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A comunidade de intelligence contraterrorista da União Europeia: evolução e desafios face à perspetiva do Brexit

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Academic year: 2020

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ii DECLARAÇÃO

Nome: Cristiana Ferreira Cruz

Endereço eletrónico: cristianafcruz@sapo.pt Número do bilhete de identidade: 14045815

Título dissertação: A Comunidade de Intelligence Contraterrorista da União Europeia: Evolução e Desafios face à Perspetiva do Brexit

Orientadora: Professora Doutora Laura Cristina Ferreira-Pereira Coorientadora: Professora Doutora Alena Vysotkaya Guedes Vieira Ano de Conclusão: 2018

Designação do Mestrado: Relações Internacionais

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO QUE A TAL SE

COMPROMENTE.

Universidade do Minho, 2 de outubro de 2018.

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iii Agradecimentos

À minha família, Aos meus amigos,

À minha orientadora, Professora Doutora Laura Cristina Ferreira-Pereira, À minha coorientadora, Professora Doutora Alena Vysotskaya Guedes Vieira, A todos que de uma forma ou de outra contribuíram para esta dissertação:

Obrigada. Pela compreensão, pelos conselhos, pelo incentivo, pela disponibilidade, pela amizade. Devo-vos as próximas páginas.

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iv A Comunidade de Intelligence Contraterrorista da União Europeia: Evolução e Desafios face à

Perspetiva do Brexit Resumo

Nos últimos anos, os países da União Europeia têm sido alvo de uma onda de ataques terroristas levados a cabo por afiliados ao Daesh. Não raras vezes, após a ocorrência destes atentados, são evidenciadas falhas na partilha de informações cruciais que possivelmente contribuiriam para a prevenção destes. A União Europeia, reconhecendo a importância da partilha de informações, tem vindo a construir ao longo do tempo uma comunidade de intelligence contraterrorista. Com a futura saída de um dos principais atores da comunidade de intelligence da UE, o Reino Unido, são vários os desafios colocados à resiliência desta comunidade. Como tal, o principal objetivo desta investigação é perceber a evolução da comunidade de intelligence contraterrorista da União Europeia e os desafios que esta enfrenta face à perspetiva do Brexit.

Tendo como base o método de process-tracing, arguimos que a comunidade de intelligence contraterrorista da União Europeia foi construindo ao longo dos anos, e particularmente a partir do 11 de setembro de 2001, condições que permitem torná-la mais resiliente a ameaças de segurança, sendo este um processo em constante evolução. Contudo, os desafios apresentados pelo Brexit colocam a UE numa posição vulnerável. Uma vez que as negociações ainda se encontram a decorrer e com o recurso à metodologia de construção de cenários, identificamos dois cenários para a evolução da comunidade de intelligence contraterrorista da UE: a continuidade em termos de resiliência e a oportunidade para uma maior integração nas temáticas de partilha de informações. Não descartando um possível worst case scenario, cuja ocorrência nos afigura de reduzida probabilidade, consideramos que o cenário de continuidade terá maior probabilidade de se verificar, dada a urgente necessidade de colaboração nas matérias de terrorismo e intelligence e a controvérsia que o cenário de oportunidade implica.

Palavras-chave: União Europeia, Comunidade de Intelligence Contraterrorista, Europol, Terrorismo, Brexit, Reino Unido, Resiliência

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v The European Union Counterterrorism Intelligence Community: Evolution and Challenges Against

the Outlook of Brexit Abstract

In recent years, the European Union Member-States have been the target of a wave of terrorist attacks carried out by affiliates of the Daesh. Very often, after the occurrence of these attacks, failures have been detected in terms of sharing of crucial information that could have possibly contributed to the prevention of these attacks. Recognising the importance of information sharing the European Union has been building a counterterrorist intelligence community. However, the future exit of the United Kingdom, one of the main players in the European Union intelligence community, has been creating several challenges to the resilience of this community. The main objective of this investigation is to therefore understand the evolution of the European Union's counterterrorism intelligence community and the challenges it faces nowadays in the context of Brexit.

Relying on the process-tracing method, we argue that the European Union's counterterrorism intelligence community has been constructing over years, and particularly since 9/11, conditions of its own operation that make it more resilient to security threats, being this a process in constant evolution. However, the challenges posed by Brexit have been placing the EU in a vulnerable position. Against the background of the still ongoing negotiations, and resorting to the scenario-building methodology, the present dissertation has identified two scenarios of resilience of the EU counterterrorism intelligence community: the continuity in terms of its resilience and the opportunity for a greater integration in the domains of information sharing. While not rejecting a possible worst-case scenario, whose probability seems to be low, and taking into account the controversy surrounding the opportunity scenario, we consider the continuity scenario to be the most likely one, given the urgent need for collaboration in terrorism and intelligence matters.

Keywords: European Union, Counterterrorism Intelligence Community, Europol, Terrorism, Brexit, United Kingdom, Resilience

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vi

Índice

Introdução ... 1

1. Identificação e Relevância Temática ... 1

2. Estado da Arte ... 5

3. Enquadramento Teórico e Abordagem Metodológica ... 16

4. Estrutura da Dissertação ... 19

Capítulo I – O Desenvolvimento de uma Comunidade de Partilha de Intelligence e de Combate ao Terrorismo na União Europeia ... 23

1. O Impulso dos Atentados de 11 de Setembro ... 23

a) Setembro: Um Mês de Transformação ... 24

b) Expansão do Mandato Contraterrorista da Europol ... 25

c) A Origem da Unidade Europeia de Cooperação Judiciária... 29

d) Criação do Centro de Situação de Conjunto ... 29

e) Estabelecimento do Centro de Satélites da União Europeia ... 30

2. A Resposta aos Atentados de Madrid e Londres ... 30

a) A Declaração de Combate ao Terrorismo ... 31

b) Propostas para um Serviço Secreto Europeu ... 32

c) A Estratégia Antiterrorista da União Europeia ... 33

d) Expansão do Mandato do Centro de Situação de Conjunto ... 35

e) Transformações no Seio da Europol ... 35

f) Criação da Frontex ... 38

g) (Tentativa de Criação de) Um Modelo Europeu de Informação Criminal ... 39

3. As Modificações Após o Tratado de Lisboa ... 42

a) Europol: Uma Agência da União Europeia ... 43

b) Do Centro de Situação de Conjunto ao Centro de Análises de Intelligence ... 46

4. A Recente Vaga de Atentados Terroristas na Europa (2015-2017) ... 47

a) Estabelecimento de um Sistema Europeu de Registo de Identificação de Passageiros49 b) O Centro Europeu de Luta Contra o Terrorismo... 49

c) Roteiro de Referência para Melhorar o Intercâmbio e Gestão de Informações ... 51

Capítulo II - A Arquitetura da Comunidade de Intelligence Contraterrorista da União Europeia .. 53

1. O Serviço Europeu de Polícia - Europol ... 55

a) Mandato e Enquadramento Legal ... 55

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vii

c) Capacidades de Gestão de Informação ... 59

2. A Unidade Europeia de Cooperação Judiciária - Eurojust ... 63

3. A Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira ... 64

4. O Centro de Análises de Intelligence ... 66

5. O Centro de Satélites da União Europeia ... 68

6. A Divisão de Intelligence do Estado Maior da União Europeia ... 69

7. A Partilha de Informação entre as Agências da União Europeia ... 70

8. Os Instrumentos de Reforço da Partilha de Intelligence Contraterrorista ... 71

a) O Quadro de Prüm ... 72

b) A Iniciativa Sueca ... 73

c) O Eurodac ... 74

d) O Sistema de Informação Sobre Vistos... 75

e) O Sistema de Informação Schengen ... 75

f) O Sistema de Informações Antecipadas sobre Passageiros ... 77

g) O Sistema Europeu de Registo de Identificação de Passageiros ... 77

h) O Sistema Europeu de Informação sobre os Registos Criminais... 78

9. Os Fóruns Informais de Partilha de Intelligence ... 79

a) O Clube de Berna ... 79

b) O Grupo de Contraterrorismo... 80

c) O Police Working Group on Terrorism ... 80

d) O Grupo de Lyon/Roma ... 80

e) O G6 ... 81

f) A Preferência pelos Fóruns Informais ... 81

10. Os Desafios da Comunidade de Intelligence Contraterrorista da UE ... 82

a) Os Obstáculos Políticos ... 82

b) Os Obstáculos Culturais ... 86

c) Os Obstáculos Organizacionais ... 86

d) Os Obstáculos Legais ... 87

e) Os Obstáculos Técnicos ... 88

Capítulo III – A Comunidade de Intelligence Contraterrorista da União Europeia face aos Desafios do Brexit ... 90

