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Presunção de inocência do arguido e comunicação social: influência ou interacção

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Academic year: 2021

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Comunicação, Media e Justiça, realizada sob a orientação

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer a todos aqueles que contribuíram para a concretização desta prova de dissertação:

À Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues, pela disponibilidade e orientação.

Aos meus Pais e Irmãos pelo apoio e confiança. Aos Amigos sem os quais nada faz sentido.

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RESUMO:

A questão que se coloca refere-se à actuação dos meios de comunicação, no âmbito da actividade jornalística e ao abrigo da Liberdade de Imprensa, face ao princípio da presunção de inocência do arguido. Estão inseridos em dois campos sociais (Justiça e Media) que, embora distintos, não conseguem sobreviver um sem ou outro, complementando as respectivas actividades entre si. Devido a essa sinuosa relação, o facto de haver um maior contacto com os processos judiciais por parte dos Media e um maior interesse, suscitado pelo facto de se tratar de um arguido figura pública, nos processos criminais, vai fazer com que se assista à Mediatização da própria justiça, que de alguma maneira vai possibilitar o aparecimento dos julgamentos paralelos feitos na praça pública e o desenvolver do jornalismo de investigação, auxiliar e ao serviço da boa administração da Justiça. Por se tratar de dois direitos constitucionalmente previstos, no caso de estarmos perante um conflito de direitos fundamentais, o que importa saber é se, no caso concreto, qual o direito que deve prevalecer.

ABSTRACT:

The present issue refers to the Media’s activity, under the freedom of the Press, against the principle of presumption of innocence of the accused. They are inset in two social fields (Justice and Media) although different; they can’t survive without the other, complementing their activities. Due to that sinuous relation the fact that there is more contact with the judicial proceedings by that Media and a bigger interest, raised by the fact of a accused public figure in a criminal proceeding, will make us watch to the media coverage of Justice and Law that in some way will possibility the emerge of the parallels trials made in a public discussion and the development of the investigation journalism, helpful of the good justice administration. They are two constitutionally rights and if we’re facing conflict of fundamental rights it should be very important to know in the specific case, which right must prevail.

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PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DO ARGUIDO E COMUNICAÇÃO SOCIAL: INFLUÊNCIA OU INTERACÇÃO?

THE PRESUMPTON OF INNOCENCE AND MEDIA: INFLUENCE OR INTERACTION?

Benedita Dias Alcoforado Côrte-Real

PALAVRAS-CHAVE: Princípio da presunção de inocência, direito à dignidade humana, liberdade de imprensa, mediatização da justiça, julgamentos paralelos, conflito de direitos, interesse público, exceptio veritatis.

KEYWORDS: Principle of presumption of innocence, right of human dignity, freedom of the press, media coverage of justice, parallels trials, conflict of rights, public interest, exceptio veritatis

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1 Índice

Introdução ... 1

I Princípio da Presunção de Inocência – evolução ... 4

1 Da presunção de culpabilidade à presunção de inocência ... 4

2 Consagração constitucional e internacional do princípio da presunção de inocência ... 11

2.1 Presunção de inocência como direito fundamental pertencente aos direitos, liberdades e garantias ... 14

2.1.1 Conteúdo da presunção de inocência ... 16

II Justiça e Media – relação de amor-ódio ... 21

1 Papel dos media na sociedade – 4.º Poder? ... 21

2 O interesse da comunicação social em questões judiciais ... 24

3 Mediatização da justiça e suas consequências ... 26

III Direito Fundamental diminuído pela opinião pública através dos meios de Comunicação Social ... 38

1 Liberdade de imprensa e actividade jornalística ... 38

2 Direitos de personalidade – limite à liberdade de imprensa ... 41

3 Protecção jurídico - penal: responsabilização penal ... 46

4 Conflito de direitos e os excessos de linguagem da Comunicação Social ... 49

Conclusão ... 59

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2 Lista de abreviaturas

Acórdão - ac.

Alta Autoridade para a Comunicação Social- AACS Boletim do Ministério Público- BMJ

Artigo(s) - art.º/ arts

Centro de Estudos Judiciários - CEJ

Código do Procedimento Admnistrativo – CPA Código Civil- CC

Código Penal - CP

Código Processual Penal – CPP Colectânea de Jurisprudência- CJ Confrontar - cf

Constituição da República Portuguesa - CRP Conselho Superior de Magistratura - CSM

Convenção Europeia dos Direitos do Homem - CEDH Diário da República - D.R.

Edição - ed.

Estatuto do Magistrados Judiciais - EMJ Ministério Público - MP

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Obra citada - ob. cit.

Página(s) - p./ pp Recomendação- Rec Século- séc

Seguintes - ss

Supremo Tribunal de Justiça- STJ Tribunal Constitucional- TC

Tribunal da Relação de Coimbra- TRC Tribunal da Relação de Évora- TRE Tribunal da Relação de Guimarães- TRG Tribunal da Relação de Lisboa- TRL Tribunal da Relação do Porto- TRP Tribunal de Primeira Instância- TPI

Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – TEDH Volume- vol

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1 Introdução

“Liberdade de expressão é um dos nossos direitos mais preciosos. Sustenta toda a liberdade aos outros e fornece uma base para a dignidade humana. Imprensa livre, pluralista e independente é essencial para o seu exercício”. 1

Actualmente procura-se encontrar e compatibilizar o tempo mediático e o tempo judicial, o tempo dos media e tribunais, não podendo os agentes da justiça continuar a ignorar praticamente tudo sobre as ciências da comunicação, e prescindir da aprendizagem das boas práticas na relação entre profissionais do foro judicial e da comunicação social.2 A constante mutação e evolução correspondente à explosão da informação faz entrosar o campo da Justiça e o campo dos Media que, embora pareçam campos antagónicos, estão intimamente ligados pelo facto de ambos procurarem a verdade dos factos. No entanto, essa busca da verdade material é muitas vezes prejudicada ou comprometida por eventuais excessos de opacidade por parte dos tribunais, que não se podem refugiar no facto de o tempo da justiça e dos media ser diferente em que função dos Media no esclarecimento da opinião pública é condição fulcral para a existência de uma sociedade aberta e democrática em que o cidadão tenha acesso a uma informação livre,3

direito tão importante e desejado, que demorou tanto tempo a conquistar. Será que os media estão vinculados à presunção de inocência? Assim sendo, o nosso estudo vai versar sobre a relação entre a liberdade de imprensa,

1 Frase retirada da mensagem conjunta da Directora- Geral da Unesco, Irina Bokova e do

secretário Geral da Onu, Ban Ki moo, no âmbito da comemoração do dia mundial da liberdade de imprensa, celebrado no dia 3 de Maio de 2012.

2 FERNANDES, Plácido Conde, “Justiça e Media – Legitimação pela Comunicação”, Revista do

Centro de Estudos Judiciários, 2º Semestre, nº10, número temático, “Verdade, Justiça e Comunicação”, Almedina, Coimbra, 2008.

3

O filósofo britânico John Stuart Mill, "O Padrinho da Liberdade '', acreditava que a liberdade de expressão era uma das garantias mais importantes que as pessoas tinham para se proteger contra os governos tirânicos. Qualquer nação que quer viver sem a tirania e a corrupção deve-se esforçar por alcançar para si o direito fundamental à liberdade de expressão e o direito a uma imprensa livre. É só com esse direito básico garantido, de dizer e escrever o que se deseja sobre o seu governo, que as pessoas podem reduzir os poderes deste quando age de maneira contrária ao seu bem-estar. Em suma, é através de uma imprensa livre que as pessoas podem esperar alcançar um governo honesto.

