ANÁLISESOCIODEMOGRÁFICADOSIMIGRANTESVENEZUELANOSNA CIDADEDEPELOTAS1
Ana Luiza Marcos Schuch2 Igor Venzke Pinheiro3 Maria Fernanda Martins de Souza 4
INTRODUÇÃO
Dados os acontecimentos nos últimos anos na Venezuela, e com a crescente onda migratória a partir deste país, identificada pela ONU (Organização das Nações Unidas, 2019), mostra-se de grande relevância um estudo sobre o grau de vulnerabilidade social experimentado por esses imigrantes, especialmente no município de Pelotas, situado na zona sul e fronteiriça do Rio Grande do Sul. Para isso, utilizaremos neste estudo uma perspectiva a partir da epistemologia do sul de Boaventura de Sousa Santos, uma vez que ele reivindica novos processos de produção e valoração de conhecimentos, tanto científicos quanto não-científicos, a partir de grupos e classes que sofreram as injustas desigualdades e discriminações causadas pelo capitalismo e pelo colonialismo.
As zonas de contato, segundo Boaventura, são os locais onde diferentes realidades sociais entram em choque e estas diferentes culturas envolvem relações de poder extremamente desiguais (SANTOS, 2003, p. 43). Pode-se encaixar a relação dos imigrantes e refugiados que chegam a outra país em busca de uma vida digna neste conceito. Ao entrarem no Brasil, estes refugiados venezuelanos se deparam com uma realidade jurídico-cultural distinta da que estão habituados. Ainda segundo Boaventura:
Dito de outro modo, nas zonas de contacto o direito da igualdade não funciona separado do direito do reconhecimento da diferença. O combate jurídico cosmopolita travado na zona de contacto é uma luta pluralista pela igualdade transcultural ou intercultural das diferenças. Nesta igualdade de diferenças está incluído o direito igual transcultural, que cada grupo envolvido na zona de contacto tem, de decidir entre continuar a ser diferente ou misturar-se com os outros e formar híbridos (SANTOS, 2003, p. 43-44).
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Trabalho apresentado no XI Encontro Nacional sobre Migrações, realizado no Museu da Imigração do Estado de São Paulo, em São Paulo, SP, entre os dias 9 e 10 de outubro de 2019.
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Graduanda no curso de Bacharel em Direito na Universidade Católica de Pelotas.
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Graduando no curso de Bacharel em Direito na Universidade Católica de Pelotas.
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Por meio deste trabalho, almeja-se compreender até que ponto pode-se verificar a tensão da zona de contato nas relações dos venezuelanos com a população pelotense e averiguar como estes imigrantes têm se relacionado com a cultural local, que tende a ser dominante nesta relação de poder, e como este conflito alimenta a situação de vulnerabilidade em que estas pessoas se encontram.
OBJETIVOS
A pesquisa tem como objetivo geral analisar o perfil sociodemográfico dos imigrantes venezuelanos residentes na cidade de Pelotas/RS, construindo uma análise crítica a partir dos dados coletados e identificando possíveis elementos que permitam afirmar a existência de um processo de acolhimento ou de segregação.
Como objetivos específicos, pretende-se: coletar dados básicos (sociais/demográficos/econômicos) dos venezuelanos residentes na cidade de Pelotas; entrevistar os cidadãos pelotenses sobre sua percepção acerca dos imigrantes venezuelanos na cidade; entrevistar novamente, no prazo de um ano, e dentro das possibilidades, os imigrantes venezuelanos entrevistados para esta pesquisa, a fim de conhecer as mudanças que ocorreram neste período e; estudar os dados coletados à luz do conceito de epistemologia do sul, zonas de conflito e fascismo do apartheid social elaborado pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, que define o último como “segregação social dos excluídos através de uma cartografia urbana dividida em zonas selvagens e zonas civilizadas” (SANTOS, 2007, p. 16), em que as zonas civilizadas vivem dentro do contrato social enquanto as zonas selvagens estão à margem deste, em estado de constante conflito.
METODOLOGIA
Propõe-se realizar uma pesquisa quali-quantitativa, inspirado no conceito de
Pesquisa Social, dado que essa trabalha com valores subjetivos que não podem ser
quantificados, seguindo o conceito exposto por Maria Cecília Minayo:
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2002, p. 21-22).
Diz ainda que:
Os autores que seguem tal corrente não se preocupam em quantificar, mas, sim, em compreender e explicar a dinâmica das relações sociais que, por sua vez, são depositárias de crenças, valores, atitudes e hábitos. Trabalham com a vivência, com a experiência, com a cotidianeidade e também com a compreensão das estruturas e instituições como resultados da ação humana objetivada. Ou seja, desse ponto de vista, a linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis (MINAYO, 2002).
Para uma melhor análise da situação sociodemográfica dos imigrantes, analisaremos os seguintes quesitos: idade; estado civil; gênero; escolaridade; renda; religião; etnia; situação no país de origem; residência na Venezuela; motivo da emigração e tempo que residem no país. A pesquisa será realizada por meio da aplicação de questionário padronizado e de entrevista pessoal com os participantes.
