Instituto Superior de Economia Universidade Tecnica de Lisboa
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MOEDA E MONETARIZAQAO COLONIAlS
Uma aproximac;;ao ao caso Cabo-Verdiano no fim do perfodo colonial (1961-1973)
Joao Antonio Ramos Estevao
Disserta~ao orientada pelo Professor Doutor Adelino A. Torres Guimaraes, apresentada no Instituto Superior de Economia, da Universidade Tecnica de Lisboa para obten~ao do grau de doutor em Economia.
.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho resulta de uma investiga9ao que venho
desen-volvendo sabre os aspectos monetarios e bancarios da coloniza9ao,
em particular da coloniza9ao portuguesa. Embora seja o produto de
urn trabalho individual, de cujas insufici@ncias sou o unico
responsavel, deve multo da sua concretiza9ao ao apoio que me foi
dado por pessoas e institui9oes, a quem devo expressar os meus
agradecimentos.
Em primeiro lugar ao Professor Adeline Torres que, dando-me
a honra de aceitar a orienta9ao deste trabalho, me permitiu
beneficiar da sua experi@ncia e avisados conselhos, deixando-me,
contudo, toda a liberdade na escolha de criterios.
Este trabalho deve muito
A
pesquisa f~ita no Arquivo HistOrico do Banco Nacional Ultramarino, pelo que deixo aqui omeu reconhecimento ao Conselho de Administra9ao do Banco, que me
autorizou a utilizar aqueles servi9os, e ~ Dra. Minervina e Sra
D. Maria do Ceu que, gentilmente, tudo fizeram para me
proper-cionar as melhores condi9oes de trabalho.
Cumpre-me deixar uma palavra de agradecimento a muitos
colegas do Institute Superior de Economia. Em particular, ao Dr.
Manuel Ennes Ferreira pela sua disponibilidade e pelo apoio
inestimavel que me deu no tratamento informatica do texto. Ao Dr.
Luis Violante, colega de muitos anos, pelo seu espirito atento e
disponivel. Aos colegas do Centro de Estudos sabre Africa, pela
sempre ntil troca de opinioes.
Uma palavra de apre9o aos funcionarios da Biblioteca e dos
servi9os de reprografia do Institute Superior de Economia pela
NOTA
PREVIA
0 tratamento informatica do texto teve algumas consequencias
desagradaveis quanta
a
translinea9ao ea
acentua9ao grafica que, infelizmente, nao puderam ser integralmente corrigidos. Para estefacto esperamos a compreensao do juri.
INDICE
Introdu9ao . . . ·. · · · viii
I PARTE - 0 SISTEMA MONETARIO E BANCARIO DAS COLONIAS PORTUGUESAS (1852-1974) I 1 -A procura da unifica9ao monetAria (1852-1901)... ... 2
1.1. A infra-estrutura comercial.... .. . . . .. .. . . .. .. . 2
1.1.1. As pautas aduaneiras... . . . .. . 3
1.1.2. A administra9ao e os impastos... 8
1.2. As medidas de unifica9ao monetAria... .. . . 11
1.3. A cria9ao do Banco Nacional Ultramarine... 17
1.4. As dificuldades da moeda unica. . . . . . .... .. 29
2 - 0 sistema monetArio colonial de padrao-prata e sua fal@ncia (1901-1929)... 37
2.1. As propostas de reforma do regime bancArio.... ... . . 37
2.2. 0 sistema monetArio colonial de padrao-prata.. . . 42
2.3. A fal@ncia do sistema de padrao-prata... . . . . 49
2.3.1. 0 contrato de 1 9 1 9 . . . 52
2.3.2. A regula9ao da circula9ao fiduciaria pelas c o l 6 n i a s . . . 57
2.3.3. As diferen9as de c~mbio na prAtica... . . . . 59
2.4. As criticas ao sistema monetArio colonial... 65
2.4.1. Ennes ULRICH e o saneamento da moeda de p r a t a . . . 67
3 - 0 sistema monetario colonial de padrao-escudo (1929-1974) 76
3.1. A forma9ao do sistema de padrao-escudo. .. .. .. . . . . 76
3.2. A legisla9ao bancaria de 1953.. ... . . . .. . . . . 82
3.3. A nova discussao da moeda anica... ... . . . . . 87
3.3.1. Pacheco de AMORIM e a defesa da moeda unica. 90 3.3.2. Maeda unica ou inconvertibilidade das moedas 95 3.4. Da legisla9ao de 1953
a
cria9ao da Zona Escudo . . . 1013.5. A Zona E s c u d o . . . 104
3.5.1. Comercio de cambios e pagamentos interterritoriais... 106
3.5.2. 0 Fundo Cambial e a centraliza9ao das r e s e r v a s . . . 109
3.5.3. 0 Banco de Portugal e a centraliza9ao das reservas da Zona Escudo . . . 111
3.5.4. 0 sistema de compensa9ao e de pagamentos interterritoriais... 113
3.5.5. A reorganiza9ao do sistema bancario e de credito . . . 118
II PARTE - A DIMENSAO HISTORICA E A NATUREZA DA MOEDA COLONIAL 4 - Evolu9ao da moeda e do sistema monetario na Europa . . . 123
4.1. A estabiliza9ao monetaria . . . 123
4.2. Evolu9ao da banca . . . 133
4.3. Evolu9ao da m o e d a . . . 138
4.4. A natureza da moeda de credito . . . 146
4.5. Os sistemas monetarios... 163
5 - Expansionismo e coloniza9ao- o 2~ sistema colonial . . . 169
5.1. 0 expansionismo como "sobreviv~ncia" de interesses e de estruturas nao-mercantis . . . 171
5.3. 0 expansionismo como necessidade interna do
c a p i t a l i s m o . . . 191
5.4. A dupla dimensao do expansionismo... .. . . . .. . 199
5.5. 0 sistema colonial do capitalismo. ... . . .. ... .. ... 207
6 - A natureza da moeda colonial . . . 211
6.1. Da possibilidade e da necessidade da moeda colonial 211 6.2. A integra9ao monetaria colonial . . . 214
6.3. 0 padrao monetario... 222
6.4. A natureza da moeda colonial . . . 225
III PARTE - A MONETARIZA~AO CABO-VERDIANA NO FIM DO PERIODO COLONIAL (1961-1973) 7. 0 sistema monetario e bancario cabo-verdiano . . . 234
7.1. 0 exercicio da actividade bancaria e de credito . . . 234
7.2. A legisla9ao bancaria de 1953 . . . 241
7.3. A legisla9ao de 1961-63 . . . 245
7.4. 0 Banco Nacional Ultramarine . . . 248
7.5. Outras institui9bes de credito . . . 261
8. A expansao monetaria e a monetariza9ao cabo-verdiana (uma breve aproxima9ao) . . . 266
8.1. As condicionantes da expansao monetaria . . . 267
8.2. A expansao monetaria do fim do perlodocolonial . . . 275
8.3. A .monetariza9ao cabo-verdiana . . . 283
8.4. A monetariza9ao eo sistema monetario e bancario... 292
C o n c l u s b e s . . . 298
INTRODUCAO
0 objecto deste trabalho ~ o estudo da moeda e do sistema
monetario colonial e da sua interac9ao com o processo de
monetariza9ao, atrav~s do case cabo-verdiano no fim do periodo
colonial. Esta op9ao resultou da escassez de estudos sistematicos
sabre o assunto, o que nos levou a privilegiar a analise das
con-di9oes hist6ricas que permitiram a constitui9ao de sistemas
monetarios durante o segundo sistema colonial, procurando
con-tribuir para a defini9ao do estatuto te6rico da moeda colonial.