(9)

viii 2. O Papel do Reino Unido na Comunidade de Intelligence Contraterrorista da União

Europeia ... 94

3. Os Desafios do Brexit e as Posições do Reino Unido e da União Europeia para a Cooperação Futura ... 98

a) Europol e Eurojust ... 103

b) Os Instrumentos para o Intercâmbio de Informações ... 108

c) A Proteção de dados ... 111

d) A Política Comum de Segurança e Defesa... 112

4. As Condições de Resilience Building da União Europeia ... 113

a) Cenário de Continuidade ... 114

b) Cenário de Oportunidade ... 120

Conclusão ... 129

Bibliografia ... 137

Anexos ... 177

1. Anexo I - Cronologia da Recente Vaga de Atentados na Europa ... 178

2. Anexo II - O Fluxo de Informação da Comunidade de Intelligence da UE ... 179

3. Anexo III - Atribuições da Europol (artigo 4.º Regulamento 2016/794) ... 180

4. Anexo IV – Estrutura Europol ... 182

5. Anexo V – Ciclo de Intelligence Europol ... 183

6. Anexo VI – Estrutura SatCen ... 184

7. Anexo VII - Principais Acordos Informais Contraterroristas na Europa... 185

8. Anexo VIII – Acordos Internacionais da UE no âmbito da Cooperação Policial e Judicial 186 9. Anexo IX – Processo de Construção de Cenários ... 187

10. Anexo X – Organigrama Frontex ... 188

11. Anexo XI – Lista de Perguntas das Entrevistas ... 189

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ix Lista de Abreviaturas

AP Projetos de Análises Europol

API Informações Antecipadas sobre os Passageiros AWF Analytical Work File

CIA Central Intelligence Agency

CIRAM Modelo de Análise Comum e Integrada de Risco CTG Grupo de Contraterrorismo

CTTF Grupo de Missão Contra o Terrorismo DAESH Estado Islâmico do Iraque e do Levante DHKP-C Partido Revolucionário Popular de Libertação EC3 Centro de Cibercrime Europeu

ECRIS Sistema Europeu de Informação sobre os Registos Criminais ECTC Centro Europeu de Luta Contra o Terrorismo

EIC Equipas de Investigação Conjunta

ELO Agente de Ligação

EMSC Centro de Contrabando de Migrantes Europeu ETA Euskadi Ta Askatasun

EU IRU Unidade de Sinalização de Conteúdos na Internet EUMS Estado-Maior da União Europeia

EU-PNR Sistema Europeu de Registo de Identificação de Passageiros EUROJUST Unidade Europeia de Cooperação Judiciária

EUROPOL Serviço Europeu de Polícia FBI Federal Bureau of Investigation FIU.net Unidade de Intelligence Financeira FORINT Foreign Intelligence

FRONTEX Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira GCHQ Government Communication Headquarters

HUMINT Intelligence Humana

INCAF International Network on Conflict and Fragility INTCEN Centro de Análise de Intelligence

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x IPC3 Coligação para a Coordenação do Crime e Propriedade Intelectual

JAI Justiça e Assuntos Internos

NATO Organização do Tratado do Atlântico Norte

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico OSINT Open Source Intelligence

PCSD Política Comum de Segurança e Defesa PESD Política Europeia de Segurança e Defesa PWGOT Police Working Group on Terrorism

SAE Sistema de Análises Europol

SATCEN Centro de Satélites da União Europeia SEAE Serviço Europeu de Ação Externa

SEDB Sistema Europeu de Dados sobre Bombas SIAC Single Intelligence Analysis Capacity

SIE Sistema de Informações Europol

SIENA Aplicação de Intercâmbio Seguro de Informações SIGINT Signals Intelligence

SIS Sistema de Informação Schengen

SITCEN Centro de Situação de Conjunto

SOCTA Serious and Organised Crime Threat Assessment

TE-SAT Relatório relativo à Situação e Tendências do Terrorismo na UE TJUE Tribunal de Justiça da União Europeia

TUE Tratado da União Europeia

UE União Europeia

UEO União da Europa Ocidental

UIP Unidade de Informação de Passageiros

UN Unidades Nacionais

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1 Introdução

1. Identificação e Relevância Temática

Ao contrário daquilo preconizado por alguns, o fim da Guerra Fria não trouxe o fim da história (Fukuyama, 1992)1. Com o término do conflito entre os blocos dos EUA e da União

Soviética, as principais ameaças à segurança deixaram de ser exclusivamente militares, tendo o advento da globalização e a abolição de fronteiras aberto caminho para novos riscos, particularmente o terrorismo transnacional (Ioannou, 2013). A 11 de Setembro de 2001, o mundo observaria a expressão destas novas mudanças com os brutais ataques terroristas em Nova Iorque e Washington, perpetrados por fundamentalistas islâmicos pertencentes à rede terrorista Al-Qaeda. O papel fundamental da Célula de Hamburgo (Alemanha), dos campos de treino no Afeganistão e do suporte financeiro do regime Talibã e de países da região do Golfo à Al-Qaeda na preparação e execução destes atentados demonstraram o alcance global e sem fronteiras deste fenómeno (Monar, 2015).

A Europa e particularmente os países da União Europeia (UE) viriam a sofrer efeitos diretos deste novo fenómeno em 2004 e em 2005, com os atentados no serviço de comboios em Madrid e no metropolitano de Londres, respetivamente. Recentemente, alguns Estados-Membros da UE têm sido fustigados por uma nova onda de ataques terroristas levada a cabo pelo Daesh (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), formado em consequência da guerra na Síria, e pelos designados lobos solitários2. Foi assim em Paris, Londres, Bruxelas, Nice e Munique nos anos de 2015 e

2016, e em Manchester e Barcelona durante 2017.

Não raras vezes, após a ocorrência destes atentados, vemos manchetes dos jornais a darem conta que determinada força policial ou serviço de intelligence detinha informações cruciais sobre os alegados terroristas que perpetraram o ataque em causa. Atentando ao caráter transfronteiriço do terrorismo e ao elevado risco que a Europa, e em especial os países da UE enfrentam como potenciais alvos deste tipo de ataques, a importância da cooperação entre os Estados-Membros, especialmente no âmbito da partilha de intelligence, torna-se evidente. Efetivamente, a partilha de informações é considerada a forma mais eficaz para a prevenção de atos terroristas (Pires, 2011), numa ótica de partilha de intelligence sem fronteiras como resposta a um terrorismo sem fronteiras (Bures, 2016). Um recente inquérito do Eurobarómetro revela que

1 Reconhecemos, contudo, que a última discussão de Francis Fukuyama acerca deste tema se encontra plasmada em publicações mais recentes,

particularmente “The origins of political order” (2011) e “Political order and political decay” (2014).

2 Indivíduos que perpetram atos terroristas fora de qualquer estrutura de comando ou de assistência de recursos, mas que se sentem inspirados

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2 os cidadãos da UE suportam largamente o aumento da partilha de informações em toda a UE no domínio da luta contra o terrorismo e crime organizado (Eurobarómetro, 2017).

A própria UE reconhece a importância da partilha de informações, tendo vindo a criar ao longo dos anos, particularmente após o 11 de setembro de 2001, uma comunidade de intelligence contraterrorista: “Os recentes ataques terroristas dentro e fora da UE e a atual crise migratória demonstraram a importância de investir na gestão rápida, eficaz e qualitativa da informação, no intercâmbio de informações e acompanhamento da informação para enfrentar os desafios migratórios, terroristas e criminosos”3 (Conselho da União Europeia, 2016b, p. 1). Outros dois

recentes documentos de relevo na área da segurança, em particular a Agenda Europeia para a Segurança (2015) e a Estratégia Global (2016), orientam-se igualmente neste sentido: “A União providencia uma série de ferramentas para facilitar o intercâmbio de informações entre as autoridades responsáveis pela aplicação da lei. Estes devem ser utilizados no seu todo pelos Estados-Membros”4 (Comissão Europeia, 2015c, p. 5); “O aumento do investimento e a

solidariedade no combate ao terrorismo são fundamentais. Por conseguinte, incentivaremos uma maior partilha de informação e cooperação em matéria de informações entre os Estados-Membros e as agências da UE.”5 (União Europeia, 2016, p. 21).

