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Estratégias museológicas e consensos gerais

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Academic year: 2021

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Coordinación

Mário Armando Nogueira Pereira de Brito Dr. Facultade de Letras da Universidade do Porto

José Manuel Hidalgo Cuñarro Arqueólogo. Membro do ICOM

Autores Pilar Barciela Garrido

Arqueóloga. Museóloga. Santiago de Compostela Maria Isabel Cunha e Silva

Dra. Museo Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Instituto Português de Museus Ana Maria Dias Mascarenhas

Dra. Instituto Português do Patrimonio Cultural Ivone Maria Moreira Silveste Baptista de Magalhaes Dra. Museu Municipal de Esposende. Câmara Municipal de Esposende

Claudia Filipa Gaspar Garradas Domingues Dra Museu de Belas Artes da Universidade de Porto

Paula Menino Homen

Dra. Facultade de Letras da Universidade de Porto Mário Jorge Pinto Carneiro

Dr. Instituto Portuguès do Patrimonio Cultural Rafael Sánchez Bargiela

Historiador. Museo Municipal de Ponteareas Alice Lucas Semedo

Dra. Facultade de Letras da Universidade de Porto Ana Patricia Soares Remelgado

Dra. Museu de Olaria de Barcelos.Câmara Municipal de Barcelos Rosa Villar Garrido

Museóloga.Vigo

Fotografías: Pilar Barciela, Mario Brito, J.M. Hidalgo, Ivone Magalhães e Rosa Villar. Imprime: Gráficas Planeta, S.L.

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Alice Semedo

Com este artigo pretendemos apresentar, de forma muito esquemá-tica, as mudanças operadas no panorama museológico português durante as últimas décadas. Assim, seleccionámos algumas das tendências-chave do período que pensamos poderem ser entendidas como indicadores de continui-dades, inovações ou mesmo rupturas neste campo, de 1974 até ao presente, apreciando ainda alguns desafios que se colocam aos museus nossos contemporâneos. De facto, a sociedade portuguesa experimentou transforma-ções demográficas, económicas e socioprofissionais tão profundas durante os últimos anos que podemos falar verdadeiramente de uma mudança estrutural em que as transformações de natureza política – normalização democrática e a difusão alargada de novos valores culturais e modos de vida – não podem ser dissociadas deste vasto processo.

O primeiro momento-chave seleccionado no desenho desta cartografia relaciona-se com o processo revolucionário iniciado em Abril de 1974, que viria alterar profundamente os parâmetros da vida social e cultural do país. O entusiasmo para se compreender e discutir um grande número de questões políticas – especialmente associadas à transformação da sociedade – nestes primeiros anos após a revolução, transformou ou acentuou a mudança de percepção das instituições culturais em relação às suas missões e objectivos. As forças culturais, e nomeadamente os museus, concentraram a sua atenção nas questões político-sociais, condicionadas pela ideia de que as instituições culturais / actividades apenas tinham valor se “ao serviço do Povo”.

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Neste contexto, a cultura é entendida como acção, privilegiando o desenvolvimento de actividades culturais com e para as comunidades locais. Como João Teixeira Lopes (2000:107) refere, teve também lugar uma verdadeira “explosão associativa” nos vários sectores culturais, acompanhada por um incontido desejo de “fazer arte para o Povo”, através de acções de mobilização e descentralização cultural, alargando o campo cultural e o “espectro das práticas culturais” num movimento de diversidade e pluralidade. Para além disso, a presença do amador com o fim de combater o elitismo era reclamada (Dionísio, 1993:333) e a figura do “animador cultural” ganhou, neste contexto, uma nova relevância. Se por um lado se conhece uma “militância” entusiástica e espontânea, típica do contexto festivo de transição política, por outro, e em contraste, existe uma evidente falta de profissionais experientes no campo cultural, de redes sociais estruturadas, de coordenação entre as iniciativas públicas bem como uma forte tendência para a demagogia cultural e politização do sector. Para além da falta de profissionais de museologia também a militância e entusiasmo se faziam sentir em alguns sectores museológicos que procuravam “mobilizar as suas atenções (e forças) na grave tarefa de resolver os problemas de transformação e adaptação que as novas relações Museu-Sociedade” (Firmino, 1975:111) levantavam. A noção de “educação-animação” – frequentemente associada à “acção cultural” e “animação cultural” para a “elucidação das massas” – é constantemente repetida nos textos dos profissionais de museus (ver por exemplo APOM, 1975) ecoando o contexto do tempo. O objectivo desta animação museal seria a transformação dos velhos museus (“túmulos”, “armazéns”) em “centros vivos ao serviço da educação e cultura”. Facilitar o interesse e contribuir para uma melhor compreensão e experiência do mundo, seria a missão do animador cultural como é, aliás, apresentado o profissional de museologia nestes textos (ver por ex. Canavarro, 1975: 103). No período pós-revolucionário este conceito de “educação-animação” – associado a “acção-serviço” – expressa também o carácter interventivo que o grupo gostaria de imprimir nas actividades e missões de museus, participando inteiramente na reestruturação e nascimento de uma nova identidade e desenvolvendo o que pensam ser uma “política correcta de re-colocação dos Museus portugueses ao serviço da cultura e da promoção social do povo” (Rosa, 1975: 141). Estes textos expressam, sobretudo, o sentimento de urgência de uma “revolução” no grupo, uma “revolução” que teria que alterar a sua atitude em relação à sociedade e que os levaria a participar na revolução cultural que faria de cada museu “um

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centro de irradiação e consciencialização dos valores que nos são próprios” (Mota, 1975:27).

O sector cultural não era porém, e naturalmente, uma das preocupa-ções primárias do Estado que enfrentava um número crescente de questões que urgia resolver, relacionadas com a consolidação da democracia e que, nestas condições, era incapaz de estabelecer políticas culturais coerentes. De facto, podemos constatar que nos primeiros anos após a revolução foram desenvol-vidos alguns programas mas a maior parte sem qualquer relação entre si, senão mesmo contraditórios. Esta actuação tem sido justificada não só pela instabilidade política e pelas diferentes visões dos sucessivos governos, mas também pela existência de diferenças programáticas irreconciliáveis entre os principais actores. A cultura era frequentemente relegada para um lugar secundário. Opção justificada pela convicção de que uma vez a “infra-estrutura” alterada, inevitáveis efeitos na “super“infra-estrutura” seguiriam (Lopes, 2000:17).

É neste contexto que, com o patrocínio da UNESCO e após um pedido oficial da Secretaria de Estado da Cultura, Per-Uno Agren coordenou um estudo sobre os museus regionais e locais portugueses (Agren, 1977, citado em Camacho, Freire-Pignatelli e Monteiro, 2001: 13). O primeiro objectivo desse estudo era o melhoramento da coordenação entre os museus existentes; em segundo lugar, a descentralização do sector; e, finalmente, a criação de um novo tipo de museu que tivesse uma maior participação popular. Os relatórios apresentados por esta Missão da UNESCO (1976-1979) debruçavam-se principalmente sobre os problemas relacionados com questões gerais de gestão de colecções (inventário, conservação, etc.) e comunicação (educação, exposições, etc.).

