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A atuação da rede de equipamentos de segurança alimentar e nutricional no programa fome zero de 2003 a 2010

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UNIVERSIDADE DE TRAS OS MONTES E ALTO DOURO

ANA MARIA DE OLIVEIRA

A ATUAÇÃO DA REDE DE EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO PROGRAMA FOME ZERO DE 2003 A 2010

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UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO Departamento de Economia, Sociologia e Gestão

A ATUAÇÃO DA REDE DE EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO PROGRAMA FOME ZERO DE 2003 A 2010

Dissertação apresentada à Universidade de Trás os Montes e Alto Douro-UTAD como requisito

parcial à Obtenção de Mestre em Gestão.

Orientador: Prof. Dr. Artur Cristovão.

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Agradeço ao professor Doutor Artur Cristovão, meu orientador, que acolheu com alegria o tema ao qual me dediquei e apontou as direções para que trilhasse meu caminho de pesquisa e busca pela qualidade do resultado apresentado.

Ao Secretário Executivo do MDS, Dr. Romulo Paes que sedimentou os rumos da instrumentalização teórica guiando-me nesse extenso e gratificante tema da gestão da política pública.

Aos colegas coordenadores e técnicos da SESAN e da SAGI que, gentilmente, disponibilizaram fontes de pesquisa, cruciais para esse trabalho.

A professa Carla Marques, que sempre me orientou com presteza e clareza.

Especialmente, agradeço ao Gleber Naime, que me apóia em tudo e é parceiro de vida e de projetos.

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RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar o processo de implantação dos programas que compõem a Rede de Equipamentos de Alimentação e Nutrição (REDESAN), constituída por Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Banco de Alimentos que compõem a Política Nacional de Segurança Alimentar e Combate à Fome, no período de 2003 a 2010. Para tanto, serão apresentados os elementos que constituem a política pública social de combate a fome situando-a no quadro das políticas públicas do Brasil, por meio de análise dos indicadores de monitoramentos do Conselho Nacional de Segurança alimentar e de alguns organismos de pesquisas nacionais.

Palavras chave: Fome Zero, combate à fome, política social

ABSTRACT

The objective of this study is to analyze the process of implementation of programs that comprise the Network Equipment Food and Nutrition (REDESAN) consisting Restaurants, Community Kitchens and Food Banks that make up the National Policy on Food Security and Hunger, the period 2003 to 2010. To this end, we will present the elements that constitute the social public policy to combat hunger situating it within the framework of public policies in Brazil, through analysis of monitoring indicators of the National Food Security and some national research bodies. Keywords: Zero Hunger, fight hunger, social policy

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5 “A alimentação é o primeiro degrau constitutivo da dignidade humana”. Ministro Patrus Ananias

Apresentação

Pretende-se analisar o processo de implantação dos programas que compõem a Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição (REDESAN), constituída por Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Banco de Alimentos – componentes da Política Nacional de Segurança Alimentar e Combate à Fome –, e analisar seus impactos na ação estratégica da política de combate à fome no Brasil, no período de 2003 a 2010.

O Instituto Cidadania estimava que, em 1999, aproximadamente 44 milhões de brasileiros se encontravam na condição de vulnerabilidade à fome, o que representava 27,8% da população vivendo na condição de pobreza, segundo dados obtidos pela pesquisa Pnad – IBGE de 1999 (Silva, 2010). O Instituto, uma organização não governamental, dirigido pelo então candidato à presidência da República do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi responsável pela concepção do Projeto Fome Zero. Takagi (2006) salienta que esse projeto foi elaborado ao longo do ano de 2001 por uma equipe de especialistas contratada pelo Instituto Cidadania. O coordenador nomeado para o projeto foi José Graziano da Silva, professor universitário, atual diretor-geral da Food and Agriculture Organization (FAO).

Silva (2010) identificou a profusão de números que foram publicados à época sobre o contingente de pobres e miseráveis: 30 milhões, segundo o Mapa da Fome de 1993; 50 milhões, de acordo com os números da Fundação Getúlio Vargas (FGV); 54 milhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e 44 milhões, segundo os estudos do Fome Zero (oriundos do Instituto cidadania). O fator responsável pela disparidade entre os números é, segundo o autor, a adoção de metodologias divergentes de construção da linha de pobreza. Por esse motivo, o Instituto Cidadania procurou corrigir o que, segundo ele, consistia em uma lacuna entre as principais metodologias existentes. Adotou-se, inicialmente, a linha de pobreza de US$ 1 per capita por dia, indicada pelo Banco Mundial, por considerá-la uma renda baixa, da qual a família viveria sob condições de vulnerabilidade à fome. Considerou-se, também, a produção para o autoconsumo, utilizando-se de pesquisas sobre padrões de vida – PPV – e da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), ambas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi realizado um desconto sobre o impacto do preço do aluguel no orçamento familiar e, com tais correções, propôs-se um valor para a linha de pobreza média ponderada para o Brasil (R$ 68,48, por pessoa), abrangendo 44 milhões de pessoas, como apontam as reflexões de Silva (2010) 1 e os estudos de Takagi (2006) 2. Eram 9,3 milhões de famílias (com 4,7 pessoas) com renda familiar igual a R$ 181,10 que se aproximavam do valor do salário-mínimo em setembro de 1999 o que, para Silva (2010), não restaria dúvida em dizer que essas famílias não possuíam renda suficiente para garantir a segurança alimentar delas.

Essas pessoas foram consideradas o público potencial dos programas de combate à fome, por estarem em condições vulneráveis. Segundo Takagi (2006), o entendimento desses números, na época, ainda que

1 Silva, J. G.. (2010). Fome Zero: a experiência brasileira. In Silva, J. G.; Grossi, M. E. D.; & França, C. G. (orgs). Brasília:

MDA, p. 39.

2

Takagi, M. (2006). A implantação da Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: seus limites e desafios. Tese (Doutoramento), Unicamp/IE, Campinas, São Paulo, Brasil, p. 23.

(6)

6 divergentes, permitiu constatar que há uma aderência clara entre insegurança alimentar e renda, e, por isso, deve-se ter a população de renda mais baixa como público beneficiário prioritário para os programas de segurança alimentar.

O pressuposto de análise deste estudo será a forma como a Agenda Política de Combate à Fome do Governo Federal foi introduzida no período de 2003 a 2010 e como ela implementou um conjunto de Programas e Ações no território brasileiro, especialmente a Rede de Equipamentos Públicos – REDESAN. Para tanto, fez-se necessário revisar a literatura sobre o conceito de Política Pública no Brasil, procurando situar a Política de Segurança Alimentar e Nutricional neste contexto; realizar análise de documentação oficial sobre dados de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), de publicações de principais estudos divulgados pelos institutos de pesquisas nos últimos anos, bem como analisar documentos e reflexões internos das Secretarias Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional e de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Por fim, serão apresentadas conclusões a respeito de algumas pesquisas de indicadores de monitoramento da Segurança Alimentar e Nutricional, a fim de identificar a consistência das políticas implantadas pela REDESAN.

A metodologia utilizada nesta dissertação concentrou-se no estudo e na análise das seguintes fontes: a) secundárias: revisão de literatura; documentos do Programa Fome Zero; documentos do Governo Federal; documentos do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); dados de fontes secundárias do IBGE, Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e Ministério da Saúde (MS).

b) entrevistas com atores e equipe técnica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e do CONSEA;

c) análise de documentos internos do MDS, como Relatórios de Gestão e Notas técnicas elaborados pelos técnicos que elaboram e executam ações do Programa Fome Zero.