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considerada como um “subcaso” da liberdade de expressão,4

nos termos do art.º 38.º da CRP, garantia institucional enquanto elemento essencial de uma ordem estadual democrática e pluralista colocando-se, deste modo, em relevo a missão de interesse público que ela deve realizar, e a (violação) da presunção de inocência do arguido inserida no direito à dignidade humana e à honra, 5 6 enquanto figura pública. É, por isso, um domínio que implica uma particular sensibilidade social que deverá ser compreendida de forma diferente relativamente às pessoas anónimas que não têm esse estatuto de notoriedade pública.7 8 O tratamento que lhes é dado decorre da exposição e condição social que têm, traduzindo-se numa maior tolerância em relação às críticas que lhes possam ser dirigidas e às informações veiculadas pelos media. No presente estudo, a preferência e a escolha de arguidos figuras públicas9 justificam-se pelo facto de

4 MACHADO, Jónatas, E. M Liberdade de Expressão, Dimensões Constitucionais da Esfera

Pública no Sistema Social, Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra, Coimbra

Editora, 2002, pp. 518 e ss.

5 SOUSA, Nuno e, A Liberdade de Imprensa, Separata do vol. XXVI, Suplemento ao Boletim da

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,1984. pp. 277 e ss. A título de curiosidade, o Código Civil Italiano trata da questão do direito à honra da pessoa, concedendo-lhe o chamado direito ao resguardo.

6 A violação do princípio da presunção de inocência vai acarretar, inevitavelmente, a violação do

direito à dignidade humana que se concretiza do direito à honra, reputação, do bom nome da pessoa visada e, por isso, ao longo do presente estudo vai-se fazer alusão ao direito à honra, bom nome e reputação por ser inevitável a íntima relação com a lesão e violação do princípio em causa. Nos termos do art.º 18º n.º 3 da CRP, o exercício de um direito fundamental não é constitucionalmente válido quando implicar a violação do núcleo essencial de outro direito fundamental. Daí que a interpretação de uma norma que consagra um direito fundamental deve reger-se pelo respeito do “efeito recíproco de mútuo condicionamento entre normas tuteladoras de diversos bens jurídico-constitucionais.” MACHADO, Jónatas, E. M., ob. cit. pp. 768 e ss. Esta busca pelo equilíbrio na ponderação dos bens jurídicos em causa é mais notória quando o agente for um jornalista e a vítima uma figura pública em que a liberdade de imprensa entra em conflito, pois o jornalista, em particular, e a imprensa, em geral, exerce uma função pública na divulgação de factos e opiniões sobre questões que tenham interesse público, fundamentais para formação de uma opinião pública informada. Idem.

7

SOUSA, Nuno e, ob. cit. pp. 277 e ss.

8 A Comunicação Social, considerada pela jurisprudência e doutrina constitucionais, assume

funções no domínio da dinamização de circulação de comunicação, de formação de opinião pública e de vontade política, na medida em que assegura a possibilidade de uma rápida e massiva circulação de informação e em que a representação de diferente ideias e opiniões, “são um forte contributo para afirmação e consolidação de uma opinião pública autónoma, a qual constitui um momento indeclinável de garantia substantiva da democracia.” MACHADO, Jónatas E. M., ob. cit. p. 504 a 506. Pelo exercício da sua função informativa, encontra-se próxima de situações perigosas como o da intrusão ou invasão na vida privada, assumindo-se por isso numa actividade de risco pois interfere com direitos e interesses juridicamente protegidos. Se a divulgação de determinada noticia se reportar a uma figura pública no exercício de funções públicas próprias, cuja conduta num Estado de Direito Democrático, podemos considerar que assume relevo e interesse público, estando por isso submetida à vinculação da transparência e legalidade. É por este motivo que é “irrecusavelmente legítimo que os cidadãos, que não são meros eleitores, numa sociedade pautada por valores democráticos, participem na vida pública, tornando-se necessário que, para o efeito, sejam e estejam informados da conduta daqueles a quem confiaram, por eleição, a decisão sobre os negócios de interesses comum, que se prendem com os destinos do país.” Ac. TRL, 12 de Outubro de 1994, Processo 33359

9 Caso haja um patente abuso do direito de informação que possa por em causa a presunção de

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ocuparem cargos de relevância política ou na administração pública, que aos olhos da opinião pública e dentro do espaço público, estão sujeitas a uma maior interesse e intromissão nas suas vidas, através da actuação dos órgãos de comunicação social.10

Os políticos e outras figuras públicas, quer pela sua exposição, discutibilidade das ideias que professam, quer ainda pelo controle a que devem ser sujeitos, estão sempre susceptíveis ao escrutínio da comunicação social. O TEDH vem reiterando mesmo a expressão “cão de guarda” atribuída aos Media. As figuras públicas devem ser mais tolerantes a críticas do que os particulares e ser, concomitantemente, admissível maior grau de intensidade destas. Não raras vezes, apesar do estatuto de “ cão de guarda” a actuação, por vezes irresponsável, dos meios de comunicação social vai muito para além da mera violação da presunção de inocência do arguido, colocando em risco o próprio Estado de direito democrático ao violar as garantias individuais do arguido. Os avanços tecnológicos, nomeadamente, a Internet e o consequente aumento do acesso das pessoas aos meios de comunicação numa sociedade de massa, propicia a que a imprensa se arroge no poder de formar e construir uma opinião pública, transformando-se muitas das vezes numa opinião publicada. Novos equilíbrios terão que transformando-ser reencontrados, o poder de facto da Comunicação Social tem que ser de uma maneira democraticamente legitimada e responsabilizada pelos possíveis crimes que possam cometer, tal como a difamação. E é essa a nossa missão.

pela sua função judicial, não está impedido de salvaguardar e proteger os direitos do arguido que, caso

haja um abuso cometido pela Comunicação Social se transforma em vítima, instaurando-se um novo processo em que arguido passa a ofendido e os jornalistas arguidos.

10

A ofensa do direito à honra de um arguido figura pública nem sempre produz consequências indemnizatórias. Se assim fosse neutralizar-se-ia o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade de expressão. Os cidadãos em geral e os jornalistas em particular estariam, deste modo, inibidos de criticar um titular de um cargo público, por exemplo, sob pena de acarretar a sua responsabilização penal. Para que a figura pública alcance a sua indemnização é necessário que a ilicitude da conduta expressiva ofensiva não esteja excluída por uma causa de justificação, nomeadamente pelo exercício do direito à liberdade de expressão. No entanto, a invocação deste direito não pode excluir a ilicitude do facto, sob pena de por em causa a salvaguarda do núcleo essencial do direito fundamental à honra, em que aquele que ofender a honra de outrem teria sempre assegurada a legitimidade da sua conduta, só tendo que reivindicar o exercício do direito à liberdade de expressão de que é titular. BRITO, Iolanda, A. S. Rodrigues de, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, 1.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 136 e ss.