Em Portugal o debate sabre a moeda colonial vern do come9o do
s~culo. Uma das primeiras tentativas de fazer uma teoria
economica da moeda colonial encontra-se no conjunto de artigos
publicados por Ennes ULRICH no Bo/etim da Sociedade de Ceographia
de Lisboa, em 1911 e 1912. Os aspectos principais destes
traba-lhos sao a defesa do principia de autonomia em mat~ria monetaria
e, por isso mesmo, a defesa de uma moeda pr6pria para cada
col6nia; a defesa do saneamento da moeda de prata; e a defesa
para as col6nias, talvez pela primeira vez em Portugal,
does-tabelecimento do padrao divisas-ouro, tomando como exemplo a
experi~ncia da col6nia inglesa da India.
Vicente FERREIRA foi aquele que mais escreveu sobre a
questao monetaria e bancaria colonial, com uma preocupa9ao
te6rica, procurando uma interpreta9ao globalizante do fen6meno
mas obedecendo a urn objective determinado, o de demonstrar que a
moeda privativa e o c~mbio eram consequ~ncias naturais das
con-di9oes da economia colonial. Pacheco de AMORIM foi mais
cir-cunscrito nos seus trabalhos e, tal como Vicente FERREIRA, tinha
reforma monetaria devida a Fontes Pereira de MELLO e concluida
com a reforma republicana de 1911. Mas o seu objectivo era
oposto, defendendo a todo o custo a necessidade da moeda unica na
~
metr6pole e nas col6nias. E esta a discussao principal qe se
travou em Portugal durante praticamente todo o seculo XX.
Nos anos 50, Bandeira GUIMARAES analisa as condi9des da
con-stitui9ao de uma area escudo, onde recupera, em parte, as
criticas de Vicente FERREIRA ao objectivo da moeda unica e
defende que a natureza de uniao cambial que sobressaia do
processo de integra9ao nao tinha implica9des relevantes na
es-colha entre moeda unica ou moeda privativa, embora esta tivesse
todas as vantagens daquela mas nenhum dos seus inconvenientes.
Nesta altura a discussao alargou-se, mas grande parte das
posi9des assumidas estavam mais preocupadas com a defesa politica
da moeda unica do que com a discussao das suas vantagens ou
des-vantagens econ6micas.
Outro vector importante da discussao portuguesa foi o das
transfer@ncias. Aqui, e importante o trabalho de Armindo MONTEIRO
sabre as transfer@ncias de Angola (1931) que, alias, constitui o
relat6rio preliminar do decreta sabre as transfer@ncias, de sua
autoria, e cujo sistema estabelecido vigoraria ate
a
constitui9ao formal da Zona Escudo. Em resposta e criticando a sua politicaapareceu o trabalho, bern elaborado, das Associa9des Econ6micas de
Angola (1932). Estes dois trabalhos sao os mais completos que
sabre o assunto se publicaram. Nos anos 50-60 a questao das
transfer!ncias foi retomada, dando origem a um conjunto de
ar-tigos, de qualidade muito diferente, mas necessarios para a
compreensao da natureza do debate que entao se fazia.
Urn terceiro vector da discussao da moeda colonial, mas que
escapa aos obJectivos deste trabalho, e desenvolvido por Adelino
das rela9oes ambiguas e muitas vezes contradit6rias que
prevaleceram entre "metropolitanos" e
isso, a tese de um bloco coerente
col6nias, teria a mesma politica
resses.
"colonials", recusando, por
que, em Portugal e nas
e o mesmo conjunto de
inte-De urn ponte de vista te6rico, se exceptuarmos os trabalhos
de Vicente FERREIRA, pouco se avan9ou na defini9ao do estatuto da
moeda colonial. A questao fundamental e saber se ela corresponde,
muito simplesmente, a moeda que circula nas col6nias ou se
cons-titui um fen6meno mais complexo, com uma dimensao institucional
pr6pria e uma dimensao hist6rica precisa. Isto conduz-nos a
necessidade de diferenciar entre o primeiro e o segundo sistema
colonial, ja que a natureza dos fen6menos monetarios que lhes sao
pr6prios nao sao exactamente os mesmos.
No primeiro sistema colonial (sistema colonial do
mercantilismo) a moeda nao constitui um fen6meno de natureza
homogenea nem definida institucionalmente no interior da col6nia.
Alem disso, a sua car@ncia e permanente, ou porque os metais
preciosos sao drenados para a Europa, ou porque as col6nias nao
t@m produ9ao de metais monetarios e a politica da metr6pole e de
deixar as pr6prias col6nias o seu aprovisionamento em moeda. No
segundo sistema colonial (sistema colonial do capitalismo), a
moeda
e
progressivamente unificada, a sua oferta e confiada a in-stitui9oes bancarias e estabelece-se uma rela9ao intima entre amoeda da col6nia e a moeda da metr6pole. A moeda colonial tern
agora uma dimensao institucional, que resultou das necessidades
impostas, primeiro , pela penetra9ao comercial e pela seguran9a e
protec9ao do comercio, depois, pelas necessidades surgidas com a
implanta9ao do sistema colonial, sistema economicamente mais
in-tegrado do que anteriormente e onde a circula9ao monetaria
obedece a objectives que nao sao exclusives da expansao
Diferenciadas as duas situa9oes, e possivel observar que no
segundo sistema colonial a moeda ganha urn estatuto pr6prio,
cons-tituindo urn importante instrumento de integra9ao econ6mica
colonial e de protec9ao comercial. Torna-se indispensAvel
garan-tir a homogeneidade e a regularidade da circula9ao monetAria, bern
como a sua convertibilidade imediata em moeda metropolitana, a
uma taxa fixa. Dai a constitui9ao do sistema monetArio e bancArio
colonial, sistema que evoluiu
a
medida que as rela9oesmetr6pole--col6nias se aprofundavam e que as necessidades da forma9ao local
do capital impunham a evolu9ao do sistema de credito. A moeda
colonial tern, portanto, umna dimensao hist6rica precisa,
do seguhdo sistema colonial.
que e a
0 nosso o~jec~o de estudo e, por isso mesmo, a moeda e o
sistema monetArio colonial, nas condi9oes em que foram definidos
pelo segundo sistema colonial.
mente, contribuir para uma
E o nosso ()_~Je.£!:.!_vo e, principal-defini9ao mais exacta da moeda
colonial, passe indispensAvel, estamos convencidos, para uma
me-lhor compreensao do pr6prio sistema colonial e para uma discussao
mais substanciada dos fen6menos monetArios e financeiros
coloniais. Este estudo e desenvolvido em tr~s niveis: no
primeiro, privilegiamos o processo hist6rico da forma9ao e
desen-volvimento do sistema monetArio e bancArio das col6nias
por-tuguesas de Africa; no segundo nivel, procuramos uma aproxima9ao
mais globalizante, de modo a observar as condi9oes pr6prias do
expansionismo e da coloniza9ao dos seculos XIX-XX que levaram
a
forma9ao dos sistemas monetArios e bancArios coloniais ea
emerg8ncia de uma nitureza especifica para a moeda colonial; noterceiro nivel ensaiamos, numa primeira aproxima9ao, a anAlise da
concretiza9ao do sistema monetArio e bancArio em Cabo Verde, no
fim do periodo colonial (periodo da Zona Escudo), bern como as
suas implica9oes no processo de monetariza9ao
hist6rica do sistema monetario e bancario das col6nias
por-tuguesas, desde os primeiros diplomas de unifica9ao monetaria
(1852-1853) ate ao fim do periodo colonial. Pretendemos mostrar o
modo como se processou essa evolu9ao, progredindo sempre no
sen-tide de uma maior interliga9ao entre a moeda das col6nias e a
moeda da metr6pole, ate esta se constituir no padrao objective
daquelas. E esta evolu9ao e prenunciada nas sucessivas etapas de
transforma9ao da moeda das col6nias.