Para tratar do tema, esta dissertação será dividida nas seguintes partes:

1. Introdução: A fome e o Estado brasileiro.

Contextualização histórica do processo de formação do território brasileiro, enfatizando como os mecanismos de concentração de terra e de renda nele engendrados deram origem às discussões que centralizaram a fome na ordem da política de Estado.

2. O Brasil em 2002: quadro social e político, índices de pobreza e fome.

3. Marco Teórico: o processo de construção teórica do estudo.

2.1- Conceituação de Política Pública.

2.2- As políticas sociais no Estado brasileiro atual e seus arranjos político-administrativos. 2.3- A fome como elemento articulador de políticas sociais: o Governo Lula e o Fome Zero.

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7 4. Contextualização Histórica sobre o conceito de Segurança Alimentar e o Programa Fome Zero.

5. A Rede de Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional e o papel dela no conjunto de ações do Programa Fome Zero.

6. Considerações sobre os Indicadores de Monitoramento das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional.

7. Referências Bibliográficas.

(8)

8 Sumário

Apresentação 05

1. Introdução 09

1.1. Justificativa para a discussão da temática: a fome e o Estado Brasileiro 09

2. Marco Teórico: o processo de construção teórica do estudo do Programa Fome Zero

13

3. A Segurança Alimentar e o Programa Fome Zero 22

4. A implantação do Programa Fome Zero: arranjos teóricos, políticos e institucionais 31 4.1. A transformação do Programa Fome Zero: os mecanismos de Gestão do Programa

de Governo.

35 5. O papel da Rede de Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional no conjunto das ações do Fome Zero.

39 5.1. A estrutura da Rede de Equipamentos Públicos (REDESAN) 41 5.2. A Distribuição da Rede de Equipamentos Públicos no Território Brasileiro 41 5.3. A Gestão Descentralizada dos Equipamentos Públicos de Segurança Alimentar. 48 5.4. Princípios político-administrativos de Gestão Descentralizada dos Equipamentos

de Segurança Alimentar e Nutricional

52

5.5. Análises sobre o papel dos equipamentos de SAN no combate à fome 58

5.6. Aspectos Metodológicos do Conceito de Segurança Alimentar e Nutricional e de análise de seus indicadores

59 6. Análise das Dimensões 1, 2, 3, 4 e 7 do Relatório – A Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada no Brasil – Indicadores e Monitoramento

63

6.1. Dimensão 1 e 2: Produção e Disponibilidade de Alimentos. 63 6.2. Dimensão 3: Renda e despesa das famílias com alimentação. 64

6.3. Dimensão 04: Acesso à Alimentação Adequada. 65

6.4. Dimensão 07: Políticas Públicas, Direitos Humanos e o Orçamento Público. 65 6.5. Aspectos de Avaliação da Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e

Nutrição (REDESAN)

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7- Anexos 69

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9 1- Introdução

1.1- Justificativa para a discussão da temática: a fome e o Estado Brasileiro

A ocupação do território brasileiro, no contexto do Mercantilismo do século XVI, deixou profundas marcas nas estruturas sociais, econômicas e políticas do país. Priore e Venancio (2010) 3 afirmam que o primeiro instrumento institucional de ocupação das terras americanas foi a feitoria. Por meio dela, fazia-se o contato com os nativos indígenas e explorava-se o pau-brasil. Experiências no norte da África, nesse sentido, fizeram o rei D. João III optar pela divisão de terras em capitanias – cada uma delas tinha cinquenta léguas de costa e foram distribuídas entre fidalgos e, a estes, cabia criar vilas e povoados, instrumentos de justiça, instalar engenhos de cana de açúcar e moendas. Uma série de vantagens atraíam colonos para essas novas terras, pois povoar o Brasil era urgente. Os autores afirmam, também, que não havia consistência nas diretrizes administrativas de colonização até meados do século XVIII, pois, ao longo do tempo, governadores e vice-reis elaboraram regimentos e instruções a seu modo e de acordo com suas conjunturas próprias. Tal fragilidade atrasava a instalação de um governo centralizador, acarretando o surgimento de estruturas burocráticas precárias disseminadas pelo interior do Brasil. Importante destacar que o “Brasil nasceu à sombra da cruz. Não apenas da que foi plantada na praia do litoral baiano, para atestar o domínio português, ou da que lhe deu nome – Terra de Santa Cruz – mas da que unia Igreja e Império, religião e poder”.4

A historiografia tradicional retratou esse primeiro contato entre portugueses e nativos sob uma ótica romântica, há muito questionada no país. Segundo Linhares (1996) 5, pesquisas têm revelado uma realidade bem diversa das idealizações sobre a forma de ocupação da terra, por meio do instituto jurídico da sesmaria. Tais estudos revelam a generalização do sistema de arrendamentos, que permitiu a constituição de latifúndios, em virtude da apropriação e da monopolização precoce das terras.

Com mais de trinta pesquisas concluídas e com a publicação de numerosos artigos e livros, além de teses extremamente substanciais, Linhares participou de estudos em que se construiu a hipótese de que a economia engendrada no Brasil, nos primeiros séculos, baseada na agricultura extensiva, tinha sua reprodução dependente da presença de três elementos – terras, homens e alimentos –, cuja oferta deveria ser elástica.

Segundo Novais (1983, p. 58) 6, nos tempos modernos, a colonização se processa na forma de um sistema específico de relações, assumindo a forma mercantilista, e este é o sentido da colonização europeia na América. “Em outras palavras, é o sistema colonial do mercantilismo que dá sentido à colonização europeia entre os Descobrimentos Marítimos e a Revolução Industrial.” 7

Para o autor, as relações coloniais que se estabeleceram e que variaram de metrópole para metrópole conservaram entre si certos denominadores comuns, a exemplo da extensa legislação ultramarina e do comércio que estabeleceram. A expansão ultramarina e a colonização do Novo Mundo constituíram traços marcantes da história do século XVI ao XVIII, engendrando as formas políticas do Absolutismo, no plano político, e a permanência da sociedade estamental, no plano social, fundada nos privilégios jurídicos como elemento diferenciador. Absolutismo, sociedade estamental, capitalismo comercial, política mercantilista, expansão ultramarina e colonial são, segundo ele, partes de um todo, que “interagem reversivamente neste complexo que se poderia chamar, mantendo um termo da tradição, Antigo

3

Priore, M. D. & Venancio, R. (2010). Uma Breve História do Brasil. Poder e Poderes. São Paulo: Editor Planeta do Brasil, p. 40.

4

Idem, p. 28.

5

Linhares, M. Y. (1996). Pecuária, Alimentos e Sistemas Agrários no Brasil (Séculos XVII E XVIII). Revista Tempo, Niterói, v. 1, n. 2, pp. 132-150.

6

Novais, F. A. (1983). Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). (2. ed.) São Paulo: Editora Hucitec, p. 58.