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I Princípio da Presunção de Inocência – evolução

1 Da presunção de culpabilidade à presunção de inocência

É com o aparecimento do Absolutismo no séc. XII que o processo inquisitório surge, correspondendo esta forma de processo a uma época histórica mais avançada relativamente ao processo acusatório que já estava vigente desde a Grécia e Roma antigas até ao séc. XII em que não havia juízo sem acusação. Desde então, desprezou-se o tipo acusatório, substituindo-o pelo inquisitório.11 Na Europa, existia um processo penal essencialmente inquisitório de base romano-canónica, que se traduzia no poder de supremacia que o Estado detinha sobre aos cidadãos, o qual se denominava, processo inquisitório.12 Francisco J. Duarte Nazareth mencionou que, apesar de este sistema pertencer a uma época mais avançada da civilização, o sistema inquisitório “foi uma obra de compilação e ciência, mas não um verdadeiro progresso da sociedade, no sentido que a aproximasse da perfeição. A sociedade marcha sempre, mas nem sempre progride no legítimo sentido desta palavra.”13

Podemos caracterizar o processo inquisitório como a acumulação, no mesmo órgão - juiz - das funções de acusação, instrução e julgamento, facultando-lhe uma posição de superioridade em relação ao arguido, reduzido a mero objecto processual, aparecendo na “cena criminal” desprotegido de qualquer tipo de garantias. Neste sistema, em que a estrutura do processo inquisitório é dominada pela busca da verdade e defesa da sociedade, mais do que pela garantia da pessoa do acusado,14 o juiz intervém ex officio, isto é, sem necessidade de existir uma acusação, levando a cabo uma investigação oficiosa. É também ao juiz que cabe o dominus do processo, tendo este livre arbítrio para julgar, e ao suspeito, não lhe são atribuídos (praticamente) qualquer tipo de direitos. Germano Marques da Silva refere que, a par da tarefa de julgar, o juiz “é ao mesmo tempo acusador e que por isso dificilmente poderá manter a independência necessária a um

11 SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, I, Lisboa, Editorial Verbo, 2008, p.

57.

12

VILELA, Alexandra, Considerações acerca da Presunção de Inocência em Direito

Processual Penal, Coimbra Editora, 2005, p. 26.

13 SILVA, Germano Marques, ob. cit. p. 57. 14 Idem.

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5

julgamento imparcial.15 Quanto à forma, é totalmente escrito e secreto e, em grande medida, sem direito a contraditório, havendo lugar a denúncia secreta,16 a prova dos factos é legalmente tarifada17 e a sentença não faz caso julgado, o que significa que ele poderá ser novamente julgado pela prática do mesmo crime.18 Desde a abertura do processo até ao seu encerramento, o tratamento a dar ao arguido é de pura desconfiança sendo logo “rotulado” como culpado, recaindo sobre ele uma presunção de culpabilidade e o ónus de prova dos factos.19 O arguido é submetido ao sistema da tortura20 como forma de obtenção da, tão importante e esperada, confissão. A este propósito Alexandra Vilela afirma que a confissão é a regina probationum, e como tal, todos os meios são úteis e necessários para a sua obtenção.21 Relativamente à relação entre o princípio inquisitório e às medidas de coacção, mais precisamente, a prisão preventiva, esta não se encontra abrangida por limites temporais22, como acontece actualmente,23 e a sua concepção prende-se com a concepção vigente de equiparação do acusado e culpado24 que é igualmente utilizada como pena que, por necessidade, deveria preceder a sentença e ser arbitrariamente, aplicada pelo juiz, tratando-se de uma medida

15 Ibidem.

16 Até a mais ligeira suspeita poderia dar lugar à instauração de um processo-crime contra o

acusado que sobre ele, desde o início do processo, recai uma presunção de culpabilidade. VILELA, Alexandra. ob. cit. p. 29.

17 Diferentemente do que se passa no actual processo penal português, em que o sistema é o da

prova livre. O princípio da prova livre faculta ao julgador a liberdade de formar a sua própria convicção sobre os factos que são sujeitos a julgamento com base no juízo que vai ter como fundamento o “mérito objectivamente concreto desse caso na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, meios de prova utilizados, entre outros). NEVES, A. Castanheira, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 48; SILVA, Germano Marques SILVA, Germano Marques da, 2006 b), pp. 38 e ss.

18

Vai contra o princípio ne bis in idem. O n.º 5 do art.º 29.º da CRP estipula que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.” Este princípio está igualmente plasmado em documentos internacionais, tais como, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos no seu art.º 14.º n.º 7, e no art.º 4.º do protocolo n.º 7 à CEDH.

19 Cabe ao arguido a prova da sua inocência como forma de evitar a sua condenação. VILELA,

Alexandra, ob. cit. p. 30.

20 O uso da tortura era utilizado como “forma de obtenção da confissão, que, destituído de

qualquer garantia de defesa, atribuía poderes absolutos ao juiz, bem como aos órgãos de investigação e de acusação.” VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 30

21 Idem.

22 Por não se por em causa e por não se valorizar a dignidade humana do arguido, ele era tratado

como um objecto processual sem direitos. Se o juiz assim o entendesse o arguido poderia ficar preso por tempo indeterminado, pois aqui a liberdade do arguido pouco interessava ao juiz pois se sobre arguido pendia imediatamente uma presunção de culpabilidade e tratamento igualitário, que vinha a ser reclamado pela presunção de inocência, em relação aos outros cidadãos, não fazia sentido.

23

Cf. art. º 215. º do CPP.

24

VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 35. Hoje em dia é inadmissível fazermos essa equiparação pois uma pessoa pode ser acusada e por arquivamento do processo, em sede de julgamento ou por via princípio in dubio pro reu, a sua culpabilidade não chegar a ser provada.

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de carácter ordinário e através da actuação judicial, um meio necessário à obtenção de provas. 25

Foi somente no final do século XVIII, em plena época do Iluminismo, que começou a surgir no Continente Europeu uma necessidade de reagir contra os abusos e excessos cometidos do processo penal até então vigente. A presunção de culpabilidade, característica do processo penal inquisitório, traduzida no facto de o Estado exercer a sua autoridade máxima perante o cidadão, sobrepôs-se, de forma implacável, à liberdade individual do arguido pondo em causa a sua dignidade humana que veio a assumir um factor muitíssimo importante sendo o ponto de partida para o alcance da, tão aclamada, presunção de inocência, o que veio permitir a renovação do processo penal, substituindo-se, deste modo, o processo inquisitório e por conseguinte a presunção de culpa inerente a ele. 26Depois de humanistas como Montesquieue e Voltaire já terem escrito sobre a necessidade de se cortar com a mentalidade da época, excessos e arbítrios que se manifestavam por parte do órgão judicial – o juiz – no arguido,27 foi através da obra de Beccaria que se materializou e formalizou esta vontade convergente de ver acabados estes excessos e arbítrios cometidos no passado, que contribuíram, indiscutivelmente, para a falência do próprio processo inquisitório. Através do notável contributo em “Dei delitti e dele pene” de Beccaria, surge a primeira manifestação e reacção sólidas, contra o processo inquisitório, “o soberano, que representa a mesma sociedade, pode unicamente promulgar leis gerais que obriguem a todos os membros; mas não julgar quando alguém haja violado o contrato social, porque então a Nação se dividiria em duas partes: uma representada pelo soberano, que alega a violação, e a outra pelo acusado, que a nega”, referindo, igualmente, que só a lei, e não o arbítrio do juiz, deverá determinar os indícios de um crime que mereça a custódia do réu e não a prepotência do poder da força usado na estrutura inquisitória do processo penal. É necessário por essa razão que um terceiro imparcial e independente que julgue a verdade das alegações de facto e eis aqui a necessidade de um magistrado, cujas sentenças sejam definitivas.28 A obra acima citada, que tem com data da 1.ª ed. o ano de 1764, à qual Voltaire apelidou de Código da Humanidade, permite-nos observar o espoletar de um processo penal acusatório, oposto ao inquisitório. Caracteriza-se pelo

25 Idem, 30 e ss. 26 Ibidem. 27

O arguido no processo inquitório era sujeito a torturas e abuso do poder por parte das entidades competentes, como forma de se obter a confissão do crime em causa.

