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PROFESSORA NÃO É TIA: PROFESSORA É EDUCADORA

TEACHER IS NOT AN AUNT: TEACHER IS AN EDUCATOR

Humberto Corrêa dos Santos*

RESUMO:

A família e a escola constituem bases primordiais para a formação educacional de uma criança. Contudo, essas instituições têm papéis distintos que não devem ser confundidos. Ao permitir que o aluno trate a professora por tia, cria-se uma confusão na mente da criança; afinal, como entender que a professora tia não permite tudo, se a tia da família permite? Este estudo de revisão tem como objetivo investigar os porquês do modismo tia, atribuído à professora e apontar aspectos negativos desse tratamento. Para tanto foram utilizadas as ideias defendidas por Novaes (1992) e Freire (1997). A autora acredita que a denominação de tia foi atribuída pelas mães que trabalhavam fora de casa e não queriam deixar seus filhos à mercê de uma professora autoritária. Por sua vez, Freire afirmou que essa denominação teve caráter ideológico a fim de impedir que a professora lutasse por seus direitos. O estudo concluiu que chamar a professora de tia pode levar o aluno a formar um conceito indevido do papel que a professora e a escola têm em sua vida. Afinal, as competências necessárias ao magistério vão além do afeto e cuidado que as tias podem oferecer às crianças.

PALAVRAS-CHAVES: Educação; Modismo; Professora não é tia; Direitos da professora. ABSTRACT:

The family and the school are primary foundations for the educational development of a child. However, these institutions have distinct roles which should not be confused. By allowing the student to treat a teacher as an aunt, a confusion is created in the mind of the child; after all, how to understand that the aunt teacher does not allow everything that the family aunt allows? This review study aims to investigate the reasons of the aunt fad, attributed to the teacher and to point negative aspects of this treatment. To do so, were utilized the ideas defended by Novaes (1992) and Freire (1997). The author believes that the denomination of aunt was attributed by mothers who worked out of home and did not want to leave their children at the mercy of an authoritarian teacher. Freire affirmed that this denomination had an ideological character in order to impede the teachers to fight for their rights. The study concluded that calling the teacher by aunt could lead the students to form an improper concept of the role that the teacher and the school have in their lives. Ultimately, the necessary teaching skills go beyond affection and care that aunts can offer to children.

KEYWORDS: Education; Fad; Teacher is not an aunt; Rights of the teacher. 01 – INTRODUÇÃO

Houve um período em que a relação entre professora e aluno era da mais completa submissão. O uso de castigos exagerados, da palmatória, de toda a série de punições físicas e psicológicas concorria para que a criança não respeitasse a professora e que tivesse medo de ser punido; impedindo, consequentemente, que o aprendizado ocorresse de forma ideal.

* Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba e graduado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Patos de Minas. Professor da Rede Municipal e Estadual de Educação e coordenador do Polo de Patos de Minas da Universidade Aberta do Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/3295386682108935.

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Sobre essa forma repressora de ensinar, Paulo Freire (1997, p. 72) destaca as expressões: “Pancada é que faz homem macho. Castigo é que ensina o menino a aprender” e afirma que essas ideias eram compartilhadas por professoras que carregavam “na intimidade de seu corpo a ideologia autoritária dominante.”

Por volta do século XIX até boa parte do século XX (ARAGÃO; FREITAS, 2012), além do uso da palmatória, aplicavam-se, também, “castigos corporais não previstos em lei, tais como: vergastadas com varas de marmelo, com réguas e até o suplício das pontas de lápis aplicadas às cabeças infantis (SILVA, 1975, apud SANTOS, 2012, p. 118), a fim de manter o aluno quieto e ciente de quem era a autoridade em sala de aula.

Em pesquisa realizada por Silva (2011) uma das entrevistadas afirmou que as lembranças de seus primeiros professores não eram positivas, pois deixaram marcas profundas no processo de sua aprendizagem.

À medida que a sociedade foi evoluindo e se conscientizando dos direitos à liberdade, à proteção e à democracia, houve mudanças em relação ao comportamento autoritário da professora que, por consequência, traumatizava os alunos.

