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A amizade e o adolescente portador de doença crônica

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA. A AMIZADE E O ADOLESCENTE PORTADOR DE DOENÇA CRÔNICA. Bruno Eduardo Silva Ferreira. VITÓRIA 2006.

(2) 2. BRUNO EDUARDO SILVA FERREIRA. A AMIZADE E O ADOLESCENTE PORTADOR DE DOENÇA CRÔNICA Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Psicologia, sob a orientação do Professor Doutor Agnaldo Garcia. UFES VITÓRIA, MAIO DE 2006.

(3) 3. Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil). F383a. Ferreira, Bruno Eduardo Silva, 1978A amizade e o adolescente portador de doença crônica / Bruno Eduardo Silva Ferreira. – 2006. 118 f. : il. Orientador: Agnaldo Garcia. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.. 1. Amizade. 2. Adolescentes. 3. Relacionamentos Interpessoais. 4. Doenças crônicas 5. Medicina e Psicologia. I. Garcia, Agnaldo. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.. CDU: 159.9.

(4) 4.

(5) 5. AGRADECIMENTOS. Ao final deste trabalho (que por muitas vezes não julgava possível), devemos nos lembrar de que não chegamos até aqui sozinhos, e devemos agradecimentos a aqueles que nos acompanharam ao longo de todo o processo, ou ao menos em parte dele. Nem todas as pessoas que deviam figurar aqui efetivamente vão listadas, mas tal fato se deve à falta de memória, e não de gratidão. Primeiramente a Deus, a quem devemos agradecer por tudo; À minha família: meu pai Paulo, que sempre me deu seu exemplo de trabalho duro; June, que mesmo de uma distância segura, está sempre lá por mim, sem que eu precise pedir. E em especial à minha mãe, Olga, porto seguro pra onde eu sempre posso voltar; não há palavras para expressar o amor e a gratidão que sinto por você. Esta conquista (e todas as outras) é sua também. À Micaela, que mesmo antes de chegar já é o centro de meus pensamentos. Esta conquista é pra você, meu amor. A Marina, mãe de uma filha ainda por nascer. Obrigado por me mostrar que limites são feitos para serem ultrapassados. Depois ao Agnaldo, pela oportunidade concedida, pelo campo de pesquisas aberto, pelas palavras certas nas horas certas. Espero ter sido merecedor da confiança em mim depositada. E, com toda certeza, há muito que fazermos juntos. À banca examinadora, composta pela Profª Cristina Menandro e pela Profª Nágela Cade, e à Profª Marluce Siqueira, que participou da qualificação do projeto, pela.

(6) 6. paciência e pela avaliação. Espero não tê-las aborrecido com meu texto. Obrigado pelas sugestões, e pela tranqüilidade com que as fizeram. A todo o povo da pós: Daniel, Mirian, Thaisa, Cidoca, Liana, Ana Lúcia, Claudinha, Alline, Luciana, Alexandre, Christiane, Flavinha, Daniela, Érika, Sibelle, Sabrine... somos tantos, e ao mesmo tempo tão poucos. Mesmo que a vida nos leve para lugares diferentes, ainda seremos uma turma que marcou história... E em especial à Kirlla, a melhor definição de um anjinho da guarda que eu posso imaginar. Estaremos juntos sempre, não tenha dúvida. Aos professores do PPGP, que nos últimos dois anos criaram comigo um laço de amizade. E à Lúcia, que, mesmo não sendo sua função, sempre nos ajudou com as questões e dúvidas. Aos participantes que colaboraram comigo, abrindo suas recordações de um período que talvez tenham tentado deixar para trás. Sem a sua valiosa colaboração, esta dissertação ainda seria um sonho por realizar. Espero que o resultado desta pesquisa possa ajuda-los tanto quanto seus relatos me ajudaram. A todos os meus amigos, por me ajudar a carregar o peso quando este era demais, e por tirar o peso que eu colocava nas coisas que não o tinham. Em especial ao Carlinhos, irmão de tantas caminhadas. Sabrina, Crislene, Úrçula, Tatá, e todos os meus outros amigos. Vocês não estão listados aqui, mas vão sempre em meu coração. Ao Dr. Mário, chefe do setor de oncologia do Hospital Nossa Senhora da Glória – HINSG, não apenas pelo apoio para a pesquisa, mas por me ouvir nos momentos de desalento, quando esta dissertação parecia impossível. Sem você, esta pesquisa não teria sido feita. Meu mais sincero obrigado..

(7) 7. DEDICATÓRIA. Às duas pessoas mais importantes em minha vida: Espero que eu possa ser para a minha filha o exemplo que minha mãe sempre foi para mim..

(8) 8. SUMÁRIO. Resumo ....................................................................................................... 11 Abstract ...................................................................................................... 12 1 - Introdução .............................................................................................. 13 1.1 - Do Relacionamento Interpessoal às Relações de Amizade ......... 14 1.2 - A Amizade na Adolescência ......................................................... 17 1.3 - Adolescência e Doença Crônica: Câncer e Diabetes Mellitus tipo 1 ..... 20 1.4 - Relacionamento Interpessoal, Amizade e a Doença Crônica na Adolescência ........................................................................................ 21 1.5 - Objetivos e Justificativa ................................................................ 24 2 - Metodologia ............................................................................................ 26 2.1 - Participantes ................................................................................. 26 2.2 - Procedimento de coleta de dados ................................................ 29 2.3 - Instrumento de pesquisa .............................................................. 30 2.4 - Procedimento de análise dos dados ............................................. 31 2.5 - Organização do trabalho .............................................................. 31 3 - Histórico ................................................................................................. 34 3.1 - Adolescentes com diabetes mellitus ............................................. 34 3.2 - Adolescentes que tiveram câncer ................................................. 37 3.3 - Considerações sobre ambas as situações ................................... 42 4 - Companheirismo e Reciprocidade ......................................................... 45 4.1 - Adolescentes com diabetes mellitus ............................................. 46.

(9) 9. 4.2 - Adolescentes que tiveram câncer ................................................. 48 4.3 - Considerações sobre ambas as situações ................................... 49 5 - Comunicação, Auto-revelação e Intimidade ........................................... 51 5.1 - Adolescentes com diabetes mellitus ............................................. 52 5.2 - Adolescentes que tiveram câncer ................................................. 57 5.3 - Considerações sobre ambas as situações ................................... 61 6 - Apoio Social ........................................................................................... 64 6.1 - Adolescentes com diabetes mellitus ............................................. 66 6.2 - Adolescentes que tiveram câncer ................................................. 71 6.3 - Considerações sobre ambas as situações ................................... 75 7 - Conflitos ................................................................................................. 77 7.1 - Adolescentes com diabetes mellitus ............................................. 78 7.2 - Adolescentes que tiveram câncer ................................................. 81 7.3 - Considerações sobre ambas as situações ................................... 84 8 - Expectativas e Conceito de Amigo ......................................................... 86 8.1 - Adolescentes com diabetes mellitus ............................................. 88 8.2 - Adolescentes que tiveram câncer ................................................. 90 8.3 - Considerações sobre ambas as situações ................................... 93 9 - Considerações Finais ............................................................................. 96 10 - Referências Bibliográficas .................................................................... 103 11 - Anexos ................................................................................................. 111 Anexo 1 – Termo de consentimento ...................................................... 111 Anexo 2 – Termo de responsabilidade de utilização de dados ............. 112.

(10) 10. Anexo 3 – Termo de aprovação da Comissão de Ética do HINSG ....... 113 Anexo 4 - Termo de aprovação do Comitê de Ética do PPGP ............. 114 Anexo 5 – Roteiro de entrevista: Adolescente que teve câncer ........... 115 Anexo 6 – Roteiro de entrevista: Adolescente que teve câncer ........... 117 Anexo 7 – Roteiro de entrevista: Amigo ............................................... 119. Tabelas. Tabela 1 – Descrição dos participantes ................................................ 27.

