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O conservadorismo, léxico da filosofia política

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

ANDRÉ HORTA MELO

O CONSERVADORISMO, LÉXICO DA FILOSOFIA POLÍTICA

Natal, RN

2017

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André Horta Melo

O CONSERVADORISMO, LÉXICO DA FILOSOFIA POLÍTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Orientador: Professor Doutor Sérgio Luís Rizzo

Dela Sávia

NATAL, RN 2017

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Melo, André Horta.

O conservadorismo, léxico da filosofia política / André Horta Melo. - 2017. 120f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Filosofia. Natal, RN, 2017.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Luís Rizzo Dela Sávia.

1. Conservadorismo Político. 2. Direita Política. 3. Política. I. Sávia, Sérgio Luís Rizzo Dela. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 1:32

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André Horta Melo

O CONSERVADORISMO, LÉXICO DA FILOSOFIA POLÍTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Aprovado em: ___ / ___ / _____

_____________________________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Luís Rizzo Dela Sávia

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Orientador

_____________________________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Wellington Duarte

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Membro

_____________________________________________________________________ Prof. Dr. Alan Daniel Freire de Lacerda

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Membro

_____________________________________________________________________ Prof. Dr. Jessé José Freire de Souza

Universidade Federal do ABC Membro

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Quem pretende pensar e dizer, deve conhecer bem a esses difíceis instrumentos de seu mister; difíceis porque são essências vivas do espírito e, com isto, esquivas, indomáveis.

Manoel Bomfim

A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento.

Milan Kundera

Quando me perguntam se o corte entre partidos de direita e partidos de esquerda, homens de direita e homens de esquerda, ainda tem sentido, a primeira ideia que me vem é que a pessoa que formula essa pergunta certamente não é uma pessoa de esquerda.

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RESUMO

Referência: MELO, André Horta. O Conservadorismo, Léxico da Filosofia Política. 2017. 115 folhas. Dissertação de conclusão de curso de mestrado em Filosofia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

Estudo do conceito do conservadorismo político. A dissertação analisa o conceito do conservadorismo, que é um recorte da direita política. Dado à manifesta abrangência semântica que este termo possui, este trabalho visa identificar uma organização e precisão de significados que permita o uso do mesmo como léxico da filosofia política. Para tanto, acompanha-se o contexto de seu surgimento no período revolucionário francês no final do século XVIII, as dissensões entre as ideias da esquerda e direita políticas que estão diretamente relacionadas com o verbete examinado. O estudo aborda a carga emotiva que acompanha essa categoria, as críticas progressistas, parte delas especificamente marxistas e algumas inter-relações com a psicologia política e social. O uso do termo na ciência econômica é apresentado como parte importante da cartografia de utilização léxico conservadorismo, porquanto fecunda para validar aspectos nucleares das demarcações léxicas previamente balizadas. O estudo compreendeu a análise de uma das mais importantes obras para a categoria: Reflexões sobre a Revolução na França, de Edmund Burke, assim como o texto que inaugura um debate que se tornaria recorrente na política, os Direitos do Homem, de Thomas Paine. Os estudos contemporâneos diretamente relacionados à construção semântica albergaram o capítulo 11 do livro A Companion to Contemporary Political Philosophy, de Robert E. Goodin, Philip Pettit e Thomas Pogge, cujo tema é: Conservadorismo (Conservatism), da lavra de Anthony Quinton; o verbete ―Conservadorismo‖, escrito por Tiziano Bonnazi, no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; e a obra O Conservadorismo Clássico, de Laura Escorsim Netto. Estas constituíram as fontes primárias desse estudo. O trabalho se conclui destacando a relevância e o alcance que esta categoria contemporânea pode usufruir na filosofia política, constituindo um esforço para dar conta de facticidades que se apresentam conflituosas e paradoxais na realidade social.

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ABSTRACT

MELO, André. Conservatism, Lexicon of Political Philosophy. 2017. 115 pages. Dissertation

monograph for a Master‘s Degree in Philosophy. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

Study of the concept of political conservatism. The dissertation analyzes the concept of conservatism, which is a piece of the political right. Given the manifest semantic comprehensiveness that this term has, this work aims to identify an organization and precision of meanings that allows its use as a lexicon of political philosophy. To this aim, we explore the context of its emergence in the French revolutionary period in the late eighteenth century, which is followed by the dissensions between the ideas of the political left and right that are directly related to the concept examined. The study addresses the emotive charge that accompanies this category, the progressive and specific Marxist critiques, and some interrelationships with political and social psychologies. The use of the term in economics is presented as part of the cartography of the lexicon conservatism, whose observation is fruitful to validate inner aspects of the previously marked lexical demarcations. The study comprised the analysis of one of the most important works for the category: Reflections on the Revolution in France, by Edmund Burke, as well as the text that inaugurates the historical antinomy of conservatism, Rights of Man, by Thomas Paine. Contemporary studies directly related to semantic construction have housed chapter 11 of Robert E. Goodin's The Companion to Contemporary Political Philosophy, Philip Pettit and Thomas Pogge, whose theme is: Conservatism - from the work of Anthony Quinton; The entry "Conservatism", written by Tiziano Bonnazi, in the Dictionary of Politics of Norberto Bobbio, Nicola Matteucci and Gianfranco Pasquino; and the book The Classical Conservatism, by Laura Escorsim Netto. These were the primary sources of this study. This work concludes by highlighting the relevance and scope that this contemporary category can have in political philosophy, constituting an effort to interpret events that are conflicted and paradoxical in social reality.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Carga Tributária por Base de Incidência... 57

Gráfico 2 – Carga Tributária e Renda (*salários-mínimos)... 58

Tabela 1 – Arrecadação Total de Tributos no Brasil por Faixa de Renda 2012 ... 59

Gráfico 3 – Arrecadação Total de Tributos no Brasil por Faixa de Renda 2012 ... 59

Figura 1 – Esperando que a brincadeira acabe logo – Um camponês carrega um prelado e um nobre ... 60

Figura 2 – Front National - Medo nas Cidades ... 84

Figura 3 – Não tenha medo de nós, mas dos outros ...84

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...8

2 O LÉXICO DO CONSERVADORISMO POLÍTICO – ENTORNOS CONCEITUAIS CONTEMPORÂNEOS ...12

3 QUESTÕES RELACIONADAS AO PERÍMETRO CONCEITUAL...20

3.1 O PODER POLÍTICO E SEU CONTROLE: A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS CONSERVADORES 20 3.2 A CARGA EMOTIVA E A HESITAÇÃO DO CONCEITO DE ―CONSERVADOR‖ 20 3.3 DIREITA E ESQUERDA 23 4 A PROGÊNIE HISTÓRICA DO CONSERVADORISMO CLÁSSICO 34

4.1 A LONGA EPÍSTOLA DE BURKE SOBRE A REVOLUÇÃO NA FRANÇA 41 4.2 POR UMA REVOLUÇÃO MODERADA ? 54 4.3 ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS PRÉ-REVOLUCIONÁRIOS 58 4.4 A RESPOSTA DE THOMAS PAINE: OS DIREITOS DO HOMEM 67 5 ANÁLISES CONTEMPORÂNEAS DO CONSERVADORISMO CLÁSSICO ...74

6 A CRÍTICA PROGRESSISTA...80

6.1 A CRÍTICA MARXISTA 82

7 CONVERGÊNCIAS EPISTÊMICAS COM A PSICOLOGIA SOCIAL ... 85

8 AS CATEGORIAS EM AÇÃO NA POLÍTICA ECONÔMICA ... 90

9 CONCLUSÃO ... 101

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1 INTRODUÇÃO

Há um ponto de partida etimológico para delimitar o conceito de conservadorismo numa acepção política que é o de se entender o que ele pretende conservar (do latim: conservare, de cum, et servare: cum - prefixo de origem latina ―con-‖ indicando companhia, concordância; servare – guardar, manter). Ainda que a imprecisão e extensão do uso corrente do verbete tenha assumido contornos amplos, significados dispersos, o que torna problemática a sua utilização com propósitos científicos ou filosóficos1, uma asseveração

fulcral da interseção entre os usos comuns e especializado é possível num dos retalhos mais básicos da acepção - para ideias e atos políticos que visam propósitos de manutenção de um sistema político e social dominante, ou seja de manutenção do poder, e, assim, da precedência social e das riquezas.