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facto o acusado ser considerado um sujeito, e não mero objecto processual encontrando-se em posição de igualdade com a acusação,29 podendo esta ser pública ou privada, sendo que no presente estudo quando estivermos perante o crime cometido pelos órgãos de comunicação social – difamação – a acusação vai ser privada, ou seja, necessitando de dedução de acusação particular nos termos do art.º 188º n.º 1 do CP, ressalvados os casos das respectivas alíneas.30 Assim, enquanto à entidade acusadora cabe investigar e acusar, sendo que o arguido tem sempre o direito de conhecer a totalidade dos factos que contra si são imputados e ter o direito ao contraditório, ao julgador fica reservado um papel mais passivo relativamente ao que lhe cabia no processo de carácter inquisitório, limitando-se a observar a contenda entre a acusação e a defesa, para no final ditar a sua decisão.31 A acusação e a defesa, às quais são garantidas uma “concreta” igualdade de armas,32

constituem-se como partes processuais. Procedeu-se, assim, à separação das funções de acusar e julgar, pertencendo cada uma delas a dois órgãos diferentes, criando-se para o efeito a magistratura do Ministério Público, titular da fase de investigação e acusação que procedia à averiguação dos preliminares dos

29 Uma das características da estrutura acusatória do processo está adstrita ao princípio da

igualdade de armas. A estruturação do processo penal caracteriza-se pelo facto da acusação e a defesa disporem de possibilidades idênticas para intervir no processo penal, aquando da demonstração, perante o tribunal, da validade das suas alegações. Para que haja uma verdadeira igualdade de armas, ambas as partes no processo (acusação e defesa) devem dispor dos mesmos meios de investigação. Mas será que essa igualdade existe mesmo? Por exemplo, na fase de inquérito o MP tem ao serviço da investigação todo o aparelho policial e a lei confere-lhe mecanismos de coacção que poderá usar caso seja necessário, mas no caso dos particulares (aqui englobam-se se os arguidos e acusadores) essas facilidades não lhes são atribuídas pois a lei limita-lhes a possibilidade de investigação. Na prática essa igualdade não existe, podendo existir, como diz Germano Marques da Silva, “ tendencialmente e formalmente, nas fases jurisdicionais e nos incidentes jurisdicionais, como sucede no nosso processo na fase da instrução, na audiência e nos recursos.”A questão é que a lei faça assegurar ao arguido a possibilidade de ele usar todos os meios necessários para a sua defesa, nos termos do art.º 32.º nº 1 da CRP, com vista a que haja, segundo o art.º 6.º § 1da CEDH, uma verdadeira efectivação de um processo equitativo. SILVA, Germano Marques, ob. cit. p. 63.

30 Dependendo da natureza do crime. Se estiver em causa um crime público é concedida ao MP

legitimidade para promover livremente o procedimento criminal, se o crime for de natureza particular, para que o processo se desencadeie, caberá somente ao ofendido proceder à queixa e se constituir assistente no processo para que seja deduzida acusação pelo crime de que foi vítima. Há, ainda, outra categoria de crimes, aos quais a doutrina denomina crimes semipúblicos ou quase públicos em que o procedimento criminal depende de queixa particular. Nestas últimas situações o MP não poderá promover o procedimento sem que ocorra a acusação e a queixa por parte dos particulares, nos termos dos arts. 49.º e 50.º do CP. No n.º5 do art.º 113.º do CP está plasmada a excepção, admitindo que, independentemente do procedimento criminal depender de queixa, o MP pode instaurar o procedimento sem queixa sempre que o interesse do ofendido o aconselhar. Há mais duas situações que possibilitam a intervenção do Ministério público. A primeira é se estiver em causa um menor e se este não possuir discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa, em segundo quando o direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do crime. Todos os casos em que seja impossível a apresentação de queixa ou denúncia por parte do particular, ao MP são atribuídos uma função subsidiária de modo a evitar situações como esta que se segue: atentado ao puder pelo pai na pessoa de filha menor. SILVA, Germano Marques, ob. cit. pp. 258 a 261.

31 Nunca esquecendo que tem poderes de investigação a título subsidiário. 32 Nota de rodapé n.º 28.

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factos pelos quais o arguido foi acusado. Germano Marques da Silva caracteriza o processo acusatório como a “disputa entre duas partes, a defesa e acusação, orientadas por um terceiro, juiz ou tribunal, que ocupa uma posição de supremacia e independência relativamente ao acusador e acusado” em que não pode haver, por parte do juiz, a promoção do processo, nem uma condenação para além da acusação.33 Por isso nunca se poderá proceder a um julgamento que não tiver por base uma acusação. O processo inquisitório deixa, por isso, de vigorar, dando lugar ao processo penal acusatório em que o que se verifica o equilíbrio entre a procura da verdade, objectivo que se pretendia igualmente com o processo inquisitório, e o debate entre a acusação e a defesa, sendo este o carácter inovador por nem sequer no processo inquisitório se verificar este debate. Na estrutura acusatória do processo penal, o arguido, que se presume inocente, é encarado como um verdadeiro sujeito de direitos e não um mero objecto processual. Tal presunção de inocência leva a que sejam garantidos os mais amplos meios de defesa ao arguido. Como forma de assegurar a defesa do arguido, o processo desenrola-se de forma pública e oral, fazendo-se respeitar os princípios de publicidade e oralidade do processo penal, de modo que a publicidade do processo implique a oralidade,34 para que o público possa acompanhar a prática dos actos processuais em que há-de assentar a decisão jurisdicional pois através “das perguntas directas e das respostas espontâneas mais facilmente se alcança a verdade”, demonstrando-se assim a importância que a publicidade e oralidade do processo penal têm para a descoberta da verdade.35 Quanto ao ónus de prova, diferentemente do que se passa no processo inquisitório, referido no capítulo anterior, num processo de carácter, fortemente, acusatório como o nosso, 36 a

33

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 57.

34 O princípio da oralidade tem plena consagração no direito processual penal em sede de

julgamento, por exemplo, nos termos do art.º 96.º n.º 1 do CPP, referindo que a prestação de quaisquer declarações se processa por forma oral, salvo as excepções estabelecidas pela lei. Nem sempre foi assim, pois até ao século XIX era característico um processo essencialmente escrito, mas a necessidade de assegurar a publicidade para permitir a imediação das provas, (outro dos princípios ao serviço do processo penal) levou a que se consagrasse a oralidade como princípio processual penal. Nas palavras de Germano Marques da Silva, “o princípio da oralidade não exclui que os actos praticados oralmente fiquem documentados para servir para o controlo da assunção da prova, nomeadamente em matéria de recurso, e esse registo responde à mais relevante das críticas habitualmente dirigidas à oralidade: o possível arbítrio dos juízes na apreciação da prova produzida”, pois se não houvesse registo das provas o juiz poderia alegar o que quisesse não se regendo pelas prova já feita dos factos. Idem.