(11) 11. RESUMO. Este trabalho teve por objetivo descrever e analisar certos aspectos das amizades de adolescentes acometidos por diabetes mellitus e câncer. Os aspectos da amizade trabalhados foram: a) histórico da relação, b) companheirismo e reciprocidade, c) comunicação, auto-revelação e intimidade, d) apoio social, e) conflito e f) expectativas e conceito de amigo. Doze participantes foram entrevistados e divididos em dois grupos, sendo três pessoas com diabetes e seus três melhores amigos, e três pessoas que tiveram câncer e seus três melhores amigos. Os resultados apontam para uma relação específica, similar às amizades de adolescentes que não sofrem de uma doença crônica em alguns aspectos, mas que difere destes relacionamentos em outros. A comunicação entre as díades é afetada, de modo que a auto-revelação de conteúdos íntimos é diminuída, e as conversações acerca de conteúdos ligados à enfermidade também são evitadas pelos participantes. O apoio social dado a este adolescente, por outro lado, é consideravelmente aumentado, fato que altera a reciprocidade, base das relações de amizade. Tais fatos chamam a atenção para o fato de que as amizades vão muito além do apoio social (largamente investigado no Brasil e no mundo), e dimensões como intimidade e companheirismo, entre outras, também estão presentes e desempenham papéis de destacada importância para a vida do adolescente.. PALAVRAS-CHAVE: amizade; adolescentes; doença crônica; relacionamento interpessoal..

(12) 12. ABSTRACT. This research aimed at describing and analyzing some features of the friendships of adolescents with diabetes mellitus and cancer. The features investigated were: a) relationship history, b) companionship and reciprocity, c) communication, self-disclosure and intimacy, d) social support, e) conflict, and f) expectations and concept of friend. Twelve participants were interviewed and divided into two groups: three participants with diabetes and their three best friends, and three participants who had cancer and their three best friends. The results point to a specific relationship, similar to friendships of people who have not a chronic disease in some features, but different in others. The communication between the dyads is affected, leading to a decrease in the selfdisclosure, and talking about subjects linked to the disease is avoided by the participants too. The social support given to the adolescent, on the other hand, clearly increases, and it changes the reciprocity, base of friendship relations. Such facts call attention to the fact that friendships are much more than social support (broadly investigated in Brazil and around the world), and dimensions as intimacy and companionship, among others, are also present, and play an important role in adolescents’ life.. KEYWORDS: friendship; adolescents; chronic illness; interpersonal relationship..

(13) 13. 1. INTRODUÇÃO. As amizades influenciam enormemente o desenvolvimento, as atitudes e o comportamento das pessoas. Estamos imersos em uma rede de relacionamentos com familiares, amigos e, eventualmente, uma relação romântica. A despeito disso, pouco se. estuda. no. Brasil. sobre. os. relacionamentos. interpessoais.. As. amizades. desempenham um papel ainda mais central no que se refere à adolescência: neste período, os indivíduos despendem cada vez mais tempo com seus pares, dando grande importância às suas opiniões e conselhos. Este panorama se torna mais complexo quando o adolescente recebe o diagnóstico de doença crônica, uma vez que esta pode se apresentar como um fator complicador ou até impeditivo para o desenvolvimento de seus relacionamentos interpessoais (considerando-se as rotinas impostas pela doença). Em um período no qual o indivíduo se prepara para a vida adulta, a doença crônica acrescenta ainda uma série de dúvidas e incertezas às já existentes quanto ao futuro. Comumente, estes adolescentes são chamados a assumir um papel central no controle de sua doença (Williams, 1999), o que, por si só, pode gerar angústia e estresse. Para lidar com estes eventos, as pessoas geralmente recorrem a fontes de apoio – parentes, amigos, cônjuge -, e no caso do adolescente, o mais provável é que ele recorra à ajuda de seus amigos, de modo que o apoio social é um tema sistematicamente estudado no que se refere à doença crônica (Taylor, Falke, Shoptaw & Lichtman, 1986). Ao receber o diagnóstico de doença crônica, o adolescente normalmente passa a se reorganizar em torno da doença: sua rotina é alterada por medicações, exames, consultas médicas e até internações. Pouca atenção é dada a.

(14) 14. outros aspectos da vida do indivíduo, como rotinas e afazeres comuns. Duck (1998) aponta que os portadores de doenças crônicas se sentem mais satisfeitos quando as conseqüências relacionais da doença são apontadas, e especialmente como a doença afetará a vida relacional dos mesmos. Desta forma, não pretendemos estudar os efeitos da amizade sobre o controle da doença crônica, ou sobre a capacidade do indivíduo em enfrentá-la, mas sim a relação de amizade deste adolescente com seu melhor amigo. Como se estruturam estes relacionamentos frente à doença crônica? Em que este relacionamento difere dos relacionamentos de amizade não afetados pela presença da mesma?. 1.1. DO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL ÀS RELAÇÕES DE. AMIZADE. Os relacionamentos interpessoais, de uma forma geral, podem ser agrupados em três categorias, não completamente distintas entre si: relacionamentos familiares, relacionamentos românticos e relacionamentos de amizade (incluídos aqui os relacionamentos entre pares e colegas). Tais agrupamentos não podem ser vistos como categorias totalmente separadas, uma vez que na sociedade ocidental alguns relacionamentos românticos surgem a partir de amizades (Hinde, 1997), e não podemos afirmar que não há um vínculo de amizade entre pessoas de uma mesma família. As amizades, no mundo ocidental, têm um caráter pouco institucionalizado, não marcado por rituais públicos (Hinde, 1997), o que torna difícil diferenciar o que é.

(15) 15. amizade do que não o é. Uma característica importante que diferencia as amizades dos relacionamentos familiares é o seu caráter voluntário: somos livres para iniciar, manter ou terminar uma amizade quando desejarmos, e não somos obrigados a manter um amigo se não o quisermos. É verdade que este caráter voluntário não se aplica a todas as diferentes culturas ao redor do mundo, mas ao menos em nossa sociedade esta é a forma descrita como a mais freqüente. Nos relacionamentos de amizade não ocorrem as mesmas pressões sociais para manter a relação que sofrem os relacionamentos românticos. Uma outra diferenciação entre a amizade e o relacionamento romântico é o aspecto apaixonado que é usualmente visível no amor romântico (Hinde, 1997), comumente ausente na amizade. Em seu lugar, ocorre freqüentemente uma certa prontidão para ajudar ou receber ajuda, que não é necessariamente presente no amor romântico. As amizades variam em forma e conteúdo de acordo com a faixa etária dos envolvidos. Na infância as amizades se caracterizam principalmente por um caráter instrumental, em termos do que as crianças fazem juntas. Assim, as situações de interação são centrais para a amizade entre crianças pequenas. A amizade é diretamente ligada ao gostar do outro, e sentir prazer em passar tempo na companhia do amigo (Bukowski, Newcomb & Hartup, 1996). A importância das amizades aumenta na adolescência, devido ao fato de que os adolescentes passam cada vez mais tempo na companhia de amigos da mesma idade, e dão grande importância às opiniões destes. Isso coincide com uma mudança na fonte primária de companheirismo e intimidade, que se desloca dos pais para os pares (Laursen, 1996). Entretanto, mais do que antagônicos, os pais e os pares tendem a ser.

