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Transformações do espaço e estratégias mercantis na lagoa Jacuném

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Academic year: 2021

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TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO E ESTRATÉGIAS MERCANTIS NA

LAGOA JACUNÉM

Dissertação apresentada à Universidade Federal do Espírito Santo, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Geografia para obtenção do título de “Magister Scientiae”.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Teixeira Campos Jr.

VITÓRIA 2011

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)

(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Barbosa, Rubens Pereira, 1979-

B238t Transformações do espaço e estratégias mercantis na lagoa Jacuném / Rubens Pereira Barbosa. – 2011.

116 f. : il.

Orientador: Carlos Teixeira de Campos Júnior.

Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.

1. Lagoas. 2. Natureza. 3. Mercado imobiliário. 4. Urbanização. 5. Jacunén, Lagoa (ES). I. Campos Júnior, Carlos Teixeira de. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.

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TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO E ESTRATÉGIAS MERCANTIS NA

LAGOA JACUNÉM

Dissertação apresentada à Universidade Federal do Espírito Santo, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Geografia para obtenção do título de “Magister Scientiae”

Aprovada em 26 de setembro de 2011.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________ Profº Drº Carlos Teixeira Campos Júnior Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

____________________________________ Profª Drª Gisele Girardi

Universidade Federal do Espírito Santo

____________________________________ Profº Drº Floriano José Godinho de Oliveira Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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A Antônia, minha mãe, pela dedicação incondicional.

A Andréa, minha mulher, pelo companheirismo e cumplicidade. E Cecília, minha pequena princesa que está a caminho.

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À minha família, pelo bom convívio e compreensão.

Ao Dr. Carlos Teixeira de Campos Jr., pela orientação não apenas nesse trabalho mais em toda minha vida acadêmica.

Ao Professor Gilberto Barroso, departamento de Oceanografia da UFES, que me ajudou com preciosas informações sobre o funcionamento das lagoas e indicação de bibliografia.

Aos membros da banca examinadora, pela disponibilidade e direcionamentos.

Aos colegas de trabalho do IEMA, que colaboraram na obtenção de informações indispensáveis, apoiaram as atividades em campo e foram compreensivos durante minhas ausências.

A todos que colaboraram com materiais diversos que culminaram na elaboração desta dissertação.

Aos amigos, pela cumplicidade, fidelidade e apoio. A Andréa, pelo apoio, alegrias e presentes.

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A natureza, elemento presente em abundância no passado, com o passar do tempo tem se transformado em atributo raro. Com o crescimento das cidades, a natureza foi transformada, substituída pelo ambiente construído e destruída, recebendo cargas de poluentes e sobrevivendo em pequenos fragmentos. Com a impossibilidade de sua recriação tal como era, a natureza se transformou em produto raro e apropriado pelo mercado. Atualmente, a indústria da construção civil tem explorado a natureza, por meio do lançamento de empreendimentos imobiliários, como diferencial dos seus produtos, recriando-a como representação de forma ilusória por meio de signos. A lagoa Jacuném, no município de Serra-ES, é um exemplo dessa estratégia de mercado. Até a década de 1970, sua bacia hidrográfica apresentava baixa densidade demográfica e pouca exploração da terra, situação que se altera com a implantação da indústria e dos conjuntos habitacionais que a acompanham. Apesar da degradação dos últimos 40 anos, promotores imobiliários vendem a ideia de santuário ecológico e direcionam midiaticamente o consumo de uma natureza que não existe mais, senão como construção pelo mercado. A falácia é evidenciada pelas análises da qualidade de água, presença de efluentes carregados de poluentes nos córregos que a alimentam e alta densidade de macrófitas na superfície da água, provas da degradação ambiental e poluição presentes na bacia que são negligenciados em favor do mercado.

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Nature, present in abundance in the past, with the passage of time has been transformed into rare element. With the growth of cities, it has been transformed, replaced by the built environment and destroyed, getting loads of pollutants and surviving in small fragments. The impossibility of its recreation as it was in the past, turned nature into a rare and appropriate commodity to the market. Currently, the construction industry has explored nature over the launch of real estate enterprises as a differential of its products, recreating it as a representation of an illusory form trough signs. The Jacuném lagoon, in the city of Serra-ES, is an example of this marketing strategy. Until the 1970s, Jacuném watershed used to have low population density and poor land exploration, a situation that changes with the implementation of industry and housing that accompany it. Despite the deterioration of the last 40 years, the real estate agents sell the idea of an ecological sanctuary and direct consumption of a nature that no longer exists, but as a market construction. The fallacy is evidenced by the water quality analysis, the presence of wastewater laden with pollutants in streams that feeds it, and the high density of macrophytes on the water surface. All this facts are evidences of environmental degradation and pollution in the basin that are overlooked in favor of the market.

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FIGURA 02 – Padrão de circulação da água em lagos ... 41

FIGURA 03 – Esquema evolutivo da sedimentação quaternária nas feições deltaicas da costa leste brasileira ... 52

FIGURA 04 – Evolução paleogeográfica da feição deltaica do Rio Doce durante o Holoceno ... 52

FIGURA 05 – Café nos tabuleiros e vegetação nativa nas vertentes na porção norte da bacia ... 56

FIGURA 06 – Vegetação nativa preservada em grande parte da bacia ... 57

FIGURA 07 – Margens da lagoa Jacuném ... 57

FIGURA 08 – Aspecto do espelho d‟água e vegetação ciliar da lagoa ... 58

FIGURA 09 – Trecho da lagoa onde observa-se manilha e tubulação na margem. Contudo o espelho d‟água aparece livre de macrófitas ... 58

FIGURA 10 – Vista Parcial aérea da lagoa Jacuném em área de intervenção, aparentemente terraplanagem ... 59

FIGURA 11 – Macrófitas cobrindo espelho d‟água na lagoa ... 60

FIGURA 12 – Ocupação dispersa do território de Serra até a década de 1970. ... 71

FIGURA 13 – Declividade suave das vertentes na bacia. Os tons alaranjados e vermelhos, que representam declividades superiores a 30º e 45º são praticamente inexistentes aparecendo apenas no Mestre Álvaro ... 72

FIGURA 14 – Distribuição dos Conjuntos habitacionais na Serra ... 80

FIGURA 15 – Residências irregularmente construídas na depressão formada pelo córrego Barro Branco. Em detalhe, córrego e exemplo de dispersor de águas pluviais, estrutura vista em alguns pontos da bacia ... 83

FIGURA 16 – Lançamentos imobiliários na Serra entre 2006 e 2008 ... 85

FIGURA 17 – Lixão em Novo Porto Canoa ao lado do talude do rio Barro Branco ... 87

FIGURA 18 – Criação de Caprinos em Nova Carapina ... 87

FIGURAS 19 e 20 – Suínos e Equinos em Nova Carapina ... 88

FIGURA 21 – Estruturas e edificações às margens do córrego Barro Branco ... 89

FIGURA 22 – Residências construidas na depressão fluvial do córrego Barro Branco sem as mínimas condições sanitárias ... 90

FIGURAS 23 e 24 – Galeria e pocilga ao lado das residências na depressão fluvia do córrego Barro Branco (ago. 2010). ... 90

FIGURA 25 – Material de divulgação do Boulevard Lagoa. ... 96

FIGURA 26 – Imagem aérea com aplicação de cores (verde) em área de empreendimento. Nota-se também a referência ao natural trazida pelos nomes que identificam o condomínio “Aldeia Parque”. ... 97

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TABELA 02 – Parâmetros utilizados para identificar estado trófico na lagoa Jacuném em 2006 ... 65 TABELA 03 – Dados de referência na outorga de lançamento de efluente ... 67 TABELA 04 – Valores médios dos parâmetros de qualidade de efluentes nas ETEs em 2007 ... 68 TABELA 05 – Evolução demográfica dos municípios da Grande Vitória de 1970 a 2000 ... 77 TABELA 06 – População total dos municípios mais populosos do Espírito Santo entre 2000 e 2010 ... 93 TABELA 07 – Distribuição populacional na bacia ... 106

