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Metodologia Adaptada ao Contexto e ao Investigador

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Academic year: 2021

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Metodologia Adaptada ao Contexto e ao Investigador

Isabel Camalhão1 ,Serafim Camalhão2 e Horácio Saraiva3

1 Doutora em Educação, Escola Superior de Educação João de Deus, Portugal; isabelferreira66@hotmail.com2 Doutorando em Sociologia, Mestre em Sociologia do Trabalho das Organizações e do Emprego ISCTE IUL, Portugal;

serafimleopoldo@hotmail.com, 3 Doutor em Psicologia Clínica; Escola Superior de Educação João de Deus, Portugal; horaciosaraiva@gmail.com.

Resumo. Este artigo é fruto de todo o trabalho de estudo e reflexão que desde 2013 tem sido feito pelos

autores em volta da causa ao acesso da pessoa com deficiência à investigação. Foi um projecto alicerçado numa tese de doutoramento de uma investigadora portadora de Paralisia Cerebral onde as questões metodológicas e teóricas foram tendo uma base empírica e real. Quando a tese terminou em 2018 verificou-se que todo o trabalho efectuado podia beneficiar não apenas os portadores de qualquer deficiência, mas todos os investigadores e estudantes que por serem humanos são diferentes. É a investigação que se deve adaptar ao investigador e ao participante, não o contrário, permitindo o acesso ao conhecimento a todos. É um novo projecto que nasce com novos parceiros de raiz pedagógica, que pretende realizar uma investigação real tendo em conta os as necessidades dos investigadores, comunidade académica e participantes.

Palavras-chave: Investigação; Metodologia; Deficiência; Diferença; Humanidade

Methodology Adapted to the Context and Researcher

Abstract. This article is result of the study and reflection made since 2013, made by the authors of this text,

in the cause of access to the disable people to social research. It was a project in a PHD Thesis made by a Cerebral Palsy researcher, where the methodological and theoretical questions were grounded in an empirical and real base. When it was finished in 2018 it revealed that all the work it was useful not only for the disable researchers but to all students and researchers, because they are human and therefore different. It is the access the knowledge to all. It a new project that reborn with new partners. It has a pedagogic root, pretends to do a real research looking at the needs of the researchers, academic community and participants.

Keywords: Research; Methodology; Disability; Difference; Humanity

Introdução

O problema que colocamos neste trabalho não é novo, em 1965 Reynaud (1965) fala da importância da formação dos investigadores de dominar as metodologias e na área disciplinar obter conhecimentos gerais seguidos de uma especialização. O problema continua actual, em que a preocupação está em formar investigadores capazes de ingressar no mundo da investigação e estudantes de mestrado ou doutoramento com as ferramentas para fazer o um trabalho final de curso. Se consultarmos a obra de Beaud (2006) que apresenta todo o processo prático de redigir uma tese, verificamos não só a sua complexidade, a gestão e competências, mas também como um processo único.

De 2013 a 2018, da concepção à defesa, houve uma preocupação, de adaptar todo este processo uma investigadora com Paralisia Cerebral, tendo em conta as suas limitações e potencialidades. Levou à construção de uma metodologia adaptada à pessoa com deficiência, inspirada na Grounded Theory (Camalhão, 2018). Como autores e investigadores consideramos que não é preciso criar uma metodologia nova para este efeito, a Grounded Theory na forma clássica, é totalmente construída

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sobre o investigador e sobre o campo de investigação (Glasser, 1998). Existem, no entanto, outras metodologias e o investigador pode ter outras opções, mas necessitar de adaptar a investigação às suas características e ao campo, incluindo a posse de uma limitação. O centro deste projecto não está numa metodologia específica, embora inspirada na Grounded Theory, mas em todas as contribuições das Ciências Sociais, as quais permitam não só que a investigação esteja disponível a quem seja possuidor de uma deficiência, mas também para aquele investigador que tem características diferentes e de um modo geral às especificidades de cada ser humano num qualquer campo de investigação. Neste projecto o centro Ser Humano, onde não existe o termo ou classificação de “deficiente”, mas de “diferente” com a constatação que não existem duas pessoas iguais, somos todos diferentes e apresentamos características únicas a ter em conta quando decidimos fazer investigação social.