Essa mudança acompanhou a mudança do papel da mulher junto à sociedade e à família: a mulher passou a trabalhar fora de casa e a contribuir com o desenvolvimento econômico da comunidade e com a renda familiar; a mulher deixou, assim, de ser apenas dona de casa e de, sobretudo, ficar por conta exclusiva da educação de seus filhos.

Em virtude desse novo papel na sociedade as mães passaram a deixar os filhos pequenos sob os cuidados de outrem e, em muitos casos, sob o cuidado de uma escola, para irem trabalhar. Por não estarem mais o dia todo junto aos filhos, as mães não desejavam, contudo, que suas crianças ficassem à mercê de um ambiente autoritário, e sim, junto a alguém que pudesse dar atenção, cuidado e, também, carinho, aos seus filhos.

Esse comportamento das mães é uma das explicações existentes ao modismo de chamar de tia, a professora e constitui a teoria defendida por Maria Eliana Novaes que escreveu a obra Professora primária, mestra ou tia, e afirmou que as mães não desejavam entregar seus filhos à figura terrível das professoras

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passando a entregá-los à figura boazinha da tia (NOVAES, 1992).

Por sua vez Paulo Freire (1997) acreditava que atribuir à professora condição de tia teve caráter ideológico, que era uma armadilha utilizada pelos governantes a fim de iludir a professora tentando “amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais” (FREIRE, 1997, p. 18).

As ideias defendidas por Novaes (1992) e Freire (1997) são, para o autor deste artigo, bastante sensatas e demonstra a ineficácia de tratar de tia uma educadora. Afinal de contas, a escola não é uma extensão familiar (NOVAES, 1992) e professor deve lutar sim, pela dignidade de sua profissão e pelo respeito ao seu trabalho junto aos alunos, à família e à sociedade (FREIRE, 1997).

Este estudo de revisão teve como objetivo investigar os porquês desse modismo e apontar aspectos negativos desse tratamento. Para tanto, fez-se uma análise das teorias defendidas por Novaes (1992) e Freire (1997) e uma revisão junto à literatura existente sobre a temática.

O estudo propõe ainda ao leitor a seguinte reflexão: a escola não é uma extensão da casa do aluno e o hábito de permitir e, até mesmo incentivar a criança a chamar a professora de tia pode levar o aluno a formar conceitos equivocados sobre o papel que a professora e a escola têm em sua vida e a não compreender a relação ideal que deve haver entre educador e educando.

É importante ressaltar que este estudo utilizou o gênero feminino por entender que os primeiros anos de vida escolar são, até os dias atuais, conduzidos muito mais por professoras do que por professores. A inserção da mulher no magistério sempre mostrou uma relação com a domesticidade com o fato de que essa profissão era e muitas vezes ainda é considerada como uma extensão do papel que a mulher exerce como mãe (LEON, 2009).

O ideal do professor abnegado, disponível para o aprendizado constante e para uma missão infindável, qual seja o de ensinar as crianças – que nunca param de chegar às escolas –, é perfeitamente adaptável ao ideal de mulher. A provedora, a amorosa, a curadora, a disponível para o marido e filhos e que se torna a professora (COELHO, 2006, p. 89).

Em decorrência desse ideal de professora abnegada é que muitas vezes a profissão docente, sobretudo a direcionada aos primeiros anos de vida escolar, tem sido atrelada ao lar, ligada à maternidade (NASCIMENTO, 2010).

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Este estudo procurou, antes de analisar as teorias de Novaes (1992) e Freire (1997), investigar de que forma surgiu o modismo de tratar adultos, por tia. Essa investigação também foi realizada por vários especialistas sendo que autores como Machado e Popovic, examinados na obra de Novaes (1992), afirmaram que não há nenhum país no mundo que cultive esse hábito do brasileiro. Não há também nenhum registro que indique, de forma precisa, em que época essa forma de tratar mulheres adultas, por tia, começou.

Novaes (1992) acredita que esse costume surgiu na década de 50 do século XX quando crianças aprenderam a chamar as senhoras, amigas dos pais, de tias, por dificuldade de aprender o nome dessas pessoas. “Tratando-as por ‘tias’ o relacionamento das crianças seria facilitado. A partir daí o hábito se estendeu às professoras dos cursos pré-escolares (década de 60) e mais tarde (década de 70), às professoras das escolas do antigo primário” (NOVAES, 1992, p. 127). A autora salienta que essa periodização foi feita com base em sua experiência pessoal, uma vez que não encontrou nenhum registro específico.