No capitulo 1 fazemos refer@ncia ao conjunto das medidas
sucessivamente tomadas pelo Governo de Lisboa, que procuravam
im-por a moeda metropolitana na circula9ao colonial, expulsar as
submeter definitivamente as formas
moedas estrangeiras e
monetarias locais. 0 objective era tornar homogenea a circula9~0
e regularizar a oferta de moeda, condi9bes indispensaveis A
penetra9ao comercial e
a
protec9ao do comercio.0 capitulo 2 tern como objective, por urn lado, analisar a
natureza do primeiro sistema, constituido com base na moeda de
prata portuguesa, e que chamamos de sistema de padrao-prata
colonial; por outro lado, analisar as condi9bes da fal@ncia do
sistema, bern como as modifica9bes que iriam aprofundar essa
fal@ncia e conduzir ao estabelecimento de urn novo sistema a
par-tir de 1926-1929. 0 sistema de padrao-prata era ainda um sistema
intermedio, no sentido em que introduzia o principia do padrao
metropolitano mas ainda na base de uma moeda metalica que tambem
circulava nas col6nias,
metalica)
e procurava conjugar a 16gica da moeda
unica (moeda com a da moeda privativa (notas
coloniais). Introduzimos aqui,
moeda unica - moeda privativa,
durante todo o periodo colonial.
tambem,
discussao
0 inicio da discussao
que se prolongaria
0 capitulo 3 mostra a forma9ao do sistema de padrao-escudo,
de uma evolu9ao que apontava para esse fim. Com efeito, o
padrao--escudo simboliza o verdadeiro sistema colonial, na medida em que
a moeda da metrOpole se constitui como padrao objective da moeda
das colOnias e que se institui um sistema monet~rio exequivel mas
simples prolongamento do sistema metropolitano. Tambem fazemos
refer@ncia ao desenvolvimento do debate entre moeda ~nica - moeda
privativa,
a
evolu9ao institucional do processo eA
constitui9~oda Zona Escudo, analisando com alguma aten9ao os seus mecanismos
de funcionamento.
A II Parte tern urn objective mais ample e pretende recolocar
a questao da moeda colonial no movimento do expansionismo europeu
e da coloniza9ao que se lhe seguiu. A passagem para este nivel de
analise resulta da convic9ao de que a caracteriza9ao da moeda
colonial pressupde o estudo das condi9des que a tornaram possivel
as quais nao sao particulares desta ou daquela coloniza9ao mas do
fenOmeno na sua globalidade. E essas condi9des sao duas: o
estadio de evolu9ao da moeda na Europa e a natureza do
expan-sionismo dos seculo XIX-XX.
0 capitulo 4 faz a analise da evolu9ao da moeda e do sistema
monet~rio na Europa, procurando evidenciar os aspectos
si-gnificativos dessa evolu9ao e que dizem respeito
a
modifica9aodas rela9des monetarias com as colOnias: a estabiliza9ao da
moeda; a evolu9ao da banca; a genese da nota de banco e a sua
evolu9ao; a interac9ao entre os sistemas monetarios e de credito,
permitindo a evolu9ao e o posterior dominio da moeda de credito,
com as suas consequ@ncias sabre a natureza do sistema monetario
no seu conjunto. E foi este sistema que serviu de base
a
con-cretiza9ao dos sitemas monetarios colonials.
expansao, no contexte das domina9bes comercial e financeira, que
impOs, primeiro, a necessidade de controlar e assegurar o
desen-volvimento da penetra9ao comercial e, depois, a necessidade do
controlo formal, sob a forma de domina9ao politica e cultural.
A
progressiva integra9ao econ6mica desses territ6rios pressupunha o
controlo da moeda e a regula9ao da sua circula9ao, de acordo com
as necessidades do comercio e da instala9ao colonial.
A
moedacolonial aparece, portanto, como uma moeda intimamente
relacionada com a da metr6pole, constituindo o seu prolongamento
no interior da col6nia. Neste capitulo, depois de percorrer as
formas como o fen6meno do expansionismo tern sido tratado na
teoria econ6mica, procuramos caracteriz~-lo na sua dupla dimensao
e, com base nela, caracterizar a natureza do sistema colonial do
capitalismo, passo indispensAvel para se compreender a
neces-sidade da moeda colonial.
No capitulo 6, ultimo da II Parte, fazemos uma reflexao
sobre a moeda colonial, concluida que foi a anAlise da sua
dimensao hist6rica. Come9amos por fazer uma sintese das condi9bes que a tornaram possivel e necessAria, para depois abordarmos os
mecanismos da integra9ao monetAria colonial, diferenciando o
primeiro do segundo sistema colonial, o que nos remete para a
questao do padrao monetArio, tratada na terceira sec9ao do
capitulo. 0 padrao-divisa metropolitana, padrao especifico do
sistema monetArio colonial, impoe uma rela9ao estreita entre a
moeda metropolitana e a moeda colonial, o que tern implica96es
significativas na natureza desta. E o que se aborda na quarta sec9ao, que sintetiza o percurso das anteriores e procura
sis-tematizar os elementos que permitem tra9ar a natureza da moeda
colonial.
Na III
aproxima9ao
Parte do trabalho procuramos
ao processo de monetariza9ao
fazer uma primeira
da economia
monetario e bancario colonial.
caracteristicas fundamentais do
Come9amos par apresentar as
sistema bancario e de credito
concretizado nessa col6nia (capitulo 7) para, depois, analisarmos
brevemente o processo de monetariza9ao e suas caracteristicas
principals, deduzindo algumas consequ~ncias desse processo na
sua articula9ao como sistema monetario e bancario (capitulo 8).
Esta aproxima9ao
e
quase introdut6ria e procura mostrar o caminho que se podera seguir em trabalhos futures sobre a estruturaecon6mica e monetaria de Cabo Verde, como e nossa inten9ao fazer.
Devemos real9ar que esta parte beneficia da pesquisa feita nos
Arquivos Hist6ricos do BNU, cujo rico esp6lio
e
indispensavel para qualquer trabalho sobre a economia das col6nias portuguesas,entre 1864 e 1974. 0 seu aproveitamento
e,
aqui, apenas parcial,mas contamos que futures trabalhos permitirao valorizar
devidamente essa pesquisa, que apenas foi posslvel dada a
gen-tileza do Conselho de Administra9ao do BNU que nos autorizou a
I
PARTE
A
PROCURA
DA UNIFICACAO MONETARIA
( 1 8 5 2 - 1 9 0 1 )
1.1. A infra-estrutura comercial
As primeiras tentativas de harmoniza~ao da circula~ao mone-taria nas col6nias portuguesas de Africa sao da segunda metade do seculo XIX e integram-se num vasto conjunto de medidas de politi-ca colonial que, globalmente, visavam garantir e proteger a
ocu-pa9~0 efectiva daquelas possess6es. Essas medidas sucederam-se
rapidamente a partir do come~o dos anos 50 e evidenciam o novo interesse para com a coloniza~ao africana, ja esbo~ado entre os anos de 1820-1830, mas realmente afirmado ap6s o fim do ciclo do Brasil em 1850. Estava-se entao no limiar do que ja chamaram ter-ceiro pertodo da expansao portuguesa em Africa (PEREIRA 1971),
colonialismo portugu~s moderno (ALEXANDRE 1979) ou terceiro imp~
rio portugu~s (CLARENCE-SMITH 1985).
A unifica~ao·da moeda nas col6nias era urn passe
indispensa-vel para o dom!nio do sistema monetario da metr6pole e este, por seu !ado, uma condi~ao necessaria para a estabilidade das rela-~oes comerciais coloniais. Alem disso, o controlo da circula~ao
monetaria permitiria n~o s6 melhorar as condi~6es da penetra~ao
comercial, como ainda garantir a submissao e integra~ao do comer-cia africano. Mas a unifica9ao da moeda pressupunha o controlo do comercio externo das col6nias e, no plano interne, a edifica~ao
de uma infra-estrutura comercial colonial. Para isso concorriam as medidas de politica aduaneira, procurando proteger o com~rcio
p~-blica e financeira (incluindo a militar), instrumentos
indispen-sA;veis para a constru~ao de uma infra-estrutura comercial
devi-damente enquadrada.