A UE possui várias agências de intelligence. Apesar da literatura não ser consensual em relação a quais agências da UE podem efetivamente ser consideradas como agências “de intelligence”, para efeito deste estudo consideramos as seguintes: Serviço Europeu de Polícia (Europol), Unidade Europeia de Cooperação Judiciária (Eurojust), Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), Centro de Análise de Intelligence (INTCEN)6, Divisão de Intelligence

do Estado-Maior da UE (INTDIV) e Centro de Satélites da UE (SatCen)7. Embora se dê maior

relevância a estes fora de partilha de intelligence formais da UE, também serão levados em conta os acordos informais existentes na Europa8, tais como o Clube de Berna, o Grupo de

Contraterrorismo (CTG), o Police Working Group on Terrorism (PWGT), o Grupo de Lyon/Roma e o G6, uma vez que estes, apesar de não possuírem qualquer vínculo formal com a UE, cooperam

3 Tradução da autora.

4 Tradução da autora.

5 Tradução da autora.

6 Anterior SitCen (Centro de Situação de Conjunto).

7 Apesar de no âmbito do contraterrorismo, a Europol e o INTCEN serem de maior importância, as restantes agências serão tidas em conta

sempre que se mostrar relevante.

8 “Os acordos formais de partilha de intelligence constituem-se como redes de partilha de informação formais, que foram acordados pelos decisores

políticos, geralmente sob a forma de um Memorando de Entendimento. Estes formalizam práticas e trocas de informação, representando tentativas para transformar os procedimentos informais em estruturas de controlo formal. Os acordos informais são os contactos pessoais que existem entre os oficiais dos serviços policiais e de intelligence. Estes dependem de uma relação pessoal construída através da confiança e troca de intelligence através de canais não-formais.” (Hertzberger, 2007, p. 114).

(14)

3 de perto com a organização. De notar ainda que a UE possui um vasto conjunto de instrumentos de modo a potenciar e desenvolver a partilha de intelligence dos seus Estados-Membros, de que são exemplo o Sistema de Informação Schengen (SIS), o Quadro de Prüm, o Sistema Europeu de Registo de Identificação de Passageiros (EU-PNR) e o Sistema Europeu de Informação sobre os Registos Criminais (ECRIS).

Apesar do principal foco deste estudo incidir na segurança e partilha de informação no seio da UE, há que ter em conta que, tal como afirma Lutterbeck “as principais ameaças à segurança […] não são puramente internas nem externas, mas sim transnacionais”9 (2005, p.

231), isto é, o atual ambiente securitário da Europa não pressupõe uma estreita divisão entre ameaças externas e internas, existindo por isso uma certa indivisibilidade entre as duas dimensões. Tal como postulado na Estratégia Global de 2016: “A degradação ambiental e a escassez de recursos não conhecem fronteiras, assim como o crime transnacional e o terrorismo. O externo não pode ser separado do interno. Na verdade, as políticas internas lidam frequentemente apenas com as consequências da dinâmica externa”10 (União Europeia, 2016, p.

17). Exemplo disso foram os mais recentes atentados terroristas na Europa, entre 2015 e 2017,11

que demonstraram que os atacantes habitavam no espaço da UE, no entanto haviam viajado recentemente para a Síria para levarem a cabo treinos em campos do Daesh (Inkster, 2016). Daí que, neste estudo, se tenham considerado agências de intelligence alocadas no âmbito da política externa, a saber o INTDIV, o SatCen e o INTCEN. De notar precisamente que o INTCEN é uma das principais agências de intelligence no combate ao terrorismo, possuindo estes dois focos tanto interno como externo.

Porém, nesta investigação, é necessário ter em conta um outro acontecimento fundamental. A 23 de Junho de 2016, num referendo histórico na UE, a maioria dos cidadãos britânicos (51,89%) votaram a favor da saída do Reino Unido da UE, tendo “Brexit” se tornado a expressão coloquial para descrever o processo de saída do país da organização (Vecino, 2017). No dia seguinte, o primeiro-ministro David Cameron renunciou ao seu cargo, afirmando que o país necessitava agora de um novo primeiro-ministro que deveria tomar a decisão de ativar o artigo 50.º do Tratado de Lisboa. A 13 de Julho de 2016, a Secretária de Estado Theresa May sagrou-se a nova líder do partido Conservador, tendo a 29 de março de 2017 ativado formalmente o Artigo

9 Tradução da autora.

10 Tradução da autora.

11 Apesar de ainda em 2018 termos assistido à ocorrência de atentados terroristas, estes não indicam um ponto de viragem tal como os ocorridos

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4 50.º. Uma vez que, segundo May, “Brexit means Brexit”, este processo será irreversível (Hillebrand, 2017).

Sendo o Reino Unido um dos principais atores da comunidade de intelligence da UE (Hillebrand, 2017), a questão de perceber quais os desafios que o Brexit coloca a esta comunidade torna-se pertinente, particularmente no que toca ao nível de resiliência que a mesma poderá demonstrar face à perspetiva do Brexit. Segundo Moran (2017), apesar de poder demorar anos, senão décadas, para as consequências políticas, económicas e sociais do Brexit se fazerem sentir, as implicações securitárias e o seu impacto nas agências de intelligence, tanto para o Reino Unido como para a UE, deverão ser rapidamente sentidas. Esta é a primeira vez que um Estado-Membro decide sair do bloco comunitário e a forma como esta saída será conduzida terá consequências tanto para o Reino Unido, como para a UE. Como tal, é necessário olhar para este processo de modo holístico, incluindo os detalhes do acordo de saída e quaisquer acordos de transição, a possibilidade de acordos futuros, o seu impacto nas relações com Estados e organizações fora da UE, e as repercussões na coerência e integridade da própria UE (Alegre et al., 2017). Como tal, a pergunta de investigação que se procura responder nesta dissertação é: “De que forma evoluiu a comunidade de intelligence contraterrorista da UE e que desafios enfrenta face à perspetiva do Brexit?”. Deste modo, o principal objetivo desta investigação é perceber a evolução da comunidade de intelligence contraterrorista da UE e os desafios que esta enfrenta face à perspetiva do Brexit. Essa análise permitirá perceber se tal evolução veio dotar a UE de uma maior resiliência em termos de preparação para combater as ameaças e riscos colocados à segurança europeia; e se esse processo de “resilience building” poderá ajudar a UE a enfrentar os desafios colocados pela perspetiva de saída de um ator-chave como o Reino Unido.

O período temporal de análise deste estudo tem início em 2001 e termina em 2018. Apesar dos esforços da UE na luta contra o terrorismo remontarem a um período anterior aos ataques de Nova Iorque e Washington em 2001, só após estes eventos o combate ao terrorismo se sagrou como prioridade na UE, acelerando-se o desenvolvimento e implementação das medidas acordadas antes do 11 de Setembro de 2001 para uma maior coerência da política contraterrorista (Bures, 2008; Zimmermann, 2006). Após os ataques de Madrid e Londres, assistiu-se a um aprofundamento da agenda contraterrorista da UE (Ferreira-Pereira e Martins, 2014), com implicações para a construção de uma comunidade de intelligence que o presente trabalho pretende explicar. Esta análise termina em setembro de 2018, com o discurso do Estado da União de Jean-Claude Juncker, onde o presidente da Comissão Europeia demonstra uma certa

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5 flexibilização por parte da UE em relação à proposta de uma parceria ambiciosa e bespoke pelo governo britânico.

Quanto à relevância desta temática, uma maior cooperação ao nível da partilha de intelligence é imprescindível para um eficaz combate ao terrorismo por parte da UE, pois, de acordo com Hertzberger (2007), a ameaça internacional do terrorismo, uma das principais ameaças à segurança europeia e internacional, requer uma ação coletiva e coordenada. Aliás, os recentes ataques no solo europeu evidenciaram falhas na partilha de intelligence que, caso não tivessem ocorrido, poderiam ter prevenido estes atentados. Isto porque devido às suas atividades criminais, a maioria dos atacantes dos atentados em Paris e Bruxelas eram conhecidos de várias agências de segurança dos Estados-Membros da UE (Bures, 2016)12. Deste modo, espero que a

presente pesquisa contribua para aumentar a consciência da necessidade de uma ação coletiva, especialmente no domínio da partilha de intelligence.

Ademais, não existe ainda nenhuma sistematização em português sobre a evolução da comunidade de intelligence da UE, pelo que este trabalho deverá revestir-se de utilidade para estudiosos deste tema na comunidade lusófona. O argumento da atualidade pode também ser aqui invocado para sublinhar a relevância do trabalho, dado que o fenómeno terrorista tem cada vez mais sido alvo de atenção devido a constituir-se uma das principais ameaças à segurança europeia e internacional.

