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E-BOMB NA DEFESA NUCLEAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO EM CENÁRIOS DE GUERRA

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Academic year: 2021

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E-BOMB NA DEFESA NUCLEAR DO EXÉRCITO BRASILEIRO EM CENÁRIOS DE GUERRA: UMA ANÁLISE SOBRE A RELAÇÃO CIÊNCIA, TECNOLOGIA E PODER NOS

SÉCULOS XX E XXI

Fernanda das Graças Corrêa* RESUMO

Tem-se por objetivo neste estudo, a partir da análise política internacional, promover e ampliar a discussão sobre o desenvolvimento de bombas de pulso eletromagnético (E-bombs), uma arma convencional dissuasória, que possa ser empregada na defesa nuclear do Exército Brasileiro a fim de oferecer às esferas políticas, diplomáticas e militares brasileiras novos argumentos sólidos para maior projeção do Brasil nos fóruns decisórios globais. Durante a Guerra Fria (1945-1989), a dissuasão nuclear foi responsável pelo equilíbrio de poder no sistema internacional. Além dos cinco países membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, outros países conseguiram desenvolver bombas atômicas no século XX. No entanto, a detenção destas bombas não realocou estes países nos centros decisórios globais. No século XXI, a relação entre ciência, tecnologia e poder tem-se estabelecido sob novos parâmetros, nos quais a qualidade dos sistemas de armas se tornou prioritária em relação à quantidade, e a superioridade militar tem residido cada vez mais na supremacia científica, tecnológica e inovadora dos países. Neste estudo, embora reconheça que a tecnologia não determina a vitória na guerra, acredita-se que os países que assegurarem a capacidade de desenvolver e promover inovações em tecnologias de armamentos terão maiores êxitos no curso das guerras, terão maior participação nos processos decisórios globais e na reestruturação política do sistema internacional. As E-bombs, neste novo cenário de novas ameaças globais, em que há a interdependência em sistemas elétricos e eletrônicos, asseguram maiores êxitos na guerra à medida que seu emprego destrói os circuitos elétricos e eletrônicos, inclusive, de bombas nucleares, remetendo o agressor a era pré-industrial.

Palavras-chave: E-bomb. Defesa Nuclear. Exército Brasileiro.

E-BOMB IN THE BRAZILIAN ARMY’S NUCLEAR DEFENSE IN SCENARIOS OF WAR: AN ANALYSIS OF THE RELATION SCIENCE, TECHNOLOGY AND POWER

IN THE 20TH AND 21ST CENTURIES ABSTRACT

The purpose of this project is to promote and expand the discussion on the development of electromagnetic pulse bombs (E-bombs), a conventional deterrent weapon, that can be used in the Brazilian Army’s nuclear defense in order to offer

____________________

* Doutora em Ciência Política na Área de concentração Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense, assessora na Assessoria de Planejamento Estratégico da estatal Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A., atualmente, cedida como Adjunta da Divisão de Assuntos de Geopolítica e Relações Internacionais da Escola Superior de Guerra. Contato: fernanda.das. gracas@hotmail.com.

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the spheres political, diplomatic, and military issues new solid arguments for Brazil’s greater projection in global decision-making forums. During the Cold War (1945-1989), nuclear deterrence was responsible for the balance of power in the international system. In addition to the five permanent members of the UN Security Council, other countries were able to develop atomic bombs in the 20th century. However, the detention of these bombs has not reallocated these countries to global decision-making centers. In the twenty-first century, the relationship between science, technology and power has been established under new parameters, in which the quality of weapons systems has become a priority in terms of quantity and military superiority, has increasingly resided in the scientific and technological supremacy of the countries. In this research proposal, while acknowledging that technology does not determine victory in war, it is believed that countries that have the capacity to develop and promote innovations in weapons technologies will have greater successes in the course of wars, will have greater participation in decision-making processes globalization and the political restructuring of the international system. E-bombs, in this new scenario of new global threats, in which there is interdependence in electrical and electronic systems, ensure greater successes in the war as its use destroys electrical and electronic circuits, including nuclear bombs, aggressor the pre-industrial era.

Key words: E-bomb, Nuclear Defense, Brazilian Army.

E-BOMB EN LA DEFENSA NUCLEAR DEL EJÉRCITO BRASILEÑO EN ESCENARIOS DE GUERRA: UN ANÁLISIS SOBRE LA RELACIÓN CIENCIA, TECNOLOGÍA Y PODER

EN LOS SIGLOS XX Y XXI RESUMEN

En este estudio, a partir del análisis político internacional, se pretende promover y ampliar la discusión sobre el desarrollo de bombas de pulso electromagnético (E-bombs), un arma convencional disuasoria, que pueda ser empleada en la defensa nuclear del Ejército Brasileño con el fin de ofrecer a las esferas políticas, diplomáticas y militares brasileñas nuevos argumentos sólidos para una mayor proyección de Brasil en los foros decisorios globales. Durante la Guerra Fría (1945-1989), la disuasión nuclear fue responsable del equilibrio de poder en el sistema internacional. Además de los cinco países miembros permanentes del Consejo de Seguridad de la ONU, otros países lograron desarrollar bombas atómicas en el siglo XX. Sin embargo, la detención de estas bombas no reubicó a estos países en los centros decisorios globales. En el siglo XXI, la relación entre ciencia, tecnología y poder se ha establecido bajo nuevos parámetros, en los que la calidad de los sistemas de armas se ha vuelto prioritaria en relación a la cantidad y la superioridad militar ha residido cada vez más en la supremacía científica, tecnológica e innovadora de los países. En este estudio, aunque reconoce que la tecnología no determina la victoria en la

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guerra, se cree que los países que aseguren la capacidad de desarrollar y promover innovaciones en tecnologías de armamento tendrán mayores éxitos en el curso de las guerras, tendrán mayor participación en los procesos decisorios globales y en la reestructuración política del sistema internacional. Las E-bombas, en este nuevo escenario de nuevas amenazas globales, en las que hay la interdependencia en sistemas eléctricos y electrónicos, aseguran mayores éxitos en la guerra a medida que su empleo destruye los circuitos eléctricos y electrónicos, inclusive, de bombas nucleares, remitiendo al agresor la era preindustrial.

Palabras clave: E-bomb. Defensa Nuclear. Ejército Brasileño. 1 INTRODUÇÃO

Desde a década de 1960, quando se realizavam testes nucleares em áreas desertas, as autoridades militares e científicas dos Estados Unidos acompanhavam com atenção as pesquisas com Pulso Eletromagnético (PEM). Em julho de 1962, as então Agência de Apoio de Defesa Atômica (DASA) e a Comissão de Energia Atômica (AEC) realizaram a Operação Starfish-Prime. Nesta operação, uma bomba atômica foi detonada a uma altitude 400 km sobre as Ilhas Johnston, no Oceano Pacífico. Nesta operação, os testes eram realizados na termosfera que se estende desde os 80 km até os 700 km acima da superfície terrestre. Segundo o físico Ângelo Antônio Leithold:

[...] foram observados sinais eletromagnéticos muito fortes durante a explosão atômica, ocorreram perturbações do campo magnético da Terra significantes, as correntes de terra induzidas na superfície se fizeram sentir em todo Planeta. O pulso eletromagnético ficou reverberando por um bom tempo. As induções eletromagnéticas nas rochas ígneas da Terra reverberam também no seu núcleo (LEITHOLD, 1998, p. 1-2).

Da mesma forma que a explosão da bomba atômica gerou sinais eletromagnéticos na superfície terrestre, o mesmo processo ocorre com as explosões solares. O primeiro fenômeno provocado pelas explosões solares é o aumento da radiação solar na termosfera. Nesta camada, há grande quantidade de íons, os quais são gerados por esta radiação. Sendo assim, o comportamento desta camada atmosférica é extremamente influenciado pelo comportamento da atividade solar. Graças a este aumento de radiação, em poucos minutos, há uma ampliação significativa da quantidade de íons, os quais alteram a propagação de ondas eletromagnéticas dependendo do tipo de frequência.