A articula~ao entre as politicas leva-nos a fazer uma peque-na digressao pelas principais medidas aduaneiras e
administrati-vas, antes de caracterizar as formas de interven~ao na esfera
mo-net~ria e deduzir o tipo de regime monet~rio que vigorou durante
toda a segunda metade do ~ulo XIX.
1.1.1. As pautas aduaneiras
A pauta angolana de 1837 constitui a primeira tentativa de
interven9ao aduaneira com uma vis{vel preocupa9ao de protec9ao
comercial. No entanto,
e
s6 a partir dos anos de 1850 que come9ama ser elaboradas pautas comerciais verdadeiramente
proteccionis-tas: Cabo Verde em 1851, 1867, 1871, 1882 e 1892; Guine em 1854,
1877 e 1892; Angola em 1849, 1867, 1880 e 1892; Sao Tome em 1865,
1882 e 1892; e Mo9ambique em 1853, 1869, 1877 e 1892.
Em 1851 foram criadas alfandegas em todas as ilhas de Cabo
Verde,
Promiscuamente encarregadas da arrecada9ao nao sb de direitos de importa9ao e exporta9ao, mas igualmente da de outros quaisquer impastos directos e indirectos, bem como da venda de papel selado e pblvora, e de servi90 dos Correios assistentes 1 •
Pese embora esta multiplicidade de fun~oes, onde ainda sao bem
vis{veis os objectives meramente fiscais que caracterizavam as
alfandegas, a preocupayao de as transformar num instrumento de
protecyao comercial esta patente nas medidas adoptadas no decreto
da mesma altura, que estabeleceu a pauta de Cabo Verde: os
gene-res e mercador.ias estrangeiras, em geral, eram obrigados ao
paga-mento de direitos de importayao de 10% ad valorem e de exportayao de 1%, enquanto que as mercadorias nacionais ou nacionalizadas
pagariam apenas 3%; por outre lade, os objectos de ouro, prata,
platina e pedras preciosas estavam isentos de direitos quando de
origem nacional e sujeitos a 5% quando importados do estrangei-ro2.
Sucessivas pautas foram publicadas desde entao, sempre com
objectives definidos de protec9ao e de nacionaliza9ao do comercio
das col6nias. A pauta de 1867 elevou para 15% ad valorem os di-reitos de importayao das mercadorias estrangeiras nao constantes
da pauta, sendo de urn quinto daquela taxa os direitos das
merca-dorias de origem metropolitana. No entanto, alguns produtos sao
bastante protegidos, em particular as bebidas, para os quais os
direitos de importa9ao desceram, como no caso do vinho, para um
decimo da taxa paga pela importayao de origem estrangeira3 •
Mas a grave crise financeira de 1868-69 impes a necessidade
de alterar a polftica colonial que se tentava seguir. Os desaires
das campanhas militares demonstravam que a pol!tica de conquista
do interior era muito mais dif!cil e dispendiosa do que se previa
e, mesmo na costa, o controlo da situa9ao nao era tao evidente. A
nova polftica colonial que entao se ensaia, no sentido defendido
entre outros por Joao Andrade CORVO, procura privilegiar a
nego-2. "Decreto que instituiu a pauta de Cabo Verde". Idem, pp.724-726.
cia9ao em vez da for9a e aumentar a autonomia administrativa das
co16nias, ao mesmo tempo que reduz as tarifas alfandegArias e
en-coraja o investimento estrangeiro. Esta pol!tica, afirma
CLAREN-CE-SMITH,
baseava-se na suposi~ao de que comunidades coloniais mais ricas e mais autbnomas seriam um grande trunfo
pa-ra Portugal, mesmo que o controlo de Lisboa atrouxasse e os estrangeiros colhessem muitos dos benetfcios
diatos 4 •
ime-A pauta de Cabo Verde de 1871~ tern urn pender moderadamente
liberalizante, na sequ~ncia de medidas tomadas em 1869 para
ou-tras col6nias, nomeadamente Mo9ambique. 0 objective principal
destas reformas era a supressao des direitos diferenciais de
ban-deira, cujos reflexes bastante negatives para o comercio das
co-16nias
e
reconhecido no relat6rio do Ministro e do Secretario de Estado que antecede o decreto da pauta de Mo9ambique, de 1869:A renova9oo das provfncias do Ultramar depende em gran-de parte da adop~ao de um sistema que nao afugente, mas atraia aos seus portos, os navios de todos os parses. ( ... ) Os generos de produ9ao nacional continuam a ser privileglados como favor de 30% nos direitos de entra-da; mas os direitos diterenciais de bandeira, obstaculo capital do desenvolvimento do trato mercantil
geiro, sao inteiramente abolidos6 •
4. CLARENCE-SMITH 1985, p.63.
est
ran-5. "Decreto aprovando a nova pauta de Cabo Verde". Idem, vol. VIII, 1896, pp. 211-218.
Alem das influ@ncias da ideologia livre-cambista da epoca,
nao deixam de estar presentes nestas decisoes os efeitos do
con-trabando que se vinha desenvolvendo com as diferen9as de bandeira
e, ainda, o reconhecimento da fraqueza da marinha mercante, ~uja
fraca capacidade de transporte constituia, como afirma Adelino
TORRES, um dos factores explicativos do atraso relative da
colo-niza9ao portuguesa 7 •
A pauta aprovada para Cabo Verde deixou de diferenciar a
na-cionalidade dos navies, tanto para as importa9oes como para as
exporta9oes: as mercadorias que nao constavam da pauta pagariam
10% ad valorem de direitos de importa9ao, quaisquer que fossem a
sua origem e a nacionalidade dos barcos de transporte, e 1% de direitos de exporta9ao independentemente dos barcos ou portos de
destine; quanta as mercadorias que constavam da pauta, pagariam
20% dos direitos estabelecidos se fossem de produ9ao nacional ou
nacionalizada e importadas em barcos nacionais. Naturalmente que
da pauta constavam os produtos mais importantes da industria
me-tropolitana (vinhos, t@xteis).
Com a decada de 1880 assiste-se ao refor9o do
proteccionis-mo, em particular com a critica dos meios comerciais as
tend~n-cias liberalizantes dos anos anteriores. Considerando nefasto os
efeitos do "liberalismo" sabre o comercio colonial, a Associa9ao
Comercial de Lisboa propOs novas pautas para as col6nias da
Afri-ca Ocidental, defendendo a necessidade de elas se modelarem pela
pauta angolana de 1880. Assim, a nova pauta de Cabo Verde, de
1882, elevou de 20 para 30 a percentagem dos direitos a pagar
pe-las mercadorias nacionais ou nacionalizadas importadas dos portos
da metr6pole. Em contrapartida, os direitos das mercadorias
es-trangeiras nao especificadas passaram de 10% para 20% ad valorem,
enquanto que as de origem nacional desceram de 10% para 6%, ja
que, como as outras mercadorias da pauta, passaram a pagar 30%
dos direitos dos g~neros estrangeiros.
Em 1892 foram aprovadas novas pautas para as col6nias,
cons-tituindo estas um dos instrumentos de uma pol(tica economica mais coerente e com mais continuldade do que at~ entao8
• A sua
nature-za vincadamente proteccionista ~ resultado da profunda crise em
que Portugal se encontra mergulhado, quase desprovido de mercados para as suas principais exporta~oes e sem dinheiro para pagar as
importa~oes que nao cessam9
• A cria~ao de urn mercado colonial,
devidamente protegido, ~ mais do que nunca uma necessidade pre-mente do desenvolvimento da economia portuguesa, tal como ~
reco-nhecido no relat6rio do Ministro Ferreira do AMARAL que antecede
a sua proposta de reforma das pautas:
Pequeno como
e
o teatro de opera~oes de consumo no con-tinente do reino, for~osoe
alargar a esfera de coloca-900 de produtos da industria nacional nos nossos dom(-nios coloniais, e neste sentido, dentro dos limites do poss/vel, se estabeleceram as pautas que tenho a honra de apresentara
considera9ao de Vossa Magestade, nas quais a protec~ao ao trabalho nacional so teve como li-mite as necessidades fiscais, e a dificuldade de guar-dar largos tratos da costa e rios navegaveis, bem como a proximidade de colonias estrangeiras, onde o regime pautal mais moderado poderia comprometer a vig~ncia dos caminhos comerciais sertanejos, desviando-os para fora dos nossos dom(nios18 •8. Idem, p.36.