Quem são os destinatários deste projecto? No campo mais imediato, uma proposta aos alunos que entram nos mestrados da Escola Superior de Educação João Deus com pouca experiência na investigação e que importa facilitar a aprendizagem das competências necessárias a fazer investigação e de acompanhar estes alunos ao longo do processo. A longo prazo alargar esta proposta a todas a entidades académicas que a queiram aderir quer porque vão incluir alunos e investigadores portadores de deficiência, quer porque consideram proposta útil nas suas universidades. O que se vai apresentar, dada a complexidade são, os elementos centrais da nossa proposta.

1 O que é a Metodologia Adaptada ao Contexto e ao Investigador

Uma metodologia adaptada ao contexto e ao investigador define-se “como conjunto de princípios pelos quais, o investigador poderá recorrer para adaptar o desenho de investigação à sua realidade concreta, à realidade da comunidade académica onde se insere e à realidade do campo de estudo” (Camalhão & Camalhão, 2018, p. 62). Todo o trabalho científico tem por base o ser humano que investiga, que é investigado e que faz parte da sua comunidade académica num ou vários contextos onde fundamentalmente se aprende mais do que se descobre (Rossmann & Rallis, 2012). Acrescenta-se neste contexto de uma instituição vocacionada para preparar formadores de homens e mulheres, que se ensina com o que se aprende.

A imagem que se vai dar para explicar o que é esta metodologia está em Ghiglione & Matalon (1992) que refere que há um código de como o investigador vestir e comportar-se quando está a recolher dados em inquéritos ou entrevistas. Para ter sucesso no trabalho de campo, este não pode fazê-lo como quer ou gostaria, mas tomar as decisões em função das suas características, da sua comunidade académica e contexto onde a investigação se realiza. O resultado da decisão do modo de vestir-se e comportar-se será o compromisso entre todos estes elementos, a melhor dada situação concreta em que se encontra. A metodologia adaptada ao contexto e ao investigador é como um uniforme composto por muitas peças de roupa, o investigador tem que se sentir confortável, tem que estar de acordo com modo de vestir da universidade e tem de se adaptar ao local onde o estudo se vai realizar.

O resultado será um desenho de investigação único e irrepetível, mas dentro dos critérios de validade, qualidade e cientificidade aplicados às Ciências Sociais. A função desta metodologia está em flexibilizar todas as decisões dentro de um processo de investigação de forma a que esta se torne viável a sua realização, mais próxima da realidade e do ser humano.

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17 1.1 Filosofia aplicada à investigação

Propomos para a investigação uma atitude de abertura e de não fechar o seu campo através da procura definir exaustivamente todos os elementos teóricos, metodológicos e técnicos. Edgar Morin (2008, p. 2208) apresenta um capítulo chamado “Le mistére humain” no qual este ao lado das qualidades coloca o impensável, ignorância, arrogância, o desconhecimento de si próprio. Neste mesmo autor há o reconhecimento de uma certa irracionalidade e do esforço do mesmo em tentar estandardizar e racionalizar tudo sem o conseguir, o mundo que criou é demasiado complexo, sempre o foi. É por essa razão que baseado neste autor recomenda-se uma atitude de abertura assente na complementaridade das Ciências Sociais.

A partir de uma concepção aberta do campo metodológico, está presente o princípio da especificidade de cada contexto de investigação: investigador, comunidade académica e campo. Trata-se de incluir quatro termos, a complexidade, sistema autopoiético, indeterminação e paradoxos (Luhmann, 2012). Mais que defini-los o importante é afirmar que o mundo actual é demasiado complexo para ser percebido como um todo, as organizações e os seres humanos neste contexto interagem tendo em conta os seus referenciais. A sociedade, tal como a conhecemos, num contexto de globalização muda a tal ritmo que gera indeterminação, torna-se impossível fazer previsões e gerar certeza, isto gera paradoxos, situações aparentemente incompatíveis, que não deviam existir, inexplicáveis, no entanto há uma lógica que só é perceptível se olharmos para especificidade de cada entidade estudada.