Outros testes foram realizados pelos EUA nestas Ilhas, mas falharam por problemas no sistema de direção e na ignição das bombas. As Ilhas Johnston foram contaminadas pelas diversas operações que ali foram realizadas neste ano, em especial, por plutônio. Leithold complementa que:

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[...] a aproximadamente 1.500 quilômetros de distância do epicentro da explosão, sobre o Havaí, o pulso eletromagnético (EMP) criado danificou trezentos postes de iluminação pública. A emissora local de televisão e várias emissoras de rádio foram literalmente queimadas. Alarmes contra assaltos em diversas localidades foram destruídos ou dispararam. Os fios de alta tensão das distribuidoras de energia elétrica das cidades próximas à região da explosão se fundiram. Também diversos transformadores de alta potência foram danificados. Os sistemas de controle de tráfego (sinaleiros, etc) pararam de funcionar ou foram destruídos. (LEITHOLD, 1998, p. 2).

O Pulso Eletro Magnético (PEM), gerado a partir da Starfish-Prime durante anos, viajou por todo o planeta e pelo espaço interplanetário. Episódio semelhante ocorreu com a União Soviética também no ano de 1962, durante a Operação K, quando uma bomba de 300 kt foi detonada nas proximidades da cidade de Dzhezkazgan, no Cazaquistão, a 290 km de altitude. O PEM gerado fundiu 570 km de linha telefônica e destruiu mil km de cabos de energia de potência enterrados entre as cidades cazaques de Aqmola e Almaty:

O poder destrutivo de um pulso eletromagnético supera em muito o de uma bomba atômica, já que enquanto a bomba atômica destrói uma cidade, o pulso eletromagnético derivado da explosão da bomba pode destruir todo o equipamento eletrônico de todo um país. Precisa apenas que a explosão ocorra a uma certa altura. (MENDIETA, 2009, p. 4-5).10

Como veremos mais abaixo, as bombas nucleares que contêm urânio puro e urânio enriquecido em seus núcleos são desenvolvidas por meio de fissão nuclear. É a instabilidade dos átomos no interior do núcleo que provoca a fissão, devido a esta instabilidade e enorme pressão dentro do núcleo que ocorrem as explosões. Embora as bombas nucleares sejam instáveis, não há maiores riscos de transportá-las até o espaço em altas velocidades.11 Os principais problemas, que surgiram das

operações no espaço, no contexto da Guerra Fria, estão relacionados à provocação de interferências, de danos e desativação de satélites inimigos. Em virtude das

10 Versão original: “el poder destructor de un pulso electromagnético sobrepasa em mucho el de uma bomba atómica, ya que mientras la bomba atómica destruye una ciudad, el pulso electromagnetico derivado en la explosión de la bomba puede destruir todos los equipos eletrónicos de un país entero. Solo necesita que la explosión ocurra a una determinada altura.”

11 Em relação a altitude do pulso eletromagnético gerado a partir de explosões nucleares, altitudes até 100 metros acima do solo, o pulso gerado não é de grande intensidade. Se a explosão nuclear ocorrer em altitude maior do que 100 metros acima do solo, a intensidade do pulso serão muito maiores.

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dificuldades em identificar seus próprios satélites, havia o risco significativo de os dois países causarem danos a si mesmo. Outro problema apontado foi a possibilidade da expansão da radioatividade causada pelas explosões nucleares permanecer sobre a atmosfera terra terrestre provocando a morte de astronautas, panes em satélites e estações espaciais e prejuízos graves às missões espaciais no espaço. Em consequência da ausência de oxigênio para ser queimado e de calor liberado, não há explosões nucleares semelhantes as que ocorreram na superfície terrestre. Contudo, a radiação provocada pela detonação de bombas nucleares não precisa de matéria para se propagar. Mesmo ocorrendo tal detonação, o único limite para a propagação da radiação é seu raio de ação. Neste sentido, a radiação propagada permanece muito mais tempo no espaço do que a propagada sobre a superfície terrestre. A partir destas experiências malsucedidas, em agosto de 1963, EUA e a URSS criaram o Tratado de Interdição Parcial de Testes, proibindo testes de armas nucleares na atmosfera, no espaço exterior e sob as águas, exceto subterrâneos.

No livro intitulado High Power Microwave Systems and Effects, Taylor e Giri, citam outro exemplo de efeitos provocados por PEM:

Um trágico exemplo dos efeitos sobre a eletrônica da iluminação de microondas de alta potência (HPM) ocorreu no porta-aviões Forrestal em 29 de julho de 1967. Naquela época, o Forrestal estava cruzando a costa do Vietnã do Norte. Os jatos A-4 Skyhawk voaram mais de 700 saídas. Um número de A-4 estava no convés, totalmente abastecido e carregado com bombas de 1000-lb, mísseis ar-terra e mísseis ar-ar. Um dos cabos de mísseis aparentemente tinha um conector blindado montado incorretamente. Quando foi iluminado por um radar de bordo, as tensões de RF foram desenvolvidas no conector degradado, o que resultou em um míssil sendo disparado pelo convés e atingindo outra aeronave. Explosões secundárias de aeronaves, bombas e mísseis causaram 72 milhões de dólares de danos, com 134 homens perdidos ou desaparecidos. (TAYLOR; GIRI, 1996 apud ERTEKIN 2008, p. 6).12

Em março de 1983, o presidente Ronald Reagan (1981–1985/ 1985-1989) anunciou que os EUA haviam criado um programa de pesquisa científica para desenvolver um sistema defensivo contra mísseis balísticos intercontinentais

12 Versão original: “A tragic example of the effects on electronics from high power microwave (HPM) illumination occurred on the U.S. aircraft carrier Forrestal on July 29, 1967. At that time, the Forrestal was cruising off the coast of North Vietnam. It’s A-4 Skyhawk jets had flown more than 700 sorties. A number of A-4’s were on the deck, fully fueled and loaded with 1000-lb bombs, air-to-ground missiles, and air-to-air missiles. One of the missile cables apparently had an improperly, mounted shielded connector. When it was illuminated by a shipboard radar, RF voltages were developed in the degraded connector which resulted in a missile being fired across the deck and striking another aircraft. Secondary explosions of aircraft, bombs, and missiles did $72 million of damage, with 134 men lost or missing.”

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denominado oficialmente como Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE). De acordo com Carlos Eduardo Riberi Lobo e Ana Claudia Salgado Cortez:

[...] a lógica era que os Estados Unidos da América - EUA não alcançariam a produção em massa de equipamentos militares convencionais da URSS, como tanques, aeronaves e mísseis. Portanto deveriam investir no desenvolvimento de equipamentos militares de alta tecnologia, compensando qualidade versus quantidade. (LOBO; CORTEZ, 2015, p. 40).

Por meio deste programa, Reagan buscava anular a vantagem soviética na área missilística, instalando um sistema de defesa na órbita da Terra em conjugação com um sofisticado sistema de detecção e rastreamento de mísseis. As armas que os EUA pretendiam instalar no espaço eram sistemas de armas de laser, sistemas de feixes de partículas carregadas e neutras, mísseis antifoguetes, veículos não explosivos de aproximação e canhões eletromagnéticos de alta velocidade. De acordo com o físico Juan Manuel Figueroa Estrada:

[...] os canhões eletromagnéticos são armas da chamada “energia cinética” que, por meio da força de Lorentz, criada pela interação de uma corrente elétrica com um campo magnético, é capaz de acelerar projéteis convencionais, isto é, balas de canhão, a velocidades da ordem de 25 m / sg. (90.000 km / h) e poderiam ser instalados em satélites, que orbitando ao redor da Terra, tinham o objetivo de direcionar suas munições contra foguetes balísticos intercontinentais em qualquer de seus estágios de vôo. O programa de pesquisa para este tipo de armas recebeu do Congresso dos EUA, 256 milhões de dólares para o ano em curso e, para 1986, há um pedido de 860 milhões de dólares. (ESTRADA, 1983, p. 61).13

Os tratados de redução de armamentos que se seguiram a partir da década de 1980 entre EUA e União URSS contribuíram com o fim do programa. Contudo, é importante salientar o transbordamento gerado na área de telecomunicações via satélite e o alcance global nas comunicações via celular e Internet, o qual teve considerável contribuição do IDE.

13 Versão original: “los cañones electromagnéticos, son armas de las llamadas de “energia cinética” que por medio de la fuerza de Lorentz, creada por la interacción de una corriente elétrica com un campo magnético, es capaz de acelerar proyectiles convencionales, es decir, balas de cañon, a velocidades del orden de los 25 m/sg. (90,000 km/hr) y podrían ser instalados em satélites, que orbitando alrededor de la Tierra, tuvieran el proposito de dirigir sus municiones en contra de cohetes balísticos intercontinentales en cualquiera de sus etapas de vuelo. El programa de investigación para este tipo de armas recibió de parte del Congreso de los EEUU, 256 millones de dólares para el presente año y, para 1986, hay uma solicitude por 860 millones de dólares.”