02 – PROFESSORA EDUCA

Por muito tempo as poucas mulheres que trabalhavam fora de casa eram condicionadas a seguir o magistério em razão do estereótipo de que lidar com crianças era serviço de mulher, de que a capacidade de se doar ao exercício do magistério era exclusiva do gênero feminino, por que a mulher é mais meiga, carinhosa, paciente e maternal, conforme já abordado. Na escola os filhos aprendiam as disciplinas regulares com essas professoras e, em casa, as mães direcionavam aos filhos, atenção e carinho.

Inácio e outros (2009, p. 7) endossam esse entendimento e vão além ao afirmar que o magistério constitui-se, também, uma forma da mulher ter uma ocupação fora de casa. Os autores assim se expressam:

a profissão estava ligada a uma missão própria da mulher, como missão tão própria do gênero feminino. Ao consagrar a mulher professora por sua natureza materna capas de professar na maternidade espiritual, interligava-se, concomitantemente, vida profissional e familiar. Este era o único caminho que se abria à possibilidade de uma ocupação para a mulher que não fosse só a do lar (INÁCIO et al., 2009, p. 7).

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Nesse sentido, Novaes (1992, p. 103) afirma: “A incorporação da mulher na função docente foi justificada como uma extensão das atividades femininas além dos limites domésticos. Cuidar de crianças, educá-las continuava a ser tarefa de mãe, portanto, nada melhor do que a mulher, mesmo solteira, para executá-la.” Nesse período em que a função docente era mais bem valorizada e antes da mulher ter uma participação mais ativa no mercado de trabalho, a professora era considerada, portanto, como uma segunda mãe do aluno.

Posteriormente, entre o final da década de 60 e início da década de 70 do século XX, com a inserção acentuada das mulheres no mercado de trabalho, outras profissões que não a do magistério fizeram com que as mães deixassem de cumprir um de seus principais e costumeiros papéis junto à família: o de educadoras dos filhos. As mães deixavam, assim, de complementar a educação que os filhos recebiam na escola por falta de tempo.

Ao mesmo tempo em que isso ocorria com a mulher dona de casa e mãe, a professora primária, antes mais bem qualificada e respeitada, passou a ser considerada apenas como alguém que possuía alguma competência capaz de capacitá-la a tomar conta dos alunos; ao passo que os especialistas em educação galgavam degraus junto à burocracia educacional, segundo Novaes (1992).

As professoras primárias executavam, assim, o planejamento elaborado por especialistas e técnicos educacionais e, dessa forma, conscientes ou não “reproduziam a prática da obediência, da memorização, da mecanização e da desqualificação do processo de ensino-aprendizagem, pois poucos pensavam e muitos executavam” (SILVA, 2011, p. 6-7).

Ocorre que essa desqualificação do papel da professora, a “expropriação do saber” conforme designa Novaes (1992, p. 92) permitiu que o trabalho por ela desenvolvido em sala de aula passasse a ocupar posição secundária na escola perdendo, consequentemente, sua autonomia. “Assim, como a segunda mãe de seus alunos, passa a ser tratada de tia” (NOVAES, 1992, p. 92).

Essa realidade apresentada em que mães trabalhavam fora e professoras primárias eram consideradas capazes de tomar conta de alunos, absorvendo uma função disciplinadora e controladora em detrimento da função primordial de ensinar, possibilitou com que a criança identificasse sua professora como um parente postiço

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(NOVAES, 1992). Foi nesse cenário de não participação do planejamento educacional que as professoras tiveram a nobre missão de educadora, transformada em função de tia (SILVA, 2011).

Essa função de tia, atribuída à professora dos primeiros anos da vida escolar, constitui aspecto ainda mais nocivo e preocupante à medida que se faz uma análise do papel que a verdadeira tia possui junto às crianças. Utilizando afirmações do educador Machado, a autora Novaes (1992) ressalta essa questão:

Costumo dizer que o papel da tia é melhor e mais fácil que o da mãe. A tia é aquela que apóia, acha lindo tudo que os sobrinhos fazem, dá presentes, leva para passear e depois devolve para a mãe a quem cabem todos os encargos desagradáveis: zangar, mandar tomar banho, escovar dentes, deitar, etc. não raramente a tia é a heroína dos sobrinhos que pensam ‘Por que mamãe não é como ela?’ (MACHADO, 1981, apud NOVAES, 1992, p. 126).