Por outro lado, de acordo com Svendsen (2017), as implicações do Brexit para a comunidade de intelligence da UE são ainda incertas, sendo necessária uma investigação mais profunda sobre como a comunidade de intelligence da UE funciona e está estruturada, por forma a obtermos uma imagem mais clara destas consequências. Dado que a literatura sobre as implicações do Brexit para a comunidade de intelligence da UE é ainda relativamente escassa e pouco sistemática, este estudo pretende também contribuir para desenvolver essa literatura especializada no tema.

2. Estado da Arte

Antes do 11 de Setembro de 2001, a cooperação de intelligence dirigida ao combate ao terrorismo no quadro da UE era essencialmente executada entre os Estados-Membros, que viam

12 Os irmãos Abdeslam (perpetradores do ataque à sala de espetáculos Bataclan em Paris a novembro de 2015) exploravam um café em Bruxelas

conhecido pelo tráfico de drogas. No início do ano de 2015, as autoridades belgas questionaram os irmãos sobre uma tentativa falhada de viajarem para a Síria e, pouco tempo depois, a polícia holandesa multou-os por possuírem uma pequena quantidade de haxixe. Alegadamente, nem as agências de segurança francesas nem da UE, nomeadamente a Europol, foram informadas destes incidentes antes dos atentados de novembro de 2015, tendo histórias semelhantes ocorrido nos ataques de Madrid em 2004 (Bures, 2016).

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6 o fenómeno como um problema doméstico (Hertzberger, 2007). No entanto, com o aumento do número de Estados-Membros e da ameaça do terrorismo transnacional, foi solicitado aos Estados uma maior cooperação na partilha de intelligence (Burkov, 2016). Tal como se declara, em 2015, na Agenda Europeia para a Segurança:

“Os Estados-Membros têm a linha da frente na responsabilidade pela segurança, mas já não conseguem ser bem-sucedidos apenas sozinhos. […]. A Agenda Europeia para a Segurança deve, portanto, ser uma agenda partilhada entre a União e os Estados-Membros. […]. Esta Agenda permitirá melhorar o intercâmbio de informações, aumentar a cooperação operacional e a confiança mútua, aproveitando toda a gama de políticas e instrumentos da UE. Isso irá garantir que as dimensões interna e externa da segurança funcionem em conjunto. Embora a UE deva permanecer vigilante perante outras ameaças emergentes que também possam exigir uma resposta coordenada da UE, a Agenda atribui prioridade ao terrorismo, à criminalidade organizada e à cibercriminalidade como áreas interligadas e com uma forte dimensão transfronteiriça, em que a ação da UE pode fazer uma verdadeira diferença.” (Comissão Europeia, 2015c, p. 2).

Os ataques ocorridos em solo europeu vieram aumentar ainda mais a necessidade de cooperação entre os países da UE no combate ao terrorismo, até porque, tal como afirma Keohane “um cenário de pesadelo para oficiais de segurança europeus seria descobrirem que, após um ataque terrorista, um outro governo da UE detinha informação crucial sobre o atacante em causa” (2005, p. 1), algo que já aconteceu13.

Antes de apresentar o atual estado da arte, será importante esclarecer alguns conceitos-chave desta investigação. Há vários anos que se assiste à tentativa de encontrar uma adequada definição de intelligence. Gill & Phythian (2006, cit. in Ioannou, 2013) providenciam um fundamental ponto de partida, argumentando que a intelligence é um meio para um fim, neste caso a segurança. Segundo Walsh (2006), podemos definir o termo como “a recolha e análise de informação aberta, pública ou secreta com o objetivo de reduzir a incerteza dos decisores políticos sobre um determinado problema securitário” (p. 626). A intelligence sempre se mostrou como elemento crucial das estratégias de segurança dos Estados principalmente durante a Guerra Fria, no entanto observou-se uma alteração nessas estratégias após a ocorrência dos atentados de 11 de setembro de 2001 e o novo ambiente de segurança onde nos passamos a encontrar (Bilgi, 2016). Existem, no entanto, diferentes tipos de intelligence: open source intelligence (OSINT)14,

13 Cf. nota de rodapé n.º13.

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7 intelligence estratégica15; intelligence operacional16; foreign intelligence (FORINT)17; intelligence

humana (HUMINT)18; signals intelligence (SIGINT)19; intelligence militar20, intelligence criminal21,

entre outros. Apesar destas distinções, é de realçar que não é possível realizar uma completa diferenciação destas num determinado produto de intelligence, uma vez que estas se complementam22 (Hertzberger, 2007).

Quanto ao conceito de terrorismo, no âmbito deste trabalho, seguiu-se a linha da Diretiva (UE) 2017/541, de 15 de março, onde se estabelece a definição de grupo terrorista, as infrações terroristas e os objetivos desses atos nos seguintes termos:

“uma associação estruturada de mais de duas pessoas, que se mantém ao longo do tempo e atua de forma concertada com o objetivo de cometer infrações terroristas (rapto, tomada de reféns, captura de aeronaves, libertação de substâncias perigosas…), […] com objetivos de: a) Intimidar gravemente uma população; b) Compelir de forma indevida os poderes públicos ou uma organização internacional a praticarem ou a absterem-se de praticar um ato; c) Desestabilizar gravemente ou destruir as estruturas políticas, constitucionais, económicas ou sociais fundamentais de um país ou de uma organização internacional.” (Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia, 2017).

O conceito de contraterrorismo deriva da definição de terrorismo e inclui todas as medidas (militares, policiais, judiciais, de intelligence…) tomadas por um Estado e/ou UE de forma a prevenir e responder a ameaças e ofensas terroristas (Suta, 2016). Como tal, a comunidade de intelligence23 contraterrorista da UE, neste estudo, engloba todos os atores da UE envolvidos na

recolha e análise de informações com o objetivo de reduzir a incerteza da tomada de decisão no âmbito do contraterrorismo, nomeadamente a Europol, Eurojust, Frontex, INTCEN, SatCen e INTDV. Incluímos também nesse âmbito os instrumentos criados pela UE para facilitar a partilha de intelligence entre os Estados-Membros24. De salientar que muitos destes atores e instrumentos

15 Informação não-pessoal sobre ameaças e riscos (exemplos: organização, localização, modus operandi e ideologia de redes terroristas). Geralmente

possuem a forma de relatórios e providenciam uma visão para o futuro: estabelecimento de padrões, alertas precoces de futuras ameaças (Hertzberger, 2007). Este tipo de informação é normalmente utilizada pelos decisores políticos.

16 Designada também como “hot intelligence” ou “actionable intelligence”, isto é, concentra-se nas ameaças imediatas e diretas, providenciando

dados pessoais (nomes, datas de nascimento, endereços), sendo por isso essencialmente utilizada pelos profissionais no terreno, como por exemplo pelos agentes de aplicação da lei (Hertzberger, 2007).

17 Intelligence adquirida através da cooperação com serviços de intelligence não nacionais (Hertzberger, 2007).

18 Recolha de intelligence através do uso de agentes no terreno (exemplo: espionagem, canais diplomáticos, população local) (Suta, 2016).

19 Recolha de informação baseada na interceção de sinais eletrónicos (exemplo: escutas telefónicas) (Suta, 2016).

20 Intelligence sobre ameaças militares, violência armada e operações militares, podendo envolver atores estatais e não-estatais (Gruszczak, 2016b).

21 Informações sobre atividades operacionais das agências de aplicação da lei, tendo em vista a resolução de determinado caso judicial (Gruszczak,

2016b).

22 Apesar de, teoricamente, existir uma diferenciação entre intelligence e informação, nesta investigação optamos por usar estes conceitos

indistintamente, tal como acontece nos documentos oficiais da UE, bem como nos trabalhos académicos.

23 O conceito de comunidade de intelligence pode ser definido como “o conjunto de unidades, agências e organizações interligadas, que executam

tarefas de intelligence para um órgão de tomada de decisão” (Gruszczak, 2016b).

24 Apesar dos serviços de intelligence dos Estados-membros também coexistirem nesta comunidade, a ênfase aqui é dada às agências criadas ao

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8 não têm, exclusivamente, no seu mandato ou como objetivos, o combate ao terrorismo, mas incluem-no nas suas tarefas e finalidades.