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QUADRO 02 – Parâmetros de qualidade da água. ... 61 QUADRO 03 – Sistemas de esgoto sanitário que interferem na Lagoa Jacuném e suas características ... 62 QUADRO 04 – Vazão, tipo de tratamento e eficiência das estações (análise do

efluente) ... 62 QUADRO 05 – Resumo da análise da qualidade das águas ... 63 QUADRO 06 – Resultados de qualidade das águas na Jacuném e seus afluentes . 63 QUADRO 07 – Conjuntos habitacionais em Serra até 1990 ... 79 QUADRO 08 – Funções da mata ciliar ... 100

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MAPA 02: Distribuição das ETEs nos contribuintes da lagoa Jacuném ... 66

MAPA 03: Relevo e hidrografia da lagoa Jacuném ... 73

MAPA 04: Uso de solo na lagoa Jacuném em 1978 ... 75

MAPA 05: Uso de solo e perímetro industrial na lagoa Jacuném (1991) ... 81

MAPA 06: Rede coletora de esgoto na sub-bacia ... 92

MAPA 07: Mapa de uso de solo da lagoa Jacuném ... 99

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2 CAPÍTULO I – A NATUREZA: UM CONCEITO DINÂMICO ... 22

2.1 A NATUREZA: APROPRIAÇÃO E MERCANTILIZAÇÃO ... 25

2.2 A NATUREZA DA MERCADORIA E A MERCADORIA NATUREZA: A NATUREZA (RE)CRIADA PELO MERCADO IMOBILIÁRIO ... 29

3 CAPÍTULO II – CARACTERISTICAS GERAIS DOS LAGOS ... 38

3.1 A LEGISLAÇÃO RELACIONADA ... 43

3.2 AS LAGOAS DO ESPÍRITO SANTO ... 50

3.3 A LAGOA JACUNÉM E SEUS CONTRIBUINTES ... 54

4 CAPÍTULO III – TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO DA SERRA E SUAS MANIFESTAÇÕES NA LAGOA JACUNÉM ... 69

4.1 QUATRO DÉCADAS DE TRANSFORMAÇÕES SOCIOESPACIAIS ... 69

4.3 CRESCIMENTO IMOBILIÁRIO ... 93

5 CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 100

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1 INTRODUÇÃO

A concepção de natureza, desde sua origem até os dias atuais, tem passado por constantes mudanças em sua essência e esse movimento é reflexo das transformações nas sociedades podendo se manifestar de diferentes formas ao longo do território (CARVALHO, 1991).

O modo de produção vigente é um dos fatores que influenciam fortemente como e com que intensidade o homem transforma a natureza (MARX, 1982).

A natureza está sendo constantemente redescoberta pela humanidade. Contudo, o constante movimento de mecanização artificializa o mundo produzindo próteses (SANTOS, 1992).

Muitas ações humanas, apesar de inicialmente pensadas para promover seu bem estar, acabam gerando problemas. Apesar das possibilidades técnicas de controle de impacto ambiental, nem sempre a natureza consegue retornar ao seu estado original. Mesmo na atual fase do conhecimento técnico-científico existem perguntas cujas respostas não são seguras o suficiente e, portanto, a melhor alternativa é adotar uma postura preventiva (ROSS, 2005).

Na busca por adotar medidas eficientes de gestão do ambiente, diversas escalas de análise são adotadas, contudo, a escolha de uma unidade territorial aplicável às diversas situações é um desafio.

Alguns pensadores contemporâneos como Esteves (1998), Becker (2005), Tundisi (2008) e outros, propõem a adoção da Bacia Hidrográfica como unidade territorial de análise. O uso e ocupação do solo em uma bacia hidrográfica representam um fator importante na qualidade da água e manutenção do equilíbrio ambiental.

A partir dessa perspectiva caberia outro raciocínio. O ambiental como resultado das relações entre o natural e o social, conforme propõe Spósito (2005), pois o ambiental não se restringe ao natural, mas às relações entre as dinâmicas e processos naturais e sociais, onde todas as ações geram efeitos e novas ações e novos efeitos.

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A natureza que no passado reinava absoluta, dominando o meio, abundante, foi sendo continuamente reduzida em nome do desenvolvimento. O mercado, impulsionador do consumo, tornou e continua tornando a natureza escassa. Ao ser rara e requerida por muitos a natureza ganha novas formas de exploração mercantil. Nesse contexto surgem variados produtos “verdes”, como o ecoturismo, turismo de aventura, ecoresorts, produtos reciclados, móveis de madeira de reflorestamento, certificação ambiental, construções sustentáveis e empreendimentos imobiliários em “harmonia” e/ou contato com a natureza (GONÇALVES, 2006), sendo estes últimos relacionados ao nosso objeto.

Assim, nosso objetivo é analisar as manifestações espaciais da relação homem/natureza ao longo dos últimos quarenta anos no uso e ocupação do solo da bacia de uma lagoa costeira, ressaltando as formas e funções dos elementos distribuídos no meio e suas implicações na qualidade ambiental.

Nosso local de estudo é a lagoa Jacuném na Serra, ES. Tal escolha se justifica em virtude da sua localização singular (próximo a porção central do município e grandes eixos de circulação), sucessão de usos (agrícola, industrial e residencial) e modificações na forma de ver e vender tal espaço (estratégias do mercado imobiliário), sendo estes aspectos abordados ao longo do texto.

Até a década de 1970 a bacia que comporta a lagoa apresentava um ambiente bastante preservado, situação alterada com a instalação do pólo industrial do Civit e dos conjuntos habitacionais que o acompanharam. Além disso, ocupações irregulares seguiram esse movimento. Como efeito, mudanças drásticas na paisagem e no uso da lagoa aconteceram e transformaram um manancial em receptor de efluentes domésticos e industriais.

Apesar da intensa degradação ambiental, hoje o capital passa a explorar aquele sítio com empreendimentos imobiliários que, entre outros atributos, vendem a falsa idéia de paraíso ecológico e natureza preservada.

Tendo as diferentes concepções de natureza e as manifestações espaciais da produção como fundamentos, apresentaremos evidências dessa transformação e das estratégias de mercado da indústria da construção civil em fetichizar a natureza

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a partir de sua idealização, moldando as aspirações dos ecologistas em favor do mercado, usando fragmentos ou representantes agonizantes de uma natureza maltratada como atributo espacial.

Esses fatos nos levam a refletir sobre a produção do espaço em três momentos distintos. O primeiro dominado pelo meio natural, quando atividades agrícolas eram realizadas de forma dispersa e pontual; o segundo pela indústria e urbanização; um terceiro, representando a descentralização espacial, seguida pelo desenvolvimento do mercado imobiliário no município utilizando a natureza como signo.

Apreender, em sua totalidade um objeto ou processo do mundo real é uma tarefa desafiadora e inalcançável. Portanto, destacamos um segmento do mundo real (empírico) para investigação; um objeto real, que para compreensão requereu toda uma construção em um exercício intelectual, pois há um número infinito de aspectos que não conseguimos apreender em sua totalidade, daí, por questão de método, o objeto foi problematizado. Selecionamos alguns dos seus aspectos por meio das referências teóricas utilizadas e nos concentramos em suas análises. Estudamos, portanto, uma dimensão do real por meio de um objeto intelectualmente construído, relacionando-o apenas a pontos relevantes ao nosso objetivo. Assim, nosso objeto de pesquisa é seletivo, mas não se isola dos elementos relacionados a ele, pois foram consideradas todas as conexões necessárias a sua compreensão.

Nossa opção explicitada é estudar um segmento do espaço, para tanto advertimos que diversas conceituações sobre o termo são apresentadas, mas optamos por considerá-lo fator da evolução social, ou seja, um produto da ação do homem sobre a natureza (SANTOS, 2008). Assim, nosso objeto é examinado por meio de um olhar geográfico, destacando a produção do espaço.