9. PEREIRA 1971, p.314.
10. Relat6rio do Ministro Ferreira do AMARAL que antecede a sua proposta de
re-~orma das pautas coloniais, de 16 de Abril de 1892. C.L.N.U., vol. XX,
Relativamente a Cabo Verde, a nova pauta elevou as tarifas
das mercadorias constantes da tabela e voltou a colocar em 20% a
taxa paga pelas mercadorias de origem metropolitana, ao mesmo
tempo que introduziu a obrigatoriedade do comercio de cabotagem
ser feito exclusivamente por navios portugueses.
1.1.2. A administra~ao e os impastos
A
reforma da administra9io das col6nias foi aprovada em 1869, tendo por base duas ideias principais: o alargamento dascompet~ncias dos governadores e o "princ!pio da descentraliza-9ao". Pretendia-se uma maior eficAcia da administra9ao colonial e
abria-se a possibilidade de integra9ao de elementos da popula9ao
local na fun9ao publica, sem necessidade de autoriza9ao regia,
desde que os vencimentos anuais nao excedessem 300 mil reis 11 •
Posteriormente, em 1888, foi reorganizada a administra9ao
finan-ceira das col0nias12
1 atrav~s da aplica9§o das disposi96es do re-gulamento da contabilidade publica metropolitana, centraliza9ao
da contabilidade colonial na Direc9ao Geral da Contabilidade
Pu-blica, normaliza9ao dos or9amentos coloniais e cria9ao das
repar-ti9oes de fazenda em substitui9ao das juntas de fazenda. A or-ganiza9ao administrativa de Cabo Verde foi aprovada quatro anos
mais tarde, em 1892'3 •
A
organiza~ao da administra~~o publica constituia uma condi-~ao basica da penetra~ao comercial colonial, indispensavel para11. C.L.N.U., vol. VII, 1896, pp.593-595.
12. Decreta que aplica as col6nias as disposi~aes do regulamento da Con-tabilidade Publica e do regulamento geral da administra~ao de Fazenda Publica. Idem, vol. VI, 1892, pp.488-495.
que a soberania formal se transformasse num poder efec-tivo, capaz de levar a cabo a a1tera9oo das estruturas Jocais e eliminar as barreiras
a
penetra9ao externa. Por isso, o proJecto colonial ~. antes de mais, umpro-jecto pol(tico afirmado e definido ao n(vel do
Esta-~' dot4.
Mas se a implementa~~o da administra~ao p~blica procurava criar
as condi~oes para a instala~ao da infraestrutura comercial
colo-nial, a organiza~ao de urn sistema tributario ligado
a
administra-~ao financeira permitiria sustentar, nas condi~oes de cadacol6-•
nia, todo ·o esfor~o da sua valoriza~io econ6mica.
E
assim que urn conjunto de impastos sao criados a partir do in{cio da d~cada de50, pretendendo
~rvir de base a opera9oes de credito, que permitam con-cluir as obras publicas iniciadas nas ditas prov1ncias, empreender aberturas de estradas e o melhoramento dos portos, promover a coloniza9ao agr(cola e penal, refor-9ar os elementos defensivos de terra e de mar, lan9an-do-se brevemente os tundamentos de uma conveniente
ma-rinha colonial, aplicavel tambem a fins fiscais 1 ~.
Em Dezembro de 1852 foi criado o imposto do tundo de coloni-za9ao. 0 objective era criar urn capital necessaria ao come~o da
coloniza900 das provlncias africanas com indivlduos deste Reino e das /!has ad)acentes, distraindo por este modo a grande
emigra-900, que de um e de outras tem Iugar para pa1ses estrangeiros, e procurando o desenvolvimento da agricultura e industria nas
nos-14. ALEXANDRE 1979, p.69.
sas provlncias' 6
• Para isso, o governo decidiu que o produto dos direitos sobre o vinho e aguardente fosse arrecadado, em separado dos outros rendimentos, para constituir o fundo especial denomi-nado fundo de coloniza9ao.
Seguiu-se-lhe, em 1854, o imposto de 100 r~is por tonelada de carvao de pedra importado pelos dep6sitos estabelecidos em Ca-bo Verde' 7
• Este impasto, elevado em 1880 para 300 r~is' 8 ,
transformar-se-ia numa importante fonte de receitas fiscais du-rante a passagem do s~culo, pelo menos enquanto o Porto Grande do Mindelo nao foi ultrapassado pelos portos das Canarias e de Da-kar.
Em 1858, foi criado o imposto de 3% ad valorem sobre todos os objectos exportados ou importados, com o objective de finan-ciar as obras publicas na ilha de Santiago. Este imposto foi pos-teriormente estendido a ilha de Santo Antao, em 1868, e as res-tantes ilhas do arquip~lago, em 1873' 9 • Em 1800 foi criado urn im-posto de tonelagem sobre a navega~ao, destinado a financiar todos OS trabalhOS ligados as obras portuarias e justificado pelo facto de a navega~ao nacional e estrangeira estar irregularmente taxada em diferentes provfncias, sendo completamente livre de qualquer
imposto no arquipelago de Cabo Verde, ha mais de trinta anos20 •
A
16. Decreto de 30 de Dezembro de 1852. Boletim do Conselho Ultramarino, 1869, vol. II, p.229.
17. "Decreto autorizando a receita e despesa das diferentes provincias para o ano econ6mico de 1854-55", de 1 de Setembro de 1854 (art. 10'). Idem, p.349.
18. "Decreto elevando a 300 r~is o imposto por tonelada de carvao", de 30 de
Out~bro. C.L.N.U., vol. X , 1884, pp.285-286.
sua aplica9ao foi revista em 189221
, procurando diminuir a sua
incid~ncia, como modo de atenuar os efeitos desastrosos que a
concorr~ncia dos portos das Canarias tinha sobre o Porto Grande.
1.2. As medidas de unifica~ao monetaria
Do ponto de vista da moeda, a situa~io nas co16nias
portu-guesas caracterizava-se pela grande diversidade de pe9as
metali-cas em circula9ao, pela deprecia9a0 da moeda provincia/ 1 por
fre-quentes periodos de escassez de moeda metalica, pela exist@ncia
e, mesmo, dom{nio de moedas africanas e, ainda, pela persist@ncia
da troca directa.