35

Ibidem, pp. 86 e ss.

36 Não totalmente, pois se assim fosse estaríamos perante uma estrutura acusatória pura em que

acusação e defesa são partes no processo e o juiz vem assumir um papel passivo no que toca a produção de prova., incumbindo somente às partes fazer a prova dos factos que lhes interessa ver provados. Caso uma das partes não o faça, ninguém se irá substituir e fazer essa prova por ela. O nosso sistema penal insere-se, simplesmente, numa estrutura acusatória, como bem refere a CRP, no seu art.º 32 n.º 5. MOURA, José Souto de, “A Questão da presunção de inocência do arguido”, Revista do Ministério

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prova dos factos pertence essencialmente à acusação, isto é, o arguido não terá que provar a sua inocência37 cabendo a outra parte provar a sua não inocência.38 Também no que concerne à medida de coacção prisão preventiva,39 40 a sua concepção vai ser alterada, deixando de ser encarada com uma pena que precedesse a sentença, passando a acolher-se o princípio como uma finalidade cautelar41 por ser um atentado à liberdade individual do arguido que, enquanto tal, deveria ser tratado como inocente, pois a aplicação desta sem qualquer limite temporal era uma decorrência do processo inquisitório.42 Germano Marques da Silva refere, a esse propósito, que “o modo como

Público, Ano 11.º, n.º 42, p. 44. A doutrina vem acrescentar que essa estrutura acusatória é integrada e

auxiliada por um princípio de investigação que se traduz “ num poder - dever que incumbe ao tribunal de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e defesa, o facto sujeito a julgamento, criando aquelas mesmas as bases necessárias à sua decisão”. SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 78. É interessante, para demonstrar o quão importante é o princípio da investigação enxertado na estrutura acusatória, o exemplo facultado por Jorge de Figueiredo Dias no livro Direito Processual Penal, I vol. Coimbra, Coimbra Editora, 1974, p. 193: “se A é acusado de um crime de homicídio doloso e se defende alegando provocação da vítima ou nem sequer se defende ou ate confessa o crime e a culpa, nem por isso o tribunal fica impedido ou absolvido de investigar se, em vez ou para além da provocação, o arguido não terá actuado, v.g. em estado de legítima defesa.” O que significa que o nosso sistema acusatório penal está, subsidiariamente, auxiliado pelo processo de investigação sempre que for necessário. Nas palavras de Germano Marques da Silva, a estrutura acusatória “seria temperada com o princípio da investigação judicial.” Idem. Podemos encontrar exemplos do princípio da investigação espalhados ao longo do CPP, nos arts. 290.º na fase de instrução, 323.º, 327.º e 340.º, na fase de julgamento.

37 Entre outros direitos que lhe são conferidos, o direito ao silêncio está previsto nos termos do

art.º 61.º n.º 1, al. c) do CPP, “tem o direito a não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar”. Nunca o direito ao silêncio poderá ser interpretado como uma presunção de culpa do arguido, ele presume-se inocente, nos termos do art.º 32.º, n.º 2 da CRP. As razões pelas quais o arguido faz isso podem ser várias, sem que com isso possa ser prejudicado pelo exercício do seu direito ao silêncio. É importante frisar que a lei não estabelece qualquer sanção para o arguido que falte à verdade, através da prestação de declarações sobre os factos que lhe forem imputados. SILVA, Germano Marques da, ob. cit. pp. 300 e 301. Como diz Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit. acima pp. 450 e ss, “Não se trata de um direito de mentir, mas simplesmente da não punição da mentira”.

38

Se o arguido não tiver nada a esconder poderá perfeitamente trazer para a investigação factos que possam servir para provar a sua não culpabilidade e por conseguinte servir de apoio às investigações desencadeadas pela acusação.

39

É a medida de coacção mais gravosa, pois trata-se de uma privação total da liberdade individual atribuída ao arguido. Cf. art.º n.º 215 do CPP.

40 No ac. 6936/2006-3 do TRL, Figueiredo Dias diz-nos que, “relativamente ao arguido como

objecto de medidas de coacção, o princípio jurídico-constitucional em referência vincula estritamente à exigência de que só sejam aplicadas àquele as medidas que ainda se mostrem comunitariamente suportáveis face à possibilidade de estarem a ser aplicadas a um inocente, e daí as exigências…de necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e precariedade que o art.º 193º do Código integralmente produz.”

41 VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 35. A aplicação da medida da prisão preventiva terá que ser

aplicada com base no princípio da proporcionalidade em sentido amplo, englobando o princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Cf.art.º 266.º n.º 2 da CRP e art.º 5.º n.º 2 do CPA.

42

Quanto menos restrição sofrer melhor, isto é, se for necessário restringir os seus direitos, que seja feito dentro dos limites rigorosos da necessidade do processo, com vista a obter a verdade dos factos e também para a tornar possível a execução da pena que o acusado venha a sofrer, mas nunca como tratamento punitivo, como era observado no processo inquisitório.

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10

no processo penal se aplicam medidas de coacção, mormente as privativas da liberdade, traduz bem a medida do culto de liberdade de um povo e, por isso também, do grau de implementação na sociedade dos ideais democráticos”. 43 Nas palavras de Alexandra Vilela é por esta altura, séc. XVIII, que o princípio da presunção de inocência nasce enquanto “ ideia força que vem assegurar ao acusado todas as garantias de pela defesa, ao invés de se encontrar tal como o seu oposto - o princípio da culpabilidade até então vigente, ao serviço da tirania.”44

Ghiara diz-nos que já no direito romano era referido como máxima a seguir, “innocens praesumitur cuius nocentia non prabatur omnis praesumitur bonus nisi probetur malus”.45

43

SILVA, Germano Marques da, ob. cit. p. 278.

44 VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 32. 45 Apud VILELA, Alexandra. ob. cit. p. 32.

(19)

11

2 Consagração constitucional e internacional do princípio da presunção de inocência

De modo a encontrar instrumentos jurídicos que limitassem o “jus puniendi” do Estado para se evitar os abusos e exageros cometidos no passado e afastar a presunção de culpa, é votada em França, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão46, constituindo um marco notável na história da liberdade. A partir desse momento “o interesse do indivíduo foi sobrevalorizado em relação ao interesse colectivo.”47 Vem acolher no seu art.º 9.º, juntamente com outros princípios basilares do processo penal, 48 o princípio da presunção de inocência, “todo o homem é considerado inocente, até tão momento em que, reconhecido como culpado, se julgar indispensável a sua prisão: todo o rigor desnecessário, empregado para a efectuar, deve ser severamente reprimido pela lei.” Assim sendo, a presunção de inocência foi erigida a direito cívico do cidadão, concedendo-lhe, deste modo, a tutela jurídica da sua honra e liberdade, garantida pelos órgãos do Estado e invocáveis no processo penal.49 No que concerne à CEDH50 a presunção de inocência vem enunciada no art.º 6.º n.º 2,51 assumindo entre nós dignidade constitucional nos termos do art.º 32.º n.º 2 da CRP. Relativamente à Carta Europeia dos Direitos Fundamentais refere-se igualmente à presunção de inocência, nos termos do art.º 48 n.º 1 em que enuncia as condições para que se aplique o princípio da presunção de inocência, “todo o arguido se presume inocente enquanto não tiver sido legalmente provada a sua culpa.” Por fim, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, vem enunciado no art.º 14.º n.º 2 que “ qualquer pessoa acusada de qualquer infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida.” O traço em comum entre estes textos internacionais é a consideração de que a presunção de inocência cessa a sua

46 Foi o primeiro momento de positivação do princípio da presunção de inocência, enquanto

modo de tratamento a dispensar ao arguido, rejeitando em primeiro lugar a presunção de culpabilidade que até ai recaia sobre o acusado, em segundo lugar, faz a ligação da prisão preventiva ao estatuto de inocência, o que não significa que a referida presunção não se estenda a todos os outros aspectos do tratamento do acusado, que não apenas aquele que diz respeito à prisão preventiva.