(16) 16. complementares: mesmo que os adolescentes busquem apoio em amigos da mesma idade que compartilham as mesmas experiências, os pais continuam a proporcionar uma base segura para se explorar contextos não familiares (Laursen, 1996). Berndt (1992) afirma que a intimidade se torna uma característica central da amizade no início da adolescência, afirmação compartilhada por outros autores (Berndt, 1982; Kerns, 1996; Laursen, 1996; Papini, Farmer, Clark, Micka, & Barnett, 1990; Price, 1996). Essa proximidade favorece um aumento na similaridade entre os amigos, similaridade essa que é uma condição sine qua non das relações de amizade, tanto durante a infância quanto durante a adolescência. Os indivíduos selecionam seus prováveis amigos com bases similares, e a proximidade trazida pela amizade favorece um aumento na similaridade entre os amigos. O folclore aponta que “os opostos se atraem”, mas esta noção não encontra apoio na literatura empírica (Hartup, 1996a). A atividade mais característica das amizades entre adultos é conversar (Hinde, 1997), uma vez que a amizade depende de um conjunto de conhecimentos compartilhados. Esse compartilhamento de informações favorece a similaridade, o que contribui para a manutenção da amizade. A amizade varia conforme o gênero, a cultura e até conforme indivíduos dentro de uma mesma cultura, o que torna difícil qualquer generalização sobre o tema. Entretanto, algumas características têm sido encontradas com mais freqüência, como companheirismo, intimidade, apoio (físico e emocional) e confiança, entre outros. Isso não quer dizer, contudo, que a amizade só seja caracterizada pelos seus conteúdos positivos: de fato, podem estar presentes na amizade conflitos, competições e assincronias entre os membros. Raffaelli (1997) aponta que os conflitos têm sido.

(17) 17. vistos por diversos pesquisadores como um espaço para o desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas, além do conhecimento interpessoal. A autora aponta ainda que este espaço de desenvolvimento não ocorre nos conflitos entre pais e filhos, devido ao fato de que estas relações são assimétricas, e o espaço de negociação para a resolução do conflito seria prejudicado. Os conflitos e seus efeitos disruptivos tendem a ser evitados, ou pelo menos minimizados pelos amigos, visando a manutenção da amizade (Laursen, 1996). No entanto, Parker e Asher (1993) apontam que não é a habilidade em evitar a ocorrência de conflitos, mas sim a habilidade em resolvê-los de forma amistosa que diferencia os relacionamentos próximos dos outros relacionamentos entre pares.. 1.2 A AMIZADE NA ADOLESCÊNCIA. A amizade na adolescência adquire um papel central para o indivíduo, sendo descrita por Berndt (1982, p. 1447) como “especialmente intensa e especialmente significativa para o desenvolvimento psicológico”. Neste período, os pais deixariam de ocupar o centro da rede de relacionamentos do adolescente, passando a dividir esta posição com os amigos deste. Berndt (1982, 1992) aponta ainda que os adolescentes podem se voltar para os amigos em busca de ajuda para compreender o que lhes acontece, compartilhando suas experiências com alguém que passa pelas mesmas situações e que tem um maior entendimento dos pensamentos e sentimentos do outro e de si mesmo..

(18) 18. O movimento de busca por ajuda nos amigos levanta um questionamento: o que importa mais, quantos amigos se tem, ou a qualidade destas amizades? As evidências encontradas não são unânimes. Parker e Asher (1993) indicam que, no caso de crianças, muitas delas, com pouca aceitação social por parte dos pares, têm bons amigos e estão satisfeitas com estas amizades, o que favorece seu bem-estar emocional. Pendley, Kasmen, Miller, Donze, Swenson e Reeves (2002), em um estudo sobre o apoio dos familiares e dos amigos a adolescentes com diabetes tipo 1, apontam que a percepção do apoio dos pares não foi correlacionada ao número de pares que participaram da intervenção, o que reduziria a importância da quantidade de amigos. Bloom, Stewart, Johnston, Banks e Fobair (2001), por outro lado, no caso de mulheres jovens, afirmam que o tamanho da rede social tem influência sobre o total de recursos disponíveis. Ao estudar as fontes de apoio social de mulheres com câncer de mama, as autoras concluem que quanto maior a rede social, e quanto mais integrada a ela, mais a mulher terá disponível apoio emocional e instrumental. Assim, percebe-se que o tamanho da rede social é uma condição necessária, mas não suficiente, para a obtenção de recursos tais como apoio emocional ou instrumental. Hartup (1996a), entretanto, afirma que a aceitação em geral (popularidade) e a amizade (diádica) não são suficientemente diferenciadas nas pesquisas sobre a amizade na infância e adolescência, o que dificulta quaisquer conclusões sobre o tema. Reforçando este apontamento, Bloom et al. (2001) afirmam que a relação entre os aspectos estruturais e os aspectos funcionais do apoio social ainda é pouco estudada e pouco compreendida. As autoras definem os aspectos estruturais como a rede de.

(19) 19. relacionamentos que existe entre as pessoas, e que serviria como fonte de recursos. Entre os aspectos funcionais teríamos o apoio informacional, emocional e o tangível. Os estudos sobre as relações de amizade na infância e adolescência investigavam, comumente, o status sociométrico do indivíduo e atributos pessoais como facilitadores, ou não, das relações de amizade (Bukowski, Newcomb & Hartup, 1996). Gradativamente, porém, os pesquisadores perceberam que tais medições não explicavam as relações de amizade destes indivíduos. Assim, o foco das pesquisas se deslocou dos indivíduos para os seus relacionamentos, abrangendo desde a quantidade de amigos e a rede social até diferentes aspectos ligados à qualidade das relações. Entretanto, a tarefa de investigar. os aspectos da amizade é extremamente. complexa, uma vez que diferentes aspectos podem ou não estar presentes em diferentes relacionamentos, e um aspecto aparentemente inexistente em um determinado período pode ganhar visibilidade em outro momento. Além disso, os pesquisadores não demonstram um consenso sobre que aspectos são mais importantes na amizade, o que leva a uma enorme pluralidade de características estudadas. Assim, provavelmente devido à extensão e/ou à dificuldade da tarefa, grande parte dos artigos que tratam de amizade na adolescência tende a tratar apenas de alguns aspectos específicos da amizade, além de seus efeitos sobre o desenvolvimento psicossocial do adolescente. Assim, privilegia-se, por exemplo, o tema da intimidade (Thériault, 1998; Field, Lang, Yando & Bendell, 1995; Mayseless, 1993), do conflito e sua resolução (Black, 2000; Raffaelli, 1997), da similaridade e influência entre amigos.

(20) 20. (Clark & Ayers, 1992; Eiser, Morgan, Gammage, Brooks & Kirby, 1991; Fisher & Bauman, 1988; Jussim & Osgood, 1989), e do apoio social (Helsen, Vollebergh & Meeus, 2000; Shams, 2001), entre outros. Uma outra linha de pesquisa bastante desenvolvida sobre o tema diz respeito aos efeitos que a amizade tem sobre o desenvolvimento – social (Berndt, 1996), cognitivo (Hartup, 1996b), emocional (Thomas & Daubman, 2001) e psicossocial (Berndt, 1982; Moore & Boldero, 1991) – do adolescente. Newcomb e Bagwell (1996) apontam que sabemos algo sobre como as amizades são, mas não sabemos quase nada sobre os efeitos das amizades sobre a vida dos indivíduos. Frente a esse panorama, os autores sugerem que mais pesquisas sejam feitas, de modo a podermos apontar relações causais quanto à significância da amizade para o desenvolvimento.. 1.3. ADOLESCÊNCIA E DOENÇA CRÔNICA: CÂNCER E DIABETES. MELLITUS TIPO 1. Muitos pesquisadores apontam que os adultos lidam melhor com eventos estressantes quando percebem que dispõem de amigos com quem podem contar para obter conforto, conselhos e ajuda (Heller & Swindle, 1983, Kessler, Price & Wortman, 1985, Turner, 1983, citados por Berndt & Perry, 1986). Berndt e Perry (1986) apontam ainda que as amizades geralmente funcionam como relacionamentos sociais de apoio para crianças e adultos frente a eventos estressantes. Em uma revisão sobre os estudos que investigam a incidência de câncer na adolescência e seus efeitos, Whyte e Smith (1997) apontam alguns temas recorrentes.