Afirmamos, aqui a defesa da humanização das Ciências Humanas, perante a tendência deste para se desumanizar. Kuhn (2016) revela uma tendência das ciências para a religião com a criação de dogmas nos quais as descobertas não podem ser postas em causa, nomeadamente perante a imposição de um modelo das ciências naturais nas quais o Ser humano se apaga em nome de um conhecimento epistemológico. Isto é deixou de pensar e reflectir. A metáfora que se transpõe para as Ciências Sociais vem da sociologia do trabalho, os seres humanos no taylorismo como peças numa máquina, na gestão meios, para atingir um fim (Linhart, 2017), acrescenta-se que actualmente é um algoritmo numa base de dados. Reitera-se que nas Ciências Sociais em que os investigadores que utilizam uma epistemologia clássica acabam por transformar os investigadores em mecanismos ou meios em ambos os casos logaritmos conjuntamente com os participantes.

A humanização na investigação passa pela recusa da tabula rasa (Touraine, 1992) esta noção convida o investigador a esvaziar-se para dar lugar à lógica e à razão. Deve seguir para tais enunciados prévios e impessoais, na Grounded Theory (Strauss & Corbin, 2008; Glasser, 1998) recomenda-se a dupla ruptura com a teoria e o investigador trabalhando este apenas com os dados fornecidos pelo participante. Recomenda-se a revisão do termo ruptura epistemológica sendo esta não significa romper nem com o investigador, nem com a teoria, mas sim com aquilo que sendo de ambos pertence ao campo de investigação separando aquilo que não lhe pertence (Charmaz, 2014).

Na literatura anglo-saxónica existe o termo “real research” traduzida por pesquisa real a designa três ideias, o investigador com poucos recursos para fazer uma boa investigação em pequena escala compensando esta com a relevância social da mesma (Robson & McCartan, 2016), na segunda o investigador deve perguntar-se porque é que se quer fazer investigação e para que fim (Laurie & Jensen, 2016), e por último fazer investigação é um acto de constante adaptação ao campo e ter que lidar com inadequação e irracionalidade (Sayer, 1992). O termo real contrapõe-se em relação os entre exigentes e os requisitos metodológicos e o que o campo e os participantes permitem.

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1.2. Proposta: O Ser Humano como Centro e Finalidade Última do Conhecimento

Tomamos como pilar e único princípio e inquestionável: o Ser Humano como centro e finalidade última do conhecimento. Partimos da obra clássica no original de Carl Rogers (1961), que traduzida literalmente, o tornar-se pessoa, na eterna novidade do Ser humano de se descobrir a si mesmo através das suas experiências e sentimentos. Um ser subjectivo que se vai abrindo ao mundo numa atitude de abertura na procura de experências e significados. Uma ciência humana não é diferente, procura literalmente que individualmente, como grupo ou sociedade que esta dê respostas às suas necessidades, que permita responder às suas questões, mas que seja mais que uma mera relação entre conceitos, que permita descrever, explorar, explicar e prever um dado fenómeno, ele tem que ter significado. Torna-se necessário fundamentar estas afirmações, e os principais elementos são: - As Ciências Sociais e Humanas procuram capturar a vida, o qual dá uma ideia de movimento de acções, interações e reacções (Saldaña & Omasta, 2017), estas pelas suas regularidades podem reduzir-se a padrões, relações e estruturas com uma lógica e poder explicativo, mas não é isso que torna os humanos. O que tornam estes elementos humanos é o sentido (Luhmann, 2012) que o Homem lhes atribui.

- No campo da investigação social, tornar-se humano, significa dar ao investigador autonomia para tomar as suas decisões em torno de uma proposta de investigação (Glasser, 2015). O investigador é o principal instrumento de investigação, deve ser este que concebe, recolhe e analisa, e resolve todos os problemas que surgem no seu decurso.

