ideia da responsabilidade é ressarcir, de modo que não havendo o que reparar, não haverá o que indenizar. O dano a ser ressarcido não se dá somente em razão de violação ao dano patrimonial, ou seja, aquele tido como material, a exemplo de um carro parado em um estacionamento em que um terceiro colide com o veículo causando prejuízos de grande monta, passíveis de reparação exata, posto que por simples orçamento se tem o quantum indenizatório.

Ao contrário de uma exata reparação, temos o dano moral, aquele compreendido à ofensa pessoal e privada da pessoa, seja jurídica ou natural, que ofende diretamente aos direitos da personalidade. Aqui não se cogita de um valor exato, tendo em vista a difícil mensuração de dano à honra, o que não elide a possibilidade de reparação.

A constituição da república de 1988 já previa isso em seu artigo 5°, inciso X, todavia com a omissão do antigo código civil de 1916 não se cogitava o dano moral, como é hoje no atual código de 2002.

Ocorre que, não basta a simples alegação de ofensa a moral, a fim de pleitear-se a indenização, já que tanto o dano patrimonial, quanto o material, devem seguir os requisitos elencados acima, de modo que poderá ocorrer um dano à moral que não se configura como ato ilícito, ato contínuo não haverá reparação.

4 Da afetividade

A afetividade tem ganhando relevância ao longo dos últimos anos pela nova conceituação do direito civil à luz da constituição, de modo que sua presença pode gerar vínculos jurídicos. Assim se deu com a possibilidade da união afetiva, embasada unicamente no direito a afetividade, de amar a quem quiser, com finalidade de comunhão plena de vida. O judiciário tem dado efetividade a esse direito, com base na dignidade da pessoa humana combinado com o princípio da solidariedade que permeia a vida familiar. Outra hipótese de vínculo jurídico por afetividade, que está implícito no código civil é a filiação civil, aquela

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que não tem ligação biológica, mas que pela afetividade se formam as relações parentais. É assim igualmente no estatuto da criança e do adolescente ao prever a colocação do menor em família substituta, sempre visando o seu melhor interesse.

A nova repaginação do direito material civil, chamado de direito civil constitucional tem repersonalizado as relações familiares, deixando para trás a velha ideia romana de patrimonialização familiar e a presença do pater famílias, isso se deve à nova legislação que tem alterado fundamentalmente as relações subjetivas, de modo a coincidirem com o que preconiza a Constituição Cidadã, sobretudo na dignidade da pessoa humana, com vistas ao bem estar social. Paulo Lobo vai além e diz que a afetividade “é o único elo que

mantém pessoas unidas nas relações familiares.”

Com o devido respeito aos que comungam da mesma ideia, não podemos olvidar que nem sempre as relações familiares surgem do afeto, aliás o desejo patrimonial muitas vezes é quem força alguns vínculos a serem estabelecidos e até mesmo reconhecidos por força judicial, objetivando alguma vantagem econômica, e não são pouco os casos de litígios familiares que visam unicamente o patrimônio, de modo que acreditar toda esperança na afetividade é deixar de lado a importância do patrimônio no âmbito do direito de família, não sendo ele a característica basilar, mas também não o afastando, como se não houvesse qualquer interesse financeiro.

4.1 Classificação do afeto

Devido essa nova repaginação do direito civil familiar e a antiga compreensão patrimonial da família surgem inúmeros desafios a serem atravessados pela doutrina e jurisprudência a fim de limitar até que ponto a afetividade tem valor jurídico, sendo que não há previsão expressa no ordenamento jurídico sobre o princípio da afetividade.

Nesse sentido é importante classificar a afetividade, objetivando a possibilidade de vínculos jurídicos oriundo do afeto. Temos então que tal sentimento pode se dar ativamente ou passivamente. O modo ativo, diz respeito ao ato de alguém amar ou ter afeto por outrem, já no modo passivo, diz respeito a alguém poder receber um afeto, ou na expectativa de que tal sentimento se desenvolva. Dada essa classificação há que se verificar na hipótese ativa se o sujeito poderia ver compelido a não amar ou não ter afeto, o que, voltado para a dignidade da pessoa humana e a possibilidade de execução do bem-estar social mais a solidariedade familiar não há razão jurídica para se evitar a construção desse

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vínculo, posto que é espontâneo e não prejudica nem obriga qualquer uma das partes, é o caso da adoção por exemplo, em que por afetividade dos pais e o desejo de se ter filhos, se valem da escolha afetiva de uma criança rejeitada para que faça parte de sua família. Não há nesse exemplo uma filiação biológica, sanguínea, mas há o afeto que liga os interesses das partes, de modo que inaceitável obstaculizar tal relação jurídica já que beneficia ambos.