(21) 21. nas pesquisas: pais e irmãos, questões psicossociais, escola e vida social, informação e apoio, sexualidade e esperanças. As pesquisas, de uma forma geral, visam entender como o adolescente se adapta ao diagnóstico de doença crônica, e buscam formas de ajudá-lo neste processo, como por exemplo o estudo de Trask, Paterson, Trask, Bares, Birt e Maan (2003), que descreve o ajustamento ao câncer pediátrico, com associações com as estratégias de enfrentamento, apoio social e funcionamento familiar como facilitadores. para. este. ajustamento.. Algumas. pesquisas. sugerem. que. os. relacionamentos podem ter um papel importante no processo de adaptação à doença crônica (Bloom et al., 2001; Ritchie, 2001; Hanson, Henggeler & Burghen, 1987), mas estas pesquisas se limitam a trabalhar o apoio social dos familiares, negligenciando o papel diferenciado desempenhado pelo apoio dos pares na adolescência (Helsen, Vollebergh & Meeus, 2000).. 1.4. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL, AMIZADE E A DOENÇA. CRÔNICA NA ADOLESCÊNCIA A relação entre a saúde e os relacionamentos interpessoais é complexa. Alguns dos primeiros sociólogos, como Durkheim (1951, citado por Bloom et al., 2001), constataram que os relacionamentos interpessoais têm conseqüências críticas sobre a saúde das pessoas. De acordo com Duck (1998, p. 186), “(...) relacionamentos humanos e contexto social desempenham um grande papel na saúde e na doença”, embora esse papel não esteja devidamente esclarecido..

(22) 22. As pesquisas indicam claramente que o apoio social pode reduzir o sofrimento psicológico em situações de estresse no caso do adolescente enfrentando uma enfermidade (Taylor, Falke, Shoptaw & Lichtman, 1986), embora Dunkel-Schetter, Folkman e Lazarus (1987) apontem alguns fatores que podem afetar tanto o oferecimento quanto o recebimento de apoio social. Os fatores mencionados por estes autores incluem características dos recebedores, dos provedores, dos agentes estressores e dos ambientes, além das estratégias de coping adotadas pelo indivíduo. As pesquisas que visam esclarecer aspectos da ligação existente entre os relacionamentos interpessoais e o estado de saúde do indivíduo tendem, de uma forma geral, a se concentrar em determinados aspectos do relacionamento. Os estudos realizados buscam identificar fatores que ajudem os trabalhadores da área de saúde a lidar melhor com os portadores de doença crônica. Assim, estuda-se principalmente o apoio social dado ao indivíduo e os efeitos deste apoio sobre a aderência e sobre as respostas ao tratamento. Essa tendência se mostra presente em vários estudos sobre adolescentes portadores de doenças crônicas (Pendley et al., 2002; Skinner & Hampson, 1998; Skinner, John & Hampson, 2000), e alguns pesquisadores desenvolveram instrumentos para medir e avaliar o apoio social nessa população (Bearman & La Greca, 2002; Glasgow, Strycker, Toobert & Eakin, 2000; La Greca & Bearman, 2002). O apoio social, de acordo com Schaefer, Coyne e Lazarus (1982, citado por Berndt & Perry, 1986), pode ser dividido de acordo com a forma como se apresenta: o apoio pode ser emocional ou compreensivo (informação de que o indivíduo é querido e valorizado), informacional ou aconselhador (informações sobre a doença, prognóstico,.

(23) 23. etc.), ou pode se apresentar em termos de uma assistência material ou tangível (ajuda física para levá-lo a uma consulta médica, por exemplo). A fonte de onde vem o apoio social também é relevante para se investigar a eficácia do apoio oferecido ao adolescente. La Greca, Auslander, Greco, Spetter, Fischer e Santiago (1995, citados por Pendley, Kasmen, Miller, Donze, Swenson & Reeves, 2001) apontam que embora os familiares ofereçam apoio em alguns aspectos do tratamento, os amigos oferecem mais apoio emocional e companheirismo frente ao diabetes. Helsen, Vollebergh e Meeus (2000) afirmam que os sistemas de apoio social representados pelos pais e pelos amigos devem ser tratados como sistemas separados. Esta afirmação é apoiada pela mudança nos relacionamentos do adolescente, que se desloca do núcleo familiar para uma rede mais ampla de relacionamentos sociais. Existem evidências de que o apoio social dado pelos pais se mantenha ou até diminua na adolescência, ao passo que o apoio dos pares aumenta neste período (Furman & Buhrmester, 1992; Helsen, Vollebergh & Meeus, 2000). Isso não quer dizer que os adolescentes prefiram o apoio oferecido pelos amigos em detrimento do apoio parental, mas sim que eles ampliam o seu círculo social para incluir seus amigos, aumentando suas fontes de apoio (Ritchie, 2001). Entretanto, o campo dos relacionamentos interpessoais não se restringe ao apoio social e aos seus efeitos; de fato, não buscamos amigos com o intuito de obtermos apoio quando este se fizer necessário. Assim, torna-se clara a inexistência de estudos que abranjam outros aspectos da amizade do adolescente com uma enfermidade crônica, não se limitando a uma abordagem prática, em termos do apoio e de seus efeitos. Esta é uma das lacunas que este estudo pretende preencher..

(24) 24. 1.5 OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA. O objetivo do presente trabalho é investigar algumas dimensões das relações de amizades de adolescentes com diabetes mellitus e câncer, a saber: a) Intimidade, porque esta se constitui como uma característica da amizade que emerge na adolescência, não tendo destaque nas amizades da criança, além de ser descrita como central nas amizades nesta fase do desenvolvimento (Berndt, 1992). b) Companheirismo e atividades em conjunto, para avaliar o grau de proximidade entre os amigos. Pressupõe-se que os amigos vão compartilhar atividades, e quanto mais próximos sejam, mais atividades desempenharão em conjunto. O companheirismo e a proximidade falam também de confiança, pressupondo-se que amigos próximos compartilharão medos, dúvidas e segredos, entre outros. Esse compartilhar informações, por sua vez, favorece a intimidade entre os membros da díade. c) Apoio social, uma vez que a amizade é tida como uma fonte importante de apoio social em momentos de estresse, e a adolescência é apontada por vários autores como um período de “tempestade e tormenta” (Berndt, 1982). d) Conflitos e resolução dos mesmos, porque é a habilidade de resolver conflitos de forma rápida e amistosa, e não a habilidade de evitar conflitos, que distingue relacionamentos próximos entre pares de outras relações entre pares (Gottman & Parkhurst, 1980; Hartup & Laursen 1989; Vespo & Caplan, 1988, citados por Parker & Asher, 1993), e porque a amizade não se compõe apenas de elementos positivos. O presente trabalho justifica-se pela enorme carência de estudos que ultrapassem a dimensão do apoio social nas relações de amizade enquanto.

(25) 25. instrumento para o tratamento de adolescentes portadores de doença crônica, de modo que este estudo pretende preencher, ao menos em parte, esta carência. Pretendemos também compreender diferentes dimensões da amizade na qualidade de vida dos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 e câncer..