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No final da década de 1990, Bombas de Pulso Eletromagnético (E-bomb) voltaram a estar no cerne das discussões políticas do Congresso dos EUA. O presidente da Subcomissão de Pesquisa e Desenvolvimento Militar dos EUA, o deputado Curt Weldon, convocou uma reunião com cientistas, acadêmicos e membros da comunidade de inteligência para discutir a ameaça de E-bomb aos sistemas militares e infraestruturas estadunidenses. (CASTI, 2012, p. 126). Após esta reunião, o Congresso solicitou à um comitê de alto nível uma maior investigação sobre esta ameaça, a qual resultou no trabalho Report of the Commission to Assess

the Threat to the United States from Electromagnetic Pulse (EMP) Attack, publicado

em 2004. Conforme o relatório:

[…] ao fazê-lo, o DHS deve trabalhar em conjunto com as outras instituições governamentais estabelecidas e com especialistas do setor privado para cumprir mais eficientemente essa missão. É importante que as métricas para avaliar melhorias na prevenção, proteção e recuperação sejam postas em prática e, em seguida, avaliadas, e que o progresso seja relatado regularmente. O DHS deve delinear clara e rapidamente suas responsabilidades e ações em relação a outras instituições governamentais e ao setor privado, a fim de prestar contas claras e evitar confusão e duplicação de esforços. (ESTADOS UNIDOS, 2004, p. 10, tradução nossa).14

Neste relatório, as vulnerabilidades dos sistemas de defesa e infraestrutura são identificadas, órgãos ministeriais do governo estadunidense, como o Departamento de Segurança Interna (DHS), são especificamente destinados para garantir a aplicação de recursos para proteger e recuperar o país do impacto de ameaças mais graves. Recomendações específicas são realizadas detalhadamente para reduzir os riscos e danos de um ataque de PEM neste relatório.

Experimentos eletromagnéticos ocorreram em guerras recentes. De acordo com Rodrigo Desiderio Rodriguez Angulo:

[...] o Blu-114 / b, a bomba “blackout”, de grafite, que ataca a infraestrutura da corrente elétrica. Usado contra a Sérvia em 2 e 7 de maio de 1999 e contra o Iraque. Ao detonar no alvo, ele dispersa um enorme número de finos filamentos de 14 Versão original: “in doing so, DHS must work in conjunction with the other established

governmental institutions and with experts in the private sector to most efficiently accomplish this mission. It is important that metrics for assessing improvements in prevention, protection, and recovery be put in place and then evaluated and that progress be reported regularly. DHS must clearly and expeditiously delineate its responsibility and actions in relation to other governmental institutions and the private sector, in order to provide clear accountability and avoid confusion and duplication of effort.”

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carbono de apenas centésimos de polegada de espessura que flutuam como nuvens densas no ar causando curto-circuitos em transformadores e outros equipamentos de alta tensão, paralisando as transmissões de rádio e televisão etc. (ANGULO, 2009, p. 6).15

Durante a primeira guerra do Golfo, entre 1990 e 1991, a BLU-114/B neutralizou cerca de 85% das instalações de fornecimento de energia elétrica. Na extinta Iugoslávia, esta bomba de grafite também foi amplamente utilizada pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e incapacitou em mais de 70% a rede nacional de fornecimento de eletricidade. De acordo com Grigore Eduard Jeler e Daniel Roman, “na fase final desta intervenção, as forças aéreas da OTAN usaram principalmente vetores de transporte padrão (por exemplo, bombas, mísseis etc.) para transportar e detonar as munições na área de interesse da bomba de grafite.” (JELER; ROMAN 2016, p. 14).16 Estes autores complementam que esta mesma

bomba foi lançada em uma estação transformadora de potência, em Nassíria, no Iraque, em março de 2003, pela Força Aérea dos EUA, cortando os sistemas de abastecimento inimigo e provocando a escassez de energia na cidade por 30 dias. (JELER; ROMAN 2016, p. 13).

Conforme analisado, EUA e URRS iniciaram programas militares que envolvem PEM e, ainda hoje, o emprego e os testes de E-bomb sãos realizados por estes países. Em março de 2017, o jornal russo Sputnik publicou uma matéria em que afirma que a Marinha dos EUA está realizando testes com projéteis de pulso eletromagnético propulsados com eletricidade superfície-superfície a partir de navios. A eletricidade é enviada para o canhão elétrico, criando força eletromagnética acelerando o projétil até a velocidade Mach 6. O Departamento de Ciência e Tecnologia da Marinha dos EUA fundou o Protótipo Naval Inovador (INP, sigla em inglês) para construir o canhão elétrico. O canhão eletromagnético INP foi iniciado em 2005 com apoio da empresa britânica BAE Systems. De acordo com o Office of Naval Research (ONR), a velocidade e o alcance do navio acabam transformando-o em multipropósito a medida que os militares a bordo podem prestar apoio logístico com precisão superfície-superfície, ataques em terra, defesa naval e dissuasão (ONR). Os testes foram realizados no

Naval Surface Warfare Center Dahlgren Division (NSWCDD), no estado da Virgínia.

Na primeira fase, os desenvolvedores concentraram-se no desenvolvimento

15 Versão original: “la Blu-114/b, la bomba “del apagón”, de grafito, que ataca La infraestructura de la corriente eléctrica. Utilizada contra Serbia el 2 y 7 de mayo de 1999 y contra Irak. Al detonar sobre El blanco dispersa un numero enorme de filamentos finos de carbón de solo centésimas de pulgada de grueso que flotan como nube densa en el aire provocando cortocircuitos em transformadores y otros equipos de alto voltaje paralizando lãs transmisiones radiales y televisivas etc.”

16 Versão original: “in the final phase of this intervention, NATO air forces used mostly standard carrier vectors (e.g., bombs, missiles etc.) to transport and detonation of the munitions in the area of interest of the graphite bomb.”

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da tecnologia de energia pulsada. Já na fase dois, iniciada em 2012, o foco tem sido o sistema de energia pulsada e o sistema de inicialização. Relevante destacar que a empresa estadunidense General Atomics (GA-EMS) também tem investido nesta mesma tecnologia. O canhão eletromagnético da GA, com base na cidade de San

Diego, localizada no sul do estado da Califórnia, também tem sido usado para lançar

projéteis a milhares de quilômetros por hora. Alguns especialistas em Defesa têm argumentado que lasers e canhões eletromagnéticos serão as armas do futuro. Uma das justificativas para o emprego deste tipo de arma a bordo de navios da Marinha estadunidense é que, por esta arma não conter explosivos, não há o risco de que, durante o transporte a bordo, os explosivos não detonem dentro dos navios. Além disso, “a arma eletromagnética destina-se a servir marinheiros em uma ampla gama de missões, incluindo, mas não se limitando a ataques de navio a navio, apoio de fogo, ataques terrestres, defesa naval e “guerra de superfície para deter navios inimigos” (SPUTNIK 2017a, não paginado)17. De acordo com esta mesma matéria,

embora este projeto tenha sido iniciado em 2005, somente recentemente, a Marinha estadunidense realizou o teste denominado “game changer” em mar aberto. Na matéria especula-se que por o logotipo da empresa britânica BAE Systems aparecer no vídeo em que os testes foram revelados, pode haver cooperação em alguma medida com a Marinha Real Britânica.

Em maio de 2017, Henry Cooper, ex-diretor da IDE, em depoimento no Congresso estadunidense afirmou que ataques de PEM por satélite constam nas doutrinas de planejamento militar da Rússia, China, Coreia do Norte e Irã. De acordo com ele, “acredito que tivemos um claro alerta sobre a natureza desta ameaça há anos e continuamos a ignorar e/ou tomar contramedidas ineficazes para lidar com isso (...) nós somos essencialmente indefesos frente a esta ameaça plausível” (SPUTNIK BRASIL, 2017, não paginado).