Por outro prisma a não presença de afeto, ainda que geradora de danos, não pode ser excluída das relações interpessoais, dada sua complexidade aleatória de existir. Nesse sentido, aquele que poderia receber afeto de outra pessoa não pode entender tal possibilidade como um direito, ao passo que tornaria as relações interpessoais algo individual, egoísta e egocêntrico, pois se o afeto é de ordem subjetiva e aleatória não é razoável imaginar que alguém pode ser constrangido a praticá-lo.

A diferença que surge da afetividade ativa e passiva é que o afeto quando existente, pode gerar vínculos, pois de nada prejudicará sua existência, é o que acontece no instituto do casamento entre homem e mulher, que unidos por um afeto profundo decidem junto constituir uma comunhão plena de vida, objetivando o surgimento da família. Ainda recentemente em brilhante julgado proferido pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, temos a união homoafetiva comparada a status de união estável, fazendo valer esse direito, inerente à dignidade da pessoa humana, de afeto. Já a afetividade passiva, entendida como a possibilidade de alguém receber afeto, não pode ser oponível a quem poderia satisfazer essa necessidade, pois enfrentar a afetividade como um dever jurídico é impossível, na medida em que tal sentimento não nasce de conduta humana, ou seja, não se trata de ação voluntária planejável, nem prerrogativa exclusiva de cada ser humano, no que diz respeito a escolha.

O afeto é de ordem natural, subjetiva e aleatória, acima de controle humano, que surge como um caso fortuito, não se prevê, nem se espera.

Ora, se o afeto é de ordem natural, não se pode conduzir alguém a amar ou deixar de amar. É como dizer a alguém controlar a própria sorte, se é que ela exista.

Há que ser feita, portanto, uma diferença crucial na valoração do afeto, a sua hipótese para geração de vínculos familiares e a afetividade como dever nas relações de âmbito familiar a ensejar possíveis responsabilidades civis, de modo que em relação à primeira diferença, como já dito anteriormente, há possibilidade de valoração jurídica na construção de tais

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vínculos, ao passo que na segunda não há como estabelecer deveres de afeto, posto que se trata de sentimento de caráter aleatório.

5 Da responsabilidade civil nas relações familiares

A responsabilidade civil é ramo do direito civil que não se esgota em seu estudo, possuindo inúmeras facetas conforme a relação jurídica que envolve as partes. Essa observação ganha contorno, quando se discute a possibilidade de responsabilidade civil por dano moral nas relações familiares, dada a sua grande subjetividade, sendo inclusive tratado como impossível por parte da doutrina e jurisprudência.

Atualmente, não há que se falar em impossibilidade de dano moral no âmbito familiar, na medida em que se realmente respeitados os requisitos da responsabilidade, não haverá maiores dúvidas.

No século XXI a velha compreensão do Pater Familiae foi eliminada, os valores mudaram e hoje vigora a igualdade entre os cônjuges e os filhos, de modo que seja preservada a dignidade pessoal de cada indivíduo. Ocorre que, a intervenção estatal no âmbito familiar prejudica a própria liberdade individual, consequentemente a liberdade familiar, bem como o seu planejamento, daí dizer que a responsabilidade civil não deveria ser aplicada no direito de família. Porém, não obstante a singularidade das relações subjetivas familiares, sempre se questionou se os abusos que a liberdade individual dava, tais como as agressões físicas e psíquicas, a exploração infantil, entre outros seriam passíveis de responsabilização.

Tal dúvida não era exclusividade Brasileira, mas sim um questionamento que se fazia presente em outras Nações. Um exemplo foi a jornadas de Derecho Civil,

Familia y Sucesiones ocorrida em Santa Fé, na Argentina, na década de 90, cujo

entendimento foi sedimentado no sentido de que a responsabilização civil no âmbito familiar dever seguir as regras gerais do sistema. No Brasil, não foi diferente, posto que na ausência de regra específica sobre o tema, aplica-se as normas gerais sobre o direito de indenizar. Portanto presente os requisitos da responsabilidade civil, é crível a possibilidade de indenização, porém a subjetividade das ações pessoais no âmbito da família devem ser claras, sob pena

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de injustiça perpetrada pelo judiciário.