A reorganização dos museus portugueses numa rede coerente e fundamentada era desde logo fortemente recomendada. Esta reorganização pressupunha, no entanto, uma mudança que tivesse em conta os aspectos mais comunicativos do museu e o desenvolvimento de formação profissional em diferentes moldes (Agren, 1979, referência em Camacho, Freire-Pignatelli e Monteiro, 2001:14). No entanto, estas recomendações não foram postas em prática ainda que um Grupo de Trabalho tenha sido

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estabelecido em 19761, oferecendo orientação científica e técnica aos projectos locais e regionais. As ideias deste relatório destacavam a necessidade urgente de definição de uma política nacional e da adopção de programas de formação acreditados como conceitos-chave para a reorganização do sector definindo, deste logo, algumas das questões que orientariam a discussão das décadas seguintes. Um grupo de trabalho foi também constituído durante 1979 com o fim de apresentar uma proposta de criação de um curso de museologia (Despacho n.º 165 – Gab / 79).

A partir de 1978 a preservação do património começa a ser uma preocupação constante, fortemente relacionada com o tema de identidade nacional e com a política de comemorações iniciada durante 1977. Foi atribuída não só prioridade ao inventário, classificação, conservação e defesa do património cultural, mas também à democratização e descentralização cultural. Não podemos esquecer que este era um país que se reinventava a cada passo e que, neste processo, as questões da identidade são críticas.

Durante os anos 80, a sociedade portuguesa distanciava-se da dupla herança do período autoritário e do processo revolucionário. Com a contínua consolidação da democracia, participação na Comunidade Europeia e desenvolvimento económico, Portugal experimentava um segundo ciclo de crescimento e mudança social. As tendências apreciadas na década anterior – crescente ocupação da zona costeira, urbanização, terciarização e significante aumento dos níveis de educação da população – acentuaram-se com alguma melhoria da qualidade de vida como é geralmente avaliada (em termos de rendimentos, padrões de consumo, acesso a serviços e equipamentos). Contudo, estas melhorias foram fortemente assimétricas, conduzindo a situações de exclusão social, compreendidas no seu sentido mais amplo e pluridimensional e que se mantêm actualmente (Almeida, 2000:169). Estes anos têm sido compreendidos, no entanto, como anos de afastamento da crise económica e social dos anos anteriores. Tem sido argumentado (Monteiro e Pinto, 2000:297) que a coincidência com a realidade internacional (com a circulação democrática de informação) se tornou irreversível e que o desencanto da participação revolucionária foi substituído gradualmente pelo aprofundamento de valores culturais mais individualistas. Por outro lado, a 1 Este Grupo de Trabalho foi criado para apoiar a Missão da UNESCO e foi reformulado em

1979 e designando-se Grupo de Apoio aos Museus Locais e Regionais e integrando a Comissão Organizadora do Instituto de Salvaguarda do Património Cultural e Natural.

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estabilidade política lentamente alcançada – bem como os proveitos obtidos da participação na Comunidade Europeia2

–, desencadeou um vertiginoso mundo financeiro empresarial, capaz de canalizar os seus excedentes para áreas não imediatamente produtivas. O Poder estabeleceria uma relação diferente com a Cultura, institucionalizando uma hierarquia diferente para esta área. O distanciamento dos temas e atitudes que marcaram os anos 70 é muito claro. Quer dizer, uma desconfiança em relação ao “social”, à “ideologia”, ao “colectivo”, à confiança “natural” nas instituições era evidente (Dionísio, 1993:346). Um novo grupo de valores emergia, traduzido no campo cultural por uma ênfase no “espectáculo” e por um “investimento” no sector cultural (com uma aproximação da cultura à economia e uma adaptação progressiva às leis do mercado); por uma linguagem que sublinha a contribuição da política cultural para a revitalização económica e urbana; por uma substituição da linguagem de “subsídio” pela linguagem de “investimento”; por uma preferência pelo profissionalismo em detrimento do amadorismo (surgimento de cursos de Gestão das Artes); por uma compreensão da cultura como objecto de gestão; e mesmo por uma visão instrumental da cultura como factor de desenvolvimento (Lopes, 2000:108).

Este re-posicionamento da responsabilidade do mercado em relação aos serviços culturais tende a responsabilizá-lo pela transformação da cultura em campo especializado da economia. O património e os sectores ligados à construção de uma imagem histórica constituíram uma parte importante desta tendência económica e carecem ser compreendidos tanto como um “fenómeno cultural” como uma forma de “prática económica”, tendo em conta a sua inerente transformação em bens de consumo. As regras de organização de actividades culturais e da produção cultural, ela mesma, eram aqui entendidas como sendo governadas por regras de mercado mais gerais. Neste contexto, os protagonistas desta política eram os economistas e os gestores, as empresas e os governos. A gestão cultural passa a ser uma disciplina e uma profissão assaz necessária nos Municípios, Fundações e Centros Culturais, bem como noutras instituições que lidam com a cultura. O profissional e a instituição substituem definitivamente o amador, o “animador cultural” criado pelos programas 2

Estes fundos europeus impuseram algumas prioridades consensuais – as das “estruturas”, que transformaram Portugal num parceiro europeu (Dionísio, 1993: 360). Também impuseram prioridades consensuais relacionadas com a “construção da Europa”, mais uma vez relacionadas com o património que apoiaria a construção dessa identidade. Com a entrada na Comunidade Europeia, em 1986, assistimos também à introdução de um vocabulário mais técnico bem como à divulgação de “boas práticas”.

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governamentais dos anos 70. A perspectiva mais inclusiva de intervenção e democratização patente nos anos pós-revolucionários era praticamente abandonada.

Investir na cultura tornou-se, assim, uma forma de reforço do estatuto social e político dos “novos protagonistas”, contribuindo para a integração de Portugal na Europa. Imagem e estilo tornaram-se cada vez mais importantes. As práticas culturais e o seu consumo bem como o conceito dominante de cultura foram fortemente condicionados por uma construção desta “imagem do país” para utilização interna e externa, onde podemos detectar uma continuação clara da política de “identidade nacional” iniciada nos anos 70 e que culminará em meados dos anos 80 (Dionísio, 1993:104). Uma crescente preocupação com a “Portugalidade” foi crucial nesta construção. Abertura, coragem, espírito empreendedor, aventura, etc., eram algumas das características que sustentavam a metáfora que promovia a Nação. Uma ideia de continuidade – uma linha ininterrupta com o que era “importante” na história portuguesa – era constantemente promovida, propondo uma mitologia da nação portuguesa, realçando estes valores partilhados e oferecendo assim o que poderíamos considerar como um passado utopianizado, contribuindo desta forma para a nossa amnésia histórica. Durante tempos de incerteza, como foram aqueles de pré e pós adesão à Comunidade Europeia e da condição pós moderna em geral, este ordenamento coerente da história pareceu apelativo e é também aparente em programas de história que ocuparam prime-time em televisão e em exposições de museus em geral. Esta abordagem da identidade nacional proporcionava um sentimento de segurança num mundo em que a compressão tempo-espaço, entre outras experiências, desgastava o nosso sentido de lugar. Por outro lado, argumenta-se que as nações cujas sociedades experimentam reestruturações profundas necessitam de (re)inventar a tradição para desenvolverem um certo nível de coesão. No âmbito do Conselho da Europa, Portugal organizou uma exposição em Lisboa – a XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura – sobre o tema das “Descobertas” em 1983 que podemos também entender à luz destas noções. Praticamente ausente nos anos anteriores, o argumento da perda de uma importância histórica é redescoberto através da cultura e do património. Esta exposição permitiu, porém, o desenvolvimento de um trabalho sério de conservação de edifícios e colecções (ao tempo da XVII Exposição importantes recursos financeiros foram canalizados para a