(26) 26. 2. METODOLOGIA. 2.1 PARTICIPANTES. Doze indivíduos foram entrevistados separadamente, sendo três portadores de diabetes mellitus e três amigos por eles indicados, além de três pessoas que tiveram diagnóstico de câncer e três amigos por eles indicados. O número total de doze participantes se justifica por causa da dificuldade na seleção de mais participantes, uma vez que boa parte dos possíveis participantes apresentava contatos desatualizados nos prontuários do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória – HINSG, impossibilitando o contato para a participação na pesquisa. Os participantes, distribuídos por gênero, se constituem de duas pessoas com diabetes do sexo feminino e uma do sexo masculino, e três amigas do sexo feminino, além de três pessoas que tiveram câncer do sexo feminino e duas amigas do sexo feminino e um amigo do sexo masculino. A escolaridade dos participantes variava entre o nível médio incompleto e o superior incompleto. Todos os participantes residiam na grande Vitória na ocasião da entrevista. Os participantes selecionados a partir do diagnóstico de uma doença crônica tinham idades entre 17 e 23 anos na ocasião da entrevista, ao passo que seus amigos tinham idades entre 21 e 26 anos na mesma época. A entrevista foi realizada tendo como foco a amizade no período do diagnóstico e adaptação (no caso do diabetes) ou tratamento (no caso do câncer), de modo que a maioria dos participantes, embora não podendo ser considerada adolescente no momento da entrevista, relatou como via seu.

(27) 27. relacionamento no período do diagnóstico, que ocorrera quando o participante em questão tinha entre 12 e 18 anos. A descrição dos participantes se encontra na tabela 1, e seus nomes foram substituídos por nomes fictícios, para garantir o anonimato dos participantes.. TABELA 1: DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES. NOME Adriana. IDADE NO DIAGNÓSTICO 12. IDADE NA ENTREVISTA 18. CONDIÇÃO Portadora de DM1. Alan. 17. 23. Portador de DM1. Viviane. 13. 17. Portadora de DM1. Janaina. 18. 21. Amiga de Adriana. Vânia. 20. 26. Amiga de Alan. Aline. 18. 22. Amiga de Viviane. Ana Paula. 19. 21. Portadora de câncer. Sabrina. 17. 22. Portadora de câncer. Elaine. 16. 21. Portadora de câncer. João. 20. 23. Amigo de Ana Paula. Thais. 20. 25. Amiga de Sabrina. Mariana. 16. 22. Amiga de Elaine. Os participantes foram identificados a partir do serviço de oncologia infantil do HINSG, no caso dos portadores de câncer, enquanto os portadores de diabetes mellitus foram identificados a partir de três fontes: uma participante foi identificada a partir da Associação de Diabéticos de Vila Velha, ao passo que os outros dois foram.

(28) 28. identificados a partir de indicações de dois médicos endocrinologistas diferentes. A opção por estas duas enfermidades crônicas se deu devido a suas características (cronicidade): enquanto o diabetes se apresenta como uma doença crônica, de caráter pouco agressivo, o câncer traz consigo uma amálgama de características crônicas e agudas, que o separam radicalmente do diabetes. Um dos critérios de inclusão na amostra foi que a enfermidade em questão tivesse sido diagnosticada há no mínimo um ano, e no máximo há seis anos. No caso das pessoas que tiveram câncer, estes não apresentavam sinais da enfermidade no momento da investigação, devido ao fato de que estes se encontravam na situação de controle, que se dá após o tratamento e cuja duração varia de acordo com o tipo de câncer diagnosticado. As participantes que tiveram câncer na adolescência não sofreram todas com o mesmo tipo de câncer: duas delas (Ana Paula e Elaine) tiveram osteossarcoma, enquanto a terceira teve leucemia linfoblástica aguda. Todos os participantes acometidos por uma doença crônica deveriam ter idades entre 12 e 18 anos no momento do diagnóstico. O amigo indicado, em nenhum dos casos, era portador de qualquer doença crônica. Duas participantes que tiveram câncer na adolescência são portadoras de necessidades especiais: uma delas teve uma perna amputada, enquanto a outra teve parte da bacia retirada, de modo que uma de suas pernas é menor que a outra. Nenhum dos participantes com diabetes apresenta qualquer tipo de necessidade especial, como nos casos acima citados. Para diferenciar os participantes que apresentam algum tipo de enfermidade crônica dos seus amigos, os participantes serão chamados de participante focal (no.

(29) 29. caso de participante portador de câncer ou de diabetes) ou de amigo (no caso de amigo de um participante focal).. 2.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os participantes, gravadas e transcritas na íntegra. As entrevistas foram agendadas previamente em local e horário combinados de acordo com a conveniência do participante, sendo realizadas no período entre setembro e dezembro de 2005. A entrevista seguiu um roteiro específico, de acordo com o subgrupo em que o participante se enquadrava (conforme os anexos 3, 4 e 5), com o objetivo de obter dados gerais sobre as relações de amizade do participante e dados específicos sobre as dimensões a serem investigadas. Devido à especificidade das questões, e também ao fato de que as percepções individuais eram o objetivo da entrevista, o procedimento era feito individualmente, sem a presença do outro membro da díade no decorrer da entrevista. Após a coleta da entrevista com um participante, o amigo era entrevistado, agora sem a presença do participante focal. O roteiro de entrevista possibilitava ao participante emitir respostas mais descritivas e amplas, mencionando os fatos que julgasse relevantes sobre o assunto em questão. Por outro lado, algumas questões eram mais específicas, deixando claro para o participante qual o interesse da pergunta..

(30) 30. 2.3 INSTRUMENTO DE PESQUISA. As entrevistas seguiram um dos três roteiros descritos no final deste trabalho (anexos 3, 4 e 5), e tinha por objetivo a obtenção de dados relativos a: Descrição de como é a amizade entre o participante e seu amigo mais próximo, abordando vários temas ligados ao cotidiano dos participantes (o que ambos fazem juntos, por exemplo). Descrição também do período do diagnóstico da doença crônica, reações e percepções de ambos, efeitos do mesmo sobre a amizade; Conflitos – esta parte da entrevista visava abordar os motivos para os conflitos, a freqüência dos mesmos, bem como as estratégias adotadas para a sua resolução; Comunicação – quais são os temas conversados pelos participantes, o que é evitado e por quem, e o quanto o indivíduo se revela ao outro, bem como o quanto se permite que o outro se revele; Apoio social – buscava-se identificar as principais fontes de apoio social que se fizeram presentes durante o período de tratamento (no caso das pessoas com câncer) ou no de adaptação (no caso do diabetes), além de que tipo de apoio foi mais percebido pelo participante, tanto dado quanto recebido; Expectativas – duas perguntas eram específicas sobre o que o participante espera dos amigos em geral, e do melhor amigo em especial, e também se este correspondia ao que se espera dele..

(31) 31. 2.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DOS DADOS. Após a transcrição dos dados, o conteúdo de cada entrevista foi analisado e organizado de acordo com as quatro categorias descritas anteriormente, além de outras duas que surgiram a partir dos relatos dos próprios participantes, dando origem a seis capítulos: histórico, companheirismo e reciprocidade, comunicação, auto-revelação e intimidade, apoio social, conflitos e expectativas e conceito de amigo. A opção pela inclusão de mais dois capítulos se deve ao montante de dados obtidos, bem como à qualidade dos mesmos. Para que os relatos dos participantes não fossem analisados apenas parcialmente, optou-se pela inclusão de mais dois capítulos. Os participantes foram organizados em díades, dando origem a dois grupos: as díades compostas por uma pessoa com diabetes e seu amigo mais próximo, e as díades compostas por uma pessoa que teve câncer e seu melhor amigo. Os dados foram comparados entre os grupos considerados, e quando possível, entre as amizades no contexto específico de uma doença crônica e as amizades não marcadas pela presença desta. As diferenças encontradas nestes relacionamentos foram descritas e ressaltadas, e depois discutidas à luz da literatura disponível acerca dos relacionamentos de amizade.. 2.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. Este trabalho teve os dados obtidos nas entrevistas, e também as análises subseqüentes, organizados em seis capítulos, que têm por objetivo apresentar uma.