7

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10 Regime”.8 Novais reforça sua análise ao citar Caio Prado Júnior, autor que, segundo ele, “indicou que a colonização moderna tem natureza essencialmente comercial, de produzir para o mercado externo, fornecer produtos tropicais e metais nobres à economia europeia, o que era o verdadeiro “sentido da colonização”.9

O economista Celso Furtado (1982) salienta os vários problemas enfrentados durante o processo de colonização das novas terras, como a técnica de produção agrícola, a criação de mercado, o financiamento, a mão de obra – tudo isso se resolveu em tempo oportuno, independente de um plano geral preestabelecido. O que importa, segundo ele, é que “houve um conjunto de circunstâncias favoráveis, sem o qual a empresa não teria conhecido o enorme êxito que alcançou. Não há dúvida que por trás de tudo estavam o desejo e o empenho do governo português de conservar a parte que lhe cabia das terras da América, das quais sempre se esperava que um dia saísse o ouro em grande escala”.10 O autor salienta que toda a economia colonial e imperial no Brasil baseou-se no trabalho escravo, pois o modelo monocultor exigia mão de obra permanente. O sistema colonial não previa meios de pagar salários a milhares de trabalhadores, mesmo porque a população portuguesa não oferecia o aporte necessário de possíveis assalariados, uma vez que sua população não chegava a três milhões de pessoas.

Entretanto, o sistema escravista sofreu intensas contestações no fim do século XVIII, à luz das revoluções europeias pelo fim do Antigo Regime, que influenciaram o processo de luta pela independência na América Portuguesa. Não se discorrerá aqui sobre as visões historiográficas do século XIX, mas é importante destacar seu expoente, representado pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, em História da independência do Brasil, escrita em 1875 que, na visão de Pimenta (2008) 11, apresenta a Independência do Brasil como uma (boa) revolução ordeira e assentada na continuidade da dinastia de Bragança e na liderança pessoal de D. Pedro I. Tal visão sintetiza o esforço historiográfico do século XIX. Somente no século XX, mais precisamente a partir de 1930, a historiografia no Brasil discorreu sobre o caráter contestatório ao Regime Absolutista e à dominação metropolitana no processo de Independência do Brasil, e o associou aos movimentos na colônia, como o de Vila Rica, que ocorreu durante a Inconfidência Mineira. No mesmo sentido, as análises sobre a Conjuração Baiana em Salvador, em 1798, viam-na como um movimento que contestava as relações metropolitanas. O lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, forjado pelos ideais da Revolução Francesa, teria ecoado nos gritos pela independência e, em alguns casos, com intenso apoio popular. Estudos mostram que as reivindicações desses movimentos se associaram ao fim da dominação colonial, buscando também, maior justiça social.

Na visão de Pimenta, a historiadora Emília Vioti da Costa sintetizou, em 1968, a problemática acerca da interpretação da Independência do Brasil: “os estudos até agora publicados permitem estabelecer as linhas básicas que devem nortear a análise do movimento da Independência: fenômeno que se insere dentro de um processo amplo, relacionado, de um lado, com a crise do sistema colonial tradicional e com a crise das formas absolutistas de governo e, de outro lado, com as lutas liberais e nacionalistas que se sucedem na Europa e na América desde os fins do século XVIII” 12.

Os conflitos ora mencionados, sejam eles de caráter regionalistas, emancipatórios, abolicionistas ou liberais, estiveram presentes nos períodos imperiais e regenciais brasileiros. Um projeto político nada linear de nação brasileira foi concebido a partir do processo de independência, ocasionando experiências absolutamente novas no cenário europeu. Um império anacrônico foi gerido depois de conturbado e

8

Novais, F. A. (1983). Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). (2. ed.) São Paulo: Editora Hucitec, p. 66.

9 Caio, P. Jr. Formação do Brasil Contemporâneo. (4. ed.), pp. 5-56, 113-123. 10

Furtado, C. (1982). Formação econômica do Brasil. (18. ed.) São Paulo: Ed. Nacional, p. 12.

11

Pimenta, J. P. G. In: A Independência do Brasil e o Liberalismo Português: um balanço da produção acadêmica. Obtido em http://revistahistoria.universia.cl/pdfs_revistas/articulo_83_1224649242546.pdf.

12

Pimenta, J. P. G. (2008). In: A Independência do Brasil e o Liberalismo Português: um balanço da produção acadêmica. Revista Digital de Historia Ibero Americana, semestral, v. 1, ano 1, p. 70-105. Obtido em http://revistahistoria.universia.cl/pdfs_revistas/articulo_83_1224649242546.pdf. 2008 | Vol. 1 | Núm.1

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11 truncado processo de independência, que conviveu com outro processo de iguais características: a abolição da escravidão. Esta aconteceu tardiamente e deixou profundas marcas na formação da sociedade brasileira, cujas mazelas delinearam suas características. É fato que a sociedade no Brasil foi formada de maneira desigual num espaço territorial gigantesco e teve de conviver com processos de gestão de políticas públicas excludentes, o que originou um contingente majoritário da sociedade com déficits educacionais, habitacionais, de saúde e, especificamente, alimentares. Desde o passado colonial, o Brasil não solucionou a lacuna de acesso e posse da terra à maioria da população, o que geriu uma sociedade com parâmetros abissais de concentração de terra e de renda. Nascida sob a égide do modelo econômico agrário exportador, ironicamente, a nação brasileira concebeu um povo destituído de terras para gerar sua renda ou seu próprio alimento.

A fome não é acontecimento recente nos países da América Latina. As denominadas colônias de exploração – entre elas o Brasil – organizaram suas atividades produtivas, como a agricultura, pecuária e mineração, para atender aos mercados externos europeus. Sobre esse processo, Silva (2010) 13 salienta a existência do “paradoxo da fome”: quanto mais riqueza geravam, mais fome e privação passavam os trabalhadores das colônias, pois a maior parte dos alimentos tinha de ser importada.

Nesse contexto, observa-se que a assistência aos pobres, desde o passado mencionado, foi marcada por um caráter filantrópico e caritativo, coordenado pela Igreja e pelos “homens bons”, limitada ao recolhimento e distribuição de esmolas, sempre associada à tutela e ao controle dos assistidos, principalmente para questões relacionadas à saúde e à higiene da população. Após a abolição da escravidão e, para atender às necessidades da inserção do país no processo de industrialização, a assistência voltou-se para a preparação ao trabalho. A elite política gerada no Brasil não atuou de maneira eficaz para solucionar problemas advindos das disparidades sociais e para as quais não foram planejadas políticas públicas adequadas. O século XX conviveu com os extremos resultados desses modelos econômicos que geraram o quadro de desigualdade social. De acordo com Bacelar (2003, p. 1) 14, o que caracterizava o Estado brasileiro no período de 1920 a 1980 era seu “caráter desenvolvimentista, conservador, centralizador e autoritário. Não era um Estado de Bem-Estar Social. O Estado era o promotor do desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade”. Para consolidar seu projeto de industrialização, segundo a autora, o Brasil manteve inalterada a estrutura da propriedade. Desde o início do século XX, argumenta, estava clara a opção pelo desenvolvimento econômico. Na interpretação dela, a “pouca ênfase no bem-estar, ou seja, a tradição de assumir muito mais o objetivo do crescimento econômico e muito menos o objetivo de proteção social ao conjunto da sociedade, fez com que o Estado adquirisse uma postura de fazedor e não de regulador. Nós não temos tradição de Estado regulador, mas de Estado fazedor, protetor; não temos tradição de Estado que regule, que negocie com a sociedade os espaços políticos, o que só hoje estamos aprendendo a fazer”.15

No início do século XX, com o fortalecimento das lutas sociais e trabalhistas, o Estado inicia um processo de ampliação de sua atuação na área social, justamente para regular as relações de trabalho no contexto da inserção do país no processo de industrialização. Em 1930, é criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTE) e é promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A partir disso iniciou-se a construção de um sistema público de proteção social de base contributiva, ou seja, apenas os trabalhadores formais, com carteira de trabalho assinada, que contribuíram para a previdência social, eram assegurados pelo Estado. Quem não estivesse incluído no sistema produtivo formal poderia ser ou não provido pelas entidades ou organizações da sociedade civil, que tinham como seus públicos os denominados pobres, carentes ou, até mesmo, incapazes para o trabalho. Nesse contexto, em 1938, é

13

Silva, J. G. (2010). Fome Zero: a experiência brasileira. In Silva, J. G.; Grossi, M. E. D. & França, C. G. (orgs). Brasília: MDA, p. 317.