- A nível da epistemologia, considerar que Ser Humano é parte de todo o processo de investigação e do campo estudado. O termo utilizado é reflexividade, no qual é preciso objectivar o sujeito de objectivação onde este tem de ter consciência e reflectir sobre as operações do campo e teoria (Bourdieu, 2001). A reflexividade é também uma ferramenta de avaliação, colaboração, e reflexão, descoberta e aproveitamento de oportunidades (Findley, 2003). A um nível mais profundo, as referências culturais do investigador são fundamentais para compreender o campo, o participante e ter uma reflexão crítica das suas decisões (Chang, 2008).

- A humanidade na ciência passa por compreender o ser humano incluindo as suas perceções, sentimentos, experiência de vida e consciência (Moustakas, 1994). Propomos aprender através da forma, como aprendemos e apreendemos o mundo a partir das nossas experiências e de como cada um vive e a experimenta (Manen, 2016). No campo da investigação torna-se importante a questão do significado, mais importante que a novidade e a inovação, é proporcionar aos investigadores, participantes, comunidades cientifícas e sociedade a possibilidade de se descobrirem compreendendo melhor o seu mundo e a sua vida.

Importa afirmar que estes quatro elementos correspondem ao que anteriormente se referiu como “Real research” precisamos de projectos de investigação que sirvam às necessidades e propósitos dos investigadores que podem não ser a descoberta de algo novo, mas sim aprofundar os seus conhecimentos de uma dada área. Lembramos que na Escola Superior de Educação João de Deus o seu objectivo é formar docentes, e o fim da investigação pode ser o desenvimento de uma competencia técnica, o conhecimento de uma àrea que vai favorecer a sociedade pela formação de bons profissionais da educação. A investigação é uma forma de pedagogia activa do investigador e da sociedade.

Esta metodologia não pretende substituir nem sobrepor-se a outras metodologias, tem por objectivo complementa-las no sentido de as tornar mais humanas e flexiveis ao ponto de ficarem acessiveis a todos os estudantes e investigadores incluindo os que sejam portadores de alguma deficiência. A nossa proposta inspirou-se no Direito do Trabalho e Gestão, onde se coloca a questão da flexibilidade por omissão, não se pretendende regular tudo, mas sim, uma deslegalização onde se eliminam normas para que se possa escolher outras que melhor se adaptam e a desregulação

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corresponde a uma eliminação de normas permitindo que sejam criadas outras normas que melhor se adaptam a situação. Aquilo que defendemos é que deve existir uma estrutura e uma metodologia base que ajude o investigador, mas esta não deve ser exaustiva, mas sim permitir que este faça por si as escolhas tendo em conta a sua situação ou inovando ou escolhendo elementos entre as contribuições de outras metodologias. Torna-se mais fácil fazê-lo de forma organizada invocando princípios organizadores, presentes metodologia (Metodologia adaptada ao contexto e ao investigador), que intencionalmente orienta mas não quer ser exaustiva.

1.3 Processo de Investigação na Metodologia Adaptada ao Contexto e ao Investigador

O processo de investigação é baseado em três pilares, é contextualizado, conceito de campo em sentido alargado e natureza circular. Exibimos o para este efeito a figura 1.

Figura 1

Representação do Processo de Investigação na

Metodologia Adaptada ao Contexto e ao Investigador

Fonte: Rossmann & Rallis (2012); Luckerhoff & Guillerte, (2012);Miles, Huberman, & Saldaña, (2014); Glasser (1998)

O processo de investigação é visto como um todo que começa no momento em que alguém entra especificamente num mestrado ou doutoramento e tem que fazer um trabalho de investigação. Está presente, o conceito de trabalho de campo em sentido alargado (Camalhão, 2018) tem base em muitos autores nomeadamente em em que a investigação começa com as escolhas dos investigadores segundo as suas características, competências e recursos. Cabe às universidades dar os meios e as ferramentas para tornar possivel a investigação. É com base em Rossmann & Rallis (2012), que defendemos que apenas uma realidade contextualizada, ancorada e referente a pessoas concretas num dado espaço social torna possivel compreender e tomar decisões. Torna-se difícil dar sentido a uma investigação sem esta ligação com este elemento substantivo, concreto e real.