Compreende-se que o processo produtivo deve ser encarado como resultado das ações humanas sobre a natureza, entretanto, ressaltamos que a forma como os homens atuam não é homogênea, muito ao contrário, e se modifica com o tempo. Apesar de nos referirmos em muitos momentos aos homens coletivamente, em razão do predomínio de formas de produção em um e em outro momento de acordo com a interferência na realidade em estudo, sua participação na produção é extremamente desigual.

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As análises apresentadas têm como base uma escolha orientada por aspectos físicos bastante usados na atualidade, fazendo pequenas adaptações em virtude de marcos humanos, ou seja, nosso ponto de partida é a lagoa, contudo, por não ser um elemento isolado, suas conexões são importantes. Os córregos que alimentam o corpo d‟água em questão têm uma grande influência em suas características, e o uso e ocupação do solo em consonância com as condições sanitárias daquele meio vão propiciar características ambientais específicas à lagoa, portanto, a bacia hidrográfica não pode ser negligenciada. Contudo, optaremos por destacar apenas a sub-bacia formada por três córregos que deságuam na lagoa Jacuném e vazam no mar pelo rio Jacaraípe. A bacia hidrográfica principal (definida em nível estadual) é a do rio Reis Magos, bastante extensa (700 km2) e muito heterogênea, apresentando características bastante diversas de nosso recorte, deste modo não será em sua totalidade o objeto de análise. A idéia de utilizar a bacia de drenagem como arcabouço apropriado para o estudo e a organização dos fatos físicos e humanos tem uma longa tradição no pensamento geográfico, vem desde Wiliam Morris Davis. Não se trata de se deixar encobrir pela sombra do determinismo geográfico, mas sim de estabelecer parâmetros para o cotejo de processos que ocorrem na interação com substratos físico-ecológicos onde a natureza tem um papel ativo na vida humana e vice-versa.

À área abrangida por um sistema hierárquico de canais responsáveis pela captação de toda a água que se dirige a um único corpo hídrico dá-se o nome de Bacia

Hidrográfica ou Bacia de Drenagem, a qual é limitada por linhas de cumeeira ou

cumeada, divisores topográficos que a envolvem num contorno mais ou menos regular e fechado. A escolha da bacia como recorte tem dois fundamentos: é uma unidade sistêmica, conveniente, facilmente delimitável e desprovida de ambiguidades, disposta de forma hierárquica na base do ordenamento dos canais; e se trata de um sistema físico aberto em termos de inputs de precipitação e radiação solar e outputs de descarga (de água), evaporação, energia (BECKER, 2005; BARROSO, 2007; TUNDISI, 2008).

No caso específico da lagoa Jacuném, os tabuleiros do grupo barreiras que delimitam a bacia são o substrato de diversos usos de solo que interferem de forma direta na qualidade de suas águas e são indicadores do estado de conservação do

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meio. O uso da bacia provém de fatores naturais, econômicos, sociais e políticos que têm na água o ponto de convergência deste complexo sistema ambiental. A bacia como unidade espacialmente explícita inclui elementos bióticos (vegetais e animais) e abióticos (solo, residências, indústria) que refletem os múltiplos aspectos que o ambiente apresenta.

Tendo definido nosso recorte, o ponto de partida de nossa explanação se inicia na natureza, tendo suas definições e relações com a sociedade como fatores de explicação das manifestações espaciais no meio circundante da lagoa e nas características ambientais pretéritas, presentes e possíveis tendências. Posteriormente ressaltaremos aspectos gerais das lagoas e alguns destaques relacionados ao tema como: legislação e peculiaridades sanitárias, elementos que irão subsidiar o entendimento do espaço, das ações humanas no meio e o funcionamento metabólico do corpo hídrico. Por fim, abordaremos as características específicas do nosso recorte espacial, apresentando em alguns momentos mapas que compõem o arcabouço de explicações sobre o recorte, ressaltando processos, funções e formas.

Por nosso estudo se relacionar a aspectos bastante amplos, que passam pelo uso e ocupação do solo, industrialização, formação do mercado imobiliário, resposta ambiental da bacia e qualidade de água, nossos referencias são vastos, cujos principais autores são: Marcos de Carvalho, Carlos W. P. Gonçalves, sobre o conceito e exploração da natureza; Paulo C. Scarim, Paola V. Santana, Maria E. B Spózito, autores em cujos textos buscamos informações sobre a transformação da natureza em mercadoria, todos alicerçados na obra de Henri Lefebvre, nosso referencial no desenvolvimento da teoria sobre a produção do espaço urbano; José G.Tundisi, Francisco A. Esteves, Gilberto F. Barroso, Felipe Léllis e Patrícia Leal, responsáveis por trabalhos sobre o funcionamento dos lagos e, no caso dos últimos, dados da lagoa Jacuném; Carlos T. Campos Jr., Talismar Gonçalves, onde encontramos aspectos do mercado imobiliário. Ressaltamos que os autores citados aqui não são os únicos, esses e os demais estão listados na seção referências. Além disso, consultamos materiais não publicados como: relatórios da companhia de saneamento e abastecimento de água CESAN; dados de solicitação de outorga de lançamento de efluentes e relatórios técnicos do Instituto Estadual de Meio Ambiente

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e Recursos Hídricos (IEMA) e análises de qualidade de água feitas pela mesma autarquia.

Uma parcela de nosso trabalho é dada pelo uso da cartografia. Atualmente a cartografia está presente em nosso cotidiano, se transformando praticamente em uma obrigação, contudo, aqui ela será explorada essencialmente de forma analítica, centrada no objeto.

Os mapas sempre foram considerados uma importante forma de registro, por diversos anos “[...] seu objetivo era essencialmente utilitário: facilitar o exercício de uma atividade ou de uma autoridade ou ainda recensear recursos de uma província ou de um país. Eles se multiplicaram ao longo dos séculos XVIII e XIX [...]” (JOLY, 2001, p. 73).

Aos poucos a necessidade de se localizar e registrar a memória dos lugares foi sendo substituída pelo ímpeto de mapear para controlar ou “tomar as rédeas do mundo” como sugere Massey (2008). A domesticação de animais e plantas foi o primeiro passo do homem em direção ao ideal positivista de tornar-se o senhor de todas as coisas, no entanto não se contentou somente com isso, os mapas também são expressão desse fenômeno. Ademais, com a evolução da informática o processo de criação de mapas passou a ser automatizado, fato evidenciado pela ampla utilização dos Sistemas de Informação Geográfica – SIG ou Geografic

Information System – GIS, ferramenta extremamente produtiva sob o ponto de vista

quantitativo, no entanto, não podemos afirmar que tal produtividade colabora com a reflexão e questionamento mais elaborado sobre a cartografia (GIRARDI, 2007). Num mundo onde a visão e os aspectos estéticos são elementos tão importantes, não basta apenas dizer, há que se mostrar. O mapa como linguagem e forma de comunicação proporciona a visualização da informação, síntese e praticidade. Estaremos ao longo deste trabalho utilizando mapas principalmente para analisarmos nosso objeto e evidenciarmos aspectos relevantes ao nosso leitor. Há quem diga que os mapas são um “arquétipo de representação” (MASSEY, 2008, p. 59), no entanto, os mapas jamais podem ser vistos como modelos perfeitos da realidade. Um mapa é uma representação limitada, simbólica e aproximada da

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superfície terrestre (JOLY, 2001). Portanto, ressaltamos que os mapas apresentados são sínteses de informações geográficas orientadas ao nosso tema.

A cartografia de uma bacia hidrográfica auxilia nas respostas de questionamentos sobre os quais é relevante a localização de um objeto ou elemento em relação aos outros e em relação às influências ambientais. Dessa forma, a base cartográfica está objetivando a criação de informações complexas sobre a estruturação do espaço, tais como sua forma de organização, como está constituído, sua variação ao longo dos anos e demais informações que permitem extrapolar visões superficiais, para atingir reflexões mais aprimoradas sobre o objeto (BERNASKI; WATZLAWICK, 2007).

Os mapas permitem apresentar sínteses dos fenômenos que ocorrem numa determinada extensão com relativa precisão na forma de diferentes produtos. Além disso, as características ambientais por terem variados elementos envolvidos no seu funcionamento, sejam elas de ordem natural ou cultural, exigem da análise simples ou isolada, a visão integrada (Op. cit).