De acordo com informações da empresa russa Rosoboronexport:

[...] os russos já incorporaram aos seus arsenais, desde o começo da década, sistemas de armas de micro-ondas de alta potência (high power microwave (HPM)), tanto na esfera tática, com o sistema Ranets-e de alcance de até 15 km, quanto na esfera das operações, com o sistema Rosa-e, que tem alcance de até 500 km. Segundo jornalistas especializados na indústria bélica e fontes da própria empresa exportadora, os novos sistemas de armas são capazes de destruir circuitos integrados e chips de radares, mísseis cruzadores ou aeronaves. (ÁVILA; MARTINS; CEPIK, 2009, p. 10).

17 Versão original: “the electromagnetic weapon is intended to serve sailors across a wide range of missions, including but not limited to ship-to-ship strikes, fire support, land strikes, naval vessel defense, and “surface warfare to deter enemy vessels”.

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Em matéria publicada no Sputnik no dia 29 de setembro de 2017, revelou-se que “as exclusivas armas de rádio-eletrônica barevelou-seadas em novos princípios físicos, que foram testadas com sucesso na Rússia no ano passado, usam emissores eletromagnéticos móveis para desativar ogivas de mísseis e eletrônicos a bordo de aviões a muitos quilômetros de distância” (SPUTNIK, 2017b, não paginado)1. A

matéria complementa afirmando que, “as bombas eletromagnéticas desenvolvidas pela Rússia podem ser mais eficazes do que as armas nucleares porque são capazes de neutralizar os exércitos inteiros com apenas um pequeno impulso eletromagnético” (SPUTNIK, 2017b, não paginado)2. A indústria de defesa russa desenvolveu um novo

míssil de pulso eletromagnético denominado Alabuga, que emite uma Frequência Ultra-Alta (UHF, siga em inglês) que destrói todos os eletrônicos inimigos em um raio de ação de 3,5 KM. De acordo com Vladimir Mikheev, consultor sênior da diretoria da estatal russa Radio-Electronic Technologies Concern (KRET), “o efeito de tais armas pode variar de uma interferência comum que elimina temporariamente os sistemas de armas do inimigo, até a completa destruição radioelétrica de elementos eletrônicos, placas-mãe, microchips e sistemas” (SPUTNIK, 2017b, não paginado)3.

Embora o pulso eletromagnético gerado pelo míssil Alabuga seja semelhante à uma explosão nuclear, não há emissão de radiação. A Rússia pretende instalar este míssil em seus drones de combate de sexta geração, haja vista que, se este UHF for instalado nos caças de combate, o pulso emitido pode matar seus pilotos. Além dos EUA, a mídia russa afirma que Israel e China também estão desenvolvendo seus próprios tipos de armas de pulsos eletromagnéticos. Embora o Brasil manifeste o desejo de ser um player global com uma política de defesa condizente com seu

status de potência emergente não existe a discussão sobre E-bomb nem na Grande

Estratégia nem no planejamento militar do Exército Brasileiro (EB).

A problemática desta pesquisa está em analisar como o Brasil, um país de tradição diplomática e pacífica, pode se inserir no Sistema Internacional (SI) como

global player a partir do desenvolvimento de E-bomb.

3 BOMBAS NUCLEARES E E-BOMBS: UM PANORAMA ESTRATÉGICO

As principais bombas nucleares são de fissão, de fusão, de nêutrons e sujas. Devido ao fácil acesso e capacidade de produção, as bombas sujas estão mais

1 Versão original: “the unique radio-electronic weapons based on new physical principles, which were successfully tested in Russia last fall use mobile electromagnetic emitters to disable missile warheads and onboard aircraft electronics many miles away”

2 Versão original: “the electromagnetic bombs developed by Russia can be more effective than nuclear weapons because they are able to neutralize entire armies with just one short electromagnetic impulse”

3 Versão original: “the effect of such weapons may vary from ordinary interference that temporarily knocks out the enemy’s weapons systems, all the way to a complete radio-electronic destruction of electronic elements, motherboards, microchips and systems”.

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relacionadas ao terrorismo internacional do que aos demais tipos de bomba. As demais, além de um alto custo em investimento, requerem recursos logísticos que só Estados ou grandes organizações internacionais são capazes de desenvolver. A

E-bomb pode isolar o inimigo e incapacitar o controle de meios e forças e/ou de se

informar sobre a situação da batalha em curso. Em uma operação de invasão aérea ou por terra, por exemplo, o PEM neutralizaria os abrigos subterrâneos, os quais são praticamente impenetráveis por bombas e mísseis convencionais, permitindo que as forças especiais em terra dominem o local e os inimigos. “É significativo que as plataformas militares modernas sejam densamente carregadas de equipamentos eletrônicos e, a menos que essas plataformas sejam bem endurecidas, um dispositivo PEM pode reduzir substancialmente sua função ou torná-las inutilizáveis” 4 (KOPP,

1997, p. 2) De acordo com Jesús Torquemada:

[...] o princípio científico no qual se baseou foi descoberto em 1923 pelo físico americano Holly Compton e pode ser resumido da seguinte forma: quando os rádios liberados pela explosão, em todos os raios gama, colidem com as moléculas de ar, geram correntes de elétrons que fluem em direção aos sistemas de superfície terrestre em milionésimos de segundo e causam altas tensões em sistemas eletrônicos, cujos componentes podem não ser utilizados. (TORQUEMADA, 1985, p. 63).5

Em um mundo cada vez mais dependente de eletricidade, o PEM destrói os circuitos elétricos que acionam bombas nucleares e toda a rede elétrica que pode ultrapassar o raio de ação das explosões. Uma das vantagens do emprego de

E-bomb na guerra é que, ao invés de só cortar as linhas de comunicação inimiga,

ela também destrói os equipamentos que dependem de eletricidade. Um PEM de corrente grande o bastante pode queimar dispositivos semicondutores, derreter a fiação, fritar baterias e até explodir transformadores e geradores. As E-bombs são compostas por tecnologias como, sistema de guiamento por GPS, bobina do estator, geradores de compressão de fluxo (FCG, sigla em inglês), gerador magneto-hidrodinâmico (MHG, sigla em inglês), fontes de alta potência de microondas, banco de capacitor coaxial etc. A E-bomb neutraliza os sistemas de veículos e transportes, os sistemas de mísseis e bombas nucleares em terra, os sistemas de comunicação, de navegação, de controle e de rastreamento de curto e longo alcance. As bombas

4 Versão original: “It is significant that modern military platforms are densely packed with electronic equipment, and unless these platforms are well hardened, an EMP device can substantially reduce their function or render them unusable”.

5 Versão original: “el principio científico en que se basa fue descubierto en 1923 por el físico americano Holly Compton y puede resumirse así: cuando las radiciones liberadas por la explosión, sobre todos los rayos gamma, chocan con moléculas de aire, generan corrientes de electrones que fluyen hacia la superfície terrestre en los sistemas em millonésimas de segundo y provocan altas tensiones en los sistemas electrónicos, cuyos componentes pueden resultar inutilizados.”

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de pulso eletromagnético podem inutilizar e/ou destruir armas, como: mísseis de guiagem ótica, mísseis anti-radiação, foguetes com guiagem na fase terminal da trajetória, mísseis de cruzeiro, drones, veículos de reentrada atmosférica intercontinental, sistemas de direção de tiro, controle e sistemas de navegação de aviões e bases militares entre outros. Nas palavras de Carl von Clausewitz (1780-1831), “o elemento surpresa na estratégia, por muitas vezes, já pôs fim a toda guerra com um só golpe” (CLAUSEWITZ, 1979, p. 436).

A E-bomb é enquadrada como Arma de Energia Dirigida (AED), ou seja, uma arma que usa a energia, com potência muito mais elevada do que as potências aplicadas em usos domésticos ou industriais, similar a um relâmpago ou explosão nuclear, direcionada para incapacitar, destruir ou deteriorar equipamentos e infraestruturas. Contudo, o alcance do objetivo estratégico da E-bomb pode ser relativizado pelo cálculo das intensidades do pulso eletromagnético obtido em um raio de ação de determinado projeto de dispositivo:

Isso é por boas razões. A primeira é que os tipos de alvo são muito diversos em sua dureza eletromagnética ou capacidade de resistir a danos. O equipamento que foi intencionalmente blindado e endurecido contra-ataque eletromagnético suportará ordens de grandeza maiores do que o equipamento comercial padrão. Além disso, várias implementações do fabricante de tipos similares de equipamento podem variar significativamente em dureza devido às idiossincrasias de projetos elétricos específicos, esquemas de cabeamento e projetos de chassi / blindagem usados6. (KOPP, 1997, p. 5).