47 MOURA, José Souto de, ob. cit. p. 31. 48

A título de exemplo, no art.º 7.º e 8º da DEDH, encontram-se os princípios nullum crimen sine

lege e nulla pena sine culpa, respectivamente.

49 VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 34. 50

BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, 2010, pp. 201 e ss.

51“Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade

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aplicação no momento em que a culpabilidade de uma pessoa acusada ficar provada.52 No que diz respeito à formulação destes textos, suscitava dúvidas em saber se a presunção de inocência continuava a surtir efeito após a decisão quanto à matéria de facto, quando estivesse pendente um recurso apenas relativo à análise de questões de direito.5354

Foi com a CRP de 1976 que se elevou o princípio da presunção de inocência à categoria de direito constitucional. 55 Actualmente, está consagrado no n.º 2 do art.º 32.º da CRP, “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.” Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo equitativo,56

da designação feita do CEDH que, à luz do princípio do primado,57 esta lei europeia prevalece face a qualquer norma de direito interno de cada Estado membro, nos termos do art.º 8.º da CRP. 58 O art.º 32º n.º 2 da CRP, não nos diz como o princípio se vai manifestar na lei ordinária e ao longo do processo, mas concede, antes de mais, ao legislador um amplo poder de discricionariedade, aquando do momento de o concretizar. Nesse sentido, a Constituição dá-lhe poder de consagração, não apenas enquanto modo de tratamento a dispensar ao arguido quando contra si corra um processo-crime,59 pretendendo oferecer-lhe o direito a um tratamento que se assemelhe o mais possível igual a quem não se encontre acusado pela prática de um crime, mas também enquanto regra probatória aliada ao princípio do in dubio pro reo. A CRP, ao

52 BOLINA, Helena Magalhães, Boletim da Faculdade de Direito, Faculdade de Direito da

Universidade de Coimbra, vol. 70, 1994, p. 459.

53 Idem.

54 Em relação à CRP, nos termos do art.º 32.º n.º2 precisa com maior rigor o momento em que

termina a aplicação da presunção de inocência, “até trânsito em julgado da sentença.”

55 Até aí desconhecido do nosso ordenamento jurídico português, quer ao nível constitucional,

quer ao nível da legislação ordinária. O primeiro momento de consagração do princípio da presunção de inocência foi o art.º 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

56

Cf. art.º 20.º n.º 4 da CRP, “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

57 Este princípio foi consagrado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia através do ac.

COSTA ENEL, em que o tribunal declara que o direito proveniente das instituições europeias se integra nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, sendo estes obrigados a respeitá-lo. O direito europeu tem assim o primado sobre os direitos nacionais. Deste modo, se uma regra nacional for contrária a uma disposição europeia, as autoridades dos Estados-Membros devem aplicar a disposição europeia. O direito nacional não é nem anulado nem alterado, mas a sua força vinculativa é suspensa.

58

“As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”

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aspirar a um modelo de processo penal,60 entendeu que este deveria passar, igualmente, pela revelação do princípio da presunção inocência e, ao fazer essa revelação, é manifesta a autoridade do Estado, aspirando à defesa do interesse social, tendo como objectivo primordial a paz social e a segurança dos cidadãos em geral, reprimindo os índices de criminalidade, nunca esquecendo a defesa da liberdade individual de cada cidadão submetido ao exercício do poder punitivo do Estado. Cabe à Lei Fundamental de um Estado e, posteriormente, à legislação processual infraconstitucional, como é caso da lei processual penal, solucionar, eficazmente, o conflito existente entre a necessidade socialmente sentida de procurar assegurar um justo e correcto tratamento das infracções criminais e a salvaguarda dos interesses e da personalidade dos acusados. Por outro lado, não deixa de ser importante verificar que o próprio n.º 2 do art.º 32º da CRP conseguiu conciliar, desde a revisão constitucional de 1982, a existência do princípio da presunção de inocência com o julgamento em “ um curto prazo compatível com as garantias de defesa.” 61

A celeridade processual assume-se como uma consequência da presunção de inocência, desencadeando consequências não só ao nível da prática de actos processuais, que deve ser atempada, mas também sobre a actividade do poder judicial.62 Importa acrescentar que, desta consagração constitucional, resulta o facto de ser oferecido ao legislador legitimidade para, ao longo do CPP, difundir a marca da presunção de inocência.63

60 Cf. art. º 29. º da CRP.

61 MEDEIROS, Rui e MIRANDA, Jorge, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição,

Coimbra Editora, 2010, pp. 702 e ss.

62

Esta questão não é desprovida de utilidade e significado pois prende-se com a questão de termos um processo penal demasiado lento que inculca na sociedade em geral, nos órgãos de comunicação e também no arguido, um sentimento de culpa, que eventualmente não se expiará numa audiência de julgamento que termina com a absolvição passados, por exemplo, 3 anos. Isto porque uma demora excessiva no julgamento acabará por esvaziar o sentido e tirar alcance ao princípio da presunção de inocência, ficando o arguido de algum modo injustamente penalizado.

63 O arguido beneficia assim de um direito de defesa assegurado, entre muitos outros, no CPP,

pelos arts. 61.º n.º 1 relativo aos direitos e deveres do arguido; 287.º n.º1 e 2 referente ao requerimento para abertura de instrução; 302º relativo ao decurso do debate; 327.º que diz respeito à contraditoriedade; 340º que se refere à produção de prova; 361.º n.º 1 que concerne às últimas declarações do arguido e encerramento da discussão e de uma presunção de inocência até trânsito em julgado da sentença condenatória.

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2.1 Presunção de inocência como direito fundamental pertencente aos direitos, liberdades e garantias

O princípio da presunção de inocência, ao ser elevado a categoria de norma constitucional, plasmado no art.º 32.º da CRP, conte uma imposição que vincula imediatamente os destinatários e que todos devem respeitar em virtude do qual ninguém pode ser considerado culpado até que a sentença condenatória definitiva assim o afirme, assegurando-se simultaneamente o recurso ao TC, quando qualquer norma jurídica encerre a sua violação 64. Daqui decorre que o valor constitucional desta presunção de inocência oferece bem mais do que um princípio geral do direito, isto é, o legislador constitucional não se bastou com a mera constitucionalização do preceito, colocou-o entre os direitos fundamentais. Dentro desses direitos importa destacar os direitos, liberdades e garantias previstos ao longo do Título II da Parte I da CRP, sendo no capítulo referido em primeiro lugar, referente aos direitos, liberdades e garantias, que o legislador elencou as normas referentes ao processo criminal, e, por conseguinte, a presunção de inocência, enquanto princípio integrante deste processo. Ao inserir-se a presunção de inocência entre os direitos, liberdades e garantias, resulta que esta passa a beneficiar do regime especial privativo destes, constante dos arts. 17.º e 18.º do texto constitucional. A presunção de inocência pode encontrar-se em conflito ou tensão com outros direitos fundamentais, como iremos ver nos capítulos seguintes, em situações entram em confronto o direito à dignidade humana englobando o a presunção de inocência e a liberdade de imprensa.65 Resulta da aplicação deste regime que, quando haja um conflito, se restrinja o mínimo possível o conteúdo do direito fundamental em causa. 6667 Para além de que este princípio vê as suas restrições apertadas ao limite dado

64 Diz-nos o ac. 264/1999 de 5 Maio de 1999 do TC que é motivo para recorrer a este tribunal

quando as garantias constitucionais de defesa, incluindo o princípio da presunção de inocência, que significam uma protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido, não sejam respeitadas.