O SIG é uma ferramenta onde as características espaciais da superfície terrestre ou outros dados que apresentam distribuição espacial são registrados em formato numérico em camadas de dados na forma digital. O SIG por si só não traz respostas, ele não substitui o mapeador e o conhecimento formativo da cartografia, todavia, é uma importante ferramenta de formação para o geógrafo e até mesmo para outros profissionais. Complementarmente, SIGs são excelentes ferramentas de análise ambiental, pois agregam diversas informações espaciais na forma de imagens de satélite, fotografias aéreas, cartas topográficas, bancos de dados, subsidiando a identificação espaço-temporal dos impactos antrópicos. Um SIG produz informação geográfica na forma de mapas, os quais podem representar diferentes conjuntos de dados sobrepostos, capazes de gerar modelos e testar hipóteses (BECKER, 2005).

Na tentativa de alcançarmos nossos objetivos, confeccionamos alguns mapas de diferentes temas, mapas analíticos, e agrupamos diferentes camadas de dados. Os mapas foram editados com o softwares do pacote ArcGis 9 da ESRI e Kosmos 1.1.2 (Software livre produzido na Espanha). Nossa base de dados partiu de cartas

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topográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), folhas SF-24-V-A-III e SF-24-V-B-I na escala 1:50.000 e; Ortofotomosaico do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), cujo vôo foi feito entre o final de 2007 e início de 2008; levantamentos aerofotogramétricos do IEMA e Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF) dos anos de 1978 e 1991, respectivamente. Além disso, contamos com alguns materiais suplementares como: mapeamento da rede de esgoto da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (CESAN), mapas dos bairros da Serra.

As fotografias aéreas de 1978, 1991 e 2008 deram origem a mapas de uso de solo com a finalidade de evidenciar a evolução das estruturas urbanas sobre a bacia. O trabalho de transformação de dados matriciais (imagem) em dados vetoriais (polígonos, linhas e pontos) foi realizado pela interpretação visual na tela do computador assistida por softwares.

Tendo a delimitação da sub-bacia e a rede fluvial como referências espaciais, o georeferenciamento das fotografias foi realizado com o ArcMap e foram gerados ortofotomosaicos de 1978 e 1991. O ortofotomasaico de 2007- 2008 do IEMA já estava previamente georeferenciado e foi utilizado como base da delimitação citada, visto que o material apresenta excelente resolução (escala de 1:15.000 tendo perfeita visualização de elementos espaciais em escala de até 1:5.000).

As Áreas de Preservação Permanente (APPs) delimitadas a partir da proximidade com a rede hidrográfica1 (buffer) foram geradas a partir do mapeamento apresentado pelo IBGE na escala de 1:50.000.

A classificação do uso de solo em todos os mapas levou em consideração os elementos dentro de uma delimitação previamente estabelecida com base na lagoa, seus afluentes e, diferente de outros trabalhos sobre a lagoa, incluímos a porção da sub-bacia que forma o rio Jacaraípe e conecta a lagoa com o mar. Essa escolha se justifica pela influência da ocupação a jusante da lagoa na qualidade da água pela elevação da maré.

1

Área de Preservação Permanente em faixa marginal de 30 metros dos cursos d‟água conforme Lei Federal 4.771/65 e faixa de mesma metragem em volta da lagoa, por se tratar de terras urbanas, como estabelece a Resolução CONAMA nº 303.

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Conforme citamos anteriormente, a apresentação do material cartográfico será feita ao longo do trabalho, conforme haja a necessidade de apresentar aspectos do recorte espacial e localizar formas e características relevantes.

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2 CAPÍTULO I – NATUREZA: UM CONCEITO DINÂMICO

Uma primeira impressão pode nos trazer a falsa idéia de que a natureza é um termo simples e de apreensão de todos, porém, definir natureza é uma tarefa que demanda algum tempo de reflexão e pesquisa.

Das formas que pensarmos a natureza surge sempre um contraponto entre o natural e o artificial, fato que nos remete à origem das coisas. No entanto, não basta pensar em quem é o produtor da coisa para classificá-la como natural ou artificial. Se pensarmos que natural é tudo que é produzido pela natureza e artificial as produções humanas encontramos um problema fundamental, pois o poder de ação da humanidade sobre o meio globalizou-se, há intervenção antrópica em toda parte e, se o homem faz parte da natureza como poderia ser artificial a sua interação com o meio? Será que há alguma natureza, ou ela mesma é criação humana?

Carvalho (1991, p. 14) afirma que toda iniciativa humana é parte integrante da natureza, e [...] não haveria nada de sobrenatural em admitir-se que várias naturezas têm se sucedido ao longo da história da humanidade, ou até mesmo convivido num mesmo espaço e num mesmo tempo social [...], portanto, sob essa perspectiva, sempre houve e ainda há diversas formas de se pensar e ver a natureza. Dessa forma poderíamos pensar que a natureza é aquilo que entendemos e aceitamos coletivamente que ela seja, conclusão nada incorreta se levarmos em consideração que natureza é um conceito que exprime uma totalidade, em princípio abstrata, que é pensada a partir de uma visão de mundo.

Algumas sucessões de formas de enxergar a natureza podem ser apresentadas para exemplificar tais proposições, elas vão de uma visão humanizada da natureza adotada pelos chamados povos primitivos até uma natureza como alteridade, distinta da humanidade, conforme propõe Carvalho (1991):

Os chamados povos “primitivos” que adotavam o que os antropólogos denominam

pensamento selvagem viviam num mundo de mitos e rituais onde a natureza era ao

mesmo tempo sobrenatural e próxima. O homem primitivo era filho da natureza e a natureza era humanizada, pois atribuíam a ela sentimentos como ira e gratidão, desejos e desprendimentos. Assim, homens e natureza compunham uma mesma

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trama num esquema de vida comunitário com homens, mulheres, jovens, anciãos, plantas, rios, pássaros, pedras.

Esse pedaço de mundo é, da Natureza toda de que ele pode dispor, seu subsistema útil, seu quadro vital. Então há descoordenação entre grupos humanos dispersos, enquanto se reforça uma estreita cooperação entre cada grupo e o seu meio: não importa que as trevas, o trovão, as matas, as enchentes possam criar o medo: é o tempo do Homem amigo e da natureza amiga [...] (SANTOS, 1992, p.97).

Outra característica daquele momento (viver primitivo) era o modo como se extraia da terra apenas o indispensável à sobrevivência. Mesmo que as técnicas de plantio ou ferramentas pudessem tornar a produção mais eficiente, geralmente, os progressos técnicos serviam para reduzir o tempo dedicado ao trabalho para permitir mais tempo aos ritos e festas (CARVALHO, 1991). O mesmo autor faz outras observações sobre a produção dos povos primitivos:

Para que houvesse a produção de excedentes seria necessário, antes de mais nada, abandonar a condição de comunidades “selvagens”, que, não custa lembrar, são aquelas voltadas para cobrir o conjunto de suas necessidades e não para obtenção de um rendimento (CARVALHO, 1991, p. 27).

A distinção que se dá a partir da divisão social entre os homens só ocorre quando alguns desses homens tornam a magia uma especialidade. É o embrião de uma divisão social marcada pela especialização de alguns indivíduos. Os sacerdotes se constituíram os senhores da magia ou interlocutores de um mundo sobrenatural. Eles passaram a intermediar o contato entre a sociedade e a natureza (CARVALHO, 1991). Dessa forma, os donos da magia conquistaram grande poder e se distinguiram daqueles que tinham uma relação direta de trabalho com a natureza e, portanto, possuiam o dever de produzir para si mesmos e para seus guias.

O desenvolvimento da sociedade de classes e seu desdobramento espacial, com o advento cidade e do campo, abriu caminho para que, a partir da consolidação das “distâncias”sociais entre os homens, estes pudessem ver, pensar e conceituar natureza e sociedade como coisas distintas, isto é, percebessem “distâncias” também entre si e as coisas naturais (ibidem, p. 29 - 30).