Do ―poder de‖, como potência (de andar, de falar, de comprar), mas, principalmente, como distingue André Comte-Sponville (2003, p. 456), do ―poder sobre‖, do poder fazer, do poder de mandar e se fazer obedecer. Ou, na fórmula de Hobbes (1999, p.83), os meios presentes de obter um bem aparente futuro2.

Os poderes hegemônicos, a riqueza, as classes sociais dominantes, ou como se queira denominar um polo social que detém largamente mais recursos para realização que necessidades a serem satisfeitas, se inclinam para manter o estado de coisas como elas se encontram, conjuntura favorável aos que detêm as estruturas do poder.

Esse movimento pelo controle possibilita aproximar o interesse de sua realização.

É fato que se parte de uma ideia complexa, multiforme - como a é a de

poderes hegemônicos, mas ao longo do tempo ela mesma experimenta corporificações

discerníveis para serem encabrestadas pela teoria, que, da descrição à normatividade, especialmente na política, procurará o melhor ajuste, as melhores alternativas para dar o mundo ao homem. O entorno conceitual do conservadorismo político divisa particularmente com articulações de outros entendimentos de larga densidade na filosofia política. Não é novidade que objetos que convocam com mais ênfase avultamento descritivo de muitos conceitos fundamentais da política como poder, liberdade, igualdade, justiça - seja tensionado durante o trabalho analítico a afastar-se do objeto pela grande força de (e da) gravidade dessas

1 Edda Sacomani (1986, p.466) diz o mesmo sobre o significado do Fascismo em Dicionário de Política. Em

alguma medida

2 ―O poder de um homem (universalmente considerado) consiste nos meios de que presentemente dispõe para

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extensivas adjacências. Felix E. Oppenheim (1986, p. 708), quando se debruça sobre o conceito de liberdade, por exemplo, para o Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Gianfranco Pasquino, assevera que ―os escritos políticos raramente oferecem definições explícitas de Liberdade em termos descritivos: todavia, em muitos casos, é possível inferir definições descritivas do contexto‖. Não se trata de desafio paralisante, portanto, o respeito à eminência dos arrabaldes léxicos do conservadorismo para trabalhos como esse, que se traduzem em um recorte mais extensivo do universo epistêmico da política.

Em retomada, é nesse contexto que surge essa força reativa de oposição à insurgência das mudanças, obstaculizando as iniciativas manifestamente inclinadas ou tendentes à universalização de direitos individuais e sociais e dos valores democráticos. Para tanto, a partir de uma posição privilegiada para valorar bens culturais e os costumes, os poderes hegemônicos fazem circular vetores culturais diversos que reafirmam sua posição de dominância. O que o conservador conserva, mostra-se-nos manifesto, coincide com uma agenda de represamento do poder (de predominância de uns sobre outros) principalmente na esfera econômica, das riquezas.

É uma máxima clássica de Marx e Engels (2008, p. 48) que ―as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante‖. Entendemos que um estrato simbólico dessa máxima se refere à vitoriosa batalha do interesse supra referido nas direções mais amplas esposadas pelos assuntos do espírito, empobrecendo-as. E por esta razão que uma adesão espontânea e irrefletida a ideias, valores e afetos em majoritária circulação, será ordinariamente um gesto conservador de um dado sujeito. E que o pensamento político emancipador será, em largas medidas, adversário de ideias dominantes.

Esse estudo pretende examinar o conceito de conservadorismo político. Procurará demonstrar como essa espécie de pensamento pertencente ao espectro da direita política é suficientemente articulada para delinear um espaço semântico particular e eficaz para sistematizar um importante distrito do debate político. Porque um diagnóstico correto nos qualifica para escolhas político-históricas estratégicas. A imprecisão e obscuridade léxica não podem obstaculizar as esferas de deliberação cujos reflexos, consequências ou

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repercussões difiram ou interditem a universalização do bem-estar social, vontade coletiva bem expressada no programa das garantias constitucionais brasileiras3.

O objetivo geral do trabalho é examinar criticamente o conceito e o objetivo específico é o de decompor os aspectos mais importantes para essa construção conceitual, assim como a própria utilidade do mesmo.

A escolha desse tema se justifica na medida em que o debate público, o debate político no mundo ocidental é fundamentalmente segmentado nas posições norteadoras progressistas e conservadoras, categorias que possuem circulação com frequência, intensidade e variedade abrangente de espaços, opondo a prescrição de remédios econômicos, sociais e políticos diversos para a solução dos mesmos problemas atinentes ao interesse público.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e telematizada, utilizando como fontes primárias cinco obras: para o delineamento clássico do conceito de conservadorismo: as Reflexões Sobre a Revolução Na França de Edmund Burke; os Direitos do Homem, de Thomas Paine; e O Conservadorismo Clássico, escrito por Laura Escorsim Netto. Para o entorno conceitual contemporâneo: o capítulo 11 do livro A Companion to

Contemporary Political Philosophy, de Robert E. Goodin, Philip Pettit e Thomas Pogge, que

versa sobre Conservadorismo (Conservatism), escrito por Anthony Quinton e o verbete de conservadorismo, escrito por Tiziano Bonnazi, no Dicionário de Política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. As fontes secundárias foram bastante diversificadas: livros de história e da história das ideias e do pensamento político, obras originais e biografias de pensadores conservadores e progressistas, palestras disponibilizadas na internet, filmes, entre outros.

O desenvolvimento do trabalho se dá a partir da segunda seção na qual se descreve o entorno conceitual contemporâneo que não perde de vista as características inauguradoras do conceito, e permite isolar o que é contingente e o que é fundamental na construção semântica hodierna. Na terceira seção se trata de três questões relacionadas com o conceito que são a importância dos estudos conservadores no controle do poder político, a carga emocional associada ao uso do termo ―conservador‖ na sociedade, e as identidades e diferenças dos conceitos de direita e esquerda. A quarta seção traça o panorama histórico do surgimento e delineamento do conceito de conservadorismo, chamado clássico. Dessa fase inaugural, três autores são ressaídos, mas dá-se destaque especial às Reflexões Sobre a

3

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015). (BRASIL, 2017).

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Revolução na França, de Edmund Burke, texto sobre o qual recai algum consenso de que inaugurou o conservadorismo clássico. Articulada em quatro subseções, trata da violência revolucionária e social, das bases econômicas da ruptura social. As raízes do conservadorismo são também a do progressismo, ou seja, do discurso enunciador e defensor do movimento emancipatório - contra o qual o conservadorismo se levantara. É o papel histórico desempenhado pelo texto Direitos do Homem, de Thomas Paine, última subseção da quarta seção. A quinta seção explicita análises contemporâneas do conservadorismo clássico. A sexta seção trata das críticas do pensamento progressista às abordagens conservadoras, contendo uma subseção específica para tematizar a crítica de índole marxista. A sétima seção abre o trabalho a uma breve abordagem multidisciplinar do entorno do objeto, relacionando-o com a a psicologia social. A oitava seção analisa a categoria conservadora em ação na economia, revelando a fecundidade do conceito para dar conta de campos convergentes do conhecimento e colhendo elementos no campo prático dos saberes correlatos para esclarecer a própria ideia estudada. O trabalho se conclui destacando a relevância e o alcance que este conceito usufrui na filosofia política e sua adequação para lidar e esclarecer os antagonismos sociais ideologicamente dissimulados na realidade social.