Mas a situa~ao nao era a mesma em todas as col6nias. Em Cabo
Verde, onde as primeiras moedas foram introduzidas pelos
primei-ros povoadores e pelos barcos que demandavam as suas ilhas, o
principal problema era a diversidade de especies metalicas da
mais variada proveni@ncia, a que se juntava a deprecia9ao e as
desigualdades de valor entre as ilhas. Em 1884, a situa9ao era
assim descrita por Lopes de LIMA:
Nao ha moeda especial nesta Prov1ncia; a que gira como
tal no Arquipelago com um tipo fixo~ e por isso se
re-puta moeda provincial, e a moeda antiga de prata
brasi-leira, a qual corre em todas as //has, pelo seu valor
nominal (de 960, 6#0 e 320 reis), e nesta moeda, que
a/ i se chama fraca, se cobram as rendas e se pagam os
encargos: so ao Governador e Secretario Cera/, e Juiz
de Direito, e ao Pessoal do Exercito, e Armada, se paga
em moeda forte, que e a moeda de ouro, e prata de
Por-tugal, e na falta desta recebem a moeda fraca como
agio estipulado de q por cento. Gira tamb~m pelas m6os dos comerciantes, e do povo (que nenhuma dificuldade poe em aceita-las), grande variedade de moedas de prata das diversas Na~oes, que frequentam este Arquipe/ago, e prtnctpalmente as tr8s .ilhas salineiras, mas sem cbm-bio determinado, e com valor varibvel dependente das
conven~oes: o Peso duro Espanhol, e o D6lar lngl4s sao as mais aceites e quase geralmente recebidas no valor de mil reis; o D6lar Americana, o Peso Mexicano, o Rix-dale Alemao, e o Escudo Franc8s, ou /tal tano, etc., correm as mais das vezes no valor de 800 r~is: e na mesma propor9ao as frac9oes, ou pequenas moedas, como a
peseta, o shilling, o franco, a lira, etc. Das moedas de ouro estrangeiras, as que ali aparecem com mais fre-qu8ncia ~
sao as On~as de ouro Espanholas, e algumas
vezes os Soberanos lngleses. A moeda de cobre, e bronze de Portugal (anica que ali giro, e sempre em quantidade mui diminuta para as precisoes mercantis) serve de tro-co alternativamente
a
moeda forte, ea
moeda fraca, sem diferen9a22,
Outre problema era a frequente escassez de moeda,
que ja vinha de muito atras, acompanhando a decad@ncia econ6mica
do arquipelago23
• Varies foram os mementos em que a popula9ao
te-ve que recorrer
a
troca directa oua
monetiza9ao de produtos lo-cais como os panes. Mesmo os vencimentos e remunera9oes chegarama ser pagos em generos ou em vales da Fazenda 24 •
A
diferen9a de situa~oes entre as varias col6nias explica,22. LIMA 1844, pp.50-51.
~
-23. Ver, por exemplo, ESTEVAO 1989.
em parte, as medidas diversas e normalmente localizadas que foram
tomadas ao longo da segunda metade do seculo
XIX.
Exceptuando asdisposi9oes sobre a circula~ao fiduciAria, a cargo do Banco
Na-cional Ultramarino desde 1864, e algumas poucas legisla~oes co-muns, as principals medidas referem-se a cada uma das col6nias
ainda que o objective central fosse, em qualquer dos casos, a
unifica~io da moeda.
As linhas bAsicas do que poderemos chamar de regime
monetA-rio colonial, entre 1852 e 1901, encontram-se nos dois primeiros
diplomas publicados: o decreto de 29 de Dezembro de 1852, de
uni-fica~ao da moeda em Mo~ambique; e o decreto de 19 de Outubro de
185 3' que unifica a moeda em Cabo Verde. Estes decretos tinham
por objective acabar com a diferen9a de valores que as mesmas
moedas tinham dentro de cada col6nia e entre as col6nias e a
me-tr6pole, bern como regular a circula9ao das moedas estrangeiras.
Neste sentido, determinavam que apenas as moedas de ouro, prata e
cobre correntes no Reino constituiriam moeda legal nas col6nias,
onde correriam pelo mesmo valor que em Portugal e teriam "o mesmo
peso, forma e inscri~oes" (decreto de 1852). "Tolerava-se" a
cir-cula~ao das moedas estrangeiras que jA eram admitidas no Reine e que, para esse efeito, seriam consideradas como sendo
portugue-sas 2 ~.
plomas,
cula9ao
Todas as "moedas provincials" que, por virtude destes
di-deixassem·de ter curso legal, seriam retiradas da
cir-e resgatadas por "bilhetes da Fazenda"26
, sendo estes
25. Eram consideradas portuguesas as seguintes moedas estrangeiras: as on~as,
meias e quartos de on9as espanholas ou da America Central e Sul; as Aguias de 10 patacas e as meias Aguias des Estados Unidos da America; as pe9as, meias pe9as e as moedas de 4$000 reis brasileiras; os soberanos e meios soberanos ingleses; e, de prata, as patacas e os duros espanh6is ou americanos e as moe-das francesas de 5 francos (Cf. art. 8' e tabela anexa do decreto de Mo9ambi-que e art. 2' e tabela anexa do decreta de Cabo Verde. Boletim do Conselho Ultramarino. Legisla~ao Novfssima, vol.
II,
1869, pp.225-228 e 299-300, res-pectivamente).sucessivamente amortizados com a "moeda provincial" recunhada
pe-la Casa da Maeda de Lisboa e reenviada para a respectiva col6nia.
Mas a reforma monetaria nao foi aplicada de imediato. Em
1858, ainda nao tinha sido pasta em pratica em Cabo Verde, o que
levou o governo da metr6pole a recomendar a execu9ao da lei, em
portaria de 9 de Janeiro:
Manda £/-Rei ( ... )que desde o 7~ do prbximo m8s de Ju-lho em diante, todas as receitas dos cofres e recebedo-rias da dita Provincia sejam efectuadas em moedas do Reino e pela mesma forma todos os pagamentos; na
inte-lig@ncia de que, pela falta do cumprimento do que fica ordenado, se considerara individualmente responsbvel coda um dos membros da dita Junta27
•
Em 12 de Abril do mesmo ano, uma nova portaria reconhece a nao
aplica9ao do diploma de 1853 e determina que todos os
funciona-rios devem ser pages em "moeda provincial", ja que a nao execu9a0
do decreta impossibilitou que os rendimentos publicos fossem
re-cebidos em moeda do Reino28 • Entretanto, a altera9ao do valor da
moeda do Reina operada em 1854, levou o governo a ordenar ao
go-vernador da col6nia que, enquanto nao se regulasse
definitivamen-te a questao da unifica9ao, definisse provisoriamendefinitivamen-te o valor
le-gal das moedas estrangeiras em rela9ao as novas coroas de ouro e
a
moeda de prata Corrente no Reino29 •27. "Portaria recomendando a execu9ao da lei de 19 de Outubro de 1853", de 9 de Janeiro de 1858. Boletim do Conselho Ultramarino, vol. III, 1868, p.176.
28. "Portaria declarando em que moeda devem ser pagos os funcionarios de Cabo Verde", de 12 de Abril de 1858. Idem, p.229.
Em 1864 deu-se urn passo importante no processo de unifica9ao
monetAria com a cria9ao do Banco Nacional Ultramarine, a quem foi
concedido o privil~gio da emiss~o de notas em todas as col6nias
de Africa. A agencia de Cabo Verde foi criada em 1865, altura em
que uma portaria determinava que as notas do Banco deveriam ser
recebidas em todas as reparti9oes p~blicas 38 1 constituindo,
por-tanto, moeda legal na colOnia. No entanto, os problemas
monetA-rios da colOnia continuavam por resolver. A persistencia da
es-cassez de moeda levou a que, na pauta de 1871, fosse declarada
livre a importa9ao de dinheiro estrangeiro em prata ou ouro (n~19
da pauta); dinheiro portugues em ouro, de qualquer proveni~ncia
(n~ 20); e dinheiro pbrtugu~s em prata, bronze ou cobre, proveni-ente de portos portugueses (n~ 21) 31 • Esta descisao foi
confirma-da na portaria de 23 de Abril de 1880, em que se or.denou as
Al-fandegas que dessem cumprimento ao disposto na pauta de 1871 e se
justifica aquela decisao pela necessidade de facilitar e desen-volver a circulaqoo de especies Jegais e pela conveni~ncia pU-blica de acudir de pronto com alguma provid~ncia justa as con-diqoes da circulaq&o monet6ria na provincia de Cabo Verde 32
•
A situa9ao de escassez de moeda persistia e os frequentes
pedidos de solu9ao por parte do com~rcio e da administra9ao da
colOnia levaram o governo metropolitano a ensaiar uma nova medida
para resolver o problema. Dada a frequ~ncia e facilidade de comu-nica9oes entre a metropole e a provincia de Cabo Verde, a melhor solu9ao para o problema monetArio parecia sera identificaqao, pelo menos no que diz respeito as especies de proto, do meio cir-culante da provincia como estabelecido para o reino pela lei de
30. Portaria de 4 de Outubro de 1865. C.L.N.U., vol. V, 1895, p.441.
31. Decreto de 25 de Janeiro de 1871, aprovando a nova pauta de Cabo Verde.
Bol~im do Conselho Ultramarino. Legisla9ao Nov1ssima, vol. VIII, 1896,
p.216.