14

Bacelar, T. (2003). In: Santos Júnior, O. A. et al. (organizadores). Políticas Públicas e Gestão Local: programa interdisciplinar de capacitação de conselheiros municipais. Rio de Janeiro: FASE. Obtido em http://franciscoqueiroz.com.br/portal/phocadownload/gestao/taniabacelar.pdf.

15

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12 criado o Conselho Nacional de Serviço Social, com funções de sugerir políticas sociais a serem desenvolvidas pelo governo. Entretanto, foi ofuscado pela criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), órgão colaborador do Estado e por ele financiado, que passou a atuar em todas as áreas de assistência social.

Somente a Constituição de 1988 inscreveu a assistência social como política pública de seguridade social e inaugurou uma nova época no contexto da mobilização social em torno da garantia de direitos e organização de aparato estatal. A década de 1990 foi marcada pelos movimentos sociais que pleiteavam a efetivação dos direitos contidos na Constituição Federal. A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) instituiu a responsabilidade do Estado na gestão, financiamento e execução da assistência social e delineou novo período no enfrentamento das desigualdades sociais. Com a instituição das políticas neoliberais nas últimas décadas do século XX, aprofundou-se a pobreza, a fome e a insegurança alimentar.

Em 2002, 75,9 milhões de brasileiros viviam em situação de pobreza, com meio salário-mínimo per capita. Desse contingente, 36,4 milhões viviam com menos de ¼ de salário-mínimo, na condição de extrema pobreza. Apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, o país apresentava um dos piores níveis de distribuição de renda, com coeficiente de Gini16 igual a 0,589 em 2002, o terceiro mais alto entre 110 países listados pelo Banco Mundial17. Esse cenário apresentava-se como uma ruptura aos princípios constitucionais preconizados pela Constituição de 1988, conhecida como Constituição garantidora de direitos sociais.

Em 2004, a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) procurou consolidar a assistência social como direito de cidadania e, para isso, implantar um sistema público de assistência social não contributivo, descentralizado e participativo, com função de gerir a proteção social brasileira. Com a missão institucional de promover a inclusão social, a segurança alimentar, a assistência integral e uma renda mínima de cidadania às famílias que vivem em situação de pobreza, o MDS coordenou a implantação do programa Fome Zero e executou as políticas desenvolvidas nos Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional no período de 2003 a 2010, em vigência até os dias atuais. Serão as políticas de segurança alimentar e nutricional – coordenadas pelo MDS e desenvolvidas nos equipamentos de segurança alimentar e nutricional, especificamente os Restaurantes Populares, os Bancos de Alimentos e as Cozinhas Comunitárias – o objeto de estudo aqui apresentado. Para este estudo, algumas perguntas iniciais foram orientadoras: a quem se destinam os programas da REDESAN? Esse público tem sido contemplado quanto à garantia de alimentação de qualidade e em quantidade suficiente? Em que medida o direito universal básico de acesso à alimentação tem sido atendido pelos equipamentos de SAN ao seu público-alvo? Que tipo de pesquisas tem sido desenvolvido para o acompanhamento desses programas? Como o MDS, coordenador federal dos programas, tem utilizado tais pesquisas em seus processos de gestão? Quais são os principais desafios aos programas que se desnudam frente a essas pesquisas?

16 De acordo com o Programa das Nações Unidas, PNUD, o Índice de GINI mede o grau de desigualdade existente na

distribuição de indivíduos, segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0 – quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor) – a 1 – quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).

17

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13 2- Marco Teórico: o processo de construção teórica do estudo do Programa Fome Zero

A sistematização dos principais conceitos de modelos de formulação e análise de políticas públicas realizada pela professora Celina Souza, em seu artigo “Políticas Públicas: uma revisão da literatura” 18, é um mapa do modo como a literatura clássica e a mais recente tratam o tema. A revisão proposta pela autora indicou os rumos teóricos para o presente estudo, pois apresenta as principais formulações teóricas e conceituais oferecidas pela literatura de Língua Inglesa sobre políticas públicas e oferece elementos que poderão conferir validade empírica às pesquisas sobre políticas públicas brasileiras. Além disso, como a autora afirma, é importante entender a ontologia de uma área do conhecimento para compreender seus desdobramentos.

Nesse sentido, Souza resgata a origem da política pública como área de conhecimento e identifica suas peculiaridades nos EUA e na Europa. Nos EUA, segundo ela, desde sempre foram enfatizados os estudos sobre a ação dos governos, enquanto que, na Europa, eles se concentravam mais na análise sobre o Estado e suas instituições do que na produção dos governos (Souza, 2003, p. 22). Segundo a autora, os “pais” da área de políticas públicas, Laswell, Simon, Lindblom e Easton, introduziram, ainda no século XX, conceitos, expressões, críticas e sistemas definidores para o estudo da área. Todos eles procuraram aproximá-la do conhecimento científico, embora suas visões não façam parte de um único modelo explicativo. Contudo, Souza (2003) afirma que a definição mais conhecida é a de Laswell, “segundo a qual as decisões e análises sobre políticas públicas implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz”.19

Embora haja divergências conceituais quanto à ênfase de seu papel na resolução de problemas, a autora assinala que todas as definições de políticas públicas sugerem uma interpretação holística sobre o tema. Do ponto de vista teórico-conceitual, política pública e política social são campos multidisciplinares e têm foco voltado para explicações sobre a natureza da política e seus processos. Nesse sentido, é imprescindível explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade. Por essa razão, pesquisadores de várias disciplinas contribuem cada vez mais para os avanços empíricos e teóricos nas pesquisas referentes ao tema. Ao admitir o campo holístico da área de políticas públicas, Souza adverte para o fato de que ela pode ser território de várias disciplinas, teorias e modelos analíticos. Mesmo sendo um ramo da ciência política, não se resume a esta e pode ser objeto analítico de outras disciplinas. Isso não lhe retira coerência teórica e metodológica, ao contrário, acrescenta-lhe outros “olhares”. Políticas públicas, conclui a autora (Souza, 2003), desdobram-se em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistemas de informação e pesquisas, nos quais os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. Quanto à atuação dos governos, Souza avalia que os estados modernos estão mais próximos da perspectiva teórica defensora da existência de uma “autonomia relativa do Estado” no processo de

18

Souza, C. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. (ano 8, nº 16. jul/dez., pp. 20 a 45) Porto Alegre: Sociologias.