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2 O LÉXICO DO CONSERVADORISMO POLÍTICO – ENTORNOS CONCEITUAIS CONTEMPORÂNEOS

Em um conhecido dicionário geral da língua portuguesa, o Aurélio, o conservadorismo (ou conservantismo) é definido como uma hostilidade às inovações políticas ou sociais. (FERREIRA, 2009, p. 529)4. O Grande Dicionário Houaiss traz sentido

semelhante: ―qualquer ideologia fundada na tradição e ger. contrária a inovações políticas e/ou sociais‖ (HOUAISS; VILLAR, 2001). O leque semântico deste último é bem maior, revelando um amalgamar típico do uso geral do termo, o definindo inclusive como um dos traços caracterizadores do neoliberalismo, corrente de pensamento da economia que trataremos mais a frente.

Não é raro determinada terminologia possuir sentidos múltiplos na linguagem comum e apontar para um objeto mais específico no uso técnico. Ou vice-versa. O terreno semântico seguro não se apresenta para o conservadorismo na linguagem geral e possui muitas dificuldades no léxico técnico. Em sua utilização nos quadrantes da filosofia política ou das ciências sociais as ambiguidades são copiosas.

Para muitos, a oscilação semântica deste termo é uma dificuldade presente inultrapassável. Mas é preciso começar por pontuar o solo fáctico-semântico revelador. Na França, a literatura didática de ensino da língua francesa5

, que ensinam que o país possui entre seus grandes jornais de ampla abrangência, entre outros, um de linha conservadora, o Le

Figaro e um progressista, o Libération, este fundado com apoio do filósofo existencialista e

escritor francês Jean-Paul Sartre (1973-1975 SARTRE), que foi seu primeiro editor. Os Estados Unidos possuem as redes de televisão MSNBC, progressista e a Fox News, conservadora. O Brasil também possui a divisão, embora em condição muito mais problemática. Glenn Greenwald, jornalista americano ganhador do prêmio Pulitzer de jornalismo em 2013, premiado também no Brasil, com o prêmio Esso de jornalismo em 2014, afirma que ―os meios de comunicação dominantes no Brasil estão em propriedades de poucas famílias ricas‖ (GOVERNO TEMER), que trazem pouca diversidade de pontos de vista sobre

4

O dicionário francês Petit Littré, vai pelo mesmo caminho, reproduzo texto do verbete conservateur : (...) dans

le langage politique, le parti conservateur, celui que est opposé au parti que poursuit le renouvellement des societés. On dit aussi subst. un conservateur . [conservador – (...) na linguagem política, o partido conservador,

aquele partido que se opõe à renovação das sociedades. Diz-se, também, subst. um conservador]. (LITTRÉ, 1959, p. 414-415, tradução nossa, grifos no original.).

5 A exemplo do livro Echo A2 Méthode de Français que apresenta a bipartição política da imprensa francesa em

capítulo dedicado ao conhecimento dos hábitos e aspectos vários da cultura francesa, em um segmentos dos capítulos de aprendizagem chamado Civilisation, especificamente o tópico: Como o francês se informa (Comment les français s‘informent) (2011, p. 41).

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a realidade, apresentando-a sob ótica conservadora: ―Todo mundo pode ver que a mídia aqui é muito unida e controlada, e isso não é jornalismo e, sim, propaganda contra os partidos de esquerda e de defesa de partidos de direita. Isso é muito perigoso‖. Meios jornalísticos hegemônicos são as revistas Veja, Época, Istoé e os jornais Estado de São Paulo, O Globo e Folha de São Paulo de matizes conservadores e ampla circulação. A revista Carta Capital e os folhetins Caros Amigos, Le Monde Diplomatique Brasil e Piauí são de índole progressista, mas têm circulação modesta. A orientação política da imprensa nacional não é móbil desprezível dessa discussão dissertativa.

Portanto, não obstante a flutuação semântica aludida supra, essa realidade precisa ser sopesada pela facticidade, pela determinação empírica: as categorias conservadorismo/progressismo sobrevivem com opulência e exuberância nos nossos dias, como, inclusive, consideramos as mais importantes ferramentas de interpretação e de postulação da realidade na arena política. É sintomático, neste contexto, que duas fontes fundamentais deste estudo sejam um dicionário de política e um compêndio de filosofia política. Essas tipologias de obra, dicionários e compêndios, estão mais afetas ao problema da síntese e principalmente da fixidez e da flexibilidade semânticas de um entorno conceitual.

Tiziano Bonazzi (1986, p.242) afirma que a ciência política trata o conservadorismo como a designação de ―ideias e atitudes que visam a manutenção do sistema político existente‖, como também dos modos de funcionamento deste sistema político. Assim, é o oposto das forças ditas ―inovadoras‖.

Ele destaca o caráter funcional da abordagem científica - que talvez não seja impreciso identificá-la também como estratégica -, e não uma proposta de um sistema, que ficaria a cargo da inspiração progressista. Três aspectos concorreriam para a indeterminação semântica no campo da filosofia: não há um mínimo de teoria política consolidada que trate do termo; os conservadores não sistematizam suas ideias e a concorrência com o uso indeterminado (―abuso‖) do termo no quotidiano que termina por pressionar a cátedra. Andrew Heywood (2010, p. 77), em literatura didática, comenta algo correlato à exiguidade de teorias e sistematização com um tom levemente valorativo quando afirma que se trata de ―a mais modesta de todas as ideologias políticas em termos intelectuais‖.

O contraste com o seu antípoda, de conteúdo igualmente complexo, o progressismo, é fundamental para se entender o conservadorismo. Se o progressismo é mais otimista na capacidade humana de ―aperfeiçoamento e desenvolvimento autônomo da

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civilização humana e do indivíduo‖ (BONAZZI, 1986, p. 243) os conservadores expressam seu ceticismo quanto à essa habilidade.

A indeterminação do conservadorismo se prende à falta de sistematização do termo, que funciona mais como alternativa ao progressismo, o qual se desdobra em uma multiplicidade de sugestões para o aprimoramento social e político, por vezes reagindo à própria ―plasticidade da política‖ (SAFATLE, 2012, p.15) que age segundo o contexto social. Como se verá adiante, há outro fator crucial para sabotar a unidade semântica que é a carga emotiva intrínseca que o termo comporta.

É importante dizer também o que Bonazzi não considera conservadorismo a

constante universal da política, aquele período de estabilidade por tempo indeterminado que

qualquer implantação de um dado sistema político demanda: posto que, assim significando, o conceito perderia seu alvo numa generalização de pouca utilidade.

O conceito não faz qualquer sentido, por óbvio, ante a manutenção de direitos emancipadores no tempo, na conservação desses direitos. Faz sentido se se quer instaurar esses direitos numa sociedade que não os tenha, mas que, contra essa voluntariedade, se identifica um movimento de resistência à mudança emancipadora.

Então não se trata de conservar qualquer recorte social e econômico em qualquer época, mas de resistir a instâncias que honrem a ―ampliação e universalização de direitos políticos e sociais, vetor real de democratização‖ (NETTO, 2011, p.17).

O conservadorismo é o represamento de um status quo ideologizado, identificado como inferior do ponto de vista da emancipação social e econômica e do caráter democrático de uma sociedade, de agenda oposta às características agitadas pelo conceito de progressismo apresentado retro.

Cabem aqui algumas palavras sobre esse assunto de larga vastidão que é a ideologia.

Para o cientista político italiano Mario Stoppino (Apud KONDER, 2002, p.10) o conceito de ideologia possui dois sentidos clássicos, duas acepções: uma forte e outra fraca. O sentido dito ―fraco‖ designa o sistema de crenças políticas, conjunto de ideias e valores cuja função é a de orientar comportamentos coletivos relativos à ordem pública‖; e o sentido ―forte‖ é o de falsa consciência, a partir de Karl Marx.