Diante dessa pertinente colocação, inferem-se aspectos nocivos à denominação errônea de tia à professora, tanto para a criança, como para a professora e a própria família do aluno.

A criança, mesmo pequena, compreende o papel que a verdadeira tia tem em sua vida e sendo assim, espera receber da tia da sala de aula o mesmo tratamento da tia da família: tolerância à indisciplina, premiação por executar obrigações e toda a sorte de permissividade. Se a criança, ao chamar a professora de tia, recebe um tratamento diferente do que se espera haverá um conflito que, por certo, prejudicará seu aprendizado e afetará suas emoções.

Por consequência, esse reflexo negativo no aprendizado da criança é percebido pela família que passa a cobrar da professora tia ou mesmo da escola uma atenção maior ao filho com dificuldades. Ao perceber esse conflito, a família passa a exigir muito mais da professora: quer que seu filho seja tratado como um sobrinho, mas quer que seu filho aprenda corretamente os conteúdos curriculares.

Por sua vez, a professora sente necessidade de manter a disciplina, autoridade e respeito, mas se inibia em virtude das cobranças dos pais dos alunos ou mesmo por receio de perder sua função de professora ao exigir direitos que possui em reivindicar o exercício de seu verdadeiro papel em sala de aula: conduzir o aprendizado dos alunos.

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A posição secundária da tia, dentro de uma família em relação à educação dos sobrinhos não pode ser transferida para a professora. A professora ideal não deve assumir um papel secundário na educação da criança, muito pelo contrário, ela é condutora desse processo.

Para tanto, é preciso que a criança aprenda a distinguir tia de professora e a se relacionar com as duas. Afinal, quando a criança trata sua professora por tia, ela permanece ligada, de forma regressiva, aos laços familiares o que gerará efeitos negativos para sua vida junto à família e à escola. Ao perder o sentido de parentesco a criança sentirá dificuldade de compreender a estrutura familiar; tratando a professora, como tia, a criança não a reconhecerá em sua individualidade (NOVAES, 1992).

03 – PROFESSORA TEM DIREITOS

Ao defender a ideia de que professora não é tia, Freire (1997) fez questão de afirmar e reafirmar que não desprezava o papel de tia na vida do aluno ou de quem quer que seja, pois uma professora pode ter sobrinhos e qualquer tia pode ser professora. O desejo do autor é que as pessoas compreendessem que as diferenças entre tia e professora são fáceis de identificar; que para ensinar é preciso haver competências específicas à profissão ao passo que ser tia é apenas uma relação de parentesco.

Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos mas não se pode ser autenticamente professora mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos alunos (FREIRE, 1997, p. 9, grifos do autor).

Freire (1997) afirma que esse modismo em transformar a professora em tia, em um parente postiço, foi criado no final da década de 60 e início da década de 70 do século XX e representa mais um capítulo na desvalorização profissional do educador.

Nessa mesma direção, Silva (2011) ratifica os ensinamentos de Freire (1997) ao afirmar que a luta da mulher por sua identificação profissional como

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educadora não pode ser impedida por representações impostas no sentido de reduzi-la ao papel de tia, desmerecendo sua importância junto à sociedade.

Freire (1997) recusa a designação de tia para a professora à medida que essa identificação tem como objetivo inibir a luta por um reconhecimento digno à profissão de educadora. Afinal, como boas tias, as professoras não devem levantar bandeiras a fim de melhorar salários e condições de trabalho: “quem já viu dez mil “tias” fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado?” indagou Freire (1997, p. 9-10, grifos do autor).

Quanto mais se aceita ser tia ou tio, mais a sociedade estranha as reivindicações do educador. Torna-se urgente mudar esse comportamento e incentivar a professora a lutar pelos seus direitos. Porém, algumas educadoras argumentam que o fato do aluno chamá-las ou não de tia não altera o salário irrisório, a desconsideração com que são tratadas; o que Freire (1997) considera como uma posição cômoda de quem se demite da luta.