São dois grandes fatos em que há dúvida se a responsabilidade civil deve ser aplicada, uma em relação à dissolução conjugal e outra sobre o abandono afetivo do pais em relação ao seus filhos.

Passaremos a analisar a responsabilização civil por abandono afetivo que é objeto deste trabalho.

6 Da responsabilidade civil por abandono afetivo

A responsabilidade civil por abandono afetivo está calcada no dano psicológico voltado à criança. O abandono afetivo é o desamor que os pais, ou somente um deles, apresenta ao filho, ou seja, a falta de afeto, carinho. O pai ou a mãe que não sente afeto por sua prole estaria obrigado a indenizar?

O estudo que deve ser feito, a fim de responder a está pergunta, deve iniciar-se na aplicação do estudo do direito de dano (responsabilidade civil) no âmbito das relações familiares. Como já dito anteriormente, a responsabilidade civil foi por muito tempo não foi aplicada no direito de família, dado o alto nível de subjetividade e a regra do Pater

famílias, que decidia tudo e era, por assim dizer, o dono de sua mulher e seus filhos, de

modo que qualquer irregularidade ocorrida, passaria pelo crivo do pai que iria dizer sobre qualquer eventual penalidade.

Após a repaginação no direito familiar, sob a ótica da Constituição de 1988, não se cogita mais em Pátrio Poder, mas sim Poder Familiar, modificando o tratamento às irregularidades e abusos no seio da família. Assim cogitou-se a possibilidade de responsabilização, aplicando-se, à qualquer fato, as regras gerais sobre o tema.

Portanto, não podemos olvidar as regras da responsabilidade civil, sob pena de insegurança jurídica e grave violação das normas postas do direito civil brasileiro.

Ora, para se ter a obrigação de indenizar é necessário que se preencha os requisitos da responsabilidade, já elencados anteriormente. Passamos a análise de cada um em relação ao abandono afetivo.

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6.1 Da conduta

A conduta é primordial para que haja responsabilidade civil, pois é a partir dela que se inicia a violação da norma e se imputa a quem a obrigação deverá ser cobrada. O abandono afetivo é a falta do amor, sentimento este cheio de involuntariedade, de ordem subjetiva e aleatório. O que se espera no plano ético e na ótica do senso comum é que um pai ou uma mãe ame seu filho, tenha por sua prole um sentimento incomparável. Ocorre que, nem sempre esse sentimento ou obrigação societária se dá na prática, existindo inúmeros pais que não desenvolvem um amor pelo seu filho, e este sentimento não pode ser cobrado, pois os sentimentos não são botões que se acionam no momento em que se deseja. Ao contrário, sentimento não se escolhe, apenas acontece.

Pois bem, se o sentimento não é objeto de escolha, consequentemente não é ato de conduta voluntário, prejudicando o requisito da responsabilidade civil, ou seja, o dolo de não amar. Deste modo a indenização por abandono afetivo estaria prejudicada por não haver dolo.

6.2 Da culpa ou ato ilícito.

A culpa, como já dito anteriormente, é a inobservância de um dever jurídico, se trata do próprio ato ilícito, requisito essencial para caracterização da obrigação de indenizar. Percebemos imediatamente que o afeto não é obrigação, e não o é justamente por não ser sentimento voluntário, nesse sentido o ato ilícito não está presente.

Nas relações entre pais e filhos existem diversos direitos e deveres, oriundo do poder familiar. O artigo 1634 do código de 2002 elenca alguns destes deveres, bem como o artigo 227 da Carta Magna e o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Imposições legais que se descumpridas caracterizam, a já dita, responsabilidade civil extracontratual, que gera um ato ilícito, sendo este danoso, impõem-se a reparação civil. Quanto à afetividade dos pais para com seus filhos, a sociedade, do ponto de vista social e ético trata com reprovação aqueles genitores que não possuem o dito afeto por seus pupilos. Tal situação inclusive tem sido objeto de diversas ações judiciais, algumas procedentes outras não.

Em que pese, a reprovação, em sua maioria, da conduta de não afetividade dos pais por seus filhos, o que vale para o estudo da responsabilidade civil no direito de família é a caracterização, de fato do ato ilícito.

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Basta uma simples leitura nos artigos, supramencionados, que tratam dos deveres parentais, para se perceber em uma análise literária de que não há obrigatoriedade de afeto entre os pais e filhos, sendo o contrário também verdadeiro.