19

(14)

14 definição de políticas públicas. Evidentemente, os governos se diferem quanto às suas capacidades, o que determinará a forma de implementação dos objetivos de políticas públicas. Há argumentos, segundo a autora, de que fenômenos, como a globalização, interfiram no grau de autonomia que os governos têm de intervir, formular políticas públicas e governar, mas isso, assegura, não está empiricamente comprovado. É fato reconhecido, contudo, que outros segmentos estão envolvidos na elaboração de políticas públicas e que, segundo Souza, possuem níveis diferenciados de poder, dependendo dos arranjos em jogo.

A autora mapeia os principais modelos explicativos de análise de políticas públicas, iniciando com Lowi (1964;1972) que, segundo ela, entende que a política pública pode assumir quatro tipologias políticas: distributivas (geram impactos mais individuais que universais); regulatórias (envolvem o aparato burocrático e grupos de interesse); redistributivas (políticas sociais universais) e constitutivas (lidam com procedimentos).

A visão de política pública como um ciclo deliberativo entende que a política é formada por vários estágios e constituída por um processo dinâmico e de aprendizado. Souza (2003) aponta que, para essa tipologia, o ciclo é constituído pelos estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação e seleção das opções, implementação e avaliação. Essa abordagem questiona por que algumas questões entram na agenda política e outras são ignoradas. Há vertentes, dentro desse modelo, que priorizam os participantes do processo decisório e outras, valorizam os do processo de formulação de política pública. Outra abordagem, desenvolvida por Cohen, March e Olsen (1972, p. 30), entende que as soluções procuram por problemas. As escolhas comporiam um garbage can, no qual “vários tipos de problemas e soluções são colocados pelos participantes à medida que eles aparecem” 20.

Prosseguindo no mapeamento sugerido pela autora, são apontadas abordagens que entendem a política pública como uma iniciativa dos chamados empreendedores políticos ou de políticas públicas, como é o caso do modelo Arenas sociais. Para essa visão, os policy community colocam o problema na agenda pública e, para isso, constituem verdadeiras redes sociais. Para Souza, a força desse modelo consiste na possibilidade de investigação dos padrões das relações entre indivíduos e grupos (Souza, 2003).

A busca pela eficiência, para a autora, representou um marco nos modelos adotados pelas políticas públicas que passou a guiar o desenho das políticas mais recentes, uma vez que estas foram projetadas a partir de um “novo gerencialismo público” que adotava uma política fiscal restritiva de gasto. Eficiência e independência política passaram a nortear vários governos, apesar de serem elementos ainda pouco incorporados nas pesquisas empíricas. A autora considera que várias teses do novo gerencialismo político foram aceitas, como aquelas que concederam caráter participativo às políticas públicas; entretanto, percebe-se que os governos continuam tomando decisões e desenhando políticas que, nem sempre, são por eles implementadas.

Para a autora, por meio do mapeamento exposto, podem-se extrair os principais elementos sobre políticas públicas, transcritos abaixo:

· “A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz;

20

(15)

15 · A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes;

· A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras;

· A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados;

· A política pública envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação;

· A política pública, embora tenha impactos a curto prazo, é uma política de longo prazo”. 21

Finalmente, Souza (2003) salienta o fato de que, assim como ocorre com qualquer referencial teórico, é preciso ter clareza sobre quando e como utilizá-lo. Isso se deve ao fato de que, na maioria das vezes, analisar políticas públicas significa estudar o “governo em ação”. Por essa razão, alguns pressupostos não se adaptam a algumas análises e podem incorrer em simplicidade analítica. A autora conclui que o “principal foco analítico da política pública está na identificação do tipo de problema que a política pública visa corrigir, na chegada desse problema ao sistema político e à sociedade política e nas instituições – regras que irão modelar a decisão e a implementação da política pública”.22 O entendimento dos modelos mapeados pode, para a autora, ajudar na compreensão dos problemas que as políticas públicas visam enfrentar, na atuação dos indivíduos nela envolvidos e por ela afetados, bem como no papel dos atores envolvidos nas decisões.

No quadro teórico das políticas públicas, encontram-se as políticas sociais que, segundo Castro23, “não existe um padrão consensual de conjunto de políticas preestabelecido para se determinar o que seja uma política social”. O autor assinala a diversidade conceitual e de abordagens teóricas dos autores sobre o conceito de política social. Entretanto, adota o conceito de política social como sendo “composta por um conjunto de programas e ações do Estado, que se manifestam em oferta de bens e serviços e transferências de renda, com o objetivo de atender às necessidades e aos direitos sociais que afetam vários dos componentes das condições básicas de vida da população, até mesmo aqueles que dizem respeito à pobreza e à desigualdade. Cabe salientar, entretanto, que bens e serviços similares aos oferecidos pelo Estado podem também ser oferecidos por entidades privadas, sejam lucrativas ou não”

24

.

Para Castro, uma política social busca proteger os cidadãos diante de uma série de circunstâncias, para as quais deve haver ações específicas que promovam oportunidades de superação das vulnerabilidades sociais. Ele analisa o complexo sistema de proteção e promoção social no Brasil, com seus esquemas de distribuição – redistribuição de renda, bens e serviços. Salienta o fato de que o governo brasileiro aplica

21

Souza, C. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. (ano 8, nº 16. jul/dez., p. 36) Porto Alegre: Sociologias.

22

Souza, C. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. (ano 8, nº 16. jul/dez., p. 40) Porto Alegre: Sociologias.

23

Castro, J. A.. Artigo: Política social no Brasil: marco conceitual e análise da ampliação da Gestão de Programas Sociais. Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação. p. 66.

24

Castro, J. A.. Artigo: Política social no Brasil: marco conceitual e análise da ampliação da Gestão de Programas Sociais. Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação. p. 71.

(16)

16 significativas parcelas do Produto Interno Bruto (PIB) nas políticas setoriais e transversais mantidas e geridas pelo Estado.

Atualmente, segundo o autor, o Estado brasileiro desenvolve um conjunto diversificado de políticas públicas, agrupado em dois sistemas – proteção social e promoção social.

Na proteção social, encontram-se as políticas sociais voltadas à seguridade social, que tratam de casos específicos, como velhice, morte, doença ou desemprego. Diferentes programas e ações da previdência social geral atendem esse grupo (aposentadorias, pensões e auxílios), e a do setor público abrange saúde, assistência social e seguro-desemprego.

As ações de promoção social visam criar oportunidades e acesso aos recursos e benefícios historicamente conquistados pela sociedade brasileira. Tais políticas compreendem ações voltadas à formação e desenvolvimento do cidadão – como educação, cultura, políticas de trabalho e renda; qualificação profissional e regulação do mercado de trabalho, bem como políticas voltadas à agricultura familiar, economia solidária, habitação e mobilidade urbana. Por meio de esquemas ilustrativos, o autor apresenta como foi construída, nos últimos 80 anos, uma série de políticas que ampararam a execução desse complexo sistema de programas sociais no território brasileiro. Tal complexo, segundo ele, exigiu um aparato de gestão técnico-burocrático à altura do montante cada vez maior de recursos financeiros, humanos e tecnológicos aportados para dar conta dos benefícios sociais requeridos pela sociedade, à medida que ela caminha e apresenta avanços econômicos e sociais, conforme figura 1 abaixo.

Figura 1: Gasto Público (GPS) por esfera de governo, em % do PIB – 1995-2005.

Fonte: DISOC/IPEA.