O sentido forte é o de uso mais corrente na filosofia e ciência política, é o sentido mais utilizado do termo.

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Os sociólogos Anthony Giddens e Philip W. Suton (2016, p. 228) se utilizam da ―definição prática‖ de ideologia como ―ideias do senso comum e crenças disseminadas em uma sociedade, que servem, quase sempre indiretamente, ao interesse de grupos dominantes, legitimando a posição desses grupos‖. Eles lembram que, para Marx a ideologia é fundamental para o exercício da dominação na sociedade capitalista.

Na filosofia por muitos caminhos se chega a um relativismo paralisante. E muitas são suas rotas de fuga a partir dessas encruzilhadas epistêmicas. O conceito de ideologia é um dos mais comuns caminhos para um encalhe discursivo. Zizek organizou obra que mapeia o conceito de ideologia, chamando essa noção marxiana por nós utilizada de ―imanente‖ (1996, p. 15), e identifica o pensador Jürgen Habermas como o grande representante dessa tradição. Ela se ocupa de desmascarar os interesses particulares do poder, ―a tendenciosidade não reconhecida do texto oficial‖, ―discernir na ‗igualdade e liberdade‘, a igualdade e liberdade dos parceiros nas trocas do mercado, que, evidentemente, privilegiam o proprietário dos meios de produção etc‖. Os interesses sociais inconfessos ocultam pressupostos pragmáticos.

Por outra volta, Roland Barthes (1987) propõe a ideologia como a naturalização da própria ordem simbólica, ―como a percepção que reifica os resultados dos processos discursivos em propriedades da ‗coisa em si‘‖. Michel Pêcheux (Apud ZIZEK, 1996, p.17) sustenta que ―um dos estratagemas da ideologia é a referência a alguma evidência‖. ―- Deixe os fatos falarem por si‖, diz, talvez constitua a arqui-afirmação da ideologia, pois ―os fatos nunca falam por si, mas são sempre levados a falar por uma rede de mecanismos discursivos‖.

Registrada essa discussão, passemos a uma análise, conforme definido,

habermasiana da ideologia conservadora, ocasionalmente referindo-se ao sentido fraco do

termo que, para estudiosos como o crítico e historiador da literatura brasileira Alfredo Bosi (2010, pp. 73-74), em sua obra Ideologia e Contra Ideologia, ―poderia preferir outras palavras para recobrir a riqueza do significado difuso: cultura, mentalidade, ideário, estilo de época,

contexto cultural amplo, concepção ou visão de mundo, a Weltanschauung concebida pelo

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Anthony Quinton (2012, p.285), pensador de índole conservadora6, trata o conservadorismo (conservatism) como uma rara corporificação opinativa da direita ideológica, no sentido fraco.

Quinton sintetiza com justeza os três traços caracterizadores do conservadorismo: o tradicionalismo, o ceticismo sobre a cultura política e o organicismo.

O pensamento progressista não muito diverge dessa caracterização. A disputa naturalmente se dará nas implicações político-ideológicas associadas ou atribuíveis à ela. Neste capítulo apresentaremos algumas das ideias apresentadas por Quinton, já acompanhadas de algumas críticas, mas ao longo do trabalho e em sua conclusão essas percepções conservadoras conhecerão outros confrontos com perspectivas de cunho progressista.

O tradicionalismo e o organicismo são características também referidas pelo Dicionário Crítico do Pensamento de Direita (FICO, 2000, p. 96-97). Predicações que aparecem ainda no Dicionário de Pensamento Social do Século XX (CROWTHER, 1996, p.132-134).

O ceticismo sobre a cultura política é uma característica clássica. Ele é agitado e explicitado como um dos pilares sobre os quais Edmund Burke sustentou suas Reflexões sobre a Revolução na França: ―A ciência de construir uma nação, ou de renová-la, ou de reformá-la, não pode como qualquer outra ciência experimental, ser ensinada a priori‖ (2014, p. 81). Registre-se que esse aspecto do conservadorismo é notado por outros autores como um anticientificismo mais geral. É assunto de obras inteiras como A Guerra Republicana contra a Ciência7 (Ed. Basic Books, 2006, tradução nossa) e O Cérebro

Republicano: A Ciência do Por Quê eles Negam a Ciência – e a Realidade (Ed. Wiley, 2012, tradução nossa)8, ambas de Chris Mooney e O Idiota Americano: Como a Estupidez se

Tornou uma Virtude na Terra da Liberdade (Ed. Anchor, 2010, tradução nossa)9, de Charles

P. Pierce, que segundo a revista semanal de publicações literária Publishers Weekly10 ―o

jornalista Pierce constrói um discurso pontiagudo como um florete sobre como a América de ‗Franklin e Edison, Fulton e Ford‘ retrocedeu gradualmente para se tornar América: ‗A

6

Quinton admirava as políticas da ex-primeira-ministra do Reino-Unido, Margaret Thatcher e era membro do Grupo de Filosofia Conservador da Universidade de Oxford, na Inglaterra. (LORD QUINTON, 2010).

7 No original: The Republican War on Science .

8 No original: The Republican Brain: The Science of Why They Deny Science- and Reality 9

No original: Idiot America: How Stupidity Became a Virtue in the Land of the Free .

10 No original: Journalist Pierce delivers a rapier-sharp rant on how the America of ―Franklin and Edison,

Fulton and Ford‖ has devolved into America ―the Uninformed,‖ where citizens hostile to science are exchanging ―fact for fiction, and faith for reason,‖ and glutting themselves on ―reality‖ TV and conspiracy theories .

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Desinformada‘, onde cidadãos hostis à ciência estão trocando ‗fatos por ficção e fé por razão‘ e se fartando de ‗reality shows‘ de TV e teorias conspiratórias‖ (IDIOT AMERICA, 2010, tradução nossa).

Para Quinton (2012, pp. 294-295), o tradicionalismo se exterioriza na grande importância dada às leis e instituições e no critério de escolha dos governantes - escolhidos entre aqueles com mais experiência e habilidade. A ideia basilar é a de que as mudanças são perturbadoras e aflitivas, elas só podem ser toleradas de forma gradual. Adicionalmente, elas culminam em problemas imprevisíveis. O tradicionalismo caracteriza o conservadorismo, mas não conseguiria sozinho explicitá-lo justamente por este não se circunscrever a uma pura valorização e sanção do existente. Por outro lado, deixar-se assenhorear por uma ideia e tentar concretizá-la coloca em risco toda a sociedade, pois as possibilidades conspiram mais pela falibilidade das quimeras e muito raramente pela sua materialização. As revoluções políticas ilustram perfeitamente este entendimento como aconteceu na guerra civil inglesa 1642-1649 e na mais emblemática delas, a de 1789 na França, ou na própria Revolução Russa, que culminou no stalinismo. Como estas mudanças implicam o câmbio do poder, das riquezas e do status social, elas iniciam um período de ressentimentos, desordem e violência.

O ceticismo, como afirmado supra, é dirigido à cultura política. Não à ciência política, investigativa das instituições como se vê em Hume e Tocqueville. Tiziano Bonazzi (1986, p. 243) considera essa a principal importância do conservadorismo, embora tenha sido sufocada pela vinculação necessária a ideias menos inspiradas. O ceticismo, então, é dirigido à teoria política abstrata que visa um objetivo social, uma finalidade, ultimadas pelas utopias, entendidas como concepção da sociedade de plena realização humana. O conservadorismo não se opõe à ideia de haver um objetivo, mas postula que eles são infinitos e não é possível definir um ou outro. Porque as pessoas são diferentes e demandam soluções diferentes. E isso faz ponte com o terceiro pilar do conservadorismo, para Quinton, o organicismo, como se verá. Afirma esse pensador que as finalidades às quais os progressistas se entusiasmam pecam pela indefinição. Não haveria como conduzir uma sociedade com um fim indefinido ou se estaria supostamente condenado à uma atmosfera de eterna contestação.