(32) 32. descrição de algumas das principais características das amizades de pessoas que tiveram câncer ou diabetes na adolescência. Os capítulos a seguir foram organizados tendo por intenção partir de uma visão histórica. do. próprio. relacionamento,. apontando. o. percurso. percorrido. pelos. participantes, desde quando estes passaram a se considerar amigos, até o momento da entrevista, mencionando de que forma algumas características próprias da amizade se colocam em suas relações. A reciprocidade e as atividades desempenhadas em conjunto tem um papel central na manutenção do relacionamento, sendo apresentadas no capítulo seguinte. Considerando que as atividades mais comuns entre os participantes estão ligadas à comunicação, este foi o tema do capítulo a seguir. Neste capítulo destacamos a comunicação entre os membros da díade, e damos ênfase à auto-revelação e à intimidade, que comumente decorre desta auto-revelação. O apoio social é de grande importância para o indivíduo acometido por uma doença crônica, de modo que este é o tema do próximo capítulo. A discussão sobre o apoio social e seus efeitos sobre a relação de amizade destes indivíduos gira em torno dos comportamentos de apoio dos amigos e dos comportamentos dos portadores de câncer ou de diabetes. Considerando que todos os relacionamentos interpessoais, em maior ou em menor grau, convivem com a presença de conflitos (os conflitos, de acordo com Laursen (1996), são inerentes ao próprio relacionamento), este foi o tema do capítulo seguinte. Buscamos identificar as estratégias de resolução destes conflitos, uma vez.

(33) 33. que estas estratégias são apontadas como mais importantes para a manutenção do relacionamento do que o simples ato de evitá-lo. Por fim, descrevemos as expectativas relativas ao amigo. O que se espera do amigo – e se este corresponde ao que se espera dele – é de extrema importância para o futuro do relacionamento, na medida em que a frustração destas expectativas pode afastar gradativamente os amigos. A seguir, um capítulo de considerações finais visa discutir os dados obtidos, contribuindo assim para o entendimento sobre os relacionamentos de amizade em um contexto específico, área ainda por desenvolver nos estudos sobre os relacionamentos interpessoais no Brasil..

(34) 34. 3. HISTÓRICO. Os relacionamentos interpessoais, de acordo com Hinde (1997, pp. 37-38), “carregam a implicação de que deve haver algum nível de continuidade entre as sucessivas interações. Cada interação é afetada por interações passadas, pode afetar interações futuras, e pode ser afetada pelas expectativas de eventos futuros”. Assim, a melhor forma de compreender um relacionamento atual é buscar o seu percurso histórico e o contexto no qual este se desenvolveu. Os percursos percorridos pelos relacionamentos de amizade entre pessoas portadoras de câncer e de diabetes são comuns em certos sentidos, mas diferentes em outros. Numa tentativa de melhor organizar as análises de cada grupo, estas serão apresentadas separadamente, tanto neste capítulo quanto nos outros que se seguem.. 3.1 Adolescentes com diabetes mellitus. Os adolescentes com diabetes relataram amizades longas, que remontam ao início da adolescência ou até antes, se estendendo por períodos iguais ou superiores a oito anos. Estes amigos, contudo, não se encontravam junto aos adolescentes com diabetes no momento do diagnóstico. Estes estavam acompanhados pelos pais (ou pelo menos por um dos dois) neste momento e no período subseqüente de adaptação à doença. Uma. pessoa. com. diabetes. (Viviane). relatou. isolamento. no. período. imediatamente seguinte ao diagnóstico de diabetes. Evitava falar sobre o assunto com.

(35) 35. as pessoas, e se afastou de todos – incluindo a amiga (Aline), que tentava ajudar a participante focal a romper esse movimento depressivo.. (...) porque no começo eu ficava meio assim, igual eu tava falando, eu não gostava de sair mais, eu ficava só em casa, eu pensava que a minha vida não ia mais ter sentido, pensava que a minha vida não ia ser mais a mesma, que não ia ser mais como era antes, entendeu? (Viviane). Os outros dois participantes focais relataram uma adaptação tranqüila, devido às informações obtidas e ao apoio recebido dos amigos e da família. A questão do apoio será discutida em outro capítulo, mais adiante. O diagnóstico de diabetes mellitus é visto pelos participantes como um fato que pode ou não desestabilizar as relações de amizade destas pessoas. A forma como o indivíduo lida com sua condição de portador de uma doença crônica pode facilitar ou dificultar a adaptação das pessoas à sua volta à sua doença. O relacionamento como um todo passa a ser permeado por essa nova condição, e isso influi nas interações que se sucedem de então em diante. Os amigos passam, então, a adotar comportamentos semelhantes aos do participante focal, reforçando-os independentemente de seu caráter – seja ele facilitador ou não para ela mesma e para os outros à sua volta. Duas das três participantes focais entrevistadas relataram revolta no início do período de adaptação ao diabetes. Uma das duas (Adriana), no entanto, logo mudou sua forma de lidar com o diabetes, passando a se perceber como alguém igual aos outros. Essa mudança facilitou o comportamento dos amigos, que ainda não sabem como lidar com a nova situação da amiga. Na medida em que a participante focal.

(36) 36. reafirmou sua intenção de ‘não diferenciação’ dos outros, os amigos passaram a ter liberdade para tratá-la da mesma forma que faziam antes do diagnóstico.. E ela tranqüilizava muito a todo mundo. Desde o começo ela mostrava pra todo mundo que não era isso tudo que a gente achava, então não passou nada muito pesado não. (Janaina). As pessoas em torno dos participantes focais adotaram comportamentos variados: duas das três amigas afirmam que as pessoas se aproximaram, para oferecer apoio, e todas as amigas entrevistadas adotaram a mesma forma de proceder. Os participantes focais, por sua vez, não relataram alterações em suas amizades. Contudo, os relatos que afirmam a não alteração nos relacionamentos se referem única e exclusivamente a mudanças negativas (rupturas, afastamentos, término da relação), mudanças estas que, de acordo com os participantes, não ocorreram.. De mudar, não mudou não. Mudou assim, de cada vez mais se aproximar, ser mais amigas. Mas diferenças pro outro lado não. (Aline).. Mudanças como aproximação e um maior cuidado com a relação foram relatadas por todos os participantes, embora os participantes focais não se dêem conta disso. Possivelmente a afirmação de que não tenha havido mudanças faça parte de uma forma de enfrentamento mais geral, de minimização da doença e de seus efeitos. Ou, por outro lado, há a possibilidade de que tal aproximação, embora real, não tenha sido percebida pelos participantes focais, o que motivaria as respostas dadas. Outro dado, entretanto, merece atenção: embora todas as amigas tenham afirmado que tratam o participante focal como ‘uma pessoa normal’, elas sempre.

(37) 37. deixam de mencionar assuntos desagradáveis ou tristes quando conversam com os participantes focais, especialmente assuntos ligados ao diabetes. Este assunto será discutido mais adiante, no capítulo 5. Apenas uma das participantes focais (Viviane) disse que não se abre quanto ao que sente, ou sobre o diabetes. Duas participantes focais relataram situações de desconforto social ligadas ao diabetes, mas não comentam isso com ninguém.. (...) tem essa menina lá na escola que eu converso mais, a (nome da pessoa), ela gosta muito de cozinhar, né, ela fala que vai fazer um pavê, e eu falo assim “gostoso, né...” só que eu não chego e falo que eu não posso comer. Eu fico pensando que é gostoso, só que eu não posso comer. Sabe, tem um monte de coisa, e eu fico revoltada, porque é que eu não posso? (Viviane). Os amigos dos participantes afirmaram que não se afastaram por causa da doença. Algumas díades não se sentem tão próximas hoje como quando do período de adaptação ao diabetes, mas creditam isso ao passar do tempo e à vida. Todos os participantes afirmaram que as suas relações de amizade não diferem das relações de pessoas sem doença crônica, sem no entanto perceber que boa parte de suas ações é pautada pela presença do diabetes em suas vidas, o que afeta as interações e, por conseguinte, o relacionamento.. 3.2 Adolescentes que tiveram câncer. Os participantes que tiveram câncer na adolescência e seus amigos apontaram amizades mais longas, de nove a onze anos de duração, com exceção de uma participante focal (Ana Paula), cuja amizade mais próxima tem cerca de cinco anos. A.