Embora seja passível de discussão, a E-bomb, enquanto AED, se difere das Armas de Destruição em Massa (ADM) à medida que, dependendo da emissão de UHF, os efeitos térmicos não produzem aumento da temperatura do corpo humano. De acordo com Leonardo Camargo Ponce de Leon, Yara Maria Botti Mendes de Oliveira e Raquel Cymrot:

[...] os efeitos térmicos surgem diretamente do aquecimento do tecido, como resultado da absorção de campo eletromagnético e, um meio dissipativo. Parte da potência é refletida pela pele, e parte penetra, dissipando-se rapidamente com profundidade. Tal absorção deve-se principalmente ao movimento dos dipolos de água e de íons dissolvidos. (LEON; OLIVEIRA; CYMROT, 2007, p. 2). 6 Tradução livre: “This is for good reasons. The first is that target types are very diverse in their

electromagnetic hardness, or ability to resist damage. Equipment which has been intentionally shielded and hardened against electromagnetic attack will withstand orders of magnitude greater field strengths than standard commercially rated equipment. Moreover, various manufacturer’s implementations of like types of equipment may vary significantly in hardness due the

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De acordo com a Taxa de Absorção Específica (SAR, sigla em inglês), os principais efeitos não térmicos (bioquímicos e eletrofísicos) em pessoas que foram expostas ao nível de micro-ondas superior a dois mw/g são nos sistemas nervoso, cardiovascular e imunológico. Contudo, estes autores destacam não haver nenhuma evidência científica que associe a emissão de alta frequência de microondas ao câncer. Assim sendo, o desenvolvimento de E-bomb, comparada à ADM pode apresentar um melhor custo/benefício na guerra.

Em 2001, o Comando de Operações Especiais dos EUA patrocinou um programa de AED denominado Demonstração de Conceito de Tecnologia Avançada (ACTD, sigla em inglês). Um dos projetos deste programa é o de Micro-ondas de Alta Frequência (HPM, sigla em inglês). Em 2008, este Programa foi transferido para a Força Aérea dos EUA. Segundo o major general David Scott e o coronel David Robie, desde 2001, o programa tem tentado “demonstrar armas HPM capazes de penetrar qualquer sistema militar eletrônico, desativando-o ou causando a sua destruição” (SCOTT; ROBIE, 2009, p. 3). Estes autores já em 2009 alertavam as autoridades estadunidenses sobre a importância do emprego das armas de HPM de modo apropriado o quanto antes. Segundo estes autores militares:

[...] se quisermos usá-lo eficazmente, devemos desenvolver a estrutura inteligente necessária para orientar a arma ao alvo. (...) também é necessário garantir a existência do sistema de entrega adequado no inventário, armas cujo alcance é maior do que o das armas usadas pelo adversário, veículos aéreos não tripulados e outros atuais ou futuros. É importante elaborar a avaliação efetiva de baixas (humanas ou não – BDA) e treinar os comandantes combatentes no uso dessas ferramentas de forma produtiva. Devemos desenvolver essa base agora para garantir a utilização eficaz da tecnologia para a mudança de jogo, amanhã. (SCOTT; ROBIE, 2009, p. 3).

A natureza da guerra e seu caráter destrutivo sempre estiveram condicionados pela tecnologia e pelas respectivas possibilidades operacionais existentes, “as quais resultavam do armamento, do equipamento e dos métodos de guerra e de abastecimento de cada uma das partes em confronto” (BEAUFRE apud MIGUEL, 2009, p. 206). Os países que dominam a capacidade científica e tecnológica na guerra, neste sentido, podem determinar o comportamento dos Estados no SI. O argumento estadunidense de que o Iraque dispunha de ADM, e o ataque preemptivo sofrido em 2003 foi um caso recente emblemático nas relações internacionais. Mesmo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão da ONU, ter alegado não haver provas de que o Iraque detinha ADM não foi suficiente para os EUA se submeter aos organismos multilaterais, o que fragilizou os mecanismos das instituições internacionais na resolução de conflitos.

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Importante considerar que embora os Estados poderosos promovam guerras; o que prevalece em seus discursos é o caráter defensivo mais do que ofensivo. Sob a ótica clausewitzeana, a defesa tem por objetivo conservar, enquanto que o ataque tem por objetivo conquistar. De acordo com Luigi Bonanate, na concepção clausewitziana:

[...] a defensiva é a forma máxima, mais intensa e vantajosa que a guerra pode assumir, curiosamente, parece que ela está relacionada com a dissuasão [...], com a qual de fato compartilha a grande força que se esconde na “espera”, que destaca a vontade de combater e, ao mesmo tempo, a consciência do quanto é nocivo fazê-lo realmente. (BONANATE, 2001, p. 83).

Por a defesa ser mais completa que o ataque, a prevenção também faz parte da defesa. Na teoria grotiusiana (1583-1645), o Direito Internacional estaria associado ao princípio de soberania estatal, ao Estado como ator racional do SI e às motivações justas de uma guerra. Neste sentido, os Estados precisam ter ou criar justificativas para promover guerras. De acordo com Mohamed Elbaradei, ex diretor da AIEA:

[...] tanto Blair quanto Bush deram indicações de que a motivação essencial para ir à guerra era a mudança do regime, independentemente das justificativas que apresentaram. Assim como vários de seus parceiros principais, eles exageraram de modo significativo a iminência da ameaça nuclear de Saddam Hussein, que na verdade não existia. Em setembro de 2003, Dick Cheney deu uma entrevista ao programa Meet the Press, da MSNBC, em que, respondendo a questões contundentes, reconheceu que havia “se expressado com inexatidão” antes da guerra: “jamais tivemos provas de que Saddam Hussein possuía qualquer arma nuclear”. (ELBARADEI, 2011, p. 102).

Ao enquadrar o Iraque no Eixo do Mal, lista criada pela Doutrina Bush que enquadrava alguns países islâmicos como patrocinadores do terrorismo internacional, e alegar a iminência de um ataque nuclear iraquiano, a Guerra ao Terror foi a justificativa dos EUA e aliados para invadir este país. Erica Ramminger promoveu uma discussão interessante distinguindo o ataque preventivo do ataque preemptivo. O ataque preventivo envolve operações militares, alicerçadas em evidências demonstradas por hábil serviço de inteligência, efetuadas para evitar um risco futuro de ameaças hostis, tais como “os riscos de um desequilíbrio de poder inaceitável, uma submissão potencial, ou uma situação de vulnerabilidade crescente, causada, por exemplo, pela possibilidade de transferência de ADM para

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a posse de um grupo terrorista” (RAMMINGER, 2007, p. 5). Já a preempção envolve operações militares com base em evidências da iminência de um ataque. De acordo com esta autora, “uma ameaça imediata seria aquela capaz de se manifestar dentro de dias, semanas, ou dentro de um determinado período em que não restaria tempo algum para que fosse aplicada a diplomacia ou outros recursos que não a força” (RAMMINGER, 2007, p. 2).

A declaração de guerra dos EUA ao Iraque está enquadrada na lógica defensiva e não ofensiva em virtude de os EUA promoverem um ataque preemptivo ao Iraque alegando, com informações supostamente privilegiadas de seus serviços de inteligência, de que o ataque com ADM iraquiano era iminente. De acordo com Elbaradei:

[...] para os linha-dura da administração Bush, a simples ideia de envolvimento com o Irã representava um comprometimento moral. Seu objetivo final era a mudança do regime. Mas, em 2007, a catástrofe da Guerra do Iraque fez um ataque militar contra o Irã não parecer uma opção viável, pelo menos naquele momento. Por isso a administração criou um plano B: uma política de sanções e isolamento destinada a fazer o Irã se dobrar sob pressão, especialmente na questão nuclear. (ELBARADEI, 2011, p. 277).