Ora, colocar o afeto como dever parental, fica prejudicado sua efetivação, já que um dever depende de conduta voluntária, ou seja, conduta previamente pensada, de escolha, querida pelo individuo. Não se cogita, então, a imposição de conduta voluntária, como preleciona o artigo 186 do diploma civil, em caso de sentimento de ordem aleatória, adstrito da esfera de aceitação da pessoa.

O judiciário ao combater essa questão, em sua grande maioria decidiu que não há presença de ato ilícito, posto que ninguém é obrigado a amar. Após sucessivas negações da obrigação de indenizar, a questão subiu ao Superior Tribunal de Justiça que decidiu no REsp nº 757.411/MG, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, não haver caracterização de ato ilícito, esclarecendo que o desamor não gera indenização.

Posteriormente ao enfrente novamente esta questão, o Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.159.242-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi confirmou que a falta de afeto não é suscetível de reparação civil, mas proveu o recurso sob fundamento diverso ao exposto na petição inicial. Apesar do julgamento ser extra petita, para fins de discussão é importante esclarecer que há contradição nesse julgado, pois caracteriza o dever de cuidado como obrigação paterna, de modo que se violado gera possibilidade de reparação.

O dever de cuidado estaria implícito no artigo 229 da Carta Magna, na dicção da norma quando diz que os pais tem dever de assistência. Ainda que entendemos o cuidado como uma obrigação oriunda do Poder Familiar, não podemos entretanto confundi-lo como um dever de afeto.

Ora, o acórdão relatado acima, afirmou que o amor é de ordem subjetiva e aleatória, de modo que não pode ser obrigado, porém afirma no decorrer da fundamentação que ‘quem ama cuida’, ou seja, entende que o afeto é parte integrante do dever de cuidado, mesmo que o afeto fosse de ordem aleatória. Ao mesmo tempo que se afirma que o amor não pode ser obrigado, afirma-se também que o cuidar presume afeto. Ora, como então caracterizar a responsabilidade civil?

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Não havendo conduta, tampouco ato ilícito, não como caracterizar o nexo causal. O liame que interliga o dano e a conduta não está presente, já que o código prevê que a conduta deve ser voluntária, e praticada de forma ilícita, contrária ao que prevê o ordenamento jurídico.

6.4 Do dano

O dano, em tese, seria o único requisito que estaria presente no abandono afetivo, já que possivelmente aquele que não é amado, pode ser sofrer síndrome de rejeição. Numa análise mais profunda, há que se verificar a presença real do dano, ainda que – por aberração jurídica – fosse possível imaginar a presença de um ato ilícito, não bastaria por si só. A falta de afetividade como fator principal ao dano moral do infante é influenciar na criação dos filhos, pois quem dirá que um filho sem afeto, mas sustentado por todos deveres parentais positivados no ordenamento jurídico brasileiro, crescerá com verdadeiro transtorno psicológico?

Além disso, uma criança que cresce sem a figura paterna ou materna fatalmente terá seu futuro em risco? Ao contrário, são inúmeros os casos em que tendo o filho alguma espécie de prejuízo por seus pais ou na falta deles, tenta não fazer o mesmo com sua próxima geração, portanto cravar em absoluto, generalizar que a falta de afeto causa subtamente prejuízos não é proporcional e razoável.

Melhor seria um laudo psicológico a fim de que constituísse uma prova deste malgrado. Mas ainda que assim fosse não se caracteriza a soma dos requisitos para a configuração de responsabilidade civil.

7 Do afeto na família e a intervenção judicial

A compreensão de vínculos familiares tem se modificado durante anos, sobretudo com o advento da Constituição Federal de 1988 com a previsão da dignidade da pessoa humana, de modo que as relações familiares teriam que visar sempre este princípio. É bem verdade que não só a família, mas também a sociedade deve sempre buscar o bem estar do indivíduo, porém é também verdade que a dignidade da pessoa humana tem de se limitar a fim de que o bem estar coletivo seja visado.

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Nesse sentido, a limitação da liberdade individual deve ser exercida para que não haja abusos na sociedade, como um contrato social, nos dizeres de J.J. Rosseau, ou seja, os integrantes de uma determinada sociedade devem pactuar entre si alguns limites a fim de que a liberdade individual não seja prejudicial à coletividade.