(38) 38. duração destas amizades chama a atenção, uma vez que, na maior parte dos casos aqui descritos, os amigos estão presentes em quase metade de suas vidas. Nenhum dos amigos estava presente no momento em que o diagnóstico de câncer foi informado às participantes focais. Este diagnóstico é geralmente comunicado a pelo menos um dos pais, e este(s) assume(m) a incumbência de contar aos seus filhos. Duas mães, no entanto, não contaram para suas filhas o diagnóstico de câncer. Uma destas mães, inclusive, não informava à filha o que acontecia fora do hospital enquanto esta se encontrava internada. Segundo a participante focal, ela não conseguia lidar com as coisas ruins, e isso afetava as suas respostas ao tratamento. Os efeitos da quimioterapia, inclusive, são citados por duas participantes como causadores de queda na auto-estima, o que dificultou o tratamento e afetou negativamente suas respostas à própria quimioterapia. As amigas destas participantes mencionaram, por sua vez, que o modo como as participantes focais reagiram foi essencial para o resultado positivo do tratamento. Dizem que se não fosse por este comportamento de enfrentamento adotado por elas, provavelmente as participantes focais não estariam aqui hoje.. (...) a Elaine é uma pessoa que não se entrega. Desde quando ela teve câncer, ela não se entregou. Acho que isso é um motivo pra ela estar aqui até hoje. (Mariana). Entretanto, a visão da amiga exemplificada acima não necessariamente reflete a percepção das participantes focais nesse assunto: duas participantes focais tentaram evitar o contato com o câncer, tratando-o como algo distante ou como algo que não.

(39) 39. tinha a ver com elas. Ambas atribuíram esta reação à pouca idade na época do diagnóstico. No que tange ao comportamento dos amigos, os relatos não apontaram todos na mesma direção: dois amigos disseram ter oferecido apoio durante o período de crise, se fazendo presentes ao longo de todo o tratamento. Um destes (João) lembrou que tentou trazer os outros amigos da participante focal, e que alguns destes não se sentiram à vontade para visitá-la. Ainda segundo o amigo, o motivo alegado por estes é que eles não sabiam como lidar, qual a melhor forma de reagir à situação, preferindo o afastamento. Este mesmo amigo é o único que relatou suas reações nos momentos mais críticos do tratamento, dizendo que era difícil se manter firme quando a participante focal piorava. Os outros amigos não mencionaram nada quanto a situações mais extremas. Outra amiga (Thais), por outro lado, chegou a se afastar da participante focal, por conta de seus pensamentos negativos. Esta amiga afirmou que só conseguia pensar em coisas ruins, em relação à amiga. Talvez para não se afastar por completo da participante focal nesta hora de necessidade, esta amiga se aproximou da mãe da participante focal, obtendo e passando informações através desta. Nenhum dos amigos comentava sobre seus medos, ou sobre coisas negativas em geral com os participantes focais, em uma tentativa de poupá-los de mais sofrimentos. Estes medos não eram divididos com ninguém, segundo um dos amigos (João), para que o sentimento não crescesse. Todos os amigos entrevistados afirmaram que tiveram medo de que a participante focal morresse, mas não comentaram isso com ninguém..

(40) 40. (...) foi uma fase muito complicada. Eu ficava pensando “meu Deus...” mas não ficava comentando com ninguém, pra não deixar crescer em mim esse sentimento de perda (...) (João).. Duas participantes focais perceberam este e outros medos dos amigos, mas não deram importância a isso. A amiga que se afastou para não deixar transparecer seus medos (Thais) teve a sua atitude minimizada pela participante focal (Sabrina). Este assunto será analisado mais adiante, no capítulo sobre os conflitos no relacionamento. Uma amiga (Mariana) afirmou repetidas vezes que todo o processo, desde o diagnóstico até os dias atuais (nos quais a participante focal se encontra na situação de participante focal de controle), foi normal. Segundo ela, a participante focal encarou o câncer, a quimioterapia e até a amputação de uma perna com tranqüilidade. A participante focal (Elaine), por sua vez, afirmou que ter passado por tudo isso foi “uma experiência maravilhosa”. O discurso de ambas é muito similar, tanto na forma quanto no conteúdo, sugerindo uma similaridade que provavelmente deriva da proximidade delas. Todas as três participantes focais que tiveram câncer entrevistadas relataram apoio – tanto dado quanto recebido – em relação aos outros participantes focais do hospital. As relações com a equipe médica, contudo, são variadas. Uma participante focal (Elaine) não fez qualquer menção à equipe do hospital, relatando apenas muitos encontros com outros participantes focais de câncer no hospital. Outra participante focal (Sabrina) relatou descaso da equipe médica nas questões ligadas a apoio. Ela relatou, ainda, que seu relacionamento com os médicos, hoje em dia, é dificultado por esta percepção. Por fim, uma participante focal (Ana Paula) disse ter um bom relacionamento com os médicos do hospital, embora atualmente não goste de ir a.

(41) 41. qualquer tipo de consulta médica – segundo ela devido a lembranças do período de tratamento evocadas por estes profissionais.. (...) se eu precisar ir por exemplo num ginecologista eu não gosto. Não tem nada a ver, mas por causa do que aconteceu, tenho um bloqueio com médicos, não gosto mesmo, acho que eu me sinto mal (Ana Paula).. As pessoas à volta dos participantes focais adotaram atitudes variadas: duas participantes focais disseram que as pessoas se aproximaram, para oferecer apoio. A mãe de uma destas teve que agendar as visitas dos amigos, para permitir que a família pudesse acompanhar o tratamento. Outra participante focal (Ana Paula), por outro lado, afirmou que as pessoas à sua volta se afastaram, por não saber como lidar com a situação. Esta mesma participante focal, contudo, afirmou que a vizinhança ia visitá-la em casa, e que se recusava a receber a todos. Desta forma, uma questão se coloca: se por um lado as pessoas talvez tenham realmente se afastado, por outro há a possibilidade de que a necessidade de apoio da participante focal não tenha sido satisfeita (talvez devido ao apoio provido ser diferente do esperado), e isso afete a percepção da mesma no que diz respeito aos comportamentos de apoio das pessoas à sua volta. Um outro acontecimento parece apoiar a segunda hipótese: João, amigo de Ana Paula, relatou um episódio ocorrido no hospital durante o período de internação da participante focal, no qual esta, ao chegarem algumas amigas que ainda não a haviam visitado, passou a ignorar o amigo que lá estava anteriormente. Tal forma de proceder magoou bastante o amigo, que alega ter acompanhado todo o tratamento desde o início, enquanto a participante focal sequer se lembra do ocorrido. Este fato pode ser.