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recuperação de edifícios e museus) e uma excelente oportunidade de investigação e experimentação que uma grande exposição como esta implicava. Como tem sido argumentado (ver por ex. Lopes, 2000; Dionísio, 1993), uma abordagem redutora e instrumentalizada do património compreendido como “cola cultural” é, por demais, óbvia durante estes anos e está claramente patente na exaltação cultural dos grandes feitos da nação. Esta abordagem traduz uma visão relativamente conservadora que ostenta o património com objectivos fortemente cerimoniais e simbólicos3. Na verdade, na acção da política cultural o campo que teve mais visibilidade foi, sem qualquer dúvida, o do património e da museologia com a conservação de monumentos e de centros históricos e com as exposições organizadas. A cultura revela-se aqui como campo de consenso de todos os quadrantes na sua prioridade em relação ao património e aos museus. Por outro lado, era, e ainda é, um pretexto para a renovação de extensas áreas de cidades, museus, colecções, que de outra forma não seria considerada prioritária. Não é pois surpreendente que o número de museus tenha aumentado significativamente durante esta década – principalmente entre 1984-85 e 1988-90 – com várias importantes aberturas ou “re-aberturas” (ex. Museu Nacional Teatro 1982; Centro de Arte Moderna Dr. José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian 1983; Museu Nacional de Arte Antiga 1983; Museu Nacional de Arqueologia 1980; Museu Monográfico de Conímbriga 1985) e inaugurações de museus-chav e locais, como o do Seixal (1982) ou o de Loures (1985). O Conselho da Europa também atribuiu um prémio a uma exposição preparada por um pequeno museu local na Póvoa de Varzim logo no início da década (1981), indicando que os museus locais eram um solo fértil que poderia apresentar propostas alternativas.

Na verdade, as grandes novidades dos anos 80, que se consolidarão durante a década seguinte, surgiram no âmbito de pequenas experiências locais com apoio directo ou indirecto de Municípios e Empresas. Neste contexto, e no contexto de um paradigma de desenvolvimento sustentável e integrado, a cultura assumia-se como central na apresentação e construção da imagem do território / da empresa. Estes museus municipais e / ou de empresa trouxeram 3

Eduarda Dionísio (1993:100) é ainda mais caustica nas suas críticas quando diz que a cultura era vista como um factor de pacificação cultural que o Poder não deveria mais temer. Não era mais um campo perigoso pois tinha perdido o seu potencial de transformação. Varela Gomes identificou esta atitude do governo como a derrapagem do interesse público (citado em Alarcão, 1993:32).

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uma nova dinâmica ao campo museológico português, sobretudo em relação ao alargamento do conceito de património, propondo novas respostas para questões levantadas pela sociedade contemporânea, nomeadamente no campo da comunicação, reabilitação e reutilização de sítios históricos e edifícios industriais4

. A abordagem destas “periferias” em relação ao património e aos museus é bem diferente da assumida pelo poder central. Estes esforços iniciais foram devidamente reconhecidos pelo Conselho da Europa que atribuiu um primeiro prémio ao Museu da Água de Manuel Maia – EPAL no início da nova década, demonstrando uma vez mais que alguns desenvolvimentos inovadores estavam a ter lugar fora da esfera de influência da administração central.

Estes desenvolvimentos locais foram também acompanhados, quer no campo do património em geral quer no campo museológico em particular, por críticas crescentes em relação ao “estado desorganizado das coisas”. Ainda que a legislação publicada em 1980 tenha alargado os horizontes dos museus, permitindo que cumprissem minimamente as suas funções, quer aumentando o seu pessoal quer criando diferentes carreiras (Decreto-Lei 45/80, 20 Março, 1980) 5, este esforço não foi acompanhado por um aumento correspondente do orçamento durante os anos seguintes. De facto, uma parte considerável do trabalho nas instituições museológicas era realizada por pessoal pago por projectos apoiados pela Comunidade Europeia ou por pessoal com contratos a curto prazo, conduzindo o sector a uma óbvia instabilidade. Para além disso, e contrariando o que vinha sendo pedido, não eram levadas a bom termo e de uma forma sistemática e integrada nem as mudanças requeridas na redefinição de algumas carreiras em museus, nem a revisão essencial dos programas de formação. Num artigo publicado no início da década, Adília Alarcão sublinha também a necessidade de retomar e alargar a discussão sobre o conceito de rede nacional de museus, após uma a priori crucial definição de conceitos, políticas e estratégias (Alarcão, 1993:33).

Outras vozes pediam também coragem para descentralizar e partilhar responsabilidades dentro e fora da máquina administrativa do Estado, promo-vendo a democratização e o acesso e atribuindo um novo sentido às Comissões Municipais de Arte e Arqueologia, às universidades, aos museus, aos Muni-4

Deveríamos também sublinhar que uma relação próxima foi desenvolvida entre o poder local e o movimento associativo (ex. associações de defesa do património e do ambiente).

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Esta redefinição de quadros de pessoal de museus da administração central servirá, efectivamente, de modelo a um grande número de Câmaras Municipais (Alarcão, 1993:32).

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cípios, aos centros de investigação, aos serviços do ambiente, aos parques e reservas naturais e às associações profissionais e científicas. Eventualmente, seria necessário ter mais do que “flashes momentâneos”: seria necessário ter “uma ideia de Estado e um projecto para o futuro” (Raposo, 1993a:43).

Em 1981 o Instituto Português do Património Cultural cria o Plano Museológico Nacional, propondo-o como a resposta possível à ansiedade sentida no sector que exigia uma planificação e uma política cuidadosa e reflectida. Este Plano não teve, porém, o êxito esperado: a falta de recursos financeiros e humanos bem como a falta de coordenação entre os diferentes níveis de administração pública são algumas das razões normalmente apon-tadas para a falta de sucesso na implementação deste Plano.

A criação de um instituto independente, o Instituto Português dos Museus (IPM), levaria ainda dez anos e será estabelecido efectivamente em 1991 pelo Decreto-Lei 278 de 9 de Agosto, com o fim de organizar o sector e responder a estas preocupações, ao mesmo tempo que demonstrava a crescente importância e autonomia do sector. As razões apresentadas na introdução deste Decreto-Lei para o estabelecimento deste Instituto, argumentavam que uma vez que os museus representavam uma realidade autónoma em relação ao património cultural em geral, seria apropriado estabelecer os museus numa perspectiva mais local, regional, nacional ou mesmo internacional, relacionado o sector com outras entidades e, obviamente, em articulação com uma politica museológica integrada que optimizaria simultaneamente o museu per se. Para além disso, havia uma necessidade premente para definir uma nova política museológica, correcta e coerente, que tivesse em conta a heterogeneidade da realidade museológica portuguesa. Adicionalmente, no contexto de programas culturais coerentes e coordenados, havia que ter em conta que as necessidades técnicas, administrativas, financeiras e humanas continuavam a aumentar.