Cabe ressaltar que esse processo de cisão entre o pensamento selvagem e a formação da sociedade de classes, assim como a maioria dos processos citados, não aconteceu de forma abrupta nem sincrônica em todos os lugares. Uma outra ressalva deve ser dada em virtude de trazermos os ritos sagrados como destaque,

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pois diferentes formas de distinção social também se apresentaram, como por exemplo o caçador mais forte e ágil que poderia se destacar e alcançar o poder. O mundo grego representa o rompimento de velhas linguagens e concepções de natureza, tal substituição encontra-se subsidiada pelas vozes dos filósofos, que de maneira geral vão levar a natureza ao caminho da alteridade. Tales e outros integrantes da Escola de Mileto estabeleceram os princípios explicativos para a natureza a partir dos elementos dela própria, livres de uma visão mitológica ou preceitos religiosos. O pensamento filosófico grego estimulou a separação entre uma filosofia humanista e outra naturalista culminando na distinção entre as ciências naturais e sociais.

Aristóteles (384-322 a.C.), por exemplo, propõe definições para o termo natureza (phisys, em grego) referindo-se a ela com tudo que não foi nem pode ser produzido pelo homem, e como substrato ou base, origem de todas as coisas. Esse mesmo pensador formulou o modelo de natureza geostática, onde a Terra estaria imóvel no centro do Cosmo e os astros circundariam nosso planeta. A idéia ganhou notoriedade, argumentações físicas e sistematização matemáticas com Cláudio Ptolomeu (século II d.C.) (COLLINGWOOD, 1986). Com algumas adaptações, mas mantendo a idéias centrais de uma natureza estática movida por fins determinados, onde a Terra estava situada no centro, a Igreja atribuiu os enigmáticos mistérios da natureza à vontade divina. O modelo geostático dava sustentação às afirmações da igreja, mantendo uma notoriedade na Terra e seu papel central no universo, aquela instituição divulgava a idéia de uma natureza imutável e especial, onde tudo está escrito e predestinado com perfeição e vontade divina.

A natureza é novamente associada ao sobrenatural, produto de uma ação divina e, como obra de Deus torna-se inacessível para os homens, portanto qualquer elucidação sobre a mesma só poderia vir do sagrado. Essa forma de ver e pensar a natureza reflete a visão de mundo daquele período, pois sendo a Idade Média marcada pelo predomínio da Igreja Católica sobre o pensar daquela sociedade, e o teocentrismo sendo uma espécie de ditadura religiosa, os resultados não poderiam ser diferentes.

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A visão teológica põe Deus na condição de condutor da história do mundo, e os processos que movem a natureza têm uma complexidade inacessível dirigida a um mesmo fim. Assim, a primeira força motriz, capaz de mover todas as coisas é Deus, e o curso da natureza e ditado por ele (COLLINGWOOD, 1986). Tal situação impede que o homem seja protagonista de sua história e imobiliza socialmente aqueles que aspiravam ascensão, assim o fim da sacralização da natureza e o início de sua exploração se tornam uma crescente necessidade.

As bases para a exploração da natureza como recurso vão se consolidar durante o Renascimento e as consequências direcionaram a humanidade para uma situação de alarmismo (CARVALHO, 1991), contudo, tais explicações merecem ser abordadas com maiores detalhes.

2.1 A NATUREZA: APROPRIAÇÃO E MERCANTILIZAÇÃO

Tradicionalmente, o renascimento marca a passagem de um momento histórico anteriormente dominado pelos dogmas da igreja para novos tempos regidos pela busca da verdade, ou da razão. Assim, tomando como referência as palavras de Gonçalves, C. (2007) “a Natureza é dessacralizada” tornando-se algo objetivo. Até aquele momento, na sociedade ocidental, a visão teológica oferecia sentido ao viver, relacionando a divindade com a natureza. Nesse contexto, tanto o homem quanto a natureza são sacralizados, já que ambos, segundo os dogmas religiosos, são criações divinas. Para a igreja, somente Deus tem o domínio sobre suas criações, daí a impossibilidade de ação do homem sobre o divino, ou seja, a natureza, o tempo, outros homens, a vida. Chamamos a atenção para o rompimento das amarras que davam unidade a um todo que deixa de existir. A partir daquele momento surge a dicotomia sistematizada sociedade/natureza.

Laicizar a cultura e o viver significou uma cisão entre a natureza e o homem, exacerbando a razão. O homem como animal racional nega sua animalidade e destaca a racionalidade como diferenciação, afirmação que o separa da natureza. Daí, o homem não pertence mais a natureza e sim a natureza passa a ser dominada pelo homem. O antropocentrismo transforma o homem no senhor de todas as coisas. O homem racional, por meio da ciência e da técnica, passa a exercer o

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controle sobre aquilo que anteriormente pertencia ao divino e com o auxilio do conhecimento lógico-matemático inicia a sua nova e desafiadora tarefa de desvendar todos os mistérios que permeiam o natural desde a sua gênese.

Gerado o anseio de conhecer todos os segredos do mundo e, dessacralizada a natureza, começa a jornada de intensa investigação daquilo que é interno ou externo, da vida, do viver e das bases que o sustentam, a todo custo. Do conhecimento sucede a transformação, daí não são mais as forças naturais que dominam o homem. De integrantes passamos a ser agentes de transformação, e, por conseguinte tornamo-nos o maior deles. O mundo foi tomado pela humanidade para que, com sua liberdade criadora nele alterasse aquilo que fosse conveniente. Quando o homem produz uma nova consciência de si e da natureza, enxergando ela como objeto e a si mesmo como sujeito, passando da contemplação para a dominação, a natureza ganha olhares econômicos, estratégicos e intervencionistas (SCARIM, 2001).

A natureza é condição essencial à reprodução humana. Sendo assim, as práticas sociais destinadas a sua dominação relacionam-se não simplesmente ao domínio da técnica ou da razão, mas ao poder e a ação de uma sociedade que se move por uma lógica de acumulação de riqueza (GONÇALVES, C., 2007). Nessa busca por ganho, o homem procura um dinamismo cada vez maior da produção.

A modernidade é marcada pela passagem de um período calcado por tempos lentos da natureza, ditando as ações humanas, para outro período balizado pela técnica da máquina, onde se buscava atenuar gradualmente o império da natureza. Santos e Silveira (2005) apresentam essas idéias para mostrar a sucessão de meios geográficos no Brasil2.

A máquina transformou a relação espaço-tempo e modificou a forma com que o homem passou a construir o espaço. As horas, anteriormente marcadas pelos templos, cujo objetivo era definir os momentos de oração, passam a ser controladas pelo relógio, mecanismo utilizado para controlar o tempo destinado ao trabalho. O mesmo tempo que no passado só pertencia a Deus, agora passa a ser dominado

2Milton Santos

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pelo homem e é empregado universalmente para matematizar o espaço, dividindo-o em graus, minutos, segundos a partir de Greenwich3. Cabe ressaltar que um passo fundamental nesse processo foi a descoberta do Novo Mundo, estabelecendo uma imagem geográfica do globo em bases matemáticas, onde os continentes e mares mapeados com a ajuda da astronomia e cartografia científica pode ser considerada uma etapa da processo de lógico-matemático de domínio da natureza. Gonçalves, C. (2007) faz considerações sobre tal processo:

O próprio espaço passa a ser representado, a partir do Renascimento, por um enquadramento de coordenadas – latitude e longitude – abstrato, cartografia essa elaborada mediante a Projeção Mercator, sendo o nome aqui suficiente para indicar suas ligações com os mercadores, preocupados em controlar o espaço pelo tempo. Não sem sentido as medidas matemáticas são em graus, minutos e segundos (GONÇALVES, C., 2007, p. 381).

A Natureza, como conjunto de elementos indispensáveis à reprodução dos seres vivos, entre os quais incluímos os humanos, à medida que se torna propriedade de alguns, gera a necessidade de que os homens não possuidores de tais meios de subsistência vivam da troca de seu trabalho pelos elementos que garantam sua reprodução. Desse modo, o domínio da natureza também resulta no domínio do outro pelo trabalho forçando os indivíduos a venderem sua força de trabalho aos possuidores dos meios de produção (GONÇALVES, C., 2007).