29 de Julho de 7854 3 3 , Oecretou-se, assirn, o fim da circula~ao
das moedas de prata estrangeir:as permitidas pela reforma de 1853,
passando a ter curse legal apendJ as esp~cie~ de pr·ata
autor·iza-das para a metropole. As rnoedas de ouro continuariam em
cir:cula--9ao, d2 acordo com a~ disposi9bes daquela reforma.
A ~itua9ao monet~ria nas colOnias era ca6tica e a unifica~~o
c.ontinuava par fazer, ( ·r i • ' ,: •.
lA ,_ '"'ram mais de quarent.a ano.=; "
ap6s os primeiros decretos para Mo~ambique e Cabo Verde. E: cJ
SC!··-cretJrio de Estado Candido da SILVA quem o reconhece, na proposta
de reforma do regime monet~rio de Dezembro de 1895:
Com um me:o circulant~. sem carOcter de unidade.
forma-c/o po ,, notos de banco, cedu!os ou notos de fozenclo,
moedas estrangeiras de d1ver·~os t1pos, cotudo::; pot· um
\/C!Ior· norninc11, que se dtstancra do seu vulor reo! e
que. mesmo de provlnctu para provlncio, sofre
deprec1a-r;r...1o no .:=.:eLf fJrec;o, u situu~bo monet6r·1a actual das
pro-vlnctas nao pode nem deve continuar. e cor·ece cie umc1
0 decreta que aprovou esta proposta (22 de Dezembra de 1895)
previa a remodela9~0 do regime monet~rio e fiduci~rio atrav~s da
possibilidacle de cunhagem de nova moeda de prata portuguesa, da
lntrodu9~o de moeda metropolitana e de uma nova regula9~o do
va-lor da moeda estrangeira que, por conveniencia, fos3e mantida em
circula9~0 35 • Na sequ®ncia deste decreta, o procedimenlo adoptado
33. "Decreta [de 1 de .Julho de 1886], fazendo cessa.r em Cabo Ver·de o curso legal das moedas de prata estrangeiras, exceptuando as esp~cies de prata autor.,izadas para o reino por lei de 29 de .Julho de 1854". C.L.N.U., vol. XIV,
1890, p.97.
34. Proposta de remodela9ao do sistema monetario das coHn1ias pelo Secretar io de Estado Jacinto Candido da SILVA, de 22 de Dezemhro de 1895. C.L.N.U., voJ..
XXIII, 1901, p.401.
35. "Decreta autorizando o governo a r~mod.elar o regime rnonetario e ficlucL~rio
para Cabo Verde foi aplicado, em 1896, as col6nias de Mo9ambique, Angola e Guine. Mas a unifica9ao s6 ficaria concluida no come9o do seculo XX.
1.3. A cria~ao do Banco Nacional Ultramarine
0 Banco Nacional Ultramarine (BNU) foi criado por autoriza-concedida atraves da carta de lei de 16 de Maio de 1864. Esta foi o resultado da discussao e aprova~ao parlamentar de urn projecto de lei subscrito pelo Ministro da Marinha e Ultra-mar Jose Mendes LEAL e pelo Ministro das Obras Publicas, Comercio e Industria Joao CRISOSTOMO, projecto elaborado no seguimento do plano de cria~ao de um banco colonial pelos irmaos Francisco e Fortunato CHAMIC036
•
I
A cria~ao do BNU aconteceu num memento de grande euforia
bancAria em Portugal, memento em que era voz corrente que as ac-tividades bancarias davam bons Jucros 37
• De facto, ap6s a carta
de lei de 16 de Abril de 1850 que autorizava a cria~ao de novos sucederam-se, no Porto, o Banco Mercantil Portuense
~
36. Sobre os irmaos CHAMICO ver, por exemplo, PAIXAO 1964 e TORRES 1981.
I
~
37. PAIXAO 1964, I vol., p.27.
(1856), o Banco Uniao (1861) e o Banco Alian9a (1863); em Braga,
o Banco do Minho (1864); e, em Lisboa, o BNU eo Banco Lusitano,
ambos em 1864. Esta euforia acentuou-se de tal maneira que, em
1876, existiam em Portugal 51 institui9oes bancArias, tanto
ban-cos como sociedades anonimas que se dedicavam
a
prAtica deopera-9bes bancArias. A novidade do Banco Ultramarine era o interesse
pelo exclusive da actividade bancAria nas col6nias, a par com a
sua condi9ao de banco comercial na metr6pole, o que parecia
cons-tituir urn forte atractivo para a coloca9ao de capitais e uma arma
importante na luta pelos mercados coloniais. Dai a sua funda9ao
em estreita liga9ao com a burguesia mercantil de Lisboa.
A cria9ao do BNU aconteceu, em segundo lugar, no momenta em
que se procurava fomentar as rela9oes com as co16nias de Africa,
comprometidos que estavam os la9os que, ate entao, as unia com o
Brasil. As consequ~ncias do fim do trAfico de escravos tinham
si-do desastrosas para as sociedades coloniais, sobretusi-do em Angola,
que praticamente se descapitalizara com a saida dos capitais
acu-mulados pelos grandes traficantes brasileiros e onde, afirma
Va-lentim ALEXANDRE,
a crise tendia a generalizar-se, ate porque, na prati-ca, os traficantes eram os banqueiros locais, correndo como moeda as Jetras por eles sacadas em pagamentos dos direitos de Alf~ndega- letras que agora nao tinham
va-Jores a garanti-los e eram recusadas nos pagamentos en-tre particulares39 •
A funda9ao do banco colonial integra-se, portanto, no conjunto de
medidas de politica colonial tomadas na epoca, que procuravam
Banco de Portugal. A partir da decada de 1850 foram sendo criados vAries ban-cos, de tal modo que o pais passou de 5 institui9oes em 1858 para 51 bancos em 1876. Gf., por exemplo, MAURO 1960, PEREIRA 1969.
controlar a transi9ao do comercio de escravos para o com~rcio IT-cito e desenvolver as rela9oes com a metr6pole.
0 BNU
constituiu a primeira tentativa de penetra9ao do capital financeirometropo-litano, a quem foram concedidos importantes privilegios como
ve-remos mais
a
frente.A cria9ao do
BNU
aconteceu, em terceiro lugar, numa epocaainda marcada pela diversidade de moedas em circula9ao nas
col6-nias. As tentativas que se vinham fazendo para a uniformiza9ao da
moeda nas col6nias e destas com o Reina, poderiam ganhar urn novo
impulse com a cria9ao de urn banco colonial, tal era a ideia dos
mentores e dos legisladores do projecto, como se demonstrou
du-rante o debate parlamentar da lei que visava a cria9ao do
BNU.
0
Ministro Mendes LEAL, par exemplo, reconheceu a exist@ncia de
considera9oes locais, e especiais circunst~ncias, que se noo podem p8r de parte em alguns pontos, usos
pecu-1 iares aos povos, tradi9oes e necessidades criadas, que tornam a unitica9ao da moeda no Ultramar um empreendi-mento mais diffcil que b primeira vista parece. ( ... )
[Ma~ a cria9ao do banco deve porem concorrer de modo
mais eticaz, como e evidente, como se deduz da sua pro-pria natureza, para resolver a questoo, sobretudo nos centros comerciais48
•
Par outro lade; Pinto de MAGALHAES, membra da Comissao de Fazenda
do Parlamento, afirmou durante o debate que as opera9oes do banco
seriam feitas em "moeda forte" e que a cria9ao do
BNU
poderia serUm meio muito eficaz para estabelecer como padrao aque-la moeda (moeda do Reina] nas Prov(ncias ultramarinas onde ainda ha moeda traca, entendendo-se o Governo com
40. Sessao de 28 de Abril de 1864 da Camara dos Deputados. Transcrito no
o banco, a fim de que toda a moeda se)a reduzida ao
mesmo padrbo 4 1 •
Ao BNU seria concedido, para tal efeito, um dos mais importantes
dos seus privil~gios, o da emissao de notas at~ ao triplo do
ca-pital em caixa. E esse privil~gio estendia-se a todas as colOnias
de Africa, al~m das da India.