É um processo assente numa atitude circular, na representação está a combinação entre uma lógica linear e uma lógica circular. É antes demais uma atitude porque numa lógica circular num sistema de recolha e análise dos dados (Luckerhoff & Guillerte, 2012) acontecem em simultaneo. É antes demais indução analítica, (Flick, 2009), onde a qualquer momento mesmo num sistema linear bem definido o investigador pode rever e melhorar o trabalho efectuado.

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A lógica linear como atitude perante a investigação, surge de um modo diferente, um pouco como Miles , Huberman, & Saldaña (2014) fazem ao apresentar os componentes do modelo de análise de dados composto pela recolha de dados, apresentação de dados, condensação de dados e desenho e verificação dos dados. Para estes autores há uma opção para resumir dados e avaliar o desenvolvimento da própria investigação. Juntamos as contribuições destes autores com as de Glasser (1998) que adaptando a esta filosofia, significa em todos os momentos da investigação o investigador tem que o ligar à concepção, recolha, análise e avaliação. Por exemplo na escolha do tema, ao fazê-lo inicialmente de uma forma imperfeita e superficial terá que pensar qual é o problema, o enquadramento teórico, que métodos e técnicas gostaria de utilizar, como analisar os dados e se é exequível (Campenhoud, Maquet, & Quivy, 2017).

Ao longo de cada fase apresentada o investigador terá de perguntar quais são os efeitos a nível teórico, metodológico, no trabalho de campo, análise de dados e nas conclusões a retirar. Isto significa que, conforme as necessidades, o investigador poderá ter que ler, ir para o campo verificar a viabilidade o estudo ou recolher dados em falta, analisar os dados ao longo do trabalho de campo para perceber como está a progredir a investigação em qualquer fase, podendo ter que alterar elementos de fases anteriores. A circularidade diz-nos simplesmente duas verdades não existem fases estanques e que o processo de investigação só está encerrado quando estiver redigido e entregue nas entidades de investigação (Strauss & Corbin, 2008).

Em termos de fases de investigação na figura estão presentes três fases.

A fase inicial é o pré-projecto, temos que imaginar um estudante de mestrado que ao entrar na universidade faz um primeiro desenho de investigação o qual tem apenas uma estrutura, mas falta o conteúdo. Este (Rossmann & Rallis, 2012) faz o primeiro esboço do desenho de investigação segundo as suas características e do que gostaria de fazer.

A fase de concepção da investigação, corresponde à construção do projecto de investigação, é obrigatório quer para obter financiamento quer para a aprovação dos comités científicos das faculdades.

Do ponto de vista desta metodologia a criação de um ponto de referência a que o investigador pode recorrer no sentido de uma indução analítica (Flick, 2009) a ser alterado se necessário. Contém um plano que define quem estuda, o que, quando, com o quê, onde e como (Silvermann, 2013), mais uma vez este plano pode ser mais ou menos definido conforme as características do investigador e do contexto.

A fase de adaptação à pessoa e contexto, significa que por muito que o investigador seja realista e tenha sido precavido, nomeadamente ter ido ao campo ver se era acessível (Laurie & Jensen, 2016), o campo é um lugar imprevisível onde o investigador terá que se adaptar ao campo e aos participantes, interagindo com o meio (Sayer, 1992). É um problema antigo onde Glasser & Strauss (1967) referem o fosso entre a teoria e a realidade, no caso entre o planeado e o que o terreno permite.

No campo da metodologia, aplicamos uma velha receita (Reynaud, 1965) um investigador deve ter uma formação geral nas diversas metodologias das Ciências Sociais, mas tem de se especializar naquela que se vai aplicar no terreno. Nisto, sempre que o investigador vê falhas na metodologia que utiliza tem de procurar soluções fora da sua especialização. Por isso, quanto melhor tiver preparado e experiência tiver melhor será, dai que o investigador é o principal e único instrumento de observação.