Naquele momento a natureza tornou-se meio de produção, recurso natural ou recurso produtivo. A condição anterior, quando a natureza era sacra, emperrava as aspirações de um mundo moderno burguês em que a produção induzia a entrada da natureza no circuito mercantil, portanto a cisão entre o divino e o natural foi indispensável à produção.

A natureza inicialmente escapa a ascendência de ação racionalmente realizada, tanto a dominação quanto a apropriação. No campo a produção agrícola faz nascer produtos, e a paisagem se faz como uma obra. Tal obra emerge de uma terra levemente modelada, originariamente ligada aos grupos que a ocupam através de uma recíproca sacralização que a seguir é profanada pela cidade, depois a

3 Dividir o mundo em paralelos e meridianos já era uma idéia do período helenístico, Claudio Ptolomeu (século

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dissolvem no transcorrer das épocas, absorvendo-a na racionalidade (LEFEBVRE, 2008).

A energia, necessária para realizar trabalho e que está contida na natureza, seja nos combustíveis fósseis ou em fontes renováveis, no alimento necessário ao organismo dos seres vivos, são separadas dos homens, ou seja, aquilo que era dádiva é apropriado sistematicamente, torna-se propriedade de alguém que explora não para seu consumo próprio, mas como valor de troca. Os elementos da natureza indispensáveis à subsistência e, posteriormente, aqueles que proporcionam mais conforto ao viver são transformados em mercadorias.

Da apropriação à mercantilização da natureza há um fenômeno essencial, mudanças culturais que ressaltam sua fragilidade. Desse processo Scarim (2001) aponta três movimentos que abordaremos agora: a natureza geradora de riqueza; a descoberta de uma natureza finita; e um terceiro movimento que vai da necessidade ao desejo.

Produção, técnica, progresso e razão tornaram-se símbolos de uma sociedade moderna, fortemente marcada pela indústria. Assim, nesse contexto capitalista-moderno, conforme aponta Scarim (2001, p. 173) o homem “[...] se definiria pela razão, a razão pela técnica, a técnica pela produção, a produção pelos objetos, os objetos pelo consumo e o consumo pela necessidade” levando a uma constante exploração das matérias-primas cuja fonte ultima é a natureza.

O desenvolvimento e o progresso ao longo dos séculos XIX e XX passam a ser definidos pela capacidade técnica de transformar matéria bruta em objetos. O nível tecnológico se torna o indicador principal, pois a disponibilidade natural pouco adiantava se não houvesse capacidade de se utilizar dela. Diante disso, desde que existisse tecnologia o limite de crescimento parecia não existir (SCARIM, 2001).

[...] os monstros, os mistérios e a magia não surgiriam mais das cavernas, dos mares ou das florestas. A natureza passa a ser descritível, previsível e controlável. Sabe-se quanto minério-de-ferro e de petróleo existem ainda. Fazem-se previsões meteorológicas. Catalogam-se DNAs de espécies vegetais e animais, etc. (SCARIM, 2001, p. 173).

A busca de uma maior produção demanda uma capacidade cada vez maior de transformação da matéria. Implica disponibilidade de energia nas diversas formas,

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biomassa, energia de fonte mineral (carvão, petróleo, gás) e trabalho (GONÇALVES, C., 2006).

Ao ampliar a capacidade cientifica e tecnológica da sociedade de mercado também se amplia a acumulação capitalista e a transformação da natureza. Ao mesmo tempo sucede a produção de resíduos decorrentes da produção e do consumo, gerando uma série de problemas ambientais (SPÓSITO, 2005).

A mãe natureza, base e provedora começou a mostrar fragilidade. O que parecia não ter fim tornou-se finito. Ao passo que os materiais e seres passaram a ser ameaçados pela extinção, outros começam a ser criados, todavia, alguns elementos vitais: água, ar, alimentos, suscitaram a reflexão sobre outras necessidades, busca de uma natureza original já ausente e desejos estimulados a partir de insatisfações (SCARIM, 2001).

[...] Os “bens naturais” são finitos, por isso contradizem a tese de crescimento infinito. É cada vez mais escassa a riqueza vinda da natureza. A natureza se torna raridade, em especial, na paisagem urbana e industrial, isto é, a “natureza pura” [...] Aqueles bens ganham valor de troca em função de sua raridade. Este movimento histórico implica na entrada destes bens no circuito econômico enquanto novas mercadorias dadas a uma necessidade histórica (SANTANA, 2001, p. 179).

A água com qualidade para matar a sede ou o ar respirável passam a ser valorizados, uma vez que se tornam escassos e apesar de outrora serem abundantes. Além disso, os elementos naturais são vitais à sobrevivência e sinônimos de qualidade de vida.

A matéria-prima passa a ser quantificada e os resultados demonstram limitações impondo medidas corretivas ou adaptações. Esses processos convergem para uma mercantilização da natureza.

2.2 A NATUREZA DA MERCADORIA E A MERCADORIA NATUREZA:

A NATUREZA (RE)CRIADA PELO MERCADO IMOBILIÁRIO

Algumas explicações sobre a definição de mercadoria e manifestações do caráter mercadológico que a natureza assumiu, chegando a ser explorada pela construção

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civil, devem ser explicitadas, portanto abordaremos em três partes estes aspectos apresentando características das mercadorias como um todo, utilizando como base Karl Marx, na parte inicial e; posteriormente, no caso específico da mercadoria natureza, da sua apropriação a sua transformação em signo, retornaremos a Henri Lefebvre e outros autores influenciados por sua obra para o desenvolvimento de suas idéias. Na terceira parte elencamos exemplos da exploração da idéia de natureza pelo mercado imobiliário em diferentes localidades no Brasil.

A mercadoria possui dois tipos de valor: o valor de uso que a confere uma propriedade corpórea capaz de dar-lhe uma utilidade; e o valor de troca, que estabelece uma relação entre ela e outras mercadorias, possibilitando a barganha entre os mais diversos produtos. Uma propriedade de suma importância pertinente à mercadoria é a de ser produto do trabalho humano, ou seja, o objeto que o trabalho produz concretizado, a objetivação do trabalho. A mercadoria possui valor, apenas, porque nela está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato. Portanto, o valor de uma mercadoria é medido de acordo com a quantidade de trabalho socialmente necessário despendido durante a sua produção. Apesar disso, nem todo fruto do trabalho pode ser considerado mercadoria. Um produto que satisfaz apenas as necessidades de quem o produziu não entrando no processo da circulação não possui valor de uso para os outros, então não deve ser considerado mercadoria, pois não fez parte dos processos de troca. O trabalho deve dar a mercadoria um valor de uso e esta precisa entrar no circuito das trocas tendo um fim para que a mesma satisfaça uma necessidade específica, não podendo jamais ser inútil, neste caso o trabalho nela contido é consumido pelo uso. Partindo da afirmação que o valor de uma mercadoria é medido pelo dispêndio de trabalho necessário a sua produção, concluímos que as relações de troca entre os produtores também são dadas pela relação de equidade entre os produtos do seu trabalho. A mercadoria assume o caráter social e se relaciona com outras mercadorias, esses objetos ou frutos do trabalho humano estabelecem relações entre si e com os homens, produtores de diferentes trabalhos privados, exercidos de forma independente, formando um complexo de trabalhos privados que vão ser permutados, e assim os produtos recebem uma objetividade de valor socialmente equivalente sem que a objetividade de uso justificada em suas características físicas seja evidenciada. Cada trabalho privado útil particular é permutável por toda outra

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espécie de trabalho privado equivalente. Da mesma forma, todo possuidor de mercadoria vê os produtos alheios como equivalentes de sua mercadoria, possuidora de valor de troca, desde que suas características satisfaçam os outros. O processo de troca, antigamente realizados por escambo, apresentou limitações com o crescimento da quantidade de mercadorias em circulação, até que a forma equivalente geral surgiu contornando os obstáculos impostos na formação dos mercados e facilitando as permutas entre diversas mercadorias em uma escala ampla. A forma dinheiro, materializada inicialmente nos metais preciosos (ouro e prata) vai revolucionar o processo de troca, tornando-se um equivalente de mercadoria (MARX, 1982).