A cria~~o do BNU aconteceu, finalmente, na sequencia da
fun-da9~0 dos primeiros bancos coloniais franceses (1851-1854), em
cuja organiza~ao muito se apoiou. Foi o seu fundador e primeiro governador Francisco CHAMI~O quem o reconheceu, quando falava da
Norma que a cria9bo dos bancos co/onrais franceses
na-tura/mente indicava aoestudo de quem tivesse de
brga-nizar a insti tui96o portuguesa, pela maior analogia que
as circunstDncias da sociedade constitulda em algumas
colbnias francesas, eo clima de muitas de/as, t@m com
as circunstbncias das Possess6es portuguesas na
Afri-Ainda que os objectives da sua cria9ao e os principios da sua
or-ganiza9ao fossem identicos, no entanto, o BNU diferenciava-se
da-queles bancos em aspectos importantes: era um banco privado a
quem o Estado concedera privil~gios colonials; tinha a sede e
di-rec9ao em Lisboa e o seu raio de ac9ao estendia-se a todas as
co-lOnias portuguesas, excepto Macau; enquanto que os primeiros
ban-cos colonials franceses foram criados directamente pelo Estado,
com base numa percentagem das indemniza9bes devidas aos
proprie-41. Sessao de 30 de Abril de 1864 da Camara dos Deputados. Diorio de Lisboa (Parte nao oficial) de 3 de Maio, p.1373.
ta6rios das planta9oes pela aboli9ao da escravatura, e tinham as
suas sedes nas capitais das col6nias onde lhes fora concedido o
privil~gio de actua9ao 43 •
Enquanto banco colonial, o BNU foi apresentado e defendido
como urn instrumento indispensAvel para a mobiliza9ao dos capitais
para a coloniza9ao, capaz de resolver os problemas de cr~dito com
que se debatiam os agricultores e comerciantes sujeitos ao
"mono-p6lio da usura", de impulsionar o desenvolvimento das col6nias e
de constituir o suporte necessAria
a
unifica9ao da moeda. 0 ob-jectivo era o de construir urn banco polivalente, a quem seriamatribuidas todas as opera~oes pr6prias dos bancos de circulaqao, bem como as de credito mobiliario e as de credito predial e agrl-cola44, tal como era prAtica nos bancos coloniais jA em funciona-mento.
Assim, a carta de lei de 1864 concedeu ao BNU a faculdade de
emitir notas ao portador, em todas as col6nias excepto Macau, e
os seguintes privil~gios pelo prazo de quinze anos: o exclusive
da funda9ao e administra9ao de institui9oes bancArias, tambem em
todas as col6nias excepto Macau; uma subven9ao anual de 30 cantos
,
de reis para o estabelecimento em Africa; a isen9ao de
contribui-9oes e impastos de qualquer natureza; a isen9ao para os seus
fun-cionarios nas col6nias de quaisquer fun9oes publicas ou
munici-pais (artigos 3~ e 5~). Em contrapartida, o banco obrigava-se a:
constituir um capital inicial de 4000 cantos de r~is e, na
sueur-sal de Luanda, um capital efectivo nunca inferior a 400 cantos de
reis; estabelecer a sucursal de Luanda e a ag~ncia de Cabo Verde
no prazo de um ano e as outras ag~ncias no prazo de tr~s anos;
43. Sabre o BNU ver a lei de 16 de Maio de 1864. Reproduzido em BNU 1964, I vol., pp.7-9. Em rela9ao aos primeiros bancos coloniais franceses ver, por ex-emplo, BELLE 1895, DENIZET 1899, LEDUC 1965.
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· -- - ·limitar as taxas de jura at~ 8% nas opera9oes de cr~dito predial
e 12% nas outras.
A funda9ao do Banco Nacional Ultramarine suscitou acesa
po-l~mica na imprensa, sobretudo no Jornal do Com~rcio, al~m de uma
representa90:o ao Parlamento dirigida por "negociantes" ligados ao
com~rcio com as col6nias. Come9ou-se por discutir a cria9ao do
Banco sem recurso a concurso publico, mas a rapidez com que
de-correu todo o processo•~ logo centrou a pol~mica em torno dos
privil~gios concedidos.
Repudiava~se a situa9ao de monop6lio que o exclusive da
ac-tividade bancAria pelo BNU iria criar, tanto mais que se sabia
que ja outros bancos tinham manifestado a possibilidade de
esten-der as suas actividades as col6nias, e questionava-se da eficAcia
do monop6lio no desenvolvimento colonial. Rodrigues de Freitas ,
JUNIOR escrevia no, Jornal do Com~rcio, que
0 exc/usivo ~a fa/ta de incentivo da concorr~ncia; ~a
peia posta ao desenvolvimento colonial; ~. numa pala-vra, exactamente o contrario do que se desejava, isto ~
a aplicaqao do credito as nossas possessoes46 •
Discordava-se da elevada taxa de jura que se permitia ao Banco e,
particularmente, do grande diferencial que representava em
rela-9ao aos
5%
estipulados para o Banco de Portugal. E temiam-se asconsequ~ncias de nao se obrigar o BNU a constituir reservas
metA-45. 0 projecto de lei foi apresentado na sessao da Camara dos Deputados de 7 de Abril de 1864. Os pareceres das Comissoes da Fazenda e do Ultramar sao,
re~pectivamente, de 19 e de 22 de Abril; a discussao parlamentar decorreu
entre 28 de Abril e 2 de Maio e a aprova9ao da Camara dos Pares foi em 9 e 10
de Maio. A lei foi promulgada a 16 de Maio.
"'
licas, em cada uma das col6nias, de modo a garantir localmente a
convertibilidade das notas emitidas, como o exprime, por exemplo,
Jos~
Barbosa LEAO:Mas,
ora uma tal omissao nao pode admitir-se. o Banco devera ter forqosamente em cada co/6nia uma reserva metalica de um terqo, pelo menos, das notas que tlver em
circu-laqao. De outro modo, al~m de se /he concederem os pri-vilegios e favores que a( se /he concedem, que sao imensos e alguns onerosos e pre}udiciais, concedem-se--lhe estes, sem que ele faqa o menor desembolso. ( ... )
Para as co/6nias nao manda um pataco em metal; manda unicamente o dinheiro em papel que se /he permite que fabrique aos centos de contos, para Ia negociar sem
concorr~ncia e elevados Juros 47 •
sobretudo, nao se aceitava a concessao simultanea dos
privil~gios com a subven9ao anual,
autor:
como questionava ainda aquele
o Juro era muito remunerador; os capitals ficavam
segu-ros com os privil~gios; como
e
que isto se nao Julgasuficiente? Como
e
que a par com os privil~gios, como exc/usivo e com tao e/evado )uro, se ju/gou dever ainda dar um subsfdio anual de 30:000$000 r~is? Nao seria ra-cional dizer: Ou o exc/usivo e os privil~gios, ou o subs(dio?48 •Rodrigues de Freitas JUNIOR escrevia, no mesmo jornal, que a
questao principal era o inconveniente sistema de exclusive com subven9ao adoptado pelo Parlamento e que tudo o resto era pur
a-47. Jornal do Com~rcio de 11 de Maio de 1864. Idem, p.82.