65

MEDEIROS, Rui e MIRANDA, Jorge, ob. cit. pp. 702 e ss.

66 Vai ser abordado nos capítulos seguintes a questão da tensão entre a presunção de inocência e

outro direito fundamental que é o direito à informação, consagrado no art.º 37º da CRP.

67 A título de exemplo, no que diz respeito à coordenação entre o art.º 27º, consagrando o direito

à liberdade e à segurança, e o n.º 2 do art.º 32.º, onde se acha prevista a presunção de inocência, este último consagra-a expressamente, já o primeiro reafirma-a ao dispor no seu n.º 2 “que ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória.” Dispõe expressamente que ninguém pode ver a sua liberdade restringida enquanto se presumir inocente, o que só acontecerá quando houver trânsito em julgado da sentença condenatória. No que diz respeito a estes dois artigos, é importante referir que, num primeiro momento, a presunção de inocência implica que a liberdade não seja restringida. Mas o que acontece, na prática, é que temos de proceder à sua restrição,

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que é beneficiário do regime dos direitos, liberdades e garantias e constitui, em última instância, uma garantia constitucionalmente substantiva tendente à protecção judicial dos direitos do acusado. 68 69 Gomes Canotilho e Vital Moreira, no que diz respeito ao sentido que se pode dar à presunção de inocência, referem que este se traduz numa garantia substantiva constitucional que é equivalente ao direito dos cidadãos de exigirem dos poderes públicos a protecção dos seus direitos, bem como o reconhecimento dos meios adequados à prossecução dessa finalidade protectora.70 Germano Marques da Silva refere que a presunção de inocência não é uma verdadeira presunção em sentido jurídico na medida em que, “através dela não se prova nada, é antes de mais uma regra política que releva do valor da pessoa humana na organização da sociedade e que recebeu consagração constitucional como direito subjectivo público, direito que assume relevância prática no processo penal num duplo plano, no tratamento do arguido no decurso do processo e como princípio de prova”.71

obedecendo ao princípio da proporcionalidade em sentido amplo, desdobrando-se este nos princípios da

adequação, proporcionalidade em sentido estrito e necessidade, quando se encontrem dois direitos fundamentais em colisão, tendo essa restrição que ser limitada ao mínimo indispensável. Cf. VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 23 nota de rodapé n.º 21; ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os Direitos

Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 50 e ss.

68 Idem, p. 52. 69

A constituição de arguido representa uma garantia da pessoa sobre quem recai a investigação ou foi deduzida acusação, garantia de que se pode defender, ser assistido por um defensor, de se manter em silêncio, entre outras. Na altura em que o processo penal estava abrangido pela presunção de culpa, sobre o arguido recaiam mais deveres do que propriamente direitos. Socialmente, o arguido era tido como culpado. Fruto dessa presunção de culpa, hoje em dia, apesar do estatuto de arguido ser totalmente oposto, para a sociedade em geral, continua a ser um grande desconforto o facto de alguém ser constituído arguido pois inerente a ele está a presunção social de culpa, que a sua constituição, na prática, acarreta. O arguido estava, até à reforma da lei processual (lei 48\2007 de 29 de Agosto) condenado ao exercício do poder da opinião pública e, por isso, uma das alterações que foram introduzidas diziam respeito, precisamente, aos pressupostos da constituição de arguido. A partir dai, começou a ser exigido que, para a constituição de arguido, fosse necessário a existência nos autos, indícios de fundada suspeita da prática de crime. SILVA, Germano Marques da, da, ob. cit. p. 306.

70

CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República

Português Anotada, 1.º vol., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 518 e ss.

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16 2.1.1 Conteúdo da presunção de inocência

Após ter sido analisada a evolução do instituto da presunção de inocência até aos dias de hoje, é importante referir qual o impacto nos cidadãos e os efeitos intra e extra processuais que a presunção de inocência acarreta. 72 O direito do arguido a um tratamento igual a quem não tem qualquer tipo de processo-crime, é o ponto de partida para a análise do alcance deste instituto jurídico. Naturalmente, ao nível intra processual, é impossível tratar o arguido como se não tivesse um processo dirigido contra si, daí que o princípio da presunção de inocência sofra uma constrição que praticamente só se vai manifestar em matéria probatória,73 colocando-se o acusado em condições de se defender adequadamente para que o princípio da presunção de inocência, na falta de um contraditório da prova da acusação, não perca a sua razão de ser,74 para além de se verificar enquanto regra de tratamento a dispensar ao arguido.75 O arguido será tratado como inocente ate que seja proferida a sentença condenatória definitiva não podendo se diminuído social, moral ou fisicamente comparativamente aos outros cidadãos, que nesse momento, não se encontram sujeito a qualquer processo. Nestes termos, a liberdade pessoal do arguido vai beber de tal forma à presunção de inocência que quando se revelar necessária a aplicação de uma medida de coacção, esta não possa configurar uma sanção que se aplica a alguém cuja responsabilidade penal já foi provada.76 Extra processualmente, o arguido tem o direito a um tratamento como se não tivesse processo dirigido contra si, devendo ser tratado como qualquer cidadão. “Ter um processo contra si contraria tal tratamento, porque para a maioria dos cidadãos não está sujeita às implicações dum processo penal “(...) interessará que o processo

72 VILELA, Alexandra, ob. cit. p. 58.

73 MOURA, José de Souto Moura, ob. cit. p. 44. Alexandra Vilela refere que a presunção

enquanto regra de juízo probatório liga-se à estrutura do processo acusatório, desonerando o acusado de demonstrar a sua inocência. VILELA, ob. cit. pp. 58 e 59.

74 Idem.

75 Germano Marques da Silva refere que uma das formas de fazer com que a garantia

constitucional da presunção de inocência do arguido se verifique, é relativamente ao tratamento processual, que se traduz no direito do arguido a ser considerado culpado sem nenhum prejuízo de culpa, que possa afectá-lo social ou moralmente em confronto com os outros cidadãos. Esta medida vai ter implicações no que diz respeito à aplicação de medidas de coação, impondo que sejam aplicadas com base nos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, nos termos no art.º 193.º do CPP. Qualquer desvio na utilização destas medidas vai contra o princípio da presunção de inocência. Cf. SILVA, ob. cit. p. 307.