Desta forma, este Instituto era essencialmente responsável pela gestão e desenvolvimento dos museus do Estado, pelo apoio à investigação museo-lógica e formação de pessoal qualificado. Era também responsável pela definição e aperfeiçoamento de estratégias e normas que implementariam uma prática e uma política museológica, aplicáveis a todas as instituições congé-neres, sem afectar a sua própria identidade e iniciativa (Alarcão, 1993:32). O Instituto não se estabeleceu, porém, sem controvérsia. Alguns museus (mosteiros e palácios, por exemplo) não fariam parte deste Instituto, e ficariam sob a tutela do Instituto Português do Património Arquitectónico e

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Arqueológico. Argumentava-se que esses museus estavam tão intimamente relacionados com os monumentos que a colecção incluía o próprio edifício, e assim se justificava que permanecessem no âmbito da esfera de influência da arquitectura e da arqueologia (Decreto-Lei 278, 9 Agosto, art. 21.3). Esta abordagem demonstra claramente que os critérios de definição de museus estavam ainda relacionados mais com as colecções que curavam do que com a missão e funções desenvolvidas e serviços oferecidos pela instituição. Por outro lado, estes tímidos esforços de descentralização no sector museológico não foram acompanhados por um significante crescimento do orçamento, faltando-lhes também uma visão mais abrangente que se deve analisar tendo em conta o contexto geral em que se insere. Na generalidade a área cultural sofreu de uma abordagem simplista do papel tanto do Estado como das entidades públicas em relação à política cultural (Santos, 1998:17). Para além disso, problemas em colocar em prática ideias fundamentais e uma falta de coordenação efectiva traduziram-se, por exemplo, no facto de decisões governamentais não terem sido regulamentadas e, portanto, não aplicadas.

A revista Almadan publicou um artigo em 1993 que demonstrava que a maior parte dos museus arqueológicos, por exemplo, vivia uma situação desastrosa (Raposo, 1993b:61-71) e que atribuía pesadas responsabilidades ao Estado e à administração central. Sublinhava, por exemplo, que entre 1975 e 1990, somente dois de vinte museus arqueológicos tinham sido estabelecidos pela administração central. De acordo com Luís Raposo (1993b:67), mais do que uma muito celebrada “libertação da sociedade civil” este facto documenta principalmente dois pontos: a crescente autonomia e capacidade para agir do poder local e a desorientação do poder central mais ocupado com as guerras do dia-a-dia e incapaz de desenhar um Plano Museológico Nacional. Em segundo lugar, este autor aponta a tradicional insensibilidade das universidades para tomar uma posição mais enérgica em relação às suas colecções, insensibilidade claramente ilustrada pela situação desastrosa na qual os poucos museus universitários sobreviventes se encontravam. Por último, pedia às diferentes instituições, ou aos seus representantes, que se unissem na organização de uma rede nacional de museus arqueológicos, na definição de prioridades em termos de pessoal, equipamento, investigação, desenvolvimento de colecções e política de exposições.

É também importante relembrar que estes anos se caracterizaram pela necessidade de promover e realçar uma “identidade” própria no mercado. Este facto, combinado com as tendências de consumo, resultou numa mudança da

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produção de bens para a produção de eventos. Uma “política de eventos”, de intervenções curtas em termos de tempo mas “visíveis”, tenderam a organizar o sector cultural no qual o património em geral e os museus em particular se evidenciaram. O sector foi incapaz de produzir e estabelecer uma política clara e sustentável que privilegiasse iniciativas de “bastidores” e a “regulação” deste campo em franco crescimento.

Houve, porém, outros factores que influenciaram esta exposição dos museus ao olhar público nos anos mais recentes: algumas importantes descobertas arqueológicas, a organização de importantes conferências internacionais em Portugal e questões relacionadas com a própria gestão do património e de museus em particular fizeram com que este tema se tornasse visível na opinião pública. No contexto de uma agenda europeia favorável, o país conhece um clima social relativamente aberto e receptivo em relação a questões relacionadas com o património e com a mudança cultural. Por mudança cultural entendemos uma nova sensibilidade na sociedade civil e no aparelho político em relação a valores culturais e ecológicos (ver por ex. Gonçalves, 2001). No contexto das ideias de um desenvolvimento integrado e sustentado e da importância da preservação do património, uma das primeiras acções tomadas pelo novo governo socialista (1995) foi a de parar as obras desta barragem, anunciando a criação de um museu e de um parque arqueológico. Subjacente a esta decisão estava a alternativa entre lucro económico e valores culturais, uma dicotomia que pode ser relacionada com a predominância de valores materialistas ou pós-materialistas e que pode ser entendida como um factor decisivo da cultura política (Machado e Costa, 1998:17).

Não podemos esquecer que em anos recentes o património tem estado no topo da lista das agendas da política cultural. A defesa do património local – que recentemente inclui preocupações ecologistas – sustenta a especificidade de um território e o sentimento de comunidade, reforçado pelos símbolos / ícones identitários como o património pode ser aqui entendido (Santos, 1998:235). As sociedades pós-industriais são confrontadas com novos tipos de conflitos. Estes passaram da esfera económica para as esferas cultural e político-social. Estão relacionados com a defesa do ambiente e da qualidade de vida, com o acesso à informação e educação, com a exigência de cidadania, com uma maior participação nos domínios tradicionalmente reservados a políticos no strictu senso. No caso de Foz Côa tem sido argumentado que parece reflectir uma sociedade em transição, de uma cultura fechada com uma baixo nível de

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participação, no qual a justificação científica de decisões tende a ser marginalizada e na qual a administração pública actua de uma forma centralizada e não muito transparente, para uma cultura mais moderna, uma sociedade mais europeia onde a sociedade civil é capaz de se mobilizar por causas como a protecção do património ou do ambiente, onde a contribuição de relatórios científicos (do conhecimento, do profissionalismo) é decisiva e as questões de interesse público são submetidas a uma ampla discussão na sociedade (Gonçalves, 2001).