A crítica conservadora ao finalismo progressista merece alguma discussão. A igualdade parece ser o valor mais repetido pelo progressismo. Bobbio (2001, p.21) endossa essa predicação e chega a ficar desconfortável com o fato de esse traço distintivo ser habitualmente tratado como o ―critério de Bobbio‖ para distinguir esquerda de direita política,

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conceitos que guardam afinidade com a dupla conservadorismo/progressismo, como se verá no subitem nº 3.3 deste estudo, porque nega que tenha sido ele o primeiro a utilizá-lo. Toma-se aqui a igualdade para Toma-se conduzir à discussão sobre a justiça. Para os conToma-servadores Toma-se trata de algo amorfo: a igualdade seria igualdade realmente ou a distribuição segundo a necessidade e o merecimento?

O merecimento particulariza-se no campo conservador com a idealização postulativa de um ambiente meritocrático. Na obra ―A emergência da meritocracia‖11,

tradução do título nossa, o sociólogo Michael Young satirizou num romance distópico o antigo sistema inglês de educação, quando após o fim da educação primária, os alunos da Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte eram submetidos a uma avaliação (the

Eleven-Plus Examination, ou 11-plus) que determinava uma tipologia tripartite de estudo

secundário12. O sistema era defendido pelo Partido Conservador, mas criticado pelo Partido

Trabalhista bretão (GORDON, ALDRICH; DEAN, 1991). Mas o termo que foi cunhado por ironia, findou sendo esposado pelos conservadores com valoração positiva.

Os progressistas são favoráveis a que os indivíduos sejam premiados pelo seu esforço, porquanto isso se traduz em uma das formas de exteriorização possível da liberdade. Mas tal precisa se realizar num ambiente sob o mais possível de igualdade de condições. As políticas para se equilibrar o jogo social para que as disputas sejam efetuadas em igualdade de condições, no entanto, são resistidas pelos conservadores. E o que acontece é que: ―A diversidade de talentos, é, muitas vezes, a capa que se usa para acobertar que a diversidade de riquezas é um problema que quebra a possibilidade de desenvolvimento individual por mérito.‖ (SAFATLE, 2012, p.24).

Esse ceticismo, por fim, não se confunde com um outro ceticismo conservador, bem listado por Lukács (1968, p. 373) proveniente da obra de Spengler, A Decadência do Ocidente, que se traduz em filosofias de vida funcionais e que substitui o sentimento de otimismo da filosofia social novecentista, vindo a ser o ―prelúdio real e direto da filosofia do fascismo‖.

E na objeção ao finalismo progressista, há a discussão sobre as liberdades. As liberdades possíveis são muitas e, como a liberdade de expressão e a intimidade, por exemplo, conflitam entre si. Na visão conservadora a finalidade política é múltipla e ela se articula segundo outro eixo de valores. A liberdade e a igualdade são importantes, mas depois de haver considerado a segurança interna e externa. Tal como se a segurança fosse uma

11

No original: The rise of meritocracy

12

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espécie de raiz para o florescimento dos demais. Nessa hierarquia, a segurança é seguida de perto pela prosperidade. Não admite se falar em direitos inalienáveis porque os conservadores dão mais importância ao conjunto deles (QUINTON, 2012, p. 285). Trata-se de preconceito, segundo essa visão, eleger um fim qualquer como axiomático. A atenção deve se voltar para a observância do funcionamento das instituições, para a compreensão de como, quando e onde isso se verifica. Uma prudência burkiana, por assim dizer. Os movimentos revolucionários que priorizam a liberdade e a igualdade, como a Revolução Francesa, acabam suplantados, andando em círculos: a conclusão sobre a Revolução Francesa é a de que ela simplesmente deságua num despotismo elitista jacobino e culmina na era napoleônica e em uma nova aristocracia.

O organicismo, por fim, é aquele que propõe uma relação corpo-órgão entre sociedade e indivíduos. É, das características, a mais extensiva. Fundamenta uma abordagem que aposta nas diferenças como o traço essencial dos cidadãos. Os indivíduos são diferentes e se conformam de acordo com o meio em que vivem. As suas necessidades e seus anseios serão distintos e por isso nunca se chegará a uma política universal. Os indivíduos sempre estão em formação, explica Quinton (2012, pp. 297-298). Como não há uma teoria definitiva e unificadora da literatura, também não poderá haver para a política porque ambos se tratam de criações humanas e o homem está sempre em construção e consequentemente assim o estará a sociedade em que vive e está organicamente ligado. As necessidades das pessoas diferem no tempo e na geografia e assim também as nações diferem umas das outras. Mesmo na metafísica hegeliana há um organicismo: toda a função das partes se esgota no esforço de construir o todo. Para Quinton, a característica organicista é empiricamente verificável: por que as instituições das nações ocidentais desenvolvidas não prosperam ou fazem prosperar ouras partes do mundo? O que já foi estendido à África e à América latina teve resultados trágicos, ilustra.

Löwy (1994, p. 27-28) lembra que a analogia organicista é um clássico exemplo de Durkheim, em A Divisão do Trabalho Social, em que afirma que a sociedade é como um ser vivo, ―um sistema de órgãos diferentes no qual cada um tem papel particular‖. Algumas posições privilegiadas são, portanto, naturais e funcionais e derivam do papel dessas pessoas na sociedade e não de algo que refuja a suas funções.

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3 QUESTÕES RELACIONADAS AO PERÍMETRO CONCEITUAL

3.1 O PODER POLÍTICO E SEU CONTROLE: A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS CONSERVADORES

Permeando todo o seu desenvolvimento histórico até o século XX, o trato do poder pelos pares de categorias estudadas também se bifurca da seguinte forma: o progressismo entende que a força imperativa do poder político é a própria expressão equívoca do social. Promover o progresso social é perceber os descuidos na sua criação e corrigir seus desacertos. É superar o próprio poder político que responde a interesses egoístas e exploração. Para o conservadorismo, se o poder tende sempre a ser tirânico, por outro lado também é indispensável à boa manutenção da sociedade. Insiste pois na mediania de se determinar a técnica mais adequada para seu controle. Aqui se esboça a ação conservadora: não podendo impedir o avanço contínuo do progressismo, ela se aferra à defesa do poder político com o objetivo de controlá-lo, mas não de substituí-lo, destruí-lo. Bonazzi (1986, p.244) nota que esta talvez seja a mais importante contribuição de abordagem teórica do conservadorismo para a filosofia política, o estudo do controle do poder político, que não veio a desenvolver numa vertente sustentável devido ao conjunto de lutas fracassadas deste em tantos outros aspectos. E não encontraram ―esse meio de preservar o poder contra a sua redução a interesses egoístas‖, como fez o progressismo.

3.2 A CARGA EMOTIVA E A HESITAÇÃO DO CONCEITO DE ―CONSERVADOR‖

No filme ―Todos dizem eu te amo‖ (―Everybody says I love you‖) do diretor de Woody Allen, de 1996, numa família progressista, Scott, uma das crianças, é conservadora e integra o Clube de Jovens Conservadores do Partido Republicano. Na história assistimos a Scott reclamar dos benefícios sociais do governo e repetir outros itens de agenda típica conservadora. No transcurso da história é descoberto um problema de saúde no cérebro de Scott. Ele é hospitalizado, tem sucesso no tratamento e, como conta a voz narrativa do filme: ―você não imagina, assim que o seu cérebro começa a funcionar adequadamente, Scott

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renuncia ao‖ tal clube ―e passa a defender filosofias progressistas, democratas, de esquerda‖13.

(TODOS, 1996).

Bobbio (2001, p. 14) especula se a díade tradição-progresso não está hodiernamente a substituir a discussão entre direita e esquerda apenas pela forte carga emotiva implícita na ―recusa a se considerar de direita – palavra mal-afamada‖. Estuda-se no subitem 3.3 seguinte as copiosas aproximações conceituais entre esquerda e direita frente a progressismo e conservadorismo. Neste tópico, nos interessa demonstrar essa carga emocional que as ideologias à direita carregam, assim como as à esquerda gozam de certo prestígio intelectual e moral.