É primordial e urgente que o magistério no Brasil seja tratado de forma digna a fim de que os pais e a sociedade possam esperar e exigir dos professores uma atuação eficaz. Atuação essa que refletirá na conduta das crianças que são as futuras condutoras do desenvolvimento e das transformações sociais do País. “É bem verdade que a educação não é a alavanca da transformação social, mas sem ela essa transformação não se dá” (FREIRE, 1997, p. 35).

Por ter um papel primordial nessa transformação social é que a professora, incluindo a que exerce o ministério nos primeiros anos de vida escolar do aluno, precisa firmar-se como educadora buscando adquirir uma formação contínua, um compromisso ético, uma consciência profissional e uma motivação para esse trabalho (MOITA; ANDRADE, 2006) e isso só ocorre à medida que é reconhecida com essa identidade profissional.

Contudo, a luta da professora para afirmar sua identidade profissional perde força à medida que a criança trata-a por tia, uma vez que esse tratamento favorece o anonimato. Afinal, a maioria dos alunos, chamando-a de tia, não usará seu nome. A professora será assim percebida como boazinha e manipulável e professora boazinha é professora alienada que perde sua identidade e dignidade como integrante de uma classe profissional (ANTUNES, 2002).

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Nesse sentido é que a professora deve lutar por se firmar como uma profissional da educação e assumir, se achar necessário, uma postura política e cultural junto às crianças, às famílias, às escolas onde leciona, junto à sociedade onde vive e, também, junto aos governantes. Um dos primeiros passos que a professora deve dar para se firmar nessa luta, é evitar o tratamento de tia e impor sua identidade, construindo, assim, uma relação ideal com seus alunos, que não significa uma relação de parentesco.

04 – A RELAÇÃO IDEAL ENTRE PROFESSORA E ALUNO

Não se pode menosprezar o caráter interpessoal do exercício do magistério, esquecer que a relação entre professora e aluno é essencial ao exercício dessa profissão, que não basta o domínio de competências, é preciso haver uma atitude de entrega nesse mister (MENDES, 2006).

Além desses fatores, a análise das relações entre professora e aluno deve levar em conta outras diversas questões como as: “do ensino, da aprendizagem, do processo de conhecer-ensinar-aprender, da autoridade, da liberdade, da leitura, da escrita, das virtudes da educadora, da identidade cultural dos educandos e do respeito devido a ela” segundo Freire (1997, p. 51).

As questões do ensino e da aprendizagem ideais devem levar em conta que ensinar não é transferir conhecimentos, de acordo com Freire (1997) e sim, criar possibilidades para a produção e construção de conhecimentos.

Afinal, não basta competência técnica para ensinar, é preciso que haja “uma visão de mundo ampla e compromisso com o tipo de ser humano que queremos formar, ou seja, decisão política, o que não se verifica com frequência na história da educação básica” (SILVA, 2011, p. 9). É necessário, portanto, que a professora não se torne passiva frente às mudanças sociais, pois somente assim, terá condições de manter com o aluno uma relação adequada ao ensino e aprendizagem.

Ao não se tornar passiva diante do que acredita e anseia conseguir como reconhecimento de seu trabalho, a professora deve ser também coerente e compreender que seus alunos também têm liberdade e que essa liberdade não é

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uma afronta à sua autoridade de educadora e condutora do ensino em sala de aula. Lutar por liberdade e compreender a liberdade dos educandos é uma das muitas virtudes da educadora; é preciso ser coerente nas atitudes frente aos alunos, pois eles são capazes de identificar essas contradições (FREIRE, 1996).

Quando a professora compreende e respeita a liberdade do educando não significa que ela perde a autoridade em sala de aula; a liberdade do educando não deve se perder na licenciosidade (FREIRE, 1996). Além do mais, agir com autoridade não significa ser arrogante, e sim ter segurança, saber impor respeito e assumir a identidade de condutora do ensino e da aprendizagem.