A nossa atitude perante a investigação é a de não impor uma metodologia específica, mas sim que cada um faça as suas escolhas segundo as suas características e contexto, procurando nós ajudar a tornar a mesma mais adaptada ao ser humano que investiga, que é estudado e todos os seres humanos que fazem parte da sua comunidade académica. A nossa ênfase é dada a técnicas, algumas com a dimensão de metodologias.

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A inquirição é uma metodologia mais que uma técnica (Ghiglione & Matalon, 1992), antes de a aplicar tem que se definir se o fim é para entrevista ou utilização sob a forma de questionário. O foco nesta metodologia está na capacidade de se interrogar a si mesmo e recolher informação através de perguntas.

A observação é outra técnica que é mais uma metodologia, (Peretz, 2007) implica e organiza um conjunto de técnicas que vão desde o registo das observações como a um processo complexo de gestão do campo. Encontramos a observação, nas entrevistas (Ghiglione & Matalon, 1992), em qualquer investigação com o conhecimento do terreno (Miles, Huberman & Saldaña, 2014). Saber observar é antes de mais uma competência de registar e analisar dados, no caso directamente embora o termo se possa aplicar indirectamente a documentos.

Os memorandos ou memos em Inglês e as notas de campo têm origem na Grounded Theory (Flick, 2018). As notas de campo são narrações e descrições de observações do que acontece no campo utilizadas para posterior análise, um memorando é uma nota de campo com valor conceptual, metodológico, reflexivo e de avaliação sobre todo o processo de investigação. Esta definição, apesar de ter base na literatura, tomou a forma adaptada a esta proposta de metodologia. Estes dois meios estão incorporados no diário de campo, (Beaud & Florence, 2003) como forma de gerir a investigação. No nosso entender, do ponto de vista prático, este meio vem substituir todos os outros meios de observação dispersos e complicados. É um caderno ou livro onde desde o início vamos tomando notas quer do que observamos quer das decisões que tomamos fruto da nossa reflexão, análise sobre o progresso da investigação. Nesta perspectiva o aspecto mais ou menos estruturado das notas e memorandos depende da pesquisa e do investigador. Não há mal algum se seguirmos a sugestão clássica de Schatzman & Strauss (1973) para as notas de campo, alargando-as para os memorandos, em seguir a estrutura de um trabalho académico tomando estes o nome de teóricos, metodológicos, analíticos e avaliativos para facilitar a compreensão e a integração dos dados ao longo da recta.

2 Limites, Potencialidades e o que Falta Fazer

Neste projecto, distinguimos entre os aspectos que propositadamente deixamos em aberto, para que cada investigador tome as decisões que melhor se adaptem à sua situação e aqueles que só por si dariam um artigo ou que estão em desenvolvimento num projecto que pela sua natureza nunca estará acabada, tal como o Ser Humano.

No primeiro caso encontra-se a escolha de métodos e técnicas de um processo de investigação. A potencialidade é a flexibilidade de combinar ou complementar métodos e técnicas de forma a melhor se adaptarem quer ao campo quer ao investigador. Isto pode ser feito quer através de multi-métodos (Seawright, 2016) ou através da triangulação (Flick, 2011) mas o nosso preferido é ainda (Morse & Maddox, 2014) os desenhos de métodos mistos e múltiplos dirigidos qualitativamente porque há uma metodologia que organiza os restantes. A vantagem é termos uma metodologia que se adapta ao investigador e ao campo a desvantagem é que teremos um desenho único irrepetível que tem de ser explicado ao limite para ser aceite cientificamente. É uma metodologia que se aplica facilmente a desenhos qualitativos e flexíveis, mas dificilmente se aplica a modelos de investigação rígidos que procuram importar os métodos da física e da química.

O segundo caso são os aspectos incompletos, aqui a questão da ética e a criação de um instrumento de referência por onde o investigador possa ter uma ajuda para escolher as soluções para os seus problemas.