O positivismo é uma escola de pensamento que, como se verá adiante no subitem 6.1 deste estudo, referente à crítica marxista do conservadorismo, trata-se de uma das principais representantes do conservadorismo no século XIX. Para darmos continuidade à série de depreciações socioculturais das vertentes conservadoras, constatamos que o rótulo de positivista se tornou, ―um termo de acusação polêmica, quando não insultuosa na ciência social contemporânea – muito poucos sociólogos reivindicariam ou acolheriam com agrado o rótulo de positivistas.‖ (WACQUANT, 1996, p.592). Observe-se que não se está aqui a pescar opiniões em publicações interessadas, mas a se reproduzir trecho de conteúdo assentado de verbete dicionarizado.

Pressionado pela trajetória inevitável das ciências e pelas novas configurações e emancipações experimentadas pela sociedade, grupos conservadores apresentam comportamentos típicos de setores oprimidos ou constrangidos, replicando os protestos das minorias sociais, apesar de definitivamente não o serem. É o caso do site simpatizante do Partido Republicano americano chamado de ―O Conservador Orgulhoso de Si‖14, reverberado pelo site brasileiro afim, o ―Mídia sem Máscara‖15. Ora, o ―orgulho‖ que

predicou o movimento negro, dos gays e de outras minorias é um termo de resistência que enfrenta justamente os ataques de diminuição valorativa experimentados pelos que pertencem ao estrato social vilipendiado. É curioso que mesmo com os maiores meios de comunicação do planeta a sustentar a bandeira conservadora e a incensar seus princípios e valores, ainda assim seus partidários processem uma inferiorização a ponto de ostentarem este termo reativo de recuperação de dignidade. Também é o caso dos partidos políticos do país. Nenhum deles se predispõe a colocar o nome de ―conservador‖ em sua denominação. Ao contrário, um dos

13 No original: ―And wouldn't you know it, as soon as his brain started functioning properly, Scott resigned from

the Young Conservative Republican Club and started espousing left-wing, Democratic, liberal philosophy.‖

14 No original: Proud Conservative (http://proudconservative.com/). 15

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partidos políticos que estampam com maior obviedade a inclinação conservadora (e mais geral, à direita), que chegou a abrigar entre 2005 e 2016 até quadros de extrema-direita como o controverso militar da reserva e deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro Jair Bolsonaro, se denomina Partido Progressista.

A Universidade Brock, de Ontario, no Canadá, publicou em 2011 um estudo de Gordon Hodson e Michael A. Busseri denominado Mentes Brilhantes e Atitudes Sinistras: menor capacidade cognitiva relaciona-se com maior preconceito embalado por ideologia de direita e baixo contato intergrupos16 (2011, tradução nossa). O jornal Live Science não usou

eufemismos: ―Não há nenhuma maneira gentil de dizer isso: pessoas propensas ao racismo e ao preconceito podem ser simplesmente estúpidas, de acordo com um novo estudo que tende a provocar controvérsias‖17 (PAPPAS, 2012, tradução nossa). O conservadorismo enfocado

pelo estudo é detectado com perguntas como: A vida familiar se prejudica se a mulher trabalha dois expedientes? Escolas devem ensinar às crianças obedecerem à autoridade? Eu não me importo de trabalhar com outras raças?

Como há questões de costume envolvidas, pode-se ponderar que um cidadão que tenha uma postura liberal em relação a raças, orientação sexual e papeis sociais equânimes independente do sexo, pode, por outro lado, ser eleitor de partidos conservadores que postulem uma redução do papel do Estado na economia, por exemplo.

Não é comum. Os estereótipos que informam o conservadorismo moral primordialmente informam o político. Longe de ser um dado absoluto, mas em geral eleitores moralmente conservadores votam principalmente nos candidatos politicamente conservadores, ―os estereótipos correspondem à realidade‖ neste caso, como explica o psicólogo Jonathan Haidt (JONATHAN, 2008), autor de A Mente Direita (The Righteous

Mind).

Essa relação entre conservadorismo moral e político intrigou George Lakoff, professor de Linguística da Universidade da Califórnia, em Berkeley, um dos fundadores da Linguística Gerativa dos anos 60 e da Linguística Cognitiva nos anos 70. Lakoff (2008) relata (em conferência sobre sua obra Política Moral18) que não conseguia

entender o porquê de quem era contra o aborto ser a favor do imposto único (alíquota de

16

No original: Bright Minds and Dark Attitudes: Lower Cognitive Ability Predicts Greater Prejudice Through

Right-Wing Ideology and Low Intergroup Contact.

17 No original: There's no gentle way to put it: People who give in to racism and prejudice may simply be dumb,

according to a new study that is bound to stir public controversy.

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imposto única19, no original: ―flat tax‖), o que resulta num Estado ―menor‖; e o fato de quem

era a favor do imposto único, também era contra a regulamentação dos empreendimentos na sua relação com o meio-ambiente. Lakoff confessa sua aceitação do rótulo emotivo em discussão: ―Eu pensava que quem era conservador era porque era ou mau, ou estúpido. E muitos o são mesmo. Mas eu tinha que admitir que havia pessoas que eram conservadoras mas não eram nem uma coisa nem outra‖.

O plano teórico é reforçado por outra pesquisa posterior de Gordon Hodson, agora em parceria com Kristof Dhont (HEAVEN, CIARROCHI & LEESON, 2011; STANKOV, 2009 apud DHONT; HODSON, 2014, pp. 455-456) que ratifica que baixas habilidades intelectuais torna o indivíduo simpático a ideologias socioculturais de direita. Ele propõe que seja pelo fato delas minimizarem complexidades, por proporem uma realidade mais simples, mais facilmente absorvível.

Do lado oposto do espectro político, certas manifestações reforçam esses paradigmas com sinais contrários. O cineasta e jornalista conservador Arnaldo Jabor (2013) reclamou que alguns tendem à esquerda para terem um ―charme extra‖. ―Quimeras à parte: os ideais mais nobres e universais do imaginário de esquerda são bastante evidentes‖, diz Marcelo Consentino, editor da revista brasileira conservadora Dicta & Contradicta. (COUTINHO; PONDÉ; ROSENFIELD, 2012, p.12).

3.3 DIREITA E ESQUERDA

Quinton, como já nos referimos retro, afirmou que o conservadorismo é uma das raras corporificações da direita ideológica. A designação do par direita e esquerda data da Assembleia Nacional Constituinte da França de 1789:

Os legisladores que defendiam reformas mais radicais, como ampliação do acesso à terra e a democratização da escolha dos representantes populares, por exemplo, eram chamados de jacobinos e sentavam-se sempre à esquerda. Os conservadores, que queriam manter alguns dos privilégios dos nobres, eram os girondinos e sentavam-se à direita. (FACINA apud MOIÓLI, 2004). Rui Tavares (2016, pp. 27-28) lembra que a gênese dessa divisão foi entre 28 de agosto e 11 de setembro de 1789, quando a França estava em plena discussão constitucional. A Assembleia Nacional então resolveu deliberar se o rei teria ou não o direito de veto sobre suas decisões. Os que achavam que o rei não teria direito de veto se

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posicionaram a esquerda do presidente da sessão e os deputados que eram a favor foram para o lado direito.