O autor delineou o complexo sistema que compõe o conjunto de políticas sociais no Brasil que, segundo ele, chama a atenção pela dimensão do seu conjunto: “são centenas dos mais diferentes tipos de benefícios ofertados diariamente a dezenas de milhões de cidadãos atingidos pelas ações e programas implementados pelas diversas políticas públicas de proteção e promoção social. Destaca-se ainda que tais políticas não se apresentam fragmentadas em ações emergenciais ou descontínuas, ao contrário, operam de modo estável e sustentado no tempo, com regras e instituições estabelecidas. Boa parte dos benefícios e serviços tem estatuto de direitos e exige capacidade instalada, com aplicação diária de recursos materiais, humanos e financeiros na sua produção e provisão, ainda que nem sempre no volume e na qualidade desejados” 25. 25 Castro, Idem. P. 80. 11,4% 4,6% 3,2% 13,5% 4,8% 3,6% 0% 25%

Federal Estadual Municipal

% do PIB 1995 2005 19,2% 21,9% 0% 25% GPS_Total % do PIB 1995 2005

(17)

17

Figura 2: Gestão, organização e aparato disponível das políticas setoriais.

Fonte: Castro, J. A. (2011). Política social no Brasil: marco conceitual e análise da ampliação da Gestão de Programas Sociais. Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação. p. 73.

Sobre esse complexo sistema demonstrado na figura acima, optou-se por apontar três grandes sistemas de políticas sociais, implementados pelo Governo Federal, por meio da ação direta do Ministério do Desenvolvimento Social:

Pol

Polííticatica

Social

Social

Promo

Promoçção socialão social

(Oportunidades e

(Oportunidades e

Resultados)

Resultados)

Prote

Proteçção socialão social

(seguridade social) (seguridade social) Sa Saúúdede Previdência Social Previdência Social Regime Geral e Regime Geral e Servidor p Servidor púúblicoblico

Assistência Social Assistência Social

Saneamento B Saneamento Báásicosico Habita

Habitaçção e Urbanismoão e Urbanismo

Educa Educaççãoão Trabalho e Renda Trabalho e Renda

Desenvolvimento Desenvolvimento

Agr Agrááriorio

Cultura Cultura

APARATO DISPON

APARATO DISPONÍÍVELVEL POL

POLÍÍTICAS SETORIAISTICAS SETORIAIS

Sistema

Sistema ÚÚnico de Sanico de Saúúdede SUS SUS Sistema Previdenci Sistema Previdenciááriorio

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RGPS (Centralizado)(Centralizado)

RPPS

RPPS (descentralizado)(descentralizado)

Sistema Sistema ÚÚnico de nico de Assistência Social Assistência Social

SUAS SUAS

Não tem sistema Não tem sistema

Sistema Federativo Sistema Federativo

de Educa de Educaççãoão

(Descentralizado)

(Descentralizado)

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Não tem sistema Não tem sistema

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Não tem sistema Não tem sistema

(Sistema em processo de

(Sistema em processo de

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ü

ü7.048 bibliotecas p7.048 bibliotecas púúblicasblicas GESTÃO/ORGANIZA

GESTÃO/ORGANIZAÇÇÃOÃO

Não tem sistema Não tem sistema

(18)

18 1) O Sistema Único de Assistência Social (Suas): contempla as ideias de sistema e descentralização, pois conjuga esforços de vários órgãos, que devem manter articuladas suas informações e ações. É descentralizado, porque combina ações das três esferas de governo, por meio da gestão compartilhada. O Suas elegeu como foco de seu atendimento a família e, para isso, organizou a rede socioassistencial de apoio às famílias, entendendo que, dessa maneira, pode proteger seus membros, concedendo o apoio necessário. Dessa forma, criou unidades de Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) em todo o território brasileiro onde resida a população vulnerável.

Organizado por níveis de proteção social, o CRAS oferece serviços de proteção social básica ou proteção social especial. Segundo informações do sítio do MDS, “o CRAS atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), dada sua capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica nas áreas de vulnerabilidade e risco social” 26. Os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS) oferecem serviços de proteção social especial a famílias e indivíduos em situação de risco pessoal ou social, cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados. Para integrar as ações da Proteção Especial, é necessário que o cidadão esteja enfrentando situações de violações de direitos por ocorrência de violência física ou psicológica, abuso ou exploração sexual; abandono, rompimento ou fragilização de vínculos ou afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medidas. Hoje existem 6801 unidades do CRAS e 1150 unidades do CREAS distribuídas no território brasileiro e, de acordo com o sítio, o SUAS está em fase de reestruturação e ampliação.

A Norma Operacional Básica do SUAS (NOB/Suas) estabeleceu regras que visam disciplinar a operacionalização da Assistência.O repasse de recursos do Fundo Nacional de Assistência Social para os fundos estaduais, municipais e do Distrito Federal já se organiza de acordo com o novo sistema de descentralização de recursos e de gestão e representa uma nova metodologia e concepção de gestão pública de assistência social no governo brasileiro. Um dos dilemas apresentados para a nova realidade do SUAS diz respeito à capacitação dos trabalhadores dessa extensa rede de atendimento socioassistencial. Tal problemática, juntamente com os novos desafios do SUAS, fazem parte do temário da VIII Conferência Nacional de Assistência Social, que se realizou em Brasília, entre os dias 7 e 11 de dezembro de 2011.

2) O Programa Bolsa Família (PBF): segundo informações do sítio do MDS27, o PBF é um programa de transferência de renda condicionado, pois vincula o recebimento de benefício financeiro ao cumprimento de compromissos nas áreas de saúde, educação e assistência social. É um programa voltado para famílias em situação de pobreza e extrema pobreza e faz parte do Programa Fome Zero, que tem como objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome.

Criado em 2004, o PBF é fruto da unificação dos programas Bolsa alimentação e Vale Gás. Constitui-se em um dos “maiores programas de transferência condicionada de renda do mundo em abrangência territorial e cobertura populacional, direcionado a mais de 13 milhões de famílias em situação de vulnerabilidade social” 28. A depender da renda familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e da idade dos filhos, o valor do benefício recebido pela família pode variar entre R$ 32 e R$ 30629. A gestão é descentralizada, por meio da cooperação entre o Governo Federal, estados, Distrito Federal e os

26

Obtido em http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/suas.

27

Obtido em http: //www.mds.gov.br/bolsafamilia.

28 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. (2010) Capacitação para controle social nos municípios: SUAS e

Bolsa Família. Brasília, DF. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação; Secretaria Nacional de Assistência Social.

29

(19)

19 municípios, com intuito de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, em conformidade com os preceitos constitucionais. Em nível Federal, é executado pelo MDS, por meio da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc). Os Estados, Distrito Federal e municípios designam a coordenação do PBF, geralmente vinculada às secretarias de assistência social ou similares. Para ter acesso ao benefício, as famílias precisam estar inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CADÚNICO). Diversos estudos apontam para a contribuição do Programa Bolsa Família (PBF) na redução das desigualdades sociais e da pobreza. O 4° Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio aponta queda da pobreza extrema de 12% em 2003 para 4,8% em 200830.