A problemática da partilha de intelligence da UE no campo contraterrorista tem sido objeto de atenção académica nas últimas décadas, tendo-se observado um aumento dos contributos para estas matérias a partir dos atentados de 11 de setembro de 2001 (Burkov, 2016). Constituindo-se uma temática extremamente pautada pelo sigilo e Constituindo-secretismo (Aden, 2018), a maioria destes estudos baseia-se na análise de fontes primárias (i.e., discursos, documentos oficiais) e secundárias relevantes e, por vezes, nos resultados de entrevistas levadas a cabo com elementos-chave nestas matérias (profissionais de intelligence, decisores políticos).

A grande maioria desta literatura tem como cerne o estudo da principal agência de partilha de intelligence da UE: a Europol. Antes do 11 de Setembro de 2001, a Europol era considerada somente uma instituição de aplicação da lei. No entanto, no rescaldo dos eventos ocorridos naquela data, o mandato desta agência expandiu-se largamente, incluindo o apoio a todas as autoridades de intelligence nacionais (Bures, 2016; Delfem, 2006), sendo por isso tida como a principal plataforma de partilha de informações (Burkov, 2016).

Mathieu Delfem (2006) analisa as ações contraterroristas da Europol no contexto da história e das dinâmicas da cooperação policial internacional, evidenciando a elevada burocratização do processo de partilha de intelligence desta organização. Apesar desta dinâmica aumentar a accountability da organização, a verdade é que pode dificultar uma efetiva cooperação policial (Delfem, 2006). Já Bolsica (2013), ao caracterizar o papel da Europol no âmbito contraterrorista desde os atentados de 11 de setembro de 2001 até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, verifica a crescente importância que a instituição foi adquirindo ao longo dos anos nesta matéria, especialmente a partir de 2009 com o seu novo estatuto legal e novas estratégias e capacidades desenhadas para fortalecer a partilha de intelligence entre os Estados-Membros25.

Investigando o papel da Europol na área do contraterrorismo, Bures (2008) evidencia que esta instituição da UE não goza de qualquer poder supranacional concedido pelos Estados-Membros, tendo ainda as agências de intelligence e de aplicação da lei nacionais uma certa falta de confiança na Europol, uma vez que, até à data do seu estudo, esta não executava quaisquer funções indispensáveis no combate ao terrorismo. Esta falta de “valor acrescentado” da Europol deve-se precisamente aos seus poderes limitados e à falta de confiança das agências nacionais,

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9 que priorizam acordos bilaterais e informais (ex: CTG, PWGT), criando por isso um ciclo vicioso (Bures, 2008). Bures (2008) conclui, deste modo, que a Europol poderia constituir-se uma mais-valia no âmbito contraterrorista da seguinte forma: em primeiro lugar, providenciando canais estandardizados e formas específicas de cooperação; em segundo lugar, capturando e disseminando as melhores práticas; e em terceiro lugar, executando avaliações inteiramente informadas sobre as principais ameaças terroristas tanto para a UE como para os Estados-Membros. Muller-Wille (2008) defende ainda que a Europol possuiria valor acrescentado se produzisse algo que, por um lado, não conseguisse ser produzido a nível nacional e se, por outro, a responsabilidade de certos produtos de intelligence fossem transferidos para o nível europeu, isto é, se esta unidade da UE aliviasse as autoridades nacionais em determinados aspetos de produção de intelligence.

Oito anos mais tarde, Bures (2016) demonstra que, apesar das graduais melhorias na partilha de intelligence com a Europol, da clara necessidade de uma troca de informação sem fronteiras, e da defesa, por parte de alguns Estados-Membros, da transformação da Europol num serviço central de intelligence criminal semelhante ao FBI (Federal Bureau of Investigation), a Europol ainda está longe de se tornar uma plataforma de intelligence efetiva.

Esta questão de criar uma “Agência Europeia de Intelligence” ou o designado “European Bureau of Investigation”, aclamada por uma parte da elite política, é também investigada por outros académicos (Bilgi, 2016; Boer, 2015; Iaonnou, 2013; Müller-Wille, 2008; Nomikos, 2005, 2014; Suta, 2016; Walsh, 2006, 2009). Analisando as diferentes propostas de criação desta agência, Suta (2016) interpreta a existência destas como prova de que o sistema de cooperação de intelligence possui as suas falhas. O autor afirma que o protótipo ideal desta nova formação seria a criação de uma agência centralizada e independente de outras instituições da UE, recebendo uma transferência de autoridade por parte dos Estados-Membros. Ademais, este órgão deveria ter capacidade para treinar o seu próprio staff, possuir os seus próprios métodos e, mais importante, ser capaz de recolher e analisar informação (Suta, 2016). Contudo, há que ter em conta que existem diferentes perspetivas relativamente a esta criação. Alguns autores adotam uma posição a favor (Iaonnou, 2013; Nomikos, 2005, 2014); e outros revelam-se contra a centralização da intelligence, afirmando que isto em nada aperfeiçoaria a troca de informação, uma vez que os obstáculos a esta partilha persistiriam (Müller-Wille, 2008; Boer, 2015). Existe ainda um outro grupo que reúne aqueles que possuem uma perspetiva mais moderada, propondo antes a

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10 centralização das já existentes instituições da UE, mediante o fortalecimento da cooperação entre estas e das suas capacidades (Bilgi, 2016; Walsh, 2006, 2009).

Mais recentemente, e com a criação do Centro Europeu de Luta Contra o Terrorismo (ECTC) no seio da Europol no início de 2016, alguns autores têm investigado esta nova estrutura de cooperação ao nível da intelligence. Burkov (2016) é precisamente um desses autores, contudo, segundo o mesmo, devido à limitação de recursos disponíveis, não foi possível aferir qualquer alteração na cooperação entre os Estados-Membros, sendo unicamente de enfatizar que apenas sete países (Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Espanha, Áustria e Bélgica) haviam destacado oficiais para operarem junto deste novo organismo. Numa outra investigação relativa ao ECTC, Drewer & Ellermann (2016) focam-se na decisão política de estabelecer este centro, que deve funcionar como o núcleo central do combate ao terrorismo na UE, contribuindo para uma reação coordenada no advento de um ataque terrorista e providenciando aos Estados-Membros uma capacidade operacional e analítica. A problemática dos direitos humanos foi também incluída neste estudo, tendo os autores demonstrado que o conflito liberdade versus segurança encontrará um “bom equilíbrio” nesta nova estrutura.

Um pequeno grupo de académicos (Cross, 2011, 2013; Jones, 2013; Nomikos, 2014; Van Buuren, 2009) tem estudado também um outro organismo relevante da partilha de intelligence no âmbito do terrorismo: o SitCen/INTCEN. Cross (2011, 2013) conclui que, com a globalização e a revolução informacional, o INTCEN, principalmente após o Tratado de Lisboa, tem sido um elemento central no nexo de segurança interno e externo. No mesmo sentido, Nomikos (2014), analisando os anteriores ataques terroristas na Europa, afirma que o INTCEN poder-se-á tornar, na próxima década, uma importante agência de recolha e análise de informação independente. No entanto, as problemáticas de transparência e accountability são um enorme defeito deste organismo (Jones, 2013; Van Buuren, 2009).

Focando-se primordialmente nos fóruns informais e nos contactos pessoais de partilha de intelligence – providenciando, ainda assim, uma ótima sintetização da comunidade de intelligence da UE na área do terrorismo - Hertzberger (2007) evidencia que a maioria desta informação é partilhada de forma bilateral e não em plataformas formais como a Europol ou o SitCen, pelo que, investir nos acordos informais seria uma forma de estimular a cooperação em matérias de intelligence no âmbito contraterrorista.

Há ainda investigações que olham para a comunidade de intelligence da UE de um outro ponto de vista, estudando os mecanismos de accountability e supervisão destes órgãos, que lidam

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11 com informação sensível, em particular dados pessoais. Apesar das maiores demandas de supervisão e accountability após o Tratado de Lisboa, ainda persistem algumas falhas dos mecanismos de supervisão da UE (Boer, 2015; Gruszczak, 2016a; Muller-Wille, 2006). Contudo, é importante referir que estas questões foram excluídas do âmbito da presente investigação, uma vez que a sua inclusão implicaria uma outra discussão, principalmente com as novas regras de proteção de dados26.