Na ética a nossa preocupação incide no respeito incide que o investigador tem que ter para com o participante, na tese de um dos autores (Camalhão, 2018), no qual em questão estavam

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directamente e indirectamente pessoas com deficiência. O cuidado ao falar do tema sem diminuir o outro e sem explorar a fragilidade destes para obter dados. Neste contexto o direito de cada um a não participar, e em consequência campos difíceis os poucos dados valem mais que aqueles com muitos em meios mais fáceis. Também no tratamento dos dados proteger as pessoas de forma a proteger as pessoas na sua identidade e situações que as possam prejudicar. Tal necessita um olhar mais específico e aprofundado que ultrapassa em dimensão este artigo.

A criação de um instrumento de referência é uma necessidade premente desta metodologia. Ao longo de muitas leituras verificamos a importância de existirem referências para ajudar o investigador, na Grounded Theory na forma clássica temos as famílias de códigos e na forma straussiana o paradigma de codificação (Flick, 2018) e nas formas tradicionais de investigação temos o modelo de análise (Campenhoud, Maquet & Quivy, 2017). Neste caso a nossa função, não está ligada a formas de investigação ligadas a dados, mas sim como um auxiliar a outras metodologias para que se tornem mais próximas do investigador, do campo e do Ser Humano. O instrumento de observação proposto vem de Flick (2014) em que surge o termo “Mapping the field”, a ideia deste autor está em seguir percorrer o desenvolvimento das metodologias integrando-as no campo metodológico. O nosso objectivo é mais simples e não é novidade já Campenhoud, Maquet & Quivy (2017) apresentam os métodos e técnicas com as suas características, vantagens e limitações, trata-se de identificar metodologias, métodos e técnicas associando os mesmos a situações associando-os a problemas concretos aos quais podem ser solução. Este instrumento foi designado de mapa de métodos e técnicas orientado para a resolução de problemas. É algo que aqui podemos apenas enunciar, que pela sua complexidade demorará anos a acabar, mas diremos que terá de ser aberto e abrangente, incluído o antigo e o novo que vai surgindo. Quantas mais referências o investigador tiver mais soluções terá para os problemas que surgem.

Conclusões: Uma Proposta em Aberto e para Todos

Nesta proposta nasceu do fim de um projecto colaborativo, em que o objectivo foi adaptar a investigação a uma investigadora portadora de Paralisia Cerebral numa tese de Doutoramento. O resultado foi recompensador com a verificação que com as devidas alterações poderia beneficiar os estudantes de mestrado e doutoramento incluindo os que possuam alguma limitação motora ou sensorial. Para que não perca esta riqueza este projecto fica disponível a uma terceira pessoa e a uma instituição a académica a Escola Superior de Educação João de Deus. É vosso também se quiserem uma ciência mais humana e próxima do ser humano que investiga, participante e da sociedade. Sendo a parceria com uma universidade que prepara docentes para o ensino, há uma perspectiva pedagógica em que os trabalhos podem ficar fechados e esquecidos num repositório, mas a formação e a aprendizagem vão beneficiar milhares. Queremos afirmar a investigação como uma forma de formar docentes e formar a sociedade pelo conhecimento que dá a oferecer.

Na nossa experiência de 2013 a 2019 começamos com um modelo clássico de investigação, no meio do percurso, a Grounded Theory e neste final e recomeço a fenomenologia. É a redescoberta do ser humano tal qual como ele é, não uma máquina, um organismo, ou um logaritmo. É preciso incorporar a humanidade na investigação, Sultan (2019) utiliza o termo “Heuristic Inquiry”, heurística é a orientação para descoberta, implica incluir na investigação o ser humano total com a sua imaginação, intuição, introspecção, experiência, incorporação, reflexão e vivência. Como é que podemos ser objectivos se negamos os aspectos que são importantes nas nossas acções e decisões? Cada Ser Humano é único, assim como cada comunidade académica e campo de estudo. A investigação constrói-se sobre esses Seres Humanos únicos e embora possa utilizar modelos, são estes que se moldam á realidade. As respostas incluem como é obvio com a razão e a lógica

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científica, mas os seus resultados só são válidos se tiverem significado e fazerem sentido para quem investiga e para a sociedade. Pedagogicamente aprender para ensinar, e ensinar para aprender como mote.

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Referências

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