Os exemplos iraquiano e iraniano demonstram como os Estados poderosos utilizam a ciência e a tecnologia como recurso de poder promovendo guerras para impedir que outros Estados detenham estes recursos. Neste sentido, sob o argumento da lógica defensiva, o objetivo neste projeto é promover e ampliar a discussão em âmbito acadêmico, e como Grande Estratégia sobre a E-bombs pode contribuir com a maior projeção internacional e maior participação do Brasil em processos decisórios globais. Parte-se da hipótese de que o Brasil, ao desenvolver

E-bomb, uma arma dissuasória com tecnologia capaz de neutralizar ADM, tem

plenas condições de ter um maior protagonismo e maior participação nos processos decisórios da política internacional.

3 POLÍTICA INTERNACIONAL E DEFESA NUCLEAR NO EXÉRCITO BRASILEIRO Na ótica clausewitziana, estratégia é o emprego da batalha na guerra, o que liga os combatentes para atingir um fim. De acordo com Clausewitz, “há duas coisas que podem substituir a impossibilidade de resistir e de fornecer motivos para a paz. Em primeiro lugar é a improbabilidade do êxito e, em segundo, o preço excessivo que é necessário pagar” (CLAUSEWITZ, 1979, p. 93). Sendo a guerra dominada por um fim político, o valor deste objetivo é o que determinará os sacrifícios necessários para a realização da guerra. Se a E-bomb provoca danos catastróficos nos sistemas

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elétricos e eletrônicos de quaisquer dispositivos de ADM e na infraestrutura dos agressores pressupõe-se que haja motivos suficientes para não haver mais resistência inimiga e a paz seja alcançada. Embora estejamos em pleno século XXI, a guerra continua sendo uma constante nas relações internacionais e nas sociedades, e os agressores não medem esforços científicos, tecnológicos e inovadores no desenvolvimento de armas para alcançar seus fins políticos.

Em virtude da existência de possíveis ameaças de ADM no panorama mundial de longo prazo, é preciso que o EB esteja atento a estas ameaças à medida que tal força atue no combate e na prevenção de ataques químicos, biológicos, radiológicos e nucleares. Embora o EB tenha criado o 1º Batalhão de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (DQBRN), acredita-se que esta força não disponha de sistemas defensivos para evitar um ataque com bombas nucleares em cenários de guerras no futuro. A proposta deste projeto de desenvolvimento de E-bomb como arma dissuasória se harmoniza com a visão de futuro do Exército até 2022, na qual:

[...] o processo de transformação do Exército chegará a uma nova doutrina – com o emprego de produtos de defesa tecnologicamente avançados, profissionais altamente capacitados e motivados – para que o exército enfrente, com os meios adequados, os desafios do século XXI, respaldando as decisões soberanas do Brasil no cenário internacional. (BRASIL, 2019, não paginado).

A E-bomb é uma arma dissuasória com tecnologia avançada que envolve em seu desenvolvimento profissionais altamente capacitados e motivados que podem contribuir no enfrentamento dos desafios brasileiros no século XXI e no maior protagonismo do País nos processos decisórios do jogo político do SI. Sem interferir nos tratados internacionais assinados pelo Brasil e se enquadrando na lógica defensiva tanto do SI quanto das próprias políticas públicas de defesa nacional, a

E-bomb pode remeter os agressores à era pré-industrial por tempo indeterminado,

obrigando-os a desistir de promover uma guerra contra o Brasil.

Importante ressaltar os perigos que perturbações e interferências eletromagnéticas podem provocar às sociedades em geral. Ressalva-se discriminar a Perturbação Eletromagnética (PE) da Interferência Eletromagnética (EMI). Segundo Muriel Liz, a PE é entendida como um:

[...] fenômeno eletromagnético capaz de degradar o desempenho de um dispositivo, equipamento ou sistema, ou de afetar desfavoravelmente matéria viva ou inerte [...] uma perturbação eletromagnética pode ser um ruído eletromagnético, um sinal não desejado ou uma modificação do próprio meio de propagação. (LIZ, 2003, p. 6).

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Já a EMI é entendida como a “degradação do desempenho de um equipamento, canal de transmissão ou sistema; causada por uma perturbação eletromagnética” (LIZ, 2003, p. 6). De acordo com este engenheiro elétrico:

[...] a EMI pode se propagar de duas maneiras: através de emissões conduzidas e emissões radiadas. As emissões conduzidas se propagam através dos terminais de alimentação da fonte chaveada. As emissões radiadas se propagam através do ar, via ondas eletromagnéticas. (LIZ, 2003, p. 12-13).

Os conversores estáticos de energia processam a energia elétrica e a convertem para a forma de energia requerida por uma carga, cuja classe de combinação mais ampla se constitui dos conversores Corrente Alternada/ Corrente Contínua/ Corrente Contínua (CA/CC/CC). Estas são as fontes chaveadas utilizadas amplamente em controles industriais de processos e presentes, praticamente em todos os equipamentos eletrônicos alimentados pela rede de alimentação CA, desde rádios até grandes computadores. Eventualmente, o Centro de Avaliação do Exército (CAEx) realiza em conjunto com órgãos civis e militares ensaios de interferências eletromagnéticas em veículos militares que se encontram em processo de avaliação de protótipo em suas instalações. Alguns ensaios são realizados em instalações laboratoriais civis, como o Laboratório de Integração e Testes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A EMI pode ser provocada por ameaças hostis, como forças militares inimigas ou terroristas, tornando vulneráveis os sistemas computacionais, eletrônicos, instalações civis e militares. O EB dispõe de organizações militares voltadas para estudar causas e consequências do espectro eletromagnético, tais como: o Comando de Comunicação e Guerra Eletrônica (CCOMGEX), Projeto Estratégico do Exército de Obtenção da Capacidade Operacional Plena (PEE/OCOP), Centro de Avaliações do Exército (CAEx), Instituto Militar de Engenharia (IME), Centro Tecnológico do Exército (CTEx), 1º Batalhão de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear. Cabe sinalizar que os Laboratórios de Medidas Eletromagnéticas (LME) do CTEx são o primeiro da América Latina em processo de acreditação7 pelo Inmetro em ensaios

militares de compatibilidade eletromagnética.

Além das organizações militares, o EB também pode contar com recursos humanos, materiais e tecnologias mobilizáveis por meio do Sistema Nacional de Mobilização (SINAMOB) para tender a demanda das novas formas de guerra do futuro. Exemplos de recursos civis que podem ser mobilizáveis para Defesa

7 A acreditação é o reconhecimento formal, por um organismo de acreditação, de que um laboratório ou organismo de certificação ou inspeção atende a requisitos pré-definidos e comunicando a demonstração formal da sua competência com confiança às partes interessadas, autoridades regulamentadoras, compradores e cidadãos para realizar tarefas específicas de avaliação da conformidade. No Brasil, o organismo de acreditação é o Inmetro.

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Nacional em cenários de guerra são o Instituto Nacional de Comunicações, o Inpe, o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Instituto Cesar), o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM) e as universidades. Nesta pesquisa, foi possível identificar alguns departamentos de engenharia elétrica que também investigam causas e consequências dos fenômenos eletromagnéticos, tais como a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal do ABC, a Universidade de São Paulo, o Centro Universitário de Volta Redonda entre outros.

Existem peças e equipamentos de meios de defesa que são imunes ao PEM. Válvulas eletrônicas, por exemplo, são relativamente imunes as interferências eletromagnéticas. De acordo com Newton Braga, “num equipamento a válvulas, por exemplo, na presença de um pulso de tensão muito elevada, surge simplesmente um arco de curtíssima duração entre os elementos internos das válvulas de entrada, com a absorção da energia sem maiores consequências para o aparelho” (BRAGA, 2001, p. 9). Também existem meios de defesa em que são inseridos chips de categoria militar XXXXXX-M em seus datasheets que prevêem proteção contra PEM, além de outras características, como range de temperatura. No entanto, para que as peças e equipamentos não sejam afetados pelo PEM, todos os seus componentes têm que ser de categoria militar.