Os meios de sobrevivência do homem estão condicionados pelas leis de mercado na sociedade capitalista. A alienação do trabalho é a alternativa encontrada pelos desprovidos de meios de produção para conseguir os recursos necessários a sua subsistência. Dessa forma, o trabalho torna-se meio de vida do individuo, pois é com a venda do trabalho que o homem continua existindo fisicamente. Enfim, o trabalhador vende seu tempo e força física, aspirando dinheiro para trocá-lo por outras mercadorias necessárias a sua reprodução.

A apropriação e o uso do espaço para a realização da produção em detrimento da natureza impõe uma substituição do natural pelos objetos humanos, este processo ocorre de forma intensa nas cidades transformando o meio natural em meio técnico (SANTOS, 2008). O território ganha novos contornos e formas organizadas para a produção e circulação, nesse contexto a natureza tem a função de recurso e é explorada como tal. A forma como o homem apropriou-se da natureza foi derivando num vertiginoso crescimento das cidades e gerando mudanças no metabolismo dos ecossistemas pela biosfera como um todo. Cabe destacar que o desenvolvimento econômico tem relação com o aumento no nível de bem-estar da sociedade, produção e consumo de bens e serviços, os quais dependem de diversas funções e elementos da natureza, como matérias-primas, assimilação de resíduos e produtividade bioquímica (substâncias usadas na indústria química e farmacêutica). A natureza, portanto, oferece recursos biológicos indispensáveis à subsistência do homem, participando na produção de bens econômicos cuja obtenção seria difícil com seu fim. À medida que a função biológica e a utilização produtiva da natureza

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foi ganhando consciência, levando a se pensar em limites de crescimento, o sentimento de raridade e escassez foi se agregando ao valor de troca.

O preço da mercadoria além de relacionado ao valor trabalho também é um signo social interpretado e ratificado por comportamentos que evidenciam sua aceitação e a efetivam como valorosa em sentidos específicos, suas funções respondem anseios dentro de um contexto histórico (MARX, 1982). A natureza é valorizada em função da história particular que a sociedade tem com seu ambiente. O processo de transformação da natureza resultou na sua conversão em riqueza material, ou seja, em natureza apta a ser consumida, desfrutada, apropriada pela sociedade. Embora o “valor” econômico dos recursos ambientais não fosse antigamente diretamente observável no mercado, o ambiente na atualidade tem preço, na medida em que seu uso se altera nas formas de produção e consumo da sociedade. O que antes era visto apenas como recurso para atividades de produção, matéria-prima, passa a ser signo de bem estar e qualidade de vida. O preço da natureza é definido pelo “valor” que a sociedade lhe atribui e encontra realização no mercado

A natureza vem sendo moldada, depois de quase totalmente dominada e transformada, passando, assim, a ser percebida como uma valiosa mercadoria na qual o valor de uso (coletivo, biológico, existencial e relacionado às necessidades básicas do ser humano) está sendo obscurecido pelo valor de troca (possibilidade de venda). A esse processo vincula-se uma contradição estrutural: evidenciou-se um discurso ecológico (de matizes variados) que se opõe àquela dominação e transformação efetuadas pela indústria e pelo capital financeiro e ao mesmo tempo utiliza-se esse discurso – elemento de revalorização da natureza e do verde – como mercadoria ecológica qualitativa.

Retomando idéias anteriores, Scarim (2001) afirma que nas fases iniciais da industrialização a natureza (água, ar, vegetação, etc.) era abundante, não tinha valor de troca, agora a qualidade e pureza dos elementos naturais estão se tornando cada vez mais raros. A nova abundância é a dos produtos criados pelo homem, por meio da extração e transformação dos elementos naturais, e num movimento dialético a raridade da natureza é a consequência desse processo. A dificuldade em se conseguir desfrutar da natureza e dos benefícios psicológicos e fisiológicos que ela proporciona resulta na mediação de sua aquisição pelo mercado.

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“Os “bens naturais” tornados “novas raridades” são objetos de uso corrente e a condição de ser raro atribui a eles valor de troca, por conseguinte, são passíveis de serem convertidos em mercadoria [...]” (SANTANA, 2001, p. 179). A exploração da natureza como mercadoria ocorre ao passo que os seus benefícios são evidenciados e requeridos socialmente, além disso, não estando amplamente disponível na atualidade a possibilidade de usufruir dos benefícios proporcionados por uma natureza rara passa a ser permeada pela venda.

Com a produção capitalista do espaço, o solo é elevado à condição de mercadoria e esse gera renda, com ganhos maximizados principalmente no espaço urbano. Mas há que se considerar que o solo é uma mercadoria diferenciada das demais, pois seu processo de valorização não é decorrente de forma direta do trabalho e sim das formas como se dão a sua apropriação e uso (OLIVEIRA, 1982).

Uma das mais recentes formas de valorização imobiliária está relacionada às idéias de raridade/escassez de recursos naturais. Grandes empreendimentos imobiliários surgem com o apelo ecológico-ambiental, onde a existência da natureza é vendida como diferencial, não somente na região circundante, mas muitas vezes como componente do espaço comercializado. Mata, rio, monumentos naturais, lagos, unidades de conservação ou qualquer outro elemento que detenha o atributo ambiental é explorado pela especulação.

O direito à natureza entrou para a prática social há alguns anos em favor do lazer e prazer, contra o barulho, a fadiga, o universo centralizador das cidades e, portanto, constituindo um modelo de cidade e do viver ideal (em contato com o verde, com tranquilidade, longe do caos), ao mesmo tempo que a cidade anterior, onde impera o concreto, a poluição e a degradação, é abandonada (LEFEBVRE, 2008).

O monopólio sobre a natureza torna-se estratégia de reprodução do capital via incorporação de áreas que concentrem tal raridade. O solo dotado de predicados define uma elevação no preço e, por conseguinte, os lucros da comercialização são extraordinários, pois há uma super exploração comercial da natureza. Assim as forças produtivas vão se moldando às características de cada período, definindo estratégias para a reprodução do capital. Usando as palavras de Campos Jr. (2002,

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p. 22): “Significa dizer, ainda, que o capitalismo, na sua permanente reprodução, domina novos setores [...]”.

A natureza antes desvinculada do homem, agora passa a ser um atributo requerido pela sociedade. No entanto, como raridade torna-se uma valiosa mercadoria potencialmente explorada pelas incorporadoras e legitimadas pelo discurso ecológico, transformada em signo.

Segundo Lefebvre (1991, p. 118) [...] o consumidor se alimenta de signos, como os da técnica, da riqueza, da felicidade, do amor. Os signos e as significações suplantam o sensível. Opera-se uma gigantesca substituição, uma transferência maciça [...]. O signo é uma espécie de unidade fictícia que se torna socialmente real apesar de estar situado no imaginário. Muitos signos são criados unicamente com o intuito de induzir o consumo pela venda de atributos muitas vezes ilusórios.

Cresce a dimensão dos signos enquanto representações de coisas que já não existem ou existem raramente, e que são produzidas como mercadorias. É o caso da natureza, bem natural, destruída a cada dia, e recriada enquanto signo. Produz-se a natureza, não mais que existia, mas a sua representação para entrar no circuito da mercadoria (CAMPOS Jr. 2002, p. 23).

A mesma lógica perpassa pela exploração turística dos sítios naturais, a criação de selos verdes, certificação ambiental, etc. O espaço natural é visto como santuário, as empresas estabelecem vínculos com projetos de conservação, indústrias, cuja atividade causa inevitavelmente poluição, implantam sistema de controle de poluentes e se dizem sustentáveis, como se não tivessem a obrigação legal de mitigar os danos causados por sua atividade.