Deve-se levar em conta que quando a educadora rejeita ser tratada por tia, em vez de professora, não indica malquerer, pois afinal, segundo Freire (1996, p. 159): “ensinar exige querer bem aos educandos.” O que a professora não pode permitir é que a afetividade interfira no exercício de sua autoridade impedindo-a de praticar, adequadamente, seu ministério.

Em relação à identidade cultural dos educandos e o respeito a ela, Freire (1996) afirma que uma das tarefas mais importantes da prática educacional é reconhecer e aceitar a identidade cultural do aluno e, mais, fazer com que ele se assuma como ser social e histórico. Esse processo de identificação se inicia nos primeiros anos de vida escolar. E essa identificação passa, também, pela compreensão dos reais laços de parentesco que o aluno possui, é nessa identificação que ele saberá que sua professora não é sua tia.

De acordo com Paulo Freire (1997, p. 66): “As educadoras precisam saber o que se passa no mundo das crianças com quem trabalham. O universo de seus sonhos, a linguagem com que se defendem, manhosamente, da agressividade de seu mundo, o que sabem e como sabem independentemente da escola.” Para tanto, não se faz necessário que haja entre professora e educando uma relação semelhante à de tia/sobrinho para que a professora compreenda o mundo da criança. Essa compreensão ocorre em virtude de competências adquiridas pela professora ao longo do exercício de sua profissão.

Ao adquirir competências necessárias a professora se conscientiza de que o magistério “não é uma vocação ou um “chamado”, ao qual se atende por ser mulher; ao perceber que o magistério é uma profissão que exige sólida formação

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pedagógica, esforço, dedicação e competência e espírito de classe” (BRUSCHINI, AMADO, 1988, p. 11), a professora criará forças para reivindicar o reconhecimento de sua profissão e saberá a melhor forma de demonstrar aos seus alunos que a ela não cabe o papel de tia e sim de educadora.

A prática educativa é algo muito sério. A professora lida com gente e participa de sua formação e se tiver bom preparo, gosto pelo ensino contribuirá, certamente, para que seus educandos se tornem “presenças marcantes no mundo” afirma Freire (1997, p. 32).

05 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao constituírem pilares indispensáveis na formação educacional de uma criança a família e a escola têm papéis distintos que não devem ser confundidos nem, muito menos, serem trocados. A família é responsável pela educação afetiva e comportamental das crianças ao passo que a escola é responsável pelo processo do ensino e da aprendizagem de disciplinas diversas.

Não há registro da época exata que esse modismo, de chamar a professora de tia, começou no Brasil, que é, segundo os especialistas investigados neste estudo, o único país do mundo que tem esse costume. Não há, também, consenso dos motivos que levaram a essa prática.

Quanto aos motivos que levaram as crianças a denominarem suas professoras de tias há duas correntes distintas entre especialistas da educação que mereceram destaque neste estudo. Por um lado há quem acredite que esse costume foi incentivado pelas mães que começaram a trabalhar fora de casa e que não desejavam que seus filhos fossem entregues a uma professora autoritária como a existente em sua época.

A segunda corrente atribuiu esse modismo a uma forma que governantes encontraram para inibir as professoras a lutarem por direitos de melhores salários, condições de trabalho e reconhecimento profissional. Afinal, nenhuma tia deixa de cumprir a obrigação para com seu sobrinho em detrimento de um direito seu.

Ressalta-se que não há pesquisa que comprove qual das duas correntes é a correta. Mas há estudos que defendem que essas ideias são, de fato, as

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motivadoras para a manutenção desse costume. Este estudo defende a posição de que os dois motivos foram e são capazes de fazer com que esse hábito permaneça ainda nos dias atuais à medida que há quem deseje inibir a luta das professoras por seus direitos; há quem incentive esse modismo com o objetivo de assegurar um tratamento carinhoso e permissivo ao aluno que não tem, em tempo integral, uma mãe dentro de casa que lhe dê carinho e atenção.

Porém, quando a escola, professoras e pais permitem ou incentivam o aluno a tratar a professora por tia, cria-se uma confusão na mente da criança ou uma troca de papéis entre a família e a escola, ocasionando, no mínimo, uma das duas reações: a) a incompreensão por parte da criança que não entende por que a professora – a quem chama de tia – não permite que ela faça tudo que a tia da família tolera; b) a permissividade em sala de aula decorrente do comportamento da professora tia que aceita e assume o papel de boazinha.