Esta nova importância e abordagem da cultura é expressa, por exemplo, na criação de um Ministério da Cultura em 1995. O novo ciclo político então iniciado defendia mudanças profundas neste sector que inverteria a situação que se vivia e que tendia a subordinar e instrumentalizar o sector. Apesar dos constrangimentos económicos, propõe-se um “novo” projecto cultural que ecoa sobretudo experiências europeias, onde a política cultural disputa um lugar central no processo de desenvolvimento do país, assumindo um papel cada vez mais intervencionista (pelo menos ao nível do discurso). Por outro lado, uma abordagem que podemos mesmo considerar mais “moral” foi também adoptada (Dionísio, 1993:108), recuperando os temas da democratização, da cidadania e da participação. Estas orientações que formam o núcleo da política cultural proposta são acompanhadas pelos princípios de profissionalismo e de regulação dos diferentes sectores. As questões relacionadas com a descentralização e com regionalização também atravessam o discurso político claramente como uma prioridade, modificando instituições e oferecendo-lhes um maior nível de autonomia. Esta actuação deve ainda ser relacionada com a crescente importância e afirmação dos Municípios. A afirmação do poder local, desde os anos 80 e durante os anos 90, cresceu consideravelmente em Portugal e deve ainda ser relacionada com a afirmação da democracia e com a crise geral do Estado-Providência. Assistimos ao desenvolvimento de uma estratégia de transferência de responsabilidades do governo central para os Municípios infelizmente nem sempre acompanhada pela criação de condições básicas que pudessem garantir a sua eficácia, nomeadamente a transferência de recursos técnicos, humanos e financeiros básicos.

Um estudo exploratório pelo Observatório das Actividades Culturais (Neves, 2000) concluiu que houve um crescimento significativo no orçamento atribuído ao sector cultural pelos Municípios (em termos absolutos), particularmente em anos mais recentes e no período considerado pelo estudo

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(1986-1997). Ainda que este crescimento seja desigual e espelhe as assimetrias tradicionais do país, o estudo indica que essas assimetrias se estava a diluir no final da década. Para além disso, a tradicional macrocefalia de Lisboa (e de certa forma que se estende ao Porto em relação à sua região) tem-se tornado menos clara, ao mesmo tempo que os Municípios, incluindo os das áreas metropolitanas, intensificam os seus gastos no sector cultural. Mesmo eventos importantes como a Capital Europeia da Cultura, Lisboa 94 ou a Expo 98, parecem ser muito mais significantes para os concelhos limítrofes que para Lisboa ela mesma. Esta importante tendência, que representa um gasto médio no sector cultural de 37%, significa um aumento de 25% em 1986 para 43% em 1997. Durante este período, especialmente a partir de 1980, o património cultural foi um sector de despesa privilegiado, traduzindo a preocupação da administração local acerca desta área. De facto, este sector incluiu mais itens, foi o mais importante na estrutura de despesa e o que cresceu mais. Porém, é importante sublinhar que parece existir uma relação entre os anos de eleições (especialmente eleições locais – 1989,1993,1997 e, certamente, 2001) e o aumento da despesa no sector cultural, nomeadamente na preservação do património e na criação de museus, relacionando este crescimento de museus locais com a produção de “capital político”. Não podemos também esquecer que durante o período que medeia entre 1988 e 1997 se conhece conjuntamente um aumento do Fundo de Equilíbrio Financeiro, principal fonte de financiamento dos Municípios. Para além disso, tanto o I (1988-1993) como o II (1994-1999) e o III (2000-2006) Quadros Comunitários de Apoio direccionam itens especiais de gastos do sector cultural, impondo uma agenda especificamente dirigida para a preservação do património e para o desenvolvimento de formação profissional adequada para o sector.

De qualquer forma, o interesse na história local tem sido indubitavelmente apoiado pelos Municípios que têm visto os museus como “expositores” da região que proclamam a sua identidade única, servindo como instrumentos evidentes do marketing do lugar. A expansão de museus durante os últimos anos não é só uma resposta a uma necessidade sentida pelo passado durante um período de erosão do sentido de história ou de desenraizamento. Esta expansão deve ser igualmente considerada como um produto da expansão de uma indústria de lazer e turismo em articulação com as novas tendências do “fazer lugar”. Se no período pós-revolucionário os Municípios tentaram dirigir a sua energia para responder às necessidades e expectativas (a maior parte relacionadas com as necessidades infraestruturais) da população, os últimos

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anos da década de 80 e a década seguinte permitiram uma mudança de direcção. Já em 1988, Nuno Portas tinha aconselhado o Poder Local a ultrapassar a fase do quantitativo e a dirigir a sua mais atenção para objectivos qualitativos (sociais e culturais), uma vez que a acção cultural deveria ser entendida não só como um factor de atracção turística, mas também como um elemento de motivação e fixação dos sectores mais qualificados da população (1988:71). Alguns dos museus locais são expressões desta corrente distinta, identificada com uma abordagem qualitativa e mais moral em relação à cultura e que se posiciona claramente como um serviço público. O tema da identidade revela-se no discurso deste grupo de museus heterogéneo, agora direccionado para a preservação e desenvolvimento das identidades locais numa perspectiva de “re-territorialização” (Santos, 1990).

Os conceitos relacionados com a “utilização social”, a “identidade” e o “bem estar dos cidadãos” que apresentam os museus como instituições sociais ao serviço da comunidade estão bem patentes no “novo” vocabulário dos museus municipais relacionando-os com as problemáticas em que estavam envolvidos, nomeadamente com o reordenamento do território e as suas preocupações ambientais e sociais. Fortemente influenciados pela filosofia da nova museologia francófona6

e pelos princípios da museologia social do MINOM7

, os museus locais apresentavam-se como promotores da valorização social, económica e cultural da localidade numa perspectiva de desenvol-vimento global e equilibrado do território. A preservação era entendida como um “processo colectivo” que envolvia quer Municípios quer outras entidades locais tais como os grupos culturais ou de defesa do ambiente. Mais do que uma “museografia de coisas” o que esta museologia procurava recuperar era uma “museografia de ideias e de ideais” (Marreiros, 1999:32). Planear o desenvolvimento de um território requeria uma visão interdisciplinar (territorial mas global) tanto dos problemas como das suas potencialidades. Os museus promoviam o modelo de desenvolvimento que respeitava o ambiente e as especificidades culturais da população local tendo a sua “qualidade de vida” como objectivo final (Diogo, 1999:53). Para além do conceito de museu como recurso identitário, o que é também fortemente proposto por estes projectos 6

Sobretudo por Rivière, de Varine e Per-Uno Agren e pelos conceitos da Nova Museologia como definidos pela Mesa Redonda de Santiago de Chile já em 1972 e mais tarde no Quebeque em 1984.

7 O MINOM (Movimento Internacional de Museologia) foi criado durante o II Workshop

Internacional de Museus Locais / Nova Museologia que teve lugar em Lisboa, em 1985, com o apoio do ICOM.

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locais, já não é o animador” mas sim o curativo”, o “museu-útil”. Um museu “parceiro social” da comunidade (ver por ex. Camacho, 1996; Filipe, 1996; Nabais, 1998:153). Um museu útil à sociedade contemporânea que poderia “contribuir significativamente para a educação para os Direitos Humanos em todas as suas vertentes, incluindo a cultural, correspondendo assim ao desafio que a sociedade moderna coloca à instituição museu, solicitando a sua participação e mesmo a intervenção a nível educacional e social”.

A partir de meados da década de 90, a reestruturação do sector museológico é um projecto assumido pela generalidade dos intervenientes. Para além da criação do IPM, importa referir que também em 1995 a APOM e a Comissão Nacional do Conselho Internacional de Museus produziram um Documento Preparatório Para uma Lei de Bases do Sistema Museológico Português8. Para além disso, por esta altura, a APOM tentava também reorganizar-se, publicando os seus novos estatutos em 1995 (APOM, 1995:4-6) desejando promover a importância do papel desenvolvido por museus e pela profissão em cada comunidade (Capítulo I, art. 3) e traduzindo, de certa forma, o envolvimento de profissionais que levavam consigo as experiências do museu local9

. Por outro lado, diversos cursos de pós-graduação em Museologia vinham já funcionando desde o início da década em diversas universidades, quer em Lisboa quer no Porto.