A entrevista pessoal com os cidadãos pelotenses, se dará de forma a tentar compreender a visão e os argumentos que os fazem se posicionar contra ou a favor da permanência dos imigrantes, e ainda, identificar, segundo sua posição, se esta seria fator condicionante para a marginalização dos imigrantes.
A entrevista secundária pretendida, compreende entrevista oral e revisão dos dados colhidos anteriormente, a fim de observar a ocorrência ou não de mudanças na vida e no cotidiano dos imigrantes, a ser realizada, preferencialmente, decorrido o período de um ano da entrevista primária.
Por fim, à luz dos escritos de Boaventura de Sousa Santos sobre a epistemologia do sul, pretende-se analisar os dados coletados (entrevistas e questionários), a fim de observar-se padrões comportamentais dos cidadãos que recebem imigrantes e se este influencia de alguma forma para o acolhimento ou segregação dos imigrantes. Também seguindo as teorias deste autor, será feita análise dos resultados para estudar de que forma a realidade destes sujeitos se adequa ao conceito de zona de contato e se é possível averiguar que há uma situação de apartheid social envolvendo os imigrantes e a população pelotense.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Até o momento foi aplicado o questionário a 20 imigrantes venezuelanos que atualmente residem no município de Pelotas. Destes, 11 (55%) são homens e 9 (45%) são mulheres, o que demonstra uma paridade em tratando-se do quesito gênero.
Ademais, constatou-se que, na distribuição dos imigrantes venezuelanos por gênero, segundo idade, têm-se os seguintes dados:
Faixa etária Homens Mulheres
0-15 0 5%
16-25 15% 25%
26-40 5% 0
41-60 25% 20%
Mais de 60 0 0
Não quiseram responder 0 5%
Os dados mostram que, a população de imigrantes na cidade de Pelotas, divide-se em pessoas entre 16 e 25 anos, representando 40% e pessoas entre 41 e 60 anos, representando 45%.
Já no quesito escolaridade, a distribuição dos imigrantes venezuelanos por gênero, segundo escolaridade, deu-se da seguinte forma:
Escolaridade Homens Mulheres
Fundamental Incompleto 5% 10%
Fundamental Completo 5% 15%
Médio Completo 30% 25%
Superior completo 5% 5%
Aqui os dados apresentam-se com a maior parte dos imigrantes tendo o ensino médio completo, representando 55% e com 35% com escolaridade baixa ou sem escolaridade. É importante ressaltar que uma das mulheres que não possui ensino fundamental completo é uma menina de 13 anos.
No tocante à distribuição dos imigrantes venezuelanos por gênero, em relação ao recebimento de auxílio financeiro, vemos que:
Auxílio Homens Mulheres
Governamental 5% 5%
Instituição Religiosa 15% 10%
Nenhum 35% 30%
Nesta tabela, se faz possível identificar que a maior parte dos imigrantes não conta com nenhum tipo de auxílio financeiro, representando um percentual de 65% e o restante com auxílio financeiro da igreja ou do governo, representando os outros 35% da população. Todos os entrevistados se identificaram como Testemunhas de Jeová e destes, 25% recebem um auxílio semanal desta organização religiosa para alimentação, além de viverem em habitação temporária fornecida pela igreja.
A última tabela com a qual contamos até o momento, que se refere à distribuição dos imigrantes venezuelanos por gênero, em relação ao NIS, se apresenta da seguinte forma:
Situação Homem Mulher
Possui 15% 10%
Não possui 10% 35%
Não informou 25% 5%
Sendo assim, conclui-se que a maior parte dos imigrantes não têm o Número de Identificação Social, o que os impossibilita de serem beneficiários de programas sociais governamentais e limita o acesso a direitos.
Faz-se necessário ressaltar que os dados até agora coletados são parciais e que estes encontram-se, ainda, incompletos.
CONCLUSÃO
Observando estes dados parciais, pode-se concluir que os imigrantes venezuelanos de Pelotas se encontram em uma situação de apartheid social, que alimenta sua vulnerabilidade. Pouquíssimos dos indivíduos entrevistados teve acesso a programas governamentais, bem como grande parte destes não possuem
Número de identificação social, o que representa mais um empecilho na busca por qualquer tipo de benefício.
Os dados apresentados mostram que a grande maioria dos imigrantes venezuelanos até agora entrevistados, residentes na cidade de Pelotas/RS, dependem exclusivamente da ajuda da Igreja das Testemunhas de Jeová para obtenção de abrigo e alimento. Pouquíssimos são os imigrantes empregados ou que tem renda fixa.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: https://nacoesunidas.org/numero-de-refugiados-e-migrantes-da-venezuela-no-mundo-atinge-34-milhoes/. Acesso em: 09 maio 2019.
SANTOS, B. S. Refundación del Estado en América Latina perspectivas desde
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