Importante sinalizar o interesse do EB em interagir e somar esforços com as outras Forças Armadas. Em outubro de 2014, ocorreu o V Encontro de Guerra Eletrônica de Defesa cujo objetivo era promover a integração entre as Forças Armadas para proteção do país por meio do domínio de tecnologia de comunicação eletromagnética. Conforme elucidou o então chefe de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, almirante Ademir Sobrinho, “militares das três Forças se reúnem para seguir implementando ações estratégicas, ampliando o conhecimento, estreitando laços e fortalecendo a interoperabilidade no âmbito da Defesa nesse esforço de qualificação permanente e continuada” (DEFESANET, 2014, não paginado). Em virtude dos avanços em inovações tecnológicas na área de comunicações, o EB acredita que todos os conflitos se iniciarão perpassando por troca e captação de informações por meio do espectro eletromagnético. De acordo com o então comandante do CCOMGEX, general Carlos Roberto Pinto de Souza, “trata-se de uma atividade contínua e sistemática, feita de forma que você levante informações sobre quais são os sistemas de comunicação que outros países utilizam” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS INDÚSTRIAS DE MATERIAIS DE DEFESA E SEGURANÇA, 2014, não paginado). Daí a relevância de se investir em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) e no desenvolvimento de meios de defesa capaz de garantir a dissuasão contra ameaças estrangeiras. Independente de serem empresas estratégicas de defesa, as indústrias nacionais também são consideradas recursos mobilizáveis para Defesa Nacional em cenários de guerra. Durante este evento, o coronel Francisco Medved, da Subchefia de Inteligência de Defesa do MD, destacou que:

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[...] existem indústrias que estão trabalhando para desenvolver projetos de equipamentos que possuam tecnologia de Guerra Eletrônica. Isso é fundamental porque o país precisa estar apto a produzir equipamentos com tecnologia avançada para proteger as nossas estruturas. (DEFESANET, 2014, não paginado).

A proposta de promover e ampliar a discussão sobre o desenvolvimento e emprego de E-bomb no sistema de defesa nuclear do EB está em plena harmonia com o novo Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação do Exército (SCTIEx). Este novo sistema está voltado para o futuro, no qual, segundo o atual Comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas:

[...] a inovação que se espera obter é aquela que dará vantagem tática, operacional ou estratégica à Força Terrestre e que, em consequência, agregará valor ao poder de combate do Exército, ou seja, ao preparo e emprego do Exército na garantia da soberania nacional, dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. (VILLAS BÔAS, 2016, p. 2).

O SCTIEx segue o modelo de Henry Etzkovitz da Hélice Tríplice (HT), com base na relação entre o governo, a academia e a indústria. O general acrescenta que, “o modelo promove um exponencial aumento de eficiência, elevação da capacidade competitiva das empresas, criação de parcerias entre as universidades e as indústrias e ampliação do papel da academia na sociedade, como propulsora direta de desenvolvimento socioeconômico” (VILLAS BÔAS, 2016, p. 2). No contexto do processo de transformação do EB, o projeto de concepção do Polo de Ciência e Tecnologia do Exército em Guaratiba (PCTEG), zona oeste do município do Rio de Janeiro, é considerado um pilar fundamental para a organização e operacionalização do SCTIEx, o qual estabelecerá uma nova abordagem no processo de PD&I de Produtos de Defesa (Prode) com base na HT. Segundo o general Sinclair Mayer:

[...] fica evidente que a pesquisa tecnológica a ser desenvolvida pelo IPTA não é pesquisa de cunho científico, mas sim pesquisa voltada para o domínio de tecnologias e obtenção de protótipos conceituais de Prode inovadores, que possibilitem ao SCTIEx trabalhar em áreas tecnológicas na vanguarda do setor de defesa. No IPTA não deverá haver a ideia de entregar Prode a partir de doutrinas consolidadas, mas sim obter Prode inovadores cuja doutrina será estabelecida posteriormente, após passar por um processo de experimentação doutrinária. (MAYER, 2013, p. 8).

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O Instituto de Pesquisa Tecnológica Avançada (IPTA) funcionará no PCTEG e será responsável pela P,D&I, a partir de estudos do futuro e visão prospectiva realizados pela futura Agência de Gestão da Inovação (AGI).

4 RELAÇÃO CIÊNCIA, TECNOLOGIA E PODER NOS SÉCULOS XX E XXI

A E-bomb constitui parte da denominada 3ª Revolução Industrial, surgia após a segunda Guerra Mundial. Esta Revolução é caracterizada pela automação da produção, pela emergência dos grandes complexos industriais e pelas empresas multinacionais beneficiadas pelos progressivos avanços tecnológicos que possibilitam a integração da economia mundial num processo caracterizado como globalização econômica.

A economista Susan Strange criou duas formas de poder: o poder relativo e o poder estrutural. O poder relativo refere-se ao conceito tradicional realista de o poder de um Estado determinar o comportamento de outro Estado no SI ainda que este Estado deseje se comportar de outra maneira. O poder estrutural refere-se à capacidade de um Estado moldar e definir a estrutura do sistema econômico internacional no qual outros Estados e outros atores, como empresas multinacionais, bancos, organizações internacionais e indivíduos, estão inseridos e devem atuar. O poder estrutural está fundamentado em quatro estruturas distintas e não hierarquizadas: segurança, produção, finanças e conhecimento. Segundo Strange, as modificações no comportamento econômico e político de diversos Estados teriam raízes comuns decorrentes do somatório das mudanças destas estruturas. Em virtude desta nova dinâmica política na economia, o poder estrutural se sobrepõe ao poder relativo. Esta autora defendia que:

Todo o modelo de poder estrutural [...] funda-se na pressuposto de que, ao longo das duas últimas décadas, de maneira mais intensa, o ritmo das transformações impostas pelos avanços tecnológicos, mobilidade de capital e alterações na estrutura de conhecimento (comunicações, valorização do trabalho intelectual especializado, etc) implicou mudança significativa na relação entre Estado e mercado, com efeitos de redistribuição de poder entre as partes. (ANDRADE FILHO, 2002, p. 51).

Exemplificando, o poder estrutural teria sido o responsável pela transição à economia de mercado dos países da URSS, pela adoção da democracia liberal e de reformas econômicas na América Latina e pela emergência dos países do sudeste asiático. Na teoria de Strange, por a tecnologia e a sua intensificação nos processos industriais permitir ganhos de eficiência através da adoção de novos processos e materiais impôs à concorrência pelos mercados mundiais a busca permanente

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por contastes inovações. A inovação, nestas condições, tornou-se uma condição

sine qua non de sobrevivência. José Roberto de Andrade Filho afirma que “as

implicações disso para os Estados se estendem desde a limitação nas perspectivas de estratégias autárquicas de desenvolvimento, até a pressão crescente por abertura de seus mercados internos” (ANDRADE FILHO, 2002, p. 52). Diante de um quadro intenso de investimento em P,D&I, os Estados que não conseguem acompanhar este ritmo, seja por falta de acesso ao crédito, seja pela incapacidade de realizar desenvolvimento autônomo, não têm condições de participar dos processos decisórios da política internacional. Outra questão importante que também limita a capacidade de os Estados maximizarem investimentos em P,D&I é o cerceamento tecnológico. Conforme ilustra William Moreira:

[...] quando o conhecimento transformado em inovação tem potencial de alavancar o poder militar, as barreiras de proteção ao conhecimento logo se erigem. Surge então o “cerceamento tecnológico”, entendido como “práticas no sentido de restringir ou negar o acesso ou a posse de tecnologias e bens sensíveis por parte de terceiros. (MOREIRA, 2012, p. 84).

Esta dinâmica pode ser compreendida por duas vertentes: de um lado, os Estados que são detentores da tecnologia e buscam mantê-la exclusiva para o seu exercício de domínio econômico, político e militar. Do outro lado, encontram-se os Estados que não possuem ou que buscam a tecnologia para aumentar seu poder relativo no jogo político do SI. As práticas de restrição ao acesso, negação ou posse de tecnologias são variadas ao longo da história. No caso do Iraque, a suposição de que este país detinha bombas nucleares conduziu os EUA a promoverem um ataque preemptivo ao país. No caso iraniano, por resolução institucional e multilateral, EUA e aliados europeus impuseram sanções ao país a fim de que retrocedesse em seus avanços no desenvolvimento autônomo da tecnologia nuclear. Na Síria, a nova administração estadunidense promoveu um ataque punitivo unilateral à instalações aeronáuticas em virtude da suposição de que este país ainda mantivesse e/ou estivesse sobre controle de seu arsenal de armas químicas. Para compreender esta dinâmica complexa, é necessário analisar a relação entre ciência, tecnologia e poder.