A lei orgânica revista do IPM (Decreto-lei n.º 161 / 97 de 26 de Junho) permitiu uma estruturação mais aprofundada dos seus serviços e definiu a suas responsabilidades na implementação de uma Rede Portuguesa de Museus com o objectivo de normalizar os procedimentos relacionados com a criação de museus. A preocupação com a educação e formação apropriada de profissionais de museus foi igualmente apontada como um dos aspectos essenciais de uma politica museológica consistente. O museu foi definido como um espaço multidisciplinar e experimental por excelência, com uma vocação específica para a exploração do objecto de todas as formas possíveis, dando assim uma nova relevância ao estudo das colecções e à cooperação com 8

O governo também apresentou uma proposta para uma Lei de Bases do Património em 1998. Para além do acordo entre as diversas entidades deste campo, esta proposta apresentou a constituição de uma base de dados como a principal inovação que poderia apresentar um bilhete de identidade de cada unidade classificada.

9

Uma outra novidade introduzida por estes novos Estatutos foi a criação de um Conselho Consultivo.

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entidades especializadas que garantissem o desenvolvimento de políticas integradas de valorização e de gestão de colecções. Era afirmado que, não sendo dogmático, o IPM deveria produzir reflexão teórica e definir normas de qualidade que contribuiriam para o progresso da museologia portuguesa (Decreto-lei 161/97, 26 Junho, Introdução, ver também Despacho Conjunto n.º 616 /200).

Discussões acerca destes objectivos revelaram profundas insuficiências da estrutura museológica. Desde logo, a maior parte destes auto-proclamados museus não cumpriam os critérios mínimos pelos quais os museus eram definidos de acordo com as orientações internacionais formuladas pelo ICOM. Esta discussão indicou ainda fortes expectativas quer da sociedade civil e esferas culturais quer da comunidade nacional em geral, que exigia a criação de novos museus. Era impossível adiar o estabelecimento de programas eficientes que pudessem apoiar (técnica e financeiramente) os museus portugueses; por outro lado era também impossível adiar o desenvolvimento e implementação de normas que pudessem orientar a criação de novos museus. Esta tarefa requeria a construção e organização de redes pertinentes e descentralizadas de museus de difusores/centros regionais, assumidos por museus com recursos adequados que pudessem manter um diálogo permanente com os Municípios a com as diversas entidades com responsabilidades económicas, sócias, politicas e culturais no campo.

As alterações apresentadas eram justificadas se esta iniciativa era para ser bem sucedida. Em resumo, os principais objectivos do estabelecimento destes programas eram: uma definição clara das atribuições e competências do IPM, afirmando-o como uma agência de referência e acreditação dos museus portugueses; o reforço e mobilidade de recursos humanos e técnicos; a aceleração dos processos de requalificação de museus dependentes, com o fim de fazer com que se tornassem veículos privilegiados para o apoio de museus regionais, municipais e locais.

A afirmação clara de que o IPM deveria definir e orientar a política museológica nacional implicava uma intensificação do diálogo com as várias entidades com responsabilidades no campo cultural e patrimonial, ao mesmo tempo que se entendiam os museus não só como lugares de estudo, conservação e valorização das importantes colecções de bens culturais móveis, mas também como lugares abertos à diversificação nas formas de interpretação e divulgação de testemunhos históricos e do património cultural – de acordo

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com as exigências e expectativas da vida contemporânea –, bem como a protecção das suas características significativas (Decreto-Lei n.º 398/99, 13 Outubro, Introdução).

Para além disso, esta ênfase nos valores da competência e profissio-nalismo, promovidos através da implementação de “programas eficientes”, “melhoria técnica”, “normativa rigorosa”, “qualidade de museus”, “actualização e valorização de recursos humanos”, etc; e em valores tais como os de “abertura” e “cooperação”, qualificam este discurso, traduzindo o contexto do momento e a crescente afirmação do grupo. O serviço público também era reconhecido como inextrincavelmente relacionado com a própria natureza do que um museu é – e, portanto, à própria natureza do museu –, realçando ao mesmo tempo a necessidade de os promover, tanto como lugares de conhecimento como de comunicação (art. 2, f). As suas colecções são entendidas não só como uma fonte de investigação científica, mas também como um factor de identidade nacional e como objectos de fruição estética e simbólica (Art.2, b). O IPM assume a responsabilidade de regulação do sector10

, contribuindo, desta forma, para a reorganização cultural do país e, assim, reclamando para si um papel activo num contexto mais alargado.

Com o fim de encorajar a reflexão sobre os modos de definir conceptualmente a Rede Portuguesa de Museus, o IPM levou a cabo um estudo em parceria com o Observatório das Actividades Culturais com o objectivo de ter “um conhecimento e compreensão rigorosa” da realidade museológica, avaliando as instituições museológicas a partir de parâmetros de análise baseados em conceitos museológicos contemporâneos (IPM e OAC, 2000). Por outro lado, sentiu-se que era necessário construir novos indicadores para o estudo deste sector cultural em rápida transformação, e ainda que era necessário definir metodologias mais actualizadas e completas para as bases de dados existentes.

Na apresentação deste estudo, Raquel Henriques da Silva, na altura Directora do IPM (2000:12-15), oferece uma útil análise geral dos resultados que caracterizam o sector: a extrema “juventude” da maior parte dos museus portugueses; uma distribuição geográfica desequilibrada que acompanha as assimetrias demográficas, económicas e culturais do país; a diversidade de 10 A autonomia administrativa e financeira na gestão de projectos do PIDDAC (co-financiados

pela Comunidade Europeia) permitiram ao IPM, de certa forma, implementar os seus programas.

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colecções e a multiplicidade de tutelas. Para além disso, os museus portugueses, no seu todo, lutam em relação a dificuldades e constrangimentos diversos, nomeadamente a falta de recursos humanos qualificados e a inexistência de um orçamento e programa de actividades orientadas para diversos públicos. De facto, a imagem apresentada por este estudo é algo pessimista: do universo de 530 respostas consideradas para análise, só 152 unidades preenchem o grupo de critérios relacionados com as variáveis de análise recomendadas a nível nacional e internacional para a definição do que um museu é. Se é verdade que o tecido museológico português demonstra sinais evidentes de dinamismo, e também algum reconhecimento social, é, no entanto, extremamente desequilibrado na sua distribuição de aquisições e necessidades, sugerindo que “frequentemente” existe um investimento sem continuidade ou sem uma prévia auscultação das necessidades fundamentais. Desta forma, o vasto universo dos museus municipais, por exemplo, contem situações muito diversificadas: em geral as necessidades são muitas, mas, em alguns casos e num número inferior, alguns destes museus estão entre os mais prometedores da museologia portuguesa. Outras tutelas demonstram o mesmo padrão. Nas palavras da então directora do IPM, esta tendência em relação a um crescimento de museus é considerada positiva e não pode, nem deve, ser contrariada. Por um lado, representa a capacidade de iniciativa de entidades públicas e privadas que promovem a criação de novos museus e, por outro, o desejo sincero de proteger o património e dotar as comunidades com novos lugares que afirmem as identidades locais e regionais, contribuindo para o desenvolvimento e dinamização cultural dos seus recursos económicos e sociais.