Aquilo que a literatura acaba por concluir é que apesar de os Estados-Membros possuírem um forte interesse na partilha de intelligence devido a preocupações securitárias, existem diversos obstáculos que impedem uma maior cooperação nestas matérias. Diversos estudos (Bilgi, 2016; Boer, 2015; Bolsica, 2013; Bures, 2008; Hertzberger, 2007; Färgersten, 2010; Müller-Wille, 2004; Suta, 2016; Walsh, 2006) analisam, por isso, os vários obstáculos que impedem a maximização da cooperação no âmbito da intelligence, podendo estes ser sistematizados em cinco categorias: obstáculos políticos, culturais, organizacionais, legais e técnicos27.

A literatura relativa ao processo do Brexit e às suas implicações para a comunidade de intelligence e de segurança da UE ainda é escassa (Färgersten, 2017; Glees, 2017; Hillebrand, 2017; Ischebeck-Baum, 2017; Inkster, 2016; Konstantopoulos & Nomikos, 2017; Moran, 2017; Mortera-Martinez, 2017; Northcott, 2017; Paladini & Castellucci, 2017; Segell, 2017; Svendsen, 2017; Vecino, 2017). Dentro da comunidade política mais interessada neste assunto, encontram-se oficiais de encontram-segurança e intelligence do Reino Unido, tais como John Sawers, antigo diretor do MI6, David Omand, anterior diretor do Quartel-General de Comunicações Governamentais, e Richard Dearlove, anterior diretor do MI6 (Moran, 2017).

Dada a necessidade de trocas de informação, e a alta qualidade de intelligence do Reino Unido, os restantes 27 Estados-Membros e as instituições da UE possuem um forte interesse em continuar a colaboração com os britânicos (Hillebrand, 2017)28.

26 Para uma maior elaboração destas questões, confrontar seguintes estudos: Aden, H. (2018). Information sharing, secrecy and trust among law

enforcement and secret service institutions in the European Union. West European Politics, 1-22.; Boer, M. D. (2010). Keeping Spies and Spooks on the Right Track: Intelligence in the Post 9/11 Intelligence Era. In M. D. Boer & E. Kolthoff (Eds.), Ethics and Security (pp. 57-83). The Hague: Eleven International Publishing; Boer, M. D. (2015). Counter-Terrorism, Security and Intelligence in the EU: Governance Challenges for Collection, Exchange and Analysis. Intelligence and National Security, 30(2-3), 402-419; Gill, P. (2003). Democratic and Parliamentary Accountability of Intelligence Services after September 11th. Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces (DCAF), Working Paper no. 103; Gruszczak,

A. (2016a). EU criminal intelligence cooperation – challenges of oversight and accountability. Paper presented at the UACES 46th Annual

Conference, London, 5-7 September 2016; Müller-Wille, B. (2006). Improving the democratic accountability of EU intelligence. Intelligence and

National Security, 21(01), 100-128.

27 Cf. capítulo II para maior análise destes obstáculos.

28 De facto, o Reino Unido sempre foi uma importante superpotência de intelligence e de segurança na UE (Konstantopoulos & Nomikos, 2017;

Moran, 2017). A França e Alemanha possuem agências de intelligence que conseguem operar globalmente, mas a sua atuação não consegue alcançar a do Reino Unido (Konstantopoulos & Nomikos, 2017). Inkster (2016) evidencia, por exemplo, a eficaz organização do sistema de intelligence do Reino Unido por contraposição à maioria dos países da UE.

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12 Porém, Hillebrand (2017) conclui que a partida do Reino Unido dos acordos de partilha de intelligence da UE não é vantajosa para nenhuma das partes: por um lado, mesmo que o Reino Unido coopere com algumas instituições como país terceiro, não terá o mesmo poder de decisão que anteriormente, e, por outro, os eventuais acordos intergovernamentais ou ad hoc que se estabeleçam serão certamente mais frágeis e menos accountable. Svendsen (2017) argumenta também que as plataformas de partilha de intelligence da UE serão as mais afetadas com a saída do Reino Unido, ao contrário dos acordos bilaterais já existentes a nível europeu.

Inskster (2016a) denota ainda que os serviços de intelligence da UE têm vindo a aperfeiçoar-se, particularmente com as extensas bases de dados que se têm tornado extremamente importantes na identificação de indivíduos potencialmente perigosos, sendo o acesso a estas bases altamente valioso para o Reino Unido (acesso esse que será negado com a efetivação do Brexit até ao estabelecimento de outros acordos). No mesmo sentido, Inkster (2016a) e Segell (2017) alegam que uma UE que não tenha o Reino Unido como principal ator no combate ao terrorismo será seguramente mais débil, o que, por sua vez, deixará o Reino Unido mais exposto a eventuais ameaças e riscos.

Num exercício que demonstra algumas semelhanças com o exercício de cenários que se irá desenvolver neste trabalho, Konstantopoulos & Nomikos (2017) identificam três escolas de pensamento relativas às implicações securitárias que o Brexit poderá ter para o Reino Unido e para a UE29: escola otimista (o Reino Unido continuará a operar numa base bilateral com os países

da UE); escola pessimista (o Reino Unido perderá o seu papel no aparatus de intelligence da UE) e escola pragmática (o Brexit não terá um impacto decisivo nas questões de segurança do Reino Unido e da UE, uma vez que ambos continuarão a cooperar bilateral ou multilateralmente).

Alguns académicos concordam com esta visão da escola pragmática, argumentando que é do interesse tanto do Reino Unido, como da UE, manter a cooperação no âmbito da segurança e de intelligence, pois só assim será possível enfrentar os riscos securitários do continente europeu (Glees, 2017; Northcott, 2017; Paladini & Castellucci, 2017; Segell, 2017; Vecino, 2017). No mesmo sentido, Vecino (2017) evidencia que o facto de o Reino Unido ter anunciado, cinco meses após o referendo, que se manteria como membro da Europol, demonstra a importância que a organização detém para o país. Deste modo, a cooperação entre ambos não deixará de existir, podendo ser criados acordos bilaterais entre organizações da UE e o Reino Unido, tal como já acontece com os EUA, por exemplo (Ischebeck-Baum, 2017; Northcott, 2017; Segell, 2017).

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13 Relativamente ao conceito de resiliência, apesar de este estar fortemente enraizado nas ciências ambientais, nas últimas décadas este conceito tem proliferado para outras áreas da ciência tão diversas como a economia, medicina, matemática, psicologia, geografia, estudos de segurança, sociologia ou filosofia (Gruzsczak, 2015), tendo um artigo da revista Time, em janeiro de 2013, anunciado a “resiliência” como a nova buzzword (Walsh, 2013). Gruszczak (2015) argumenta que a resiliência já não é mais uma buzzword, tornando-se num conceito analítico útil no estudo da continuidade e mudança adaptativa de objetos e sistemas, incluindo políticos e sociais. Apesar da contestação em torno do seu significado, numa perspetiva mais consensual e de maior relevância para a temática em questão, podemos definir o termo resiliência como a forma como uma comunidade/sociedade/indivíduo/país é capaz de recuperar (“bounce back”) após um choque endógeno ou exógeno (Jansson, 2016). No fundo, a resiliência representa a continuidade ou transformação que é necessária existir após a experiência de tal distúrbio (Malkki & Sinkkonen, 2016). A resiliência permite, assim, que a comunidade/sociedade volte ao seu estado original ou que se reconstrua mais forte do que anteriormente (Jansson, 2016).

A UE coloca a resiliência como objetivo central da sua assistência ao desenvolvimento e humanitária (Comissão Europeia, 2018h). As constantes crises alimentares, instabilidades políticas, conflitos e desastres naturais em regiões como o Sahel, Corno de África e América Latina, fazem da construção da resiliência um esforço a longo prazo da política de desenvolvimento da UE, baseada na prevenção e preparação para crises nos países e regiões mais vulneráveis (Comissão Europeia, 2012b). Este conceito ganhou espaço na UE quando a Comissão Europeia divulgou, em 2012 e 2013, respetivamente, a abordagem da UE à resiliência no que respeita a crises de segurança alimentar (Comissão Europeia, 2012b) e a países em risco de conflito (Comissão Europeia, 2013b)30. Para a UE o termo resiliência pode ser definido como “a

capacidade de um indivíduo, uma família, uma comunidade, um país ou uma região resistir, adaptar e rapidamente recuperar de tensões e choques” (Comissão Europeia, 2012b, p. 5)31. A

abordagem da UE à resiliência é pautada por três componentes centrais: antecipar crises mediante a avaliação do risco; ênfase na prevenção e preparação; e melhorar a resposta à crise (Comissão Europeia, 2012b). Esta está assente ainda numa visão de longo prazo, multissetorial e com foco nas causas profundas (Comissão Europeia, 2013b).