3) A política de Segurança Alimentar e Nutricional: também faz parte do quadro das políticas públicas sociais no Brasil. Com a implantação do Programa Fome Zero, um conjunto de programas e ações de segurança alimentar e nutricional foi criado, com um crescente aprimoramento e ampliação do número de beneficiários. Mais recentemente, encontra-se em plena implantação o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), de que se tratará mais adiante. Dentre as ações implantadas pelo Programa Fome Zero, encontra-se a Rede de Equipamentos de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), que se constitui em Política Social, princípio norteador dessa dissertação, a partir dos fundamentos teóricos apresentados. Takagi31 salienta que as propostas de combate à pobreza e combate à fome se orientaram, ao longo do século XX, sob prismas bastante diferenciados do que se entende hoje por política de segurança alimentar e nutricional. Ela dividiu o processo histórico dessas políticas em três fases, que serão melhor compreendidas a partir da caracterização histórica proposta no próximo capítulo:

1- A Predominância das Políticas de Abastecimento (1918-1970). A preocupação central era com a oferta de alimentos, ou seja, aspectos relacionados à produção e escoamento dos alimentos para todas as regiões do país.

2- O segundo momento inicia-se a partir da década de 1970 – As Políticas Centralizadas de Assistência Alimentar (1970-1990)

3- O terceiro, a partir da década de 1990, como um período de desmonte das políticas alimentares centralizadas, com diminuição da atuação do Estado na área social.

Do ponto de vista das políticas públicas, Silva (2010) distingue três enfoques sobre a segurança alimentar que se assemelham aos conceitos acima, mas que também os complementam32:

Primeiro, um enfoque agrícola, ligado ao tema do abastecimento. Para ele, a preocupação central dessa abordagem era com os altos preços dos alimentos para as populações urbanas. As políticas, dessa forma, deveriam caminhar no sentido de regulamentação dos canais de comercialização dos alimentos.

A segunda abordagem relaciona-se aos aspectos nutricionais da população de baixa renda, focalizadas em grupos populacionais específicos, como idosos ou crianças.

Finalmente, a perspectiva do direito humano à alimentação. Essa abordagem é disseminada pelas Nações Unidas e suas organizações setoriais, como Food and Agriculture Organization of the United Nations

30

Obtido em http://www.mds.gov.br/bolsafamilia

31 Takagi, M. (2006). A implantação da Política de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: seus limites e desafios. Tese

(Doutoramento), Unicamp/IE, Campinas, São Paulo, Brasil, p. 37.

32

Silva, J. G.. (2010). Fome Zero: a experiência brasileira. In Silva, J. G.; Grossi, M. E. D.; & França, C. G. (orgs). Brasília: MDA, p. 320.

(20)

20 (FAO), Organização Mundial de Saúde (OMS), United Nations Children's Fund (UNICEF), que incorporam outras dimensões no conceito de alimentação e não se limitam à disponibilidade física de alimentos.

Nessa perspectiva, Aranha33 salienta que a maior especificidade das políticas de segurança alimentar e nutricional é o fato de ter como essencial relacionar o direito humano à alimentação adequada e, como direito, “abre espaço para uma intervenção mais integrada e sistêmica nessa realidade, reconhecendo tanto as diferenças sociais e seus variados níveis de oportunidades, quanto as individuais, com suas diversas necessidades nutricionais específicas: faixa etária, tipo de trabalho, condição de saúde etc.” 34. A orientação da FAO é para que os países persigam os Objetivos do Milênio, de reduzir pela metade o número de pessoas que passam fome até 2015. Nesse sentido, devem ser priorizadas as ações que envolvam a melhoria da produtividade agrícola, a ampliação de investimentos na infraestrutura rural e urbana, as reformas estruturais e a reabilitação de recursos naturais, bem como a focalização de combate à fome nas áreas urbanas.

Nesse caminho, a concepção da proposta do Programa Fome Zero, na concepção de Silva 35, visa romper com a visão fragmentada que permeou as políticas alimentares até o século XX, rumo à construção de uma política de segurança alimentar e nutricional, em atendimento aos preceitos dos Objetivos do Milênio, dos objetivos das organizações internacionais, das discussões oriundas dos processos participativos e especialistas da área e, principalmente, da responsabilidade política dos gestores com a pauta do combate à fome.

Segundo Silva (2010), a proposta procurou articular seis dimensões distintas:

1- Um programa de transferência de renda, para atacar o problema da falta de acesso aos alimentos, em função do poder aquisitivo;

2- Um programa de estímulo aos agricultores familiares mais pobres, tendo em vista que os problemas estruturais da América Latina impuseram a situação de miséria nessa faixa;

3- Um programa de acompanhamento de saúde e nutrição de grupos específicos, em especial, crianças, idosos e gestantes, bem como as vítimas de doenças decorrentes da má alimentação;

4- Um programa de controle de alimentos consumidos;

5- Um programa de educação alimentar e nutricional, amplo, para toda a população.

6- Um programa de abastecimento, destinado especialmente às grandes cidades e regiões metropolitanas, tendo em vista o papel da rede varejista que detém o controle da venda de alimentos. Deve ser incentivada a criação de programas alternativos de abastecimento, a realização de parcerias com o setor privado e provimento de equipamentos, como banco de alimentos, hortas comunitárias, sacolões, feiras de produtores, restaurantes populares etc.

O autor enfatiza que todas essas dimensões devem direcionar a atuação dos programas e ações de abastecimento, alimentação, saúde, educação e nutrição, para que aconteçam de forma sistêmica e articulada, observando as variáveis territoriais e vocacionais. Nesse sentido, ações de reforma agrária e apoio à agricultura familiar devem ser deslocadas para áreas rurais e os bancos de alimentos, as cozinhas comunitárias e os restaurantes populares devem se direcionar para atender áreas urbanas.

A Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição – RedeSan – objeto de análise detalhada no capítulo 05, é constituída por restaurantes populares, cozinhas comunitárias e banco de alimentos. Ela faz parte da ação estratégica da Política Nacional de Segurança Alimentar e Combate à Fome, distribuída

33

Aranha, A. (2010). Fome Zero: Uma Experiência Brasileira. (v. 1, p. 78) Brasília: MDS.

34 Aranha, A. (2010). Fome Zero: Uma Experiência Brasileira. (v. 1, p. 78) Brasília: MDS.

35 Silva, J. G.. (2010). Fome Zero: a experiência brasileira. In Silva, J. G.; Grossi, M. E. D.; & França, C. G. (orgs). Brasília:

(21)

21 pelas regiões brasileiras e foi concebida de acordo com as diretrizes contidas no Projeto Fome Zero. O objetivo da RedeSan é promover o combate à fome e a redução da insegurança alimentar no Brasil, entendidos, no presente estudo, como uma política pública social, cujos indicadores apontam crescentes resultados rumo ao combate à fome e à insegurança alimentar no Brasil.

Coordenada pelo Ministério de Desenvolvimento Social, por meio da Secretaria de Segurança alimentar e Nutricional, a RedeSan tem interface com políticas de outros ministérios, como os Ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Agrário, da Educação, dos Direitos Humanos e da Inclusão Racial.Essa interação se dá pelo fato de ser uma área transversal, que demanda atuação conjunta e permanente.

(22)

22 3- A Segurança Alimentar e o Programa Fome Zero

“No Brasil, o papel civilizador de uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional é relativamente novo em sua história”, afirma o ministro Patrus Ananias36, na introdução da Primeira Revista de Segurança Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

O combate à fome, segundo ele, tornou-se objeto de política pública no Brasil a partir de 2003, quando o recém eleito presidente da República lançou as bases do programa, mais tarde batizado de Fome Zero. Entretanto, a fome não é problema recente na realidade brasileira. O entendimento dos elementos teóricos para a construção do conceito de segurança alimentar no Brasil foiforjado na obra Geografia da Fome, do geógrafo, sociólogo e médico Josué de Castro37, quem primeiro associou pobreza e fome a razões político-econômicas, por meio de um complexo estudo das categorias das ciências médicas e humanas, segundo Vasconcelos38.