Porém, tendo em conta o estado-da-arte inequivocamente apresentado pelo estudo, acredita-se que é urgente e vital promover os critérios definidos com as diversas tutelas que possam evitar a proliferação de situações supostamente museológicas, de “colecções” ou “tradições” ou “heranças”, que não são museus na realidade, mas que podem ser considerados de importância patrimonial. Esta urgência é também alargada à qualificação das instituições existente. É argumentado que, para além disso, é crucial clarificar os critérios que configuram cada um dos museus e as suas funções, bem como o papel que deveriam desempenhar a nível nacional, regional e local. Desta forma, o IPM considerou oportuno seleccionar alguns museus como “difusores / disseminadores de boas práticas”, que, independentemente da sua tutela, apresentem as condições necessárias e o desejo de apoiar a qualificação de

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outros museus na sua região, núcleos museológicos ou colecções relevantes, nomeadamente em relação às práticas de inventário e à utilização de novas tecnologias para este fim, à conservação, à formação de recursos humanos e à produção de meios de difusão destas instituições (Silva, 2000:15-17).

Durante 2000, o IPM criou ainda a Estrutura de Projecto da Rede Portuguesa de Museus (RPM) para estudar e apresentar um modelo de rede; desenvolver programas de apoio para os museus para as diferentes áreas funcionais e seu respectivo desenvolvimento técnico; e, finalmente, para a promoção de programas de formação.

Num documento fundamental, os autores apresentaram um programa para a Rede Portuguesa de Museus, sumariando os problemas do sector e afirmando que a nível institucional os últimos 25 anos foram caracterizados por tentativas isoladas e descontínuas para regular o campo museológico nacional; por acções casuísticas de cooperação entre diferentes tutelas; pela ausência de instrumentos e acreditação; pela falta de medidas continuadas de apoio técnico e de formação. Tendo em conta as suas principais características e os actuais problemas e necessidades, estas circunstâncias, bem como a formulação de uma política comum concertada de esforços e de recursos para os museus, parecem ser vitais para o panorama museológico português (Camacho, Freire-Pignatelli e Monteiro, 2001:24). Estes são alguns dos mais importantes argumentos apresentados para o desenvolvimento da RPM, que definem os pré-requisitos de entrada e que permitem aos museus qualificarem-se de acordo com a política muqualificarem-seológica apoiada.

A noção de rede apresentada e desenvolvida neste documento é uma de um sistema de mediação e articulação entre entidades de carácter museológico, cujo objectivo é promover a comunicação e cooperação, anteci-pando o melhoramento do panorama museológico português (Camacho, Freire-Pignatelli e Monteiro, 2001:32). A definição de museu adoptada é a produzida pelo ICOM e que apareceu no código ético finalmente traduzido para o português em 1995 (Código de Deontologia Profissional. Estatutos da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM, Lisboa, 1995:6-7). Os seguintes princípios fundamentais desta Rede são avançados: articulação e comunicação; cooperação e partilha; flexibilidade e transversalidade; aumentar o potencial de recursos locais e regionais; inclusão e participação (Camacho, Freire-Pignatelli e Monteiro, 2001:34-36). Com a colaboração do campo como um todo (museus, universidades, associações profissionais, etc.) pensa-se que é possível

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alcançar objectivos comuns de forma mais efectiva e criativa: promovendo a comunicação, actualizando os parâmetros de qualidade e elevando os níveis de exigência em relação à performance das funções culturais e sociais das entidades museológicas, entendidas como contribuições vitais para o desenvolvimento local, regional e nacional (Camacho, Freire-Pignatelli e Monteiro, 2001:40).

Estes princípios indicam não só a continuação dos valores de coope-ração, abertura (ex. mediação, comunicação, partilha, flexibilidade, transver-salidade, inclusão, participação, consulta, discussão, etc.) e profissionalismo (ex. qualificação, boas práticas museológicas, sistemática, gestão, etc.), mas também recupera, de alguma forma, a missão social e cultural dos museus e a sua contribuição em direcção ao desenvolvimento (ex. intervenção social, abertura à diversidade cultural, inclusão, etc.).

A 8 de Maio de 2004 foi finalmente aprovada por unanimidade no Parlamento, a Lei-quadro dos museus que prevê a criação de um Conselho de Museus. Esta lei assegura o enquadramento jurídico da realidade museológica portuguesa, define o conceito de museu, estabelece os procedimentos a cumprir na criação de novos museus, identifica as funções museológicas e regula um conjunto de responsabilidades associadas ao seu cumprimento, determina a necessidade de existência de pessoal qualificado, bem como de recursos financeiros adequados à sustentabilidade do museu, estabelece o modelo de acreditação de museus, prevê formas descentralizadas de apoio técnico, institucionaliza a Rede Portuguesa de Museus, órgão consultivo na dependência directa do Ministro da Cultura. Nas palavras de Manuel Bairrão Oleiro (2003:2), director do IPM, trata-se de um texto que “reforça a responsabilidade das equipas técnicas que neles trabalham, na procura comum de novos patamares de exigência, a alcançar como resultado de constantes iniciativas de qualificação dos museus e dos serviços por eles prestados” na definição da política museológicas nacional.

Os princípios orientadores advogados nesta lei – como os de serviço público, cooperação institucional e internacional, descentralização e transversalidade, desenvolvimento integrado e cidadania comunicação e divulgação alargada, qualificação e avaliação – indicam, por um lado, a centralidade das questões que se relacionam com a profissionalização e acreditação do sector e, por outro lado, a “adopção” de uma gramática que se aproxima do sector cultural em geral, revelando uma maior abertura em relação às questões que afectam a sociedade contemporânea. No artigo que se

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refere às funções de estudo e investigação esta centralidade não é, porém, assumida claramente, sendo apenas indicadas as colecções como seu objecto. O mesmo se pode dizer em relação às instalações requeridas a qualquer museu que não indicam a preferência e relevância da função divulgação / educação enunciada nos seus princípios. Em relação aos visitantes / utilizadores do museu é sublinhada sim a necessidade de um registo informatizado, que produzirá estatísticas com a finalidade de dispor de um conhecimento o mais rigoroso possível dos respectivos públicos, revelando uma visão muito limitada em relação a estas questões. Por outro lado ainda, a bem-vinda descentralização dos centros de decisão só é parcialmente conseguida na estrutura do Conselho de Museus.

Nota conclusiva

Ao terminar, gostaríamos de sublinhar que apesar de todas as dissonâncias a sociedade contemporânea portuguesa é uma sociedade reflexiva, de acordo com mecanismos muito mais generalizados e de uma forma muito mais acentuada que anteriormente. O auto-exame constante e multifacetado tornou-se um elemento constitutivo da realidade social e é relevante para os processos que aí ocorrem.