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penda contra o arguido o menos tempo possível”.77

José de Souto Moura refere que “ o arguido ou acusado em processo penal não pode ser discriminado ou sofrer tratamento em desfavor comparativamente ao não arguido”;78

o tratamento igual vai reflectir-se “na relação laboral, no desempenho defunções da Administração Pública como actividade de fomento ou serviço público” 79

e igualmente nos direitos fundamentais do arguido, não afectados pelo processo que se deverão manter ” intocados”, no que diz respeito, por exemplo, ao direito à imagem e ao bom nome.80 81 A condição de arguido é, segundo o autor, “a razão de ser do princípio da inocência, mas tal não implica que o estatuto do arguido e toda a disciplina processual, se coadunem só com o princípio da inocência,” Há muitos outros princípios processuais penais e interesses,82 que não os do arguido, que obrigam a que haja uma contenção das decorrências lógicas do princípio da presunção de inocência em que o que mais impacto tem é o do instituto da prisão preventiva. 83

77

Idem.

78 MOURA, José de Souto, ob. cit. pp. 40 e ss. 79 Idem.

80 O tratamento igualitário ao qual nos referimos é só em relação ao tratamento jurídico, “ o

princípio não pode fazer-se valer onde o tratamento desigual deriva da própria esfera de liberdade de quem lide com o arguido.” A título de exemplo, se o despedimento de uma pessoa não pode ocorrer só pela sua condição de arguido, já a admissão de um trabalhador que se processe ao nível contratual poderá ser recusada com base na falta de confiança, pois o direito ao trabalho constitucionalmente previsto nos termos do arts. 58º e 59º da CRP, “não se trata de um direito a um certo e determinado posto de trabalho” pois na génese da relação laboral “ está exactamente o exercício da liberdade contratual.” MOURA, José de Souto, ob. cit. pp. 40 e 41.

81 Relativamente a estes direitos, é inegável a existência de direitos conflituantes e, por isso, será

necessário proceder-se à sua compatibilização. É o caso dos interesses e direitos do arguido (direito a dignidade humana ligado à presunção de inocência) e por outro lado os colectivos (o direito à informação e imprensa). Vai ser abordado nos próximos capítulo com maior profundidade a relação conflitual dos direitos em causa, entre arguidos e a própria Comunicação Social e até que ponto o direito à informação se poderá impor face aos direitos do arguido.

82 Idem. 83 Ibidem, p. 44.

(26)

18

2.2 Princípio da presunção de inocência ou/e princípio in dubio pro reu?

Muito se tem dito sobre estes dois princípios, se podem ou não ser equiparados, o que tem levado a que se teçam, por parte da doutrina, várias e diferentes opiniões acerca do assunto. Contrariamente ao que Cavaleiro de Ferreira defende, 84 parece-nos não se poder ver na constitucionalização da presunção de inocência uma duplicação do princípio segundo o qual a subsistência da dúvida deve favorecer o arguido pois para isso socorrer-nos-emos ao princípio in dubio pro reu.85 86 Para este autor, os dois princípios traduzem-se “na opção de absolver um condenado e não condenar um inocente quando substituam dúvidas quanto à prática dos factos pelos quais o arguido se encontra acusado, vigorando sempre a presunção de inocência, independentemente da natureza dos factos probandos a que se refira a falta ou insuficiência de prova”,87 aplicando-se assim aos factos constitutivos, extintivos, modificativos e impeditivos, vigorando, em qualquer dos caso, a necessidade de prova plena em desfavor do arguido.88Costa Pimenta89 distingue para a presunção de inocência dois sentidos: um referente ao estatuto do arguido e outro relativo aos meios de prova. Ora, quando o autor se refere à presunção de inocência enquanto relacionada com os meios de prova identifica-a com o princípio in dubio pro reo, à semelhança do que Cavaleiro de Ferreira defende, tendo como consequência da sua aplicação o arquivamento processo por falta de prova. O que nos faz parecer que também este autor, ao referir-se aos dois

84 FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Curso de processo penal, vol. I, Lisboa: Editorial Danúbio,

Lda., 1986, pp. 216 e ss.

85A opinião de Alexandra Vilela segue neste sentido. Cf. VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e

ss.

86 Mesmo ao nível probatório o princípio da presunção de inocência tem um significado e

alcance que o princípio in dubio pro reu não consegue abranger. A presunção de inocência é a forma de garantir que não sejam condenados culpados. Enquanto o in dubio pro reu só é accionado quando surgir em relação à verificação de factos um caso de dúvida. A presunção de inocência não se esgota neste aspecto, dado que o facto de essa dúvida não surgir, e por isso não haver lugar a aplicação do princípio in

dubio pro reu, pode igualmente configurar uma situação violadora da presunção de inocência. Para um

maior aprofundamento. BOLINA, Helena Magalhães, ob. cit. pp. 443 e ss.

87Apud, VILELA, Alexandra, ob. cit. pp. 77 e ss. 88 Idem.

89

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princípios, os trata como equivalentes.90 Castanheira Neves, ao defender e fazer a distinção dos dois princípios, aponta o surgimento da presunção de inocência atribuindo-lhe consequências ao nível do tratamento a outorgar ao arguido ao longo de todo o processo penal. Em relação ao princípio in dubio pro reo, há o objectivo de responder à questão “de saber qual a decisão a tomar quando o tribunal, uma vez chegado o momento de se pronunciar sobre a questão, não adquira a certeza sobre os factos que constituem a acusação e, em relação aos quais, não há a aquisição de um convencimento real e efectivo de que o réu é o responsável pelo crime cometido, concluindo que o princípio em causa proíbe a condenação penal baseada na dúvida.” 91 92

Acrescenta que não se pode entender o princípio in dubio pro reo como estando na base de uma presunção de inocência, que se pudesse impor ao processo criminal, não tendo que se invocar o princípio da presunção de inocência. 93Outra das aplicações do princípio in dubio pro reu reside na opção pela solução mais favorável ao arguido, quando surja a dúvida, não sobre os pressupostos da punição, se estão preenchidos os requisitos do crime tipificado, mas sobre as particularidades concretas do comportamento do próprio arguido ou do objecto da sua acção, que vão ter repercussão jurídica.94 José de Souto Moura afirma que esta opção pela solução mais favorável ao arguido parece ser um corolário do princípio da presunção de inocência. Para o justificar diz-nos que as decisões penais para se imporem e para convencerem têm de ser fundadas, e esse fundamento reside na matéria de facto que vai ser dada por provada, ou seja, baseia-se nas provas dadas.95 O princípio in dubio pro reu está intimamente ligado a questão da produção de prova e da distribuição do ónus da prova, “é a dúvida, a não prova, o infundado.”96 E por isso, nesta não prova não se poderá cimentar o que quer que seja, isto é, nem a absolvição nem a condenação e, pelo facto de o juiz não puder terminar o processo com um “non liquet”, terá de optar por uma das duas opções. Mas porque a opção pela absolvição? Porque as consequências da não prova devem ser

90

Cf. art. º 277. º n. º 2 do CPP.

91

NEVES, A. Castanheira, ob. cit. p. 56.

92 Idem. 93 Ibidem.

94 Por exemplo, no furto, a dúvida sobre o valor da coisa subtraída tem que resolver-se optando

pelo valor menos elevado. A dúvida sobre se o agente transportava ou não armas quando actuou deverá resolver-se tendo em conta a segunda hipótese, entre outros exemplos. “Sempre que a dúvida seja sobre factos e a consideração duns ou de outros não seja indiferente para o arguido, o in dubio aparecerá.” MOURA, José de Souto, ob. cit. p. 47.

95

Idem, p. 46.

96 Enquanto na presunção de inocência uma das suas principais consequências revela-se na não

Referências

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