30 O primeiro documento divulgado foi ainda rapidamente apoiado pelas conclusões do Conselho sobre a abordagem da UE à resiliência (Conselho

da União Europeia, 2013b).

31 Este conceito possui, por isso, duas dimensões: a força inerente de uma entidade (indivíduo, família, comunidade, país, região) para melhor

resistir a tensões e choques, e a capacidade dessa entidade em recuperar (“bounce back”) rapidamente do impacto. Aumentar a resiliência pode, por isso, ser alcançado aumentando a força da entidade ou reduzindo a intensidade do impacto (ou ambos) (Comissão Europeia, 2012c).

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14 Apesar desta abordagem à resiliência ser exclusivamente externa32, desde 2016,

nomeadamente com a adoção da Estratégia Global, que este conceito tem atingido novas áreas, particularmente a segurança interna33. Na Estratégia Global, é colocado um foco particular na

construção da resiliência dos países que integram a Política Europeia de Vizinhança34, seja no

campo ambiental, social, político ou securitário (União Europeia, 2016). No entanto, no primeiro relatório de implementação da Estratégia Global é referido que, ao possuir esta abordagem, a UE está também a ter em conta como a resiliência externa pode ter “impacto na própria resiliência da UE em áreas como ameaças híbridas, cibersegurança e contraterrorismo” (União Europeia, 2017, p. 16). Efetivamente, o reconhecimento do nexo entre a segurança interna e externa é um dos princípios elementares da Estratégia Global quando se afirma que: “a nossa segurança envolve um interesse paralelo na paz da nossa vizinhança” (União Europeia, 2016, p. 14). Como afirma a Comissão Europeia “building resilience at home and abroad means creating a more responsive Union” (Comissão Europeia, 2018i). Particularmente no campo do combate ao terrorismo, a UE tem fortalecido a sua cooperação com parceiros chave no Médio Oriente, Norte de África, Balcãs Ocidentais e Turquia, estando as prioridades da segurança interna da UE refletidas neste diálogo político (União Europeia, 2017).

Ainda em 2016, a Comissão Europeia e a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança adotaram um quadro-comum para combater as ameaças híbridas35 e aumentar a resiliência dos seus Estados-Membros e países parceiros (Comissão

Europeia e Alta Representante, 2016). Segundo Elżbieta Bieńkowska, a Comissária responsável pelo Mercado Interno, pela Indústria, pelo Empreendedorismo e pelas Pequenas e Médias Empresas:

“A UE tem de se tornar um prestador de segurança, capaz de se adaptar, antecipar e reagir às mudanças nas ameaças que enfrentamos. Isto significa melhorar a nossa resiliência e segurança a partir de dentro ao mesmo tempo que aumentamos a nossa capacidade de lutar contra ameaças externas. Com este quadro comum, agimos em conjunto para lutarmos contra ameaças híbridas que nos afetam. Estamos a apresentar propostas concretas, para que a União

32 Outros trabalhos existentes na UE sobre a resiliência e o desenvolvimento incluem: “Trade, growth and development” (Comissão Europeia,

2012c); Resolução do Parlamento Europeu sobre a abordagem da UE à resiliência e à redução do risco de desastres em países em desenvolvimento

(Parlamento Europeu, 2013); Comunicação da Comissão sobre “Lives in dignity: from aid- dependence to self-reliance - Forced Displacement and

Development” (Comissão Europeia, 2016d).

33 De notar que a UE possui ainda alguns trabalhos sobre a resiliência com um foco mais interno no que toca ao sistema energético: Comunicação

da Comissão sobre a resiliência a curto-prazo do sistema de gás europeu (Comissão Europeia, 2014); Comunicação da Comissão sobre uma estratégia-quadro para uma União da Energia resiliente dotada de uma política em matéria de alterações climáticas virada para o futuro (Comissão Europeia, 2015b).

34 Como reflexo dos compromissos para a futura adesão (União Europeia, 2017).

35 Conceito de ameaça híbrida: “a combinação de atividades coercivas com atividades subversivas, de métodos convencionais com métodos não

convencionais (ou seja, diplomáticos, militares, económicos, tecnológicos) que podem ser utilizados de forma coordenada por intervenientes estatais ou não estatais para atingir objetivos específicos, mantendo-se, no entanto, abaixo do limiar de uma guerra formalmente declarada” (Comissão Europeia e Alta Representante, 2016, p. 2).

(26)

15

e os Estados-Membros aumentem a cooperação em termos de segurança e defesa, melhorem a sua resiliência, lidem com as vulnerabilidades estratégicas e preparem uma resposta coordenada.” (Comissão Europeia, 2016f).

Este quadro propõe 22 ações para melhorar a resposta comum aos desafios colocados pelas ameaças híbridas, tendo em vista: o aumento da consciencialização (por exemplo mediante a criação de mecanismos para a troca de informação entre os Estados-Membros)36; a construção

da resiliência (por exemplo contra o extremismo violento e a radicalização37); a prevenção e

recuperação da crise; e o aperfeiçoamento da cooperação entre a UE e a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e outros organismos internacionais (Comissão Europeia, 2016f).

De modo a traduzir este conceito de resiliência comum numa ação comum, a Comissão Europeia e a Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança publicaram, em 2017, uma comunicação conjunta sobre a resiliência na ação externa da UE (Comissão Europeia e Alta Representante, 2017). Esta comunicação reconhece, mais uma vez, que a UE “não está isolada das pressões que afetam os seus parceiros externos, e que a política externa da UE pode contribuir para o reforço da resiliência dentro da própria União” (Comissão Europeia e Alta Representante, 2017, p. 2). Devem ser estabelecidas ligações entre estas duas políticas, particularmente em relação à Agenda Europeia para a Segurança. No décimo primeiro relatório sobre o progresso no sentido de uma União Securitária genuína e eficaz, a Comissão Europeia refere que esta é sustentada por dois pilares: combater o terrorismo e o crime organizado; e reforçar as defesas da UE e construir resiliência contra as ameaças (Comissão Europeia, 2017e). Nesta comunicação, duas medidas são avançadas para melhorar a resiliência a ameaças terroristas: aumentar a proteção dos espaços públicos; e melhorar a preparação contra riscos químicos, biológicos, radiológicos e nucleares (Comissão Europeia, 2017e).

Apesar de nesta comunicação não ser estabelecido um vínculo direto entre resiliência e intelligence, foi encontrado um estudo que estabelece e discute esta ligação. Tendo como objeto de estudo a comunidade de segurança da UE, Gruszczak (2018) afirma que a resiliência pode ser vista como o processo para construir e expandir a capacidade da UE para estar preparada para disrupções e alcançar a revitalização após crises e fracassos. De facto, Jansson (2016) argumenta

36 Embora se admita que o combate às ameaças híbridas seja da responsabilidade dos Estados-membros, reconhece-se também que as políticas

e instrumentos da UE podem desempenhar um papel essencial “em termos do conhecimento da situação, o que tem vindo a contribuir para melhorar a resiliência dos Estados-membros na resposta a ameaças comuns” (Comissão Europeia e Alta Representante, 2016, p. 3). Aliás, o que se propõe, precisamente, nesta comunicação é a criação de uma célula de fusão da UE contra as ameaças híbridas no âmbito da estrutura do INTCEN, capaz de receber e analisar informações classificadas e provenientes de fontes abertas.

37 Aqui destaca-se o trabalho da Unidade de Sinalização de Conteúdos na Internet (EU-IRU) da Europol. Ainda que os atos terroristas e o extremismo

violento não sejam, por si só, de natureza híbrida, os autores de ameaças híbridas podem recrutar e radicalizar os mais vulneráveis da sociedade através dos meios de comunicação modernos (Internet, redes sociais) e da propaganda (Comissão Europeia e Alta Representante, 2016).

(27)

16 que na Europa e em muitos outros países do resto do mundo, a construção de resiliência para enfrentar ameaças, particularmente o terrorismo, é uma das principais preocupações do momento. Como consequência, as políticas de segurança nacionais e internacionais começaram a salientar a dependência em sistemas de alerta precoce, consciência situacional, análise do risco e da ameaça (Gruszczak, 2016b). Para Gruszczak (2018), a resiliência é determinada pela consciência situacional, preparação, avaliação do risco e antecipação, na qual a intelligence detém um papel fundamental. Como tal, a construção da comunidade de intelligence da UE deve ser vista como uma necessidade crescente do reforço da resiliência e da preparação da UE e dos seus Estados-Membros em enfrentar ameaças à segurança38. A própria Estratégia de Segurança Interna

da UE de 2010 salienta a necessidade de antecipação e prevenção das ameaças, particularmente do terrorismo, nos seguintes termos: “os nossos esforços para combater o terrorismo devem igualmente evoluir a fim de antecipar o risco através de uma abordagem europeia coerente, incluindo acções preventivas.” (Comissão Europeia, 2010a, p. 7).