Na obra, Castro (1980) analisa as principais carências alimentares de cada uma das cinco regiões do Brasil. Traduzido para 25 idiomas, o livro marca época ao denunciar a fome e a subnutrição, associando a pobreza aos ditames do homem e não a efeitos naturais. Por esse estudo, introduziram-se os conceitos de áreas alimentares, áreas de fome endêmica, áreas de fome epidêmica, áreas de subnutrição, construindo um verdadeiro mosaico alimentar brasileiro e, com esse aparato teórico, construiu-se o Mapa da Fome (Anexo 1) no Brasil. Esse mapa dividiu o país em cinco diferentes áreas alimentares, que constituíram fonte de referência para a compreensão do grave problema da fome existente no país e complexa fonte de pesquisa para o planejamento de políticas voltadas para seu enfrentamento, na década de 1940. Baseado nos métodos da geografia alemã, salienta Vasconcelos (2008, p. 2710), Castro procurou “localizar com precisão, delimitar e correlacionar os fenômenos naturais e culturais que ocorrem à superfície da terra” 39 para realizar uma sondagem de natureza ecológica sobre o fenômeno da fome no Brasil, orientado pelos princípios geográficos da localização, extensão, causalidade, correlação e unidade terrestre. Segundo Bonfim (2004), Castro identifica dois tipos de fome: a “epidêmica” e a “endêmica”. A primeira, provocada por catástrofes ecológicas ou políticas; a segunda, mais conhecida como “subalimentação”, isto é, a alimentação abaixo do necessário por falta de alimentos vitais, embora viva-se em ambientes com abundância de tais alimentos40.

Médico, geógrafo, antropólogo e autor de diversos livros, Castro assumiu a presidência do Conselho da Food and Agriculture Organization (FAO) em 1952, onde permaneceu por três anos. A FAO havia sido criada pela ONU como organismo internacional para o desenvolvimento da agricultura e da alimentação, em 1945, em Quebec, no Canadá. A primeira conferência da organização produziu um documento que ilustra as concepções da época sobre a alimentação, que eram influenciadas pelo ideário liberal norte-americano, segundo o qual um mundo em reconstrução não poderia conviver com a carência dos indivíduos. Para alcançar a libertação da fome era necessário disseminar o conhecimento sobre os métodos de produção, processamento e distribuição dos alimentos.

36 Ananias, P. (2008). Segurança alimentar e nutricional: trajetória e relatos da construção de uma política nacional. Ministério

do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília: MDS.

37

Castro, J. (1980). Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Antares, 1980.

38

Vasconcelos, F. A. G. de. (2008). Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

39

Vasconcelos, F. A. G. de. (2008). Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil.

40

Bonfim, J. B. B. (2004). As políticas Públicas sobre a Fome no Brasil. Textos para discussão nº 8, Brasília. Obtido em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD8-JoaoBoscoBonfim.pdf.

(23)

23 A noção do alimento como poderosa arma política entre os países surgiu pela primeira vez naquele pós-guerra, frente aos riscos ocasionados pela destruição em massa de campos de produção de alimentos. A alimentação adquiriu um significado estratégico de segurança nacional e fez surgir os primeiros elementos para a compreensão do conceito de segurança alimentar e de um conjunto de políticas específicas, entre as quais se encontra a formação de estoques de alimentos. Takagi (2006) afirma que a ideia de segurança alimentar esteve associada à produção agrícola, tema dominante na 1ª Conferência Mundial de Alimentação, promovida pela FAO em 1974. Castro, que já era responsável pela implantação de diversas políticas voltadas para a alimentação nas décadas 50 e 60, apresenta-se nesta instância como referência internacional na interpretação política do problema da fome no mundo. A discussão travada nesse evento foi quase exclusivamente sobre as políticas agrícolas, reforçando a crença de que a segurança alimentar dependia fundamentalmente de uma política de armazenamento estratégico, devendo-se fazer crescer os estoques e assegurar a consolidação de acordos internacionais sobre diferentes produtos agrícolas. Castro, entretanto, já havia desmitificado tal concepção no seu Mapa da Fome do Brasil, utilizando-se de categorias até então desconsideradas e subestimadas na construção do pensamento constitutivo da segurança alimentar.

É importante enfatizar que a obra de Castro foi totalmente recuperada pelos teóricos e gestores políticos envolvidos no planejamento dos programas e enfrentamento da fome no governo do período aqui estudado.

Em artigo, a respeito da inserção da fome na agenda pública brasileira, as autoras Castello Branco, Wright e Mattei (1997) 41, informam que, aos dez anos da morte de Castro, em 1983, organizações não governamentais, associações profissionais diversas, universidades e artistas o homenagearam e, como resultado, foi publicado, em 1985, o livro Raízes da fome. Foram realizados debates e houve engajamento de instituições de saúde pública, da Igreja Católica e das agências governamentais, que realizaram comitês para discutir a incidência e a problemática da fome. Mas, asseguram que é a partir de 2003 que se reverte de uma estrutura de política pública para onde se orientam ações específicas, por meio do Programa Fome Zero.

Neste estudo, identificou-se o processo de participação popular no Brasil em torno da problemática da fome, tal como sintetizado por Bonfim42, cuja análise conclui que tais movimentos foram majoritariamente liderados pelas classes populares. Listados abaixo, esses movimentos permitem-nos traçar uma correlação e verificar como eles culminaram na construção do conceito de Segurança Alimentar na década de 90. Destaca-se, também, os momentos em eles que se delinearam na conjuntura histórico-social brasileira. Paralelamente à descrição dos movimentos proposta por Bonfim, procurou-se relacioná-los aos principais processos políticos antecedentes ao governo de 2003 a 2010, período da presente análise. São eles:

a) Surgimento das sociedades mutualistas, na segunda metade do século XIX.

Objetivo: assegurar a sobrevivência de famílias de assalariados pobres, ou auxiliá-las em determinadas ocasiões, como enterros.

b) Movimento do “Quebra-Quilos”, entre 1850 e 1900. Objetivo: rever o sistema de pesos e medidas, pois as pessoas pobres eram “roubadas” em suas compras, pela manipulação das balanças.

41

Mattei, L., Wright, S. & Castello Branco, T. (1997). Colocando a fome na agenda pública brasileira. A ação do Estado, do Banco Mundial e das organizações não governamentais. Cebrap, Cadernos de Pesquisa, n 7, maio. Obtido em http://www.cebrap.org.br/v1/upload/biblioteca_virtual/colocando_a_fome_na_agenda_publica.pdf

42

Bonfim, J. B. B. A fome no Brasil: o que se diz, o que se fez, o que fazer. Artigo baseado na dissertação de mestrado (2000). O discurso da mídia sobre a fome. Brasília: UnB.

Imagem

Figura 1: Gasto Público (GPS) por esfera de governo, em % do PIB – 1995-2005.
Figura 2: Gestão, organização e aparato disponível das políticas setoriais.
Figura 3: Sistemas Descentralizados de Segurança Alimentar e Nutricional.
Figura 5: Distribuição de restaurantes populares em funcionamento em 2010.
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Referências

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