(42) 42. interpretado de acordo com a hipótese expressa anteriormente, segundo a qual a participante focal não percebe o apoio dado, por requerê-lo em outra forma ou quantidade. Atualmente, nenhuma das pessoas entrevistadas toca em assuntos ligados ao câncer, exceto quando perguntadas (como no caso da participação nesta pesquisa), situação esta na qual conversam sem problemas sobre o assunto. Todas as participantes focais entrevistadas preferem não tocar no assunto. Afirmam que gostariam de deixar para trás esta etapa de suas vidas, etapa essa que já se encerrou. As amigas também não falam sobre o câncer, afirmando que não se sentem à vontade para fazê-lo. Preferem evitar mais sofrimento desnecessário às participantes focais. Duas amigas afirmam, entretanto, que não sabem se a participante focal deseja ou não falar sobre o assunto, ou sobre qualquer coisa ligada ao câncer. A díade prefere o silêncio, no que diz respeito a isso.. 3.3 Considerações sobre ambas as situações. O primeiro aspecto que chama a atenção é a duração dos relacionamentos frente à idade dos participantes. A maior parte dos relacionamentos descritos permeia quase a metade da vida dos participantes, em ambos os casos. As amizades relatadas neste estudo se iniciam, em quase todos os casos, no fim da infância, e permanecem presentes (embora sofrendo modificações) até os dias atuais, nos quais os participantes já se encontram na idade adulta..

(43) 43. Os percursos percorridos por estes relacionamentos são iguais nos dois grupos, e se aproximam também dos relacionamentos não afetados por uma doença crônica, tendo no início um caráter eminentemente instrumental, alterando-se progressivamente para um caráter expressivo – típico nas amizades do fim da adolescência (Mayseless, 1993). O diabetes, diferentemente do câncer, não é visto pelos participantes como um fator de desestabilização da amizade. Os amigos das pessoas que desenvolveram diabetes, talvez por conta da não terminalidade da doença, não se afastaram, mostrando-se presentes durante o período de adaptação à doença. O fato de um amigo próximo desenvolver diabetes parece eliciar comportamentos de reafirmação da amizade, através de aproximação e apoio. É possível que a não existência de preconceito explícito em torno do diabetes, aliada ao não surgimento de sinais externos da doença, atuem facilitando estes comportamentos dos amigos, permitindo-lhes se aproximar e acompanhar o participante focal ao longo do período de adaptação, sem ser lembrado a todo tempo por sinais físicos da doença. Talvez devido à carga de preconceito ligada ao câncer, as pessoas adotam comportamentos por vezes ambíguos, se afastando dos amigos por um certo período de tempo, ou escolhendo quando vão se aproximar para oferecer apoio ao amigo. Tanto os amigos das pessoas com diabetes quanto os amigos das pessoas que tiveram câncer deixaram de dividir com estas pessoas os assuntos ligados a estas doenças, bem como assuntos tristes. As justificativas para tal comportamento também são comuns aos dois grupos de amigos, e apontam para uma tentativa de poupar seus amigos de mais sofrimento do que o já imposto pela doença e pelas situações.

(44) 44. correlacionadas. Ainda que os portadores de diabetes façam questão de ser vistos como pessoas iguais às outras, seus amigos insistem nesta forma de agir, o que permite uma inferência acerca do fato: na medida em que os participantes com diabetes afirmaram que fazem questão de ser tratadas como pessoas iguais às outras, podemos inferir que elas não gostariam de ser poupadas de tais assuntos. Contudo, embora estes participantes insistam nesta forma de ser tratados, pouco (ou nada) fazem para alterar tal estado de coisas. É possível que, no momento em que os participantes com diabetes demandam um tratamento igualitário, não estejam levando em conta este aspecto..

(45) 45. 4. COMPANHEIRISMO E RECIPROCIDADE. Vários pesquisadores da área dos relacionamentos interpessoais concordam que a reciprocidade é uma das três condições básicas para a amizade (Bukowski, Newcomb & Hartup, 1996). De fato, a auto-revelação envolve e supõe reciprocidade: a reciprocidade solidifica e aprofunda os relacionamentos diádicos (Serrano, 1984). Se a reciprocidade solidifica e aprofunda os relacionamentos, é provável que a não reciprocidade favoreça o fim do relacionamento. Contudo, a reciprocidade não é percebida senão através de formas de agir e comportamentos específicos, onde se espera que um retribua ou aja de acordo com algum comportamento desempenhado anteriormente pelo outro. A reciprocidade é conseguida nas interações diárias, e estas interações concorrem para a criação da percepção de um relacionamento recíproco. O companheirismo, por sua vez, também adquire um papel de elevada importância no desenvolvimento do relacionamento. Vários estudos apontam que as atividades compartilhadas, no caso dos meninos, favorecem a intimidade. Nas relações entre meninas, por sua vez, a intimidade seria obtida por meio de discussão, bem como de auto-revelação e conversações íntimas (Black, 2000). Hussong (2000) aponta que o companheirismo é mais fortemente relacionado à intimidade entre os meninos do que entre as meninas. As meninas privilegiam a auto-revelação, a lealdade e a afeição, desenvolvendo a intimidade em seus relacionamentos através destes mecanismos. É possível que também o companheirismo, no caso das meninas, esteja ligado às.

(46) 46. conversações e auto-revelações. O tema da intimidade será discutido no próximo capítulo.. 4.1 Adolescentes com diabetes mellitus. As atividades conjuntas dos adolescentes com diabetes e seus amigos variam conforme a época e o momento do relacionamento. Considerando que estas amizades, de acordo com as entrevistas, surgiram no fim da infância ou no início da adolescência, as principais atividades apontadas pelas participantes quando do início da relação incluem sair juntas, ir à praia, cinema, igreja e escola, entre outras. Todas estas atividades, sem exceção, apresentaram um decréscimo no decorrer da amizade, sendo gradativamente substituídas pelo conversar. Esta alteração nas atividades dos membros da díade está de acordo com a apontada por Hinde (1997), que diz que a principal atividade desempenhada por pares de adultos é conversar. Duas díades foram pouco específicas quanto ao que faziam juntas antigamente, dizendo que faziam ‘tudo’ juntas, mas atualmente ambas as díades se limitam a conversar. Afirmam ainda que mesmo esta atividade não se dá com a mesma freqüência de antigamente. Os participantes afirmaram também que buscam o conselho um do outro, sempre que necessário. Apenas uma participante fez menção à reciprocidade, embora afirmando um certo desnível no mesmo. Esta participante (Adriana) não sabe se a amiga conta tudo, como ela afirma fazer. A participante espera que a amiga conte suas coisas, como ela faz, e diz que este contar suas coisas faz delas amigas, e não apenas colegas. Sua.

(47) 47. amiga (Janaina), por sua vez, disse não ter certeza se a amiga realmente conta todos os seus segredos. Um único participante (Alan) afirmou a sua disponibilidade e a de sua amiga (Vania). Disse que um sempre está ao lado do outro, independentemente do que haja.. Então por isso que eu considero ela, logo, depois de dois ou três anos eu já senti afinidade, sempre quando ela precisou de mim eu estava perto, sempre que eu precisei dela ela tava do meu lado. Independente do que seja, por isso eu considero ela (Alan).. Poderíamos presumir que, devido à baixa quantidade de menções atuais a atividades compartilhadas, os membros das díades aqui analisadas não se considerem como companheiros. Entretanto, Mayseless (1993) aponta que as amizades entre préadolescentes tendem a se focar na instrumentalidade (também chamada de orientação para a tarefa ou para a atividade), ao passo que as amizades da adolescência enfatizam a expressividade, que envolve características expressivas, tais como autorevelação, empatia e apoio. Desta forma, o companheirismo estaria presente nestes relacionamentos, sendo percebido não pelas atividades compartilhadas, mas sim pelas conversações apontadas pelos participantes. Isso explicaria ainda o trajeto descrito pelos participantes, que afirmaram que suas amizades, no início caracterizadas por várias atividades desempenhadas em conjunto, atualmente são marcadas pelo conversar. Este conversar atua no desenvolvimento de um conhecimento compartilhado, uma vez que se espera que as conversas girem em torno de temas pessoais, não perceptíveis por outra via. Desta forma, ao compartilhar conhecimentos, as pessoas favorecem suas amizades, aprofundando-as e aumentando o companheirismo de ambos..

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