[...] o consumo da natureza explorada como o ecoturismo é visto através da valorização da “paisagem natural intocada”. Esta última é definida por interesse biocêntrico estabelecido pela ecologia profunda. A natureza ganha valor intrínseco ficando “personificada” por sua diversidade animal e vegetal (SANTANA, 2001, p. 177-178).

Conforme relata Santana (Ibid.), o ecoturismo explora o contraste entre espaço de vida cotidiana, representado pela cidade, criando uma acepção rústica ou mesmo selvagem pelo contato com o natural, permeada pelo desejo de fuga da repetição e da rotina urbana, do trabalho. Ele é um produto do movimento ecológico, moldado pelo mercado.

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Nesse sentido a natureza passa a ser produto de um consumo dirigido. Conforme afirma Lefebvre (1991), o desejo estaria encurralado, pois as necessidades são previamente pensadas pelo mercado e delineadas, moldadas e organizadas segundo as relações de produção.

É anunciado a todo momento nos jornais, na televisão, nos semáforos e nos outdoors: compre uma casa no paraíso tal, more junto a natureza na granja x, beba água mineral y, durma tranquilo adquirindo um apartamento de luxo z. Certamente esses anúncios servem mais para produzir desejos, induzir compras, que solucionar o problema da poluição, da pobreza e da violência. Este mercado muitas vezes é visto como conseqüência, e até como solucionador, dos problemas, que por sua vez seriam originados numa esfera externa a ele. É visto como o agente que estaria oferecendo produtos que resolveriam o problema, e caberia ao cidadão escolher, ou não, por esta solução, numa atitude democrática. Mesmo porque, se uma pessoa não pode comprar um apartamento de luxo, existem outras possibilidades, apartamentos menores, terrenos. Numa hierarquia quase infinita de possibilidades de consumo (SCARIM, 2001, p. 174).

Em suma, passando a ser rara a natureza é redefinida sob a lógica de acumulação e reprodução do capital, deixando de ser apenas bem livre e coletivo, para ser regida por leis de propriedade. Sendo rara e demandada, maior se torna seu valor de troca. A mercantilização da natureza, seja ela efetivamente presente ou uma criação midiática, encontrou no mercado de imóveis uma das mais fortes manifestações ideológicas, principalmente nos locais onde sua raridade se exprime.

A cidade, grande realização humana, artifício por excelência e aparente negação da natureza, vira o local principal para observação de uma nova relação, mitológica, capitalista e midiática, do homem com a natureza. A natureza, metáfora ou metonímia, que já havia sido reificada e incorporada à vida social, ao longo da história do homem, é apropriada e até mesmo produzida, com o objetivo de valorização monetária de objetos/mercadorias nos mais variados segmentos da produção e dos serviços.

A natureza, material e simbolicamente, incorpora-se à esfera de um mundo capitalista, de uma racionalidade instrumental e da criação de um conjunto de necessidades que parecem ser naturais ao homem, mas que se constituem apenas em mais possibilidades de consumo (HENRIQUE, 2006, p. 115).

Para Cisotto e Vitte (2004), a entrada do atributo natural no mercado imobiliário teve como preceito a dispersão urbana, por meio da instalação de vias de transporte, fornecendo fluidez ao território, permitindo acessibilidade a novas áreas e posteriormente pelo deslocamento dos setores de serviços e atividades urbanas. Além disso, os autores apontam a expansão do transporte privado como forma da

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população de maior poder aquisitivo poder eleger áreas fora dos setores centrais para seu lugar de residência.

[...] a população de mais alta-renda segue as vias, passando a habitar novas áreas. Esse movimento é articulado por interesses imobiliários, abrindo novos campos para seus empreendimentos, estimulando o interesse das elites por novas áreas. Sendo a forma do espaço urbano, a materialização do desenvolvimento contínuo do capitalismo, que define o traçado da morfologia espacial urbana, o mercado imobiliário é muito determinante na escolha de novas áreas a serem ocupadas (CISOTTO E VITTE, 2004, p. 29).

O mercado imobiliário molda a natureza. O ambiente hostil ao ser humano do passado transforma-se em cenários que proporcionam beleza e prazer à visão. Os poucos representantes florestais que não sucumbiram à exploração econômica foram cada vez mais assumindo valor ornamental. A paisagem natural é e enclausurada. O destino da natureza pode ser seu confinamento, com sua fauna e flora, funcionando como aquários, ou seja, ambientes simulados de natureza.

[...] Há uma preferência das elites por ocuparem não mais as áreas centrais, mas as novas áreas abertas pelo capital imobiliário nas periferias onde predominam condomínios horizontais fechados, com residências uni-familiares individuais ou de serviços. Alguns novos condomínios são completos de estrutura urbana, com escolas, hospitais, centros empresariais, se tornando, de certa forma, independentes do centro urbano. Essa característica possibilita a polinucleação urbana, criando diversos novos pontos de centralidade (CISOTTO E VITTE, 2004, p. 29).

Barbosa (2010), avaliando os condomínios horizontais e verticais em Campina Grande (PB), destaca que os promotores imobiliários criam deliberadamente uma imagem positiva dos empreendimentos explorando dimensões simbólicas do espaço, propiciando grande recepção dos consumidores. A contradição encontra-se notadamente no espaço urbano, onde a natureza em seu estado puro praticamente não existe. Daí a simulação e exploração da idéia.

[...] foram observadas no caso em questão, referências a piscinas com espelhos d‟água com bordas infinitas, trilha “ecológica”, espaço para cavalgada, bosque, dentre outras amenidades “naturais”, que contribuem para aliviar o estresse do cotidiano da cidade (BARBOSA, 2010, p.7).

O autor chama atenção para a simulação da natureza presente nos próprios nomes dos empreendimentos: rio, bosque, ecologia, atmosfera, etc. “[...] „Atmosphera Eco Residence‟ CFH, [condomínio fechado horizontal] em que se nota forte apelo à vida

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natural, a uma suposta convivência com a natureza pura, ainda que ela não exista [...]” (BARBOSA, 2010, p.8).

A mercantilização dos espaços naturais com a implantação de condomínios fechados também é relatada por Costa (2004). O trabalho é parte do resultado da pesquisa intitulada: "A expansão metropolitana de Belo Horizonte: dinâmica e especificidades no eixo-sul". Observa-se que a transformação da natureza em atributo ambiental vem se tornando tendência em regiões metropolitanas do Brasil.

A qualidade ambiental e as possibilidades de manutenção de espaços exclusivos a partir do estabelecimento de unidades de conservação, são um ingrediente central e contraditório no caso do eixo-sul, pois na medida em que são apropriados pelo mercado imobiliário, tendem a transformar o valor de uso coletivo inerente à preservação ambiental, em valor de troca, materializado, por exemplo, na elevação dos valores fundiários e na elitização do acesso à moradia. Os conflitos de uso associados à mineração, à produção imobiliária para assentamentos residenciais ou à preservação do patrimônio natural metropolitano são o pano de fundo que dão especificidade - e também crescente complexidade - a este caso (COSTA, 2004, p.03).

No Espírito Santo observamos características semelhantes às relatadas por Costa (2004), na região serrana do estado espaços exclusivos são criados no entorno de unidades de conservação (UC) como no caso do Parque Estadual Pedra Azul, sítio cercado por hotéis, restaurantes e condomínios de luxo, num trecho turístico conhecido como Rota do Lagarto. Ao mesmo tempo, notamos que na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) e em núcleos regionais de desenvolvimento, a dispersão urbana influenciou a incorporação do atributo natural ao mercado imobiliário, a exemplo do relato de Cisotto e Vitte (2004). As antigas áreas centrais deixaram de ter a primazia na expansão econômica, assim novos núcleos urbanos e redes de transporte possibilitaram a entrada de outros espaços no mercado imobiliário.

Exemplos desse processo ocorrem nos sítios que circundam lagoas rurais relativamente preservadas, como lagoa Nova e lagoa Juparanã em Linhares (ambas a poucos quilômetros do centro urbano), e em espaços urbanos bastante transformados, como Serra onde novos empreendimentos gravitam nas proximidades da lagoa Jacuném.

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