Recuando-se historicamente a este período as duas duplas ideológicas praticamente se sobrepõem. Podemos dizer que o cerne da caracterização entre a direita e da esquerda está na oposição entre o conservadorismo e progressismo, mas é fato que aquela díade não se esgota nesta. Ao longo do século XIX e mormente no XX, não só adquirem independência, assim como, uma e outra experimentam ampla elasticidade semântica no uso comum e no uso técnico. Mas referências a elas como sinônimos são comuns até em obras especializadas. A editora brasileira Três Estrelas, por exemplo, lançou em 2012 uma espécie de debate público sobre o tema lançando um livro de cada lado da dupla categorial política. O livro que discutia a direita política chama-se Por Que Virei À Direita e o prefaciador, Marcelo Consentino, o já citado editor da revista brasileira conservadora Dicta & Contradicta, saúda o trio de autores que assina a obra como ―os três direitistas (ou conservadores, como queiram)‖. (COUTINHO; PONDÉ; ROSENFIELD, 2012, p.12, grifo nosso). F. Adornato (apud BOBBIO, 2001, p.51) também afirma que a velha dupla poderia ser substituída pelo par progressistas-conservadores.

O ―conservadorismo e progressismo‖ tem persistido paralelamente à dupla conceitual ―direita e esquerda‖ e, para Bobbio (2001, p.14), essa heterogeneidade de abordagens ―pode continuar tranquilamente a viver assim‖. Dino Cofrancesco, professor de história da doutrina política nas Universidades de Trieste e Pisa, entende que enquanto a esquerda se identifica com o conceito e o valor da emancipação, a direita é como uma ―modalidade do humano‖ que exprime o ―enraizamento no solo da natureza e da história‖ e a ―defesa do passado da tradição e da herança‖. (Apud BOBBIO, 2001, p.95).

Mas o espectro político da direita é maior que o conservadorismo. O fascismo, por exemplo, é uma ideologia que Quinton (2012, p. 305) propõe como uma direita não conservadora. Para ele, o fascismo é a ideologia mais ―intelectualmente inarticulada‖. Entre suas características figuraram a de rompimento com a ordem política anterior, o que não se coaduna com a ideia de conservar. Como se dá no caso de ser favorável a um golpe militar diante da possibilidade de um candidato progressista vencer as eleições, por exemplo, trata-se postura de direita não conservadora. O espectro da direita pode transitar para uma ponderação mais extremada de uma posição política tipicamente conservadora.

Edda Saccomani (1986, p.470) propõe alguns delineamentos generalizantes onde se inscreve a chamada formulação ―clássica‖, resumível nas teses elaboradas pela

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Terceira Internacional comunista, em meados dos anos 30, momento em que a crise histórica do capitalismo impulsiona a burguesia ameaçada pela exacerbação dos conflitos de classe a manter o seu domínio. Instaura-se uma ditadura aberta da burguesia exercida já sem a mediação das instituições da democracia parlamentar. Então a manutenção do status quo econômico-social pela burguesia é acompanhada de uma ruptura profunda na manutenção e condução do poder político. A Itália e a Alemanha ofereceram terreno fértil para esse fenômeno, pois se tratavam de países que tinham elos mais frágeis com a cadeia imperialista típica do capitalismo, uma vez que chegaram a ele mais tardiamente e o mundo colonial já se encontrava repartido pelas potências, como enfatiza György Lukács. (1968, p. 54).

Em sua obra Esquerda e Direita – Razões e Significados de uma Distinção Política, o filósofo e cientista político Norberto Bobbio (2001, p.21) desvia-se da acusação de que tenha distinguido da díade pelo fato de a esquerda se afeiçoar mais ao valor da igualdade e a direita o da liberdade, supostamente o critério de Bobbio. Ele afirma que se afeiçoou ao critério justamente pela sua vasta utilização precedente. E cita um pensador ligado à direita para exemplificar com sinais contrários, Francis Fukuyama, que atribui o progresso da sociedade não à luta pela igualdade (ou seja, não por uma luta pela esquerda), mas ao esforço pela superioridade.

Aqui cabe um esclarecimento sobre as contingências conflitivas dessa seara de valores. Bobbio (2001, p. 130) explica que a liberdade e a igualdade não são estruturalmente valores rivais. A título ilustrativo: a igualdade no direito de sufragar estendida às mulheres no século XX não reduziu a liberdade dos homens. Mas não é sempre assim. Em diversas outras demandas, a igualdade implicará na sua redução. Caso de outras fronteiras de emancipação social da mulher, a exemplo, inclusive, da própria divisão das tarefas domésticas, que redefiniu/redefine a liberdade de tempo do homem.

Há uma tendência conservadora de perceber o conceito de liberdade comprometido quando mediado ou equilibrado pela igualdade, o que pode ser ricamente ilustrado na resistência ideologizada às políticas de combate à desigualdade, como se verá no item 8 à frente, neste estudo. Não é desimportante, por conseguinte, matizar dois aspectos sobre a liberdade (entre uma miríade a que está sujeito um conceito tão extensivo). Primeiro a distinção, que, entre outros, Oppenheim (1986, p.708) registra sobre a liberdade em sentido descritivo, ―que pode ser aceito por qualquer pessoa independente dos pontos de vista normativo‖, e no sentido valorativo, como Bobbio trata, onde se compreende uma exortação. O entendimento sobre liberdade social amolda-se tipicamente à análise descritiva, de natureza

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interpessoal, onde um ator deixa o outro livre para agir de determinada maneira. Mesmo nesse sentido descritivo, é preciso que se evidencie que o conceito implica intrinsicamente a imposição de limitações: sou livre para trafegar de automóvel até certa velocidade. Sou livre para transitar a pé entre uma multidão, sem agredir ou ofender os demais atores. Este o segundo importante aspecto do conceito a ser ressaído: é um elemento inafastável da descrição do conceito tanto um viés de ausência de impedimentos para determinada ação, quanto a imposição de restrições para outras. Liberdade social não é desregramento comportamental. Alguém pode (―ter liberdade‖) para ultrapassar a velocidade máxima permitida, mas estará sujeito a sanções. A mera ausência de impedimentos não constitui, per

si, singularmente, a liberdade. O desregramento (a ―liberdade‖ se fosse assim tomada)

comportamental não conduz a nenhuma ―liberdade total‖. Historicamente, nas tradições greco-latinas que tanto informam a cultura ocidental, liber, explica José Ferrater Mora (2001, p. 1734), de onde se derivou o vocábulo livre, é ―pessoa na qual o espírito de procriação está naturalmente ativo‖, aplicando-se a um jovem que atinge a maturidade sexual e incorpora-se à comunidade como homem capaz de assumir responsabilidades, de responder pelos seus atos. Duas direções para criar uma construção semântica una, portanto, para entender a noção.

Liber era, adicionalmente, o homem não submetido à condição de escravo. Sentido próximo

ao termo grego eleutheros (ἐλεύθερος) que além de designar a condição de não-submetido, possuía um sentido mais amplo de liberdade que compreendia a aceitação da ordem cósmica, do Destino, uma ―coação‖ de sentido valorativo positivo. Pois havia a ―liberdade perante o Destino‖, que era o contrário da grandeza ou dignidade humana, pois ―só podem subtrair-se ao Destino aqueles que não foram escolhidos e, portanto, ‗os que na verdade não importam‘ ‖ (MORA, 2001, p.1734).

Não há controvérsia entre conservadores e progressistas sobre a necessidade de se estabelecer deveres e restrições para que a liberdade seja possível, portanto. As diferenças surgirão na natureza e extensão das restrições a serem impostas. No caso daquelas que eventualmente20 restrinjam a liberdade para que se reduza a desigualdade, ou, conforme seja, que qualifiquem uma maior igualdade, identificará o pensamento de esquerda.

Mas Bobbio (2001, p.19) também destaca a proposta conceitual do linguista, filósofo e ativista político Noam Chomsky, em Il Club dei Ricchi, que deve menos à axiologia e mais a teoria econômico-sociológica: ―(...) a distinção entre direita e esquerda é claríssima e

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poderia ser resumida, de modo breve e simplificado, sem ‗distinção sutis‘ mais sofisticadas, na tese de que a esquerda está do lado dos pobres e a direita do lado dos ricos‖.