A relação entre a Ciência & Tecnologia (C&T) e a expressão militar do poder evoluiu gradativamente ao longo da história. De acordo com Waldimir Pirró e Longo:

H.G. Wells afirma, a esse respeito, que nenhuma história da humanidade escrita com seriedade, mesmo aquelas que se ocupam dos períodos mais remotos, pode ignorar as aplicações militares das invenções pacíficas, nem a influência das necessidades

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militares como mãe de inúmeras inovações de grande utilidade e emprego civil. Apesar disso, o engajamento amplo e sistêmico da comunidade científica e tecnológica na guerra, é fato recente, tendo ocorrido a partir do preparo e ao longo do transcurso da Segunda Grande Guerra. (LONGO, 1989, p. 8).

Em virtude do domínio da tecnologia nuclear, por alguns anos, os EUA conseguiram após a segunda Guerra Mundial, manter a superioridade militar no SI. No contexto da Guerra Fria, quando a União Soviética passou a dominar também a tecnologia da bomba nuclear, ambos os Estados mantinham suas lideranças militares em suas esferas de atuação geoestratégica. Segundo Robert Paarlber, “a primazia militar hoje vem da qualidade das armas, não da quantidade”8 (PAARLBER,

2004, p. 122). Em sua análise, é o domínio do conhecimento que garante os poderes econômico e militar. Graças aos enormes investimentos em C&T dos EUA na implantação de novos sistemas de armas com inigualável capacidade científica que o país conseguiu se manter a frente dos outros Estados beligerantes. Este autor afirmou que “foi em meados do século XX que a corrida armamentista global mais fundamentalmente se tornou uma corrida científica”9 (PAARLBER, 2004, p. 123).

Embora a Alemanha nazista inovasse mais, os EUA avançaram mais em virtude de construir armas em maior quantidade. Os EUA teriam garantido a supremacia militar graças a sua capacidade industrial durante a Guerra:

Até a atualidade, é a dominância internacional norte-americana de campos de ciência e tecnologia diretamente ligados ao projeto e à utilização de armas –, tais como a física, a química e a tecnologia da informação – que torna possível a supremacia militar do país. (SCHMIDT, 2013, p. 38).

Após o fim da Guerra Fria, os Estados reformularam seus sistemas de defesa de acordo com a conjuntura do período, diminuindo gradualmente os investimentos maciços em armamentos e, consequentemente, os orçamentos destinados à indústria. Schmidt acrescenta que:

[...] o conceito de self-reliance evoluiu de uma perspectiva que focava a utilização de fontes domésticas para o fornecimento de equipamentos e bens de defesa para uma visão segundo a qual self-reliance poderia ser atingida pela existência de firmas centros de pesquisa nacionais com capacidades tecnológicas competitivas na área de defesa. (SCHMIDT, 2013, p. 38). 8 Tradução livre: “military primacy today comes from weapons quality, not quantity”. 9 Tradução livre: “it was in the middle of the twentieth century that the global arms race more

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Visando, principalmente, à redução de custos na produção e à manutenção da superioridade tecnológica militar, a qualidade dos sistemas de armas tornou-se prioritária em relação à quantidade. Daí a maximização dos investimentos em P,D&I para garantir a superioridade bélica dos países desenvolvidos. Desta forma, há um consenso de que a supremacia militar, na atualidade, resida na supremacia científica à medida que as inovações dominantes em tecnologias de defesa sejam representadas pela produção de novas armas e pelo desenvolvimento de “sistemas completos de hardware e software – sensores, satélites, códigos de programas e sistemas de comandos, por exemplo –, cuja operação exige equipes de pessoas tecnicamente qualificadas e treinadas” (SCHMIDT, 2013, p. 38).

O surgimento das AED, como lasers e micro-ondas de alta potência, está inserido em um contexto de três macrotransformações que caracterizam o século XXI: “a transição da matriz energética (superação dos combustíveis fósseis), a transição demográfica (na escala de bilhões) e uma transição tecnológica (digitalização e indústria do conhecimento)” (ÁVILA; MARTINS; CEPIK 2009, p. 66). Embora estas macrotransformações produzam resultados profundos e incertos sob a ótica da política internacional, os efeitos das AED podem alterar a distribuição de poder no SI. No contexto da segunda Guerra Mundial, a posse das bombas nucleares determinava a capacidade dos Estados de influenciarem as decisões do jogo político do SI. Conforme acrescentam Ávila, Martins e Cepik:

[...] a manutenção do assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo, foi compatível com esse requisito crucial. O colapso da União Soviética resultou em parte da sua incapacidade de sustentar os esforços logísticos associados à paridade estratégica com os Estados Unidos. (ÁVILA; MARTINS; CEPIK, 2009, p. 50)

A dissuasão nuclear foi responsável pelo equilíbrio de poder durante a Guerra Fria. O próprio conceito de dissuasão, ou seja, capacidade de retaliar o inimigo adquiriu musculatura analítica e doutrinária com o surgimento das potências nucleares. A produção contínua de enormes arsenais e a capacidade de deslocá-los até seus alvos asseguraram o equilíbrio de poder neste período. Após o fim da Guerra Fria, a racionalidade dos debates sobre dissuasão nuclear se restringiu ao controle da proliferação das armas nucleares. Se por um lado, a expectativa global do fim das guerras gerou um clima pacifista que compeliu outros países a desistirem de construir armamentos nucleares ou desativar seus arsenais, como África do Sul, Brasil e Coreia do Norte; por outro lado, a hipocrisia das grandes potências nucleares e o caráter discriminatório dos órgãos de controle da proliferação não impediram que outros países dessem continuidade a produção de arsenais nucleares, como Índia, Israel e Paquistão.

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Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, a capacidade hegemônica dos EUA na política internacional e a supremacia militar passaram a ser contestadas por outros Estados. Após 2001, houve um aumento significativo das despesas militares globais. De acordo com o Stockholm International Peace

Research Institute (Sipri), há uma diferença entre despesas militares e gastos

em armamentos. Gastos em armamentos incluem aquisição/desenvolvimento de armamentos bélicos, como plataformas militares e sistemas de armas, e investimento em P,D&I. As despesas militares, além dos gastos em armamentos, incluem gastos com pessoal, operações, construção de bases, manutenção de armamentos militares e não militares etc. De acordo com relatório do Sipri, as despesas militares em todo o planeta em 2012 chegaram a US$ 1,7 trilhão, ou 2,5% do PIB mundial. A Guerra ao Terror promovida pelos EUA e países aliados foi o principal motivo do aumento das despesas militares, em especial, de gastos com armamentos em escala global no século XXI. Países que haviam se comprometido em desativar seus arsenais nucleares na década de 1990, como a Coreia do Norte, no início do século XXI, voltaram a produzir armas nucleares. Contudo, ainda que haja uma corrida armamentista global, os EUA ainda garantem a supremacia militar. Segundo o ex-embaixador do Brasil nos EUA, Rubens Antônio Barbosa:

[...] a superioridade tecnológica e militar dos EUA é igualmente evidente e revela-se num simples fato: os EUA são o único ator global da história da humanidade que consegue projetar poder militar simultaneamente em diferentes terrenos estratégicos em pontos distantes de seu próprio território (o orçamento de defesa dos EUA é superior à soma dos orçamentos militares dos seguintes 15 aliados ou competidores estratégicos, a começar pela Rússia, China e os principais países da OTAN). (BARBOSA, 2002, p. 2).

A dissuasão contínua enseja conceitual e doutrinariamente no fenômeno da guerra no século XXI; contudo, a Revolução em Assuntos Militares (RAM) trouxe novas perspectivas para o emprego da força. Embora os estudos sobre Revolução Militar tenham se originado na década de 1950, foi a partir do emprego exitoso de inovações tecnológicas, em especial, de AED, na década de 1990, que o conceito RAM foi readaptado. Esta Revolução representa o conjunto de transformações desencadeadas pelo emprego destas tecnologias sobre a tática, a doutrina e a estrutura das Forças Armadas. Embora seu conceito seja complexo e controverso, para Ávila, Martins e Cepik, a literatura sobre RAM cumpre dois objetivos: “apontar o papel das mudanças tecnológicas de base que estão associadas ao peso crescente do conhecimento e da consciência no ciclo da práxis” (ÁVILA; MARTINS; CEPIK 2009, p. 58) e a possibilidade de “uma análise crítica rigorosa da maneira como se integram novos sistemas de armas em projetos de força, doutrinas e tática” (ÁVILA; MARTINS; CEPIK 2009, p. 58). Sob a ótica clausewitziana, os autores

Referências

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