Sem dúvida alguma, a professora não deve cumprir sua missão de forma repressiva como a que existia nos tempos dos castigos exagerados, da palmatória, nem tampouco deve ser permissiva, como tem ocorrido nas escolas que aceitam e, muitas vezes, incentivam o uso da palavra tia para designá-la. É preciso, portanto, acabar com esse modismo e atribuir à professora e ao aluno os verdadeiros papéis que possuem numa relação de ensino e aprendizado.

Não cabe, portanto, numa relação ideal entre professora e aluno, o medo de ser punido em sala de aula, que era uma constante no ensino tradicional; o medo de reivindicar direitos de melhores condições de trabalho e salário, por parte das professoras; nem, tampouco, a falsa ideia de que professora é membro da família do aluno; que professora é tia postiça e, por isso, deve ser sempre uma pessoa bondosa, que chega a ser indulgente a fim de não magoar o sobrinho postiço.

É preciso que os pais, os professores, as escolas e todos os envolvidos na educação da criança compreendam que a escola não é uma extensão da casa do aluno e o hábito de permitir e, até mesmo incentivar a criança a chamar sua professora de tia é prejudicial a todos os envolvidos.

É preciso, sobretudo, que haja conscientização das professoras dos primeiros anos de vida escolar no sentido de levá-las a se posicionarem sobre o papel que possuem na sociedade, o valor que têm e a necessidade de trabalharem

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a autoestima a fim de compreenderem que as competências necessárias ao exercício do magistério vão além do afeto e cuidado que as tias podem oferecer às crianças.

06 – REFERÊNCIAS

ANTUNES, Celso. Professor bonzinho = aluno difícil: a questão da indisciplina em sala de aula. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

ARAGÃO, Milena; FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Práticas de castigos escolares: enlaces históricos entre normas e cotidiano. Conjectura, v. 17, n. 2, p. 17-36, maio/ago. 2012.

BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. AMADO, Tina. Estudos sobre mulher e educação: algumas questões sobre o magistério. Cad. Pesq., São Paulo, n. 64, p. 4-13, fev. 1988.

COELHO, Wilma de Nazaré Baía. Da naturalização do papel social da mulher à função de professora: reflexões sobre ideal de formação no I.E.E.P – Estado do Pará. Revista OPSIS, v. 6, n. 1, p. 79-95, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Água, 1997.

INÁCIO, Clarissa Betanho et al. Ser normalista, ser professora nos “anos dourados”: memórias de professoras primárias no Triângulo Mineiro nas décadas de 1940-1950. In: VIII Seminário Nacional de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação No Brasil" História, Educação e Transformação: Tendências e Perspectivas. 30 de junho a 3 de julho de 2009. Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Anais... 2009.

LEON, Adriana Duarte. Algumas reflexões sobre gênero e profissão docente.

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MENDES, Magda Maria de Souza. Professora ou tia? A polêmica formação do professor do primeiro segmento do Ensino Fundamental. 2006. 186f. Dissertação (Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais). Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2006.

MOITA, Filomena Maria G. S. Cordeiro; ANDRADE, Fernando César B. O saber de mão em mão: a oficina pedagógica como dispositivo para a formação docente e a construção do conhecimento na escola pública. In: XXIX Reunião Anual da ANPED, Caxambu, 2006. Anais... 2006.

NASCIMENTO, Denise. Papel da mulher no magistério. Planeta Educação. 12 fev. 2010.

NOVAES, Maria Eliana. Professora primária: mestra ou tia. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1992.

SANTOS, Humberto Corrêa dos. Escolas municipais rurais de Patos de Minas – MG

(1941-1998): da expansão à nucleação. 2012. 176f. Dissertação (Mestrado em

Educação). Universidade de Uberaba. Uberaba, 2012.

SILVA, Ilma Maria de Oliveira. A professora primária e as representações construídas socialmente na memória das alunas do curso de Pedagogia da Uema. In: XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador. Anais... 7 a 10 ago. 2011.

SILVA, Nancy Ribeiro de Araújo e. Tradição e renovação educacional em Goiás. Goiânia: Oriente, 1975.

Referências

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