O filósofo pragmatista Richard Rorty é referido pelo mesmo filósofo italiano em momento muito semelhante: ―a distinção de direita e esquerda no fundo significa pobres contra ricos e, nesse sentido, continuará sempre a existir uma luta entre direita e esquerda‖ (BOBBIO, 2001, p.9).

Edmund Burke (2014, pp. 186-188) precipita uma crítica que intui essa divisão econômica entre direita e esquerda. Ele nota que os revolucionários franceses traíam seus princípios na medida em que estabeleceram uma espécie de voto censitário: da revolução derivou uma nova organização político-administrativa da França que a dividiu em 83 departamentos, estes subdivididos em 1720 distritos, denominados Comunas, que por sua vez fracionavam-se em 6.400 distritos menores chamados Cantões. As assembleias primárias do

Cantão elegiam deputados para a Comuna. A candidatura a deputado da Comuna exigia do

candidato a contribuição de dez dias de trabalho. E para deputado da Assembleia Nacional,

um marco de prata21. ―É fácil perceber, pelo andamento de seus raciocínios, o quanto a Assembleia estava constrangida pelas ideias contraditórias sobre os Direitos dos Homem e os privilégios das riquezas‖, diz Burke.

Esse pensador conservador agita-se absolutamente dentro do espaço conceitual da época contemporânea. Na Revolução Francesa, o adversário comum eram os privilégios dos Primeiro e Segundo Estados. O Terceiro Estado, a instância revolucionária, era heterogênea em termos econômicos, ainda que majoritariamente constituído pelos despossuídos. O antagonismo social agora dá-se mais diretamente com a instância econômica do poder, para Chomsky e Rorty, entre outros pensadores.

A divisão direita e esquerda assumida dessa perspectiva, portanto, escora-se nos segmentos sociais de ricos e pobres considerando, do lado da direita, um plexo entre o poder econômico hegemônico e as suas ideias e narrativas sobre como o interesse público deve ser compreendido. Isso posto em zona de tensão num espaço de adversidade com as ideias de esquerda: Chomsky escolhendo a expressão da esquerda ―estar do lado‖ dos pobres - menos como taxonomia que como apoio ou preferência - e Rorty imputando uma litigiosidade, uma oposição mais direta, referindo-se a ―pobres contra ricos‖.

21

Equivalente a 54 livres (então moeda corrente na França), que era suficiente alto para excluir muitos representantes devido a sua pobreza, mas valor muito pequeno para inibir representantes das classes abastadas, como nota Anne-Louise-Germaine, Madame de Staël, e The Baroness of Staël (1818, p. 421).

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Podemos retomar aqui Bobbio (2001, pp. 129-130) numa perspectiva harmonizadora de tez tanto axiológica quanto econômica: ―A liberdade privada dos ricos é muito mais ampla que a liberdade privada dos pobres‖. A escolha do meio de transporte, por exemplo, é determinada muito mais pela condição econômica particular do pobre que por imposições públicas. A ―perda‖ de liberdade será, desta feita, muito maior para o rico que para o pobre. ―É verdade que a igualdade acaba por limitar a liberdade tanto do rico quanto do pobre, mas com a seguinte diferença: o rico perde uma liberdade usufruída efetivamente, o pobre perde uma liberdade potencial‖.

Um outro aspecto a ser enfrentado é a ideia de díade como desvalorizador ou simplificador do pensamento, como se ela não fosse um traço permanente das ciências humanas. Em sociologia, sociedade x comunidade; em economia livre mercado x intervenção

estatal; em direito, privado x público; em estética, clássico x romântico; em filosofia

transcendência x imanência. Na política, a díade esquerda x direita não é a única, mas é uma das mais frequentes (BOBBIO, 2001, p. 50).

Cabe ainda uma distinção entre práticas de direita política que transbordam do estrato conservador.

Veja-se o caso da assim chamada reforma das leis trabalhistas em curso atualmente no país, uma repetição da mundialmente conhecida ―flexibilização‖ de direitos dessa ordem. Batiza-se de mais ―liberdade para negociar‖ o esvaziamento de garantias trabalhistas. Menos força e segurança ao polo mais fraco da relação trabalhista. Neste caso, a ala conservadora é quem quer a mudança. A ala conservadora coincide seus interesses com os das classes mais abastadas, com os cidadãos de maiores posses. O progressismo quer

conservar e o conservadorismo, ―revolucionar‖, diga-se, com prodigalidade de aspas. Em tal

caso, se trata de iniciativa de direita política, mas não conservadora. Mas como a direita geralmente se expressa pelo viés conservador, então se costuma chamar esses políticos de conservadores. São políticos habitualmente conservadores que a apoiam (sem praticarem objetivamente, neste caso, uma política conservadora, e sim de direita).

Manter a excelência do serviço público de saúde da Inglaterra entre 1950 e 1980, por exemplo, não gabarita a predicação de conservadorismo político. Mas manter a atual fragilidade do serviço público de saúde brasileiro, em vez de se estudar reforçar suas fontes de manutenção e ampliação, é uma postura politicamente conservadora.

É de se esperar que o poder hegemônico, historicamente, realize com habitualidade sua agenda de interesses. Mas não chega a ser inusitado, embora mais raro e

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dificultoso, que as agendas do segmento majoritário de uma dada sociedade sobre o qual o poder é exercido, tantas vezes em prejuízo de seus interesses, ou de um dado país, de uma dada nação – faça valer reivindicações emancipadoras que logrem serem incorporadas aos direitos e valores de seu tempo. Seja pela forma revolucionária, com ruptura institucional, seja sem essa quebra, por meio de reformas de orientação progressista.

O andamento ordinário da evolução política de uma dada sociedade é aquele na direção do vetor da força hegemônica. É mais provável que ela movimente o seu corpo no mesmo sentido do estímulo aplicado por esse vetor mais forte.

O pensamento conservador evoca uma valoração moral da tradição. E a tradição é o teste cronológico de validação epistêmica da razão. Para os conservadores, parece que o tempo não é o amalgamar da agenda das forças hegemônicas (não há prevalência de captura de vantagens por segmentos de maior pressão), ao contrário, é a sucessão de testes epistêmicos que resultam no melhor modelo social possível. Com imperfeições aqui e ali, mas virtuoso em sua estrutura. Considere-se isso.

A distinção enxuta de Chomsky e Rorty da direita estar ―do lado dos ricos‖, da força, do poder, está longe de ser modesta. É uma pedra de toque não desprezível, apesar da complexidade do real costumar flagelar com crueldade a soberba das generalizações.

Tomem-se as discussões sobre reforma previdenciária em curso no Brasil. No caso dos servidores púbicos, existe desde 1950 um regime chamado de ―repartição simples‖, pelo qual os servidores aposentados são custeados por contribuições dos servidores ativos e do erário. Ele prevê uma solidariedade intergeracional e não prevê a formação de reservas. É o regime ―adotado pelas previdências públicas em quase todos os países do mundo‖ (PRÓ-VISÃO). O Fundo do qual decorre o pagamento das aposentadorias é alimentado solidariamente por parte do salário do trabalhador, pelo empregador e pelo Estado. A grande vantagem econômica desse modelo é que o Estado é fiador do direito à aposentadoria o que torna o mercado real, ou seja, a indústria, o comércio e os serviços, mais convidativos do lado da demanda: há previsibilidade e garantia de renda futura dos consumidores para os investimentos que forem feitos visando esse mercado.

Matos et al. (2017) explicam que antes de 1950 no Brasil, diversos regimes autônomos de categorias profissionais como ferroviários e marítimos, usavam um regime diverso, o regime de capitalização. Neste regime existia o pré-financiamento do benefício, ou seja, cada beneficiado, no período em que está na ativa, contribuiu financeiramente para uma reserva que lhe serviria quando se aposentasse. Nessa época essas reservas foram utilizadas

Referências

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