A crescente atenção para este nexo entre resiliência e intelligence foi também comprovada durante o estágio que a autora realizou na Delegação Permanente de Portugal junto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) entre fevereiro e junho de 2018. Nas reuniões do International Network on Conflict and Fragility (INCAF)39, os

Estados-Membros têm realçado a necessidade de maior recolha e partilha de informações, como forma de aperfeiçoar os sistemas de alerta precoce para a prevenção de conflitos e aumento da resiliência de Estados frágeis e propensos ao conflito. Embora esta ligação entre resiliência e intelligence esteja aqui mencionada de um ponto de vista diferente, os paralelismos com esta dissertação são visíveis, nomeadamente no que toca uso das informações para a prevenção de atos terroristas e consequente resiliência das comunidades. A crescente atenção dos policy-makers para este fenômeno aumenta a necessidade de uma investigação sistemática do tema.

3. Enquadramento Teórico e Abordagem Metodológica

Apesar de nas temáticas de partilha de informações e da comunidade de intelligence da UE, os existentes contributos académicos utilizarem quadros teóricos como o neofuncionalismo

38 A resiliência apenas pode ser obtida com um conjunto de serviços de intelligence organizados, eficientes e coesos responsáveis pela gestão de

informações disponíveis por fontes abertas, secretas e sensíveis. Esta disposição institucional pode ser apelidada de comunidade de intelligence se servir os objetivos estratégicos partilhados, assegurar interconectividade dos seus elementos e permitir o constante fluxo de informação (Gruzsczak, 2015).

39 Como órgão subsidiário do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento, este fórum permite aos seus membros a partilha de conhecimentos no

envolvimento em contextos frágeis, o aperfeiçoamento de políticas e respostas e o acompanhamento de resultados (OECD, 2018). Portugal é membro deste órgão.

(28)

17 (Suta, 2016), intergovernamentalismo (Bilik, 2017; Suta, 2016), governança securitária (Bilik, 2017; Gruszczak, 2008) e comunidade epistémicas (Cross, 2015), nenhum destes se mostrou adequado a responder à nossa pergunta de investigação

.

Por outro lado, o conceito de resiliência não é um conceito simples de operacionalizar. Apesar de se ter equacionado olhar para a resiliência sob a forma como este conceito é contruído no debate público e nos discursos, a verdade é que o discurso da resiliência na UE está externalizado, focando-se essencialmente na promoção da resiliência em regiões fora da UE (tal como vimos na secção anterior). Como tal, optou-se por uma inovação do ponto de vista teórico e metodológico, aplicando-se o método de construção de cenários.

Nos anos 60, Herman Kahn (1962, cit. in Han, 2011), pioneiro do método do cenário, argumentou que os decisores políticos dos EUA deveriam pensar e preparar-se para todas as possíveis consequências de uma guerra nuclear40. Segundo Han (2011), a metodologia baseada

em cenários é um dos métodos mais eficazes para interligar teoria e prática, conduzindo, assim, a um melhor entendimento de futuros eventos. No fundo, esta metodologia apela aos decisores políticos uma tomada de decisão baseada no pragmatismo e na resolução de problemas.

No caso das Relações Internacionais, poucos académicos utilizam esta abordagem, podendo-se, no entanto, enumerar os seguintes: Weber (1997), Stein et al. (1998) e Çelik & Blum (2007).

Schwartz (1991) define cenários como “histórias sobre o modo como o mundo pode tornar-se amanhã, histórias que nos ajudam a reconhecer e a adaptar a novos aspetos do nosso atual ambiente” (p. 3). Tendo em conta este conceito, Han (2011) define a metodologia scenario-building como “o meio pelo qual as pessoas podem articular diferentes futuros com tendências, incertezas e regras num determinado período de tempo” (p. 41). Mostrando todas as histórias plausíveis, bem como clarificando padrões essenciais, esta metodologia permite aos decisores políticos tomar importantes decisões nos tempos presentes. Schwartz (1991) refere que estes esforços não têm como intenção fazer a antevisão do amanhã, mas sim encorajar a uma melhor decisão no presente. Como tal, de acordo com Schoemaker (1995), o principal objetivo é olhar para o futuro em termos das suas dinâmicas fundamentais, incluindo tendências, continuidades, descontinuidades e incertezas. Para Weber (1997), a construção de cenários possui três objetivos,

40 Para uma breve história do método do cenário cf.: Neumann, I. B., & Øverland, E. F. (2004). International relations and policy planning: the

method of perspectivist scenario building. International Studies Perspectives, 5(3), 258-277; Scearce, D., & Fulton, K. (2004). What If? The Art of Scenario Thinking for Nonprofits. Global Business Network, p. 11; Schwartz, P. (1991). The Art of the Long View. New York: Currency Doubleday, p. 7-10.

(29)

18 designadamente extrair assunções sobre forças impulsionadoras que afetam os eventos, desenvolver e analisar possibilidades de interação com aquelas forças impulsionadoras, e organizar essa complexidade num número pequeno de possíveis futuros cenários.

Segundo Han (2011), são cinco os elementos cruciais da metodologia do cenário: forças impulsionadoras41, elementos pré-determinados42, incertezas críticas43, wild cards44, e enredo do

cenário45. De acordo com Lempert (2007), o processo da construção de cenários é o seguinte:

“a prática do cenário inicia com o desafio enfrentado pelos decisores políticos, classifica as forças motrizes mais significativas de acordo com o nível de incerteza e o seu impacto nas tendências presumivelmente relevantes para aquela decisão, e depois cria uma série de cenários que explora diferentes manifestações daquelas forças motrizes”46 (p. 112) 47.

Apesar da imprevisibilidade do mundo atual poder constituir uma dificuldade à construção dos cenários, na verdade este exercício parece ser adequado para colmatar este facto, dado que, de modo a lidar com as futuras incertezas, é essencial ensaiar as diversas futuras possibilidades (Han, 2011). A presente dissertação baseia-se numa abordagem analítica, onde o intuito não é a construção de uma teoria geral da resiliência, mas sim a compreensão e classificação de partes da realidade (Furlong & Marsh, 2010).

Apesar da variedade de métodos disponíveis para os investigadores em Ciência Política e Relações Internacionais, a sua posição ontológica48 e epistemológica49 para com o objeto molda a

escolha dos métodos usados por estes cientistas (Furlong & Marsh, 2010). Sendo assim, nesta pesquisa, ontologicamente segue-se uma posição antifundacionalista (realidade socialmente construída) e epistemologicamente uma perspetiva interpretativista (os fenómenos sociais não podem ser compreendidos independentemente da nossa interpretação sobre estes) (Furlong & Marsh, 2010). Apesar da cenarização estar normalmente associada ao quadro positivista, para a autora a atribuição de significados aos fenómenos sociais torna-se o objetivo principal desta dissertação. A cenarização é utilizada unicamente como organização da realidade empírica (Furlong & Marsh, 2010). Como consequência, a metodologia orientadora desta investigação assume-se como qualitativa, optando-se assim por “métodos […] baseados em respostas textuais

41 Elementos que compõem a estrutura base de cada enredo do cenário (Han, 2011).

42 Eventos que já ocorreram, ou que quase de certeza irão ocorrer, mas cujas consequências ainda não se identificaram (Wack, 1985).

43 Determinantes dos eventos cujo caráter, magnitude e consequências são desconhecidas (Bernstein et al., 2000).

44 Eventos ou ações que podem prejudicar ou modificar radicalmente a narrativa do enredo do cenário (Bernstein et al., 2000).

45 Uma história convincente sobre como as coisas acontecem, descrevendo como as forças impulsionadoras se podem comportar, à medida que

interagem com elementos pré-determinados e diferentes combinações de incertezas críticas (Bernstein et al., 2000).

46 Tradução da autora.

47 Cf. anexo IX para ilustração do processo.

48 Foca-se na natureza do “ser”, isto é, se a realidade existe independentemente do nosso conhecimento (questão ontológica central: o que é a

realidade?) (Furlong & Marsh, 2010).

Referências

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