No âmbito da família a individualização também não tem vez, ao contrário, o seio familiar é o lugar onde se juntam esforços, se dividem emoções e se perpetuam a reprodução humana. O afeto como finalidade da família é o que se busca, porém para àqueles que são favoráveis a responsabilidade civil pela ausência deste afeto, buscam em sua fundamentação o bem estar individual, a dignidade exclusiva do indivíduo, a violação de sua dignidade. Se é verdade que a individualização na família tem corroborado para a caracterização da responsabilidade civil, também é verdade que isso afasta cada vez mais àquilo se pretende reparar, o afeto. O afeto não pode ser visto individualmente, ele é um bipolar, devem haver dois pólos para que se manifeste, aliás só se compreende o afeto como vínculo familiar, porque a família é formada por dois ou mais indivíduos.

Pleitear uma reparação pecuniária a fim de ressarcir a falta de afeto é incronguente, egoísta, individualista e só corrobora ao mal estar da família, que mesmo que não presente o afeto não deixa de ser família, aliás o respeito entre os membro não deveria estar condicionado ao afeto. É verdade, quem ama cuida, melhor seria se mesmo não amando, houvesse cuidado.

A própria judicialização do abandono afetivo é fator que contribui ao mal relacionamento familiar. As questões pessoais de cunho sentimental não devem ser submetidas ao escrutínio judicial.

Não se pode provar sentimentos, tampouco pode-se controlá-los.

8 Considerações finais

A responsabilidade civil é o estudo do direito civil que procura reparar um dano. De forma sistemática o Código Civil Brasileiro de 2002 previu como se dá na prática essa obrigação de indenizar. Nota-se primeiro que existem requisitos a fim de que se configure a responsabilidade, tais como a conduta, a culpa ou ato ilícito, o nexo causal e o dano. Estes são elementos que não podem ser desprezados quando falamos em reparação civil.

Nas relações familiares o afeto ganhou vida, após a nova conceituação da finalidade familiar, no código civil de 1916 vigorava a figura do pater famílias que era o patriarca da

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família, ao passo que seus filhos e sua mulher eram verdadeiros súditos do pai. Após a Constituição Federal de 1988, o direito civil sofreu grandes mudanças, tais como o advento dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido o direito civil moderno, chamado de direito civil constitucional elencou a afetividade como pilar da família.

No entanto não podemos olvidar que a família não se forma apenas e tão somente pela afetividade, ao contrário, não são poucas as vezes que o reconhecimento familiar perante o Poder Judiciário tem finalidade exclusiva patrimonial, a vontade da parte é apenas obter uma vantagem econômica, não se extinguindo assim a antiga compreensão de produção econômica familiar.

A afetividade, portanto, é uma parte integrante do complexo familiar e pode ser classificada em afetividade ativa, aquela entendida como a possibilidade de alguém amar, e a afetividade passiva, esta entendida como a possibilidade de alguém ser amado. Tal diferença é importante na problemática do afeto ser ou não valor jurídico. Desse modo a afetividade ativa, dada sua espontaneidade e os benefícios que a acompanham podem gerar vínculo jurídico, como, por exemplo, no caso de adoção. No que se refere à afetividade passiva, não podemos concluir o mesmo, pois a possibilidade de ser amado não é um direito, já que não se pode obrigar alguém a mar, o que seria um dever correspondente àquele direito.

Podemos concluir então que a responsabilidade civil nas relações familiares, na falta de disposições específicas, devem seguir a regra geral contida nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil e à doutrina pertinente ao tema, de modo que devem ser estudados os seus requisitos no caso de abandono afetivo.

Seguindo essa lógica, ao menos três elementos ficam prejudicados, a saber: a conduta, a culpa ou ato ilícito e o nexo causal, pois para que se configure a conduta é necessário a voluntariedade do agente que não está presente quando tratamos de sentimento, de afeto, que são aleatórios e não prerrogativas. Ato contínuo não há presença do ato ilícito, como já dito anteriormente, posto que o afeto não pode ser obrigado, nem confundido com o dever parental de cuidado, pois daria o mesmo resultado de impossibilidade do afeto ser um dever.

Por fim, é importante repisar que pleitear uma reparação pecuniária a fim de ressarcir a falta de afeto é incronguente, egoísta, individualista e só corrobora ao mal estar da família, que mesmo que não presente o afeto não deixa de ser família, aliás o respeito entre os

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membro não deveria estar condicionado ao afeto. É verdade, quem ama cuida, melhor seria se mesmo não amando, houvesse cuidado. Questões pessoais de cunho sentimental não devem ser submetidas ao escrutínio judicial.

Não se pode provar sentimentos, tampouco pode-se controlá-los. Mesmo quem não ama, pode cuidar.

Referências

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Referências

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