Em relação à área cultural, se adicionarmos os orçamentos directos para os museus, monumentos históricos e sítios do Ministério da Cultura e de outros ministérios, o património ainda representa a maior parte do total dos gastos públicos em cultura. A taxa de expansão em número e tipologia de monumentos, edifícios e sítios com alguma forma de protecção especial legal e de preservação aumentou imenso. Todavia, de certa forma, a história da protecção do património e dos museus em Portugal parece estar marcada pela dispersão de iniciativas de inventário, pela descontinuidade e incoerência de metodologias desenvolvidas, pela disparidade, e por uma marcante falta de recursos, pela multiplicação e pobre coordenação de objectivos (Santos, 1998:238). No início de um novo século alguns dos parâmetros negativos que condicionaram o desenvolvimento das instituições culturais em geral parecem permanecer: a falta de autonomia na sociedade civil, revelada pelo fraco poder do mecenato e a dependência do sector cultural em proteccionismo oficial.

No caso dos museus, existem ainda problemas essenciais por resolver, nomeadamente os relacionados com a qualificação e aumento do número de

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técnicos especializados, em particular em áreas como a conservação e restauro; a abertura de lugares para a carreira de conservador / museólogo; o défice financeiro crónico. Ao sector ainda falta um trabalho de animação dos espaços mais intenso e generalizado, considerado como factor essencial de captação e fidelização de públicos; a publicação de material informativo de qualidade; programas educacionais inclusivos; a investigação generalizada quer sobre as colecções, quer sobre todas as outras funções do museu.

Não há, porém, dúvida que nestas últimas décadas o poder central – e algumas vezes alguns importantes grupos financeiros – aproveitou a oportunidade oferecida pelo contexto latente para repensar de forma mais estratégica a relação e a utilização do sector das “artes” na reconstrução da sua imagem11: a acção internacionalista da Europália (1992), Lisboa, Capital da Cultura (1994), Lisboa – EXPO 98 e, no início do novo milénio, Porto 2001, Capital Europeia da Cultura – implicaram uma vasta reabilitação de algumas áreas de Lisboa e do Porto, nos dois últimos casos – e grandes comissões públicas de grande interesse arquitectónico, a criação de um centro cultural (Centro Cultural de Belém, 1992), a reorganização ou criação de alguns espaços museológicos em Lisboa (ex. Museu do Chiado, 1994) e Porto (ex. Museu Nacional Soares dos Reis, 2001; Museu de Arte Contemporânea de Serralves, 2001) garantiram a actualização de referências museológicas.

No contexto de uma “explosão museológica” portuguesa, o aumento significativo das entidades de tutela com actividades culturais em geral e o património e os museus em particular é igualmente relevante. Uma importância marcante foi atribuída a sítios históricos (Cidades Património Mundial: Angra do Heroísmo, 1983; Évora, 1986; Sintra, 1995; Porto, 1996; Guimarães, 2001); e sítios naturais e arqueológicos (Sítios Património Mundial: Vale do Côa, 2001; Alto Douro Vinhateiro, 2001); a cultura tornou-se um lugar fértil para a discussão na esfera pública, influenciando fortemente tanto decisões sócio-económicas como políticas. Por outro lado, e como argumentado por Boylan (1995a), a fase actual de preocupação popular e oficial, obsessão talvez, com um passado real ou imaginado pode, simplesmente, representar uma fase num ciclo recorrente de mudanças de interesse e gosto, talvez provocadas, pelo menos em parte, por um profundo sentimento de incerteza acerca do futuro.

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Estas acções foram consideradas como um fenómeno de “autoconsagração estética” (Pinto, 1997:4).

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De qualquer forma, a crescente valorização social dos museus é inegável, ainda que diferentes ritmos e mudanças pluridimensionais, por vezes contraditórias, marquem o seu desenvolvimento. O interesse demonstrado pelos media nestes assuntos aumentou grandemente. Mas, como afirma Maria de Lourdes Lima dos Santos (1998), a política cultural corresponde a esta nova visibilidade que, de uma forma articulada e sistemática, estimula e acompanha estas mudanças da sociedade civil. Este poder reconhecido do património para mobilizar a opinião pública e afectar a vida social e politica encontra-se também no centro da consolidação das profissões que cuidam do património, tais como as de arqueólogo e dos profissionais de museus. Noutra esfera, uma mais societal, podemos igualmente observar a mobilização dos esforços em direcção ao desenvolvimento e preenchimento da missão social e cultural.

A legislação é um instrumento fundamental para o preenchimento destes princípios e objectivos. No caso dos museus portugueses, esta produção tem sido mais direccionada para a área educacional (criação de cursos) ou para questões orgânicas e administrativas. Os cursos de conservadores de museus ministrados no Museu Nacional de Arte Antiga foram suspensos em 1974 e a formação de conservadores só recomeçou entre os anos 1981-82 e 1984-85, coordenados então pelo IPPC.12

A APOM avançou com uma proposta em 1977 para a criação de uma licenciatura em museologia, que nunca foi posta em prática mas que constituiu um importante marco no processo de integrar esta área de estudo no sistema oficial de educação (Gil, 1977: 2-3). Este “vazio educacional” só foi alterado com um curso gerido pela APOM e pelo Instituto de Formação Profissional (entre 1988-1990) que teve lugar na Escola Superior de Belas Artes (Lisboa) e um outro de Museologia Social, organizado pela Universidade Autónoma de Lisboa e mais tarde transferido para a Universidade Lusófona, onde ainda se mantém. Durante os anos 90, a integração da museologia no sistema de educação – que pode largamente ser relacionado com a crescente autonomia das universidades – foi acentuada com a criação de vários cursos. Estes cursos tiveram maioritariamente um carácter generalista. Com a crescente importância das universidades no sector museológico, a passividade das agências centrais de tutela do património e dos

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Instituídos numa base experimental como cursos de seis meses intensivos para conservadores de museus. O curso teve lugar simultaneamente em Lisboa e Porto e incluiu pessoal de todos os tipos de museus (Despacho Normativo, Secretário de Estado da Cultura, DR, 24 Agosto, 1979).

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museus, bem como uma consequente falta de acções legislativas, eram por demais patentes (Gouveia, 1998:193).

Um Decreto-Lei crucial (n.º 55/2001) para profissionais de museus foi finalmente publicado a 15 de Fevereiro de 2001. Este reconhece que, para responder às funções múltiplas e crescentes que lhe são pedidas, a actualização de carreiras específicas em museus é uma condição vital. A falta de pessoal qualificado no campo museológico é particularmente sentida no caso dos museus sob a tutela do Ministério da Cultura, devido à forma algo indeterminada como as alterações dos estatutos de carreiras específicas foram realizadas nas áreas funcionais da Museologia e Conservação e Restauro (Decretos-lei nºs 45/80, 20 Março e 245/80, 22 Julho).

À luz das recentes mudanças na natureza do museu e da profissão e como noutros países (ver por ex. Boylan, 1995b), os profissionais portugueses enfrentam muitos desafios. Por vezes, o trabalho em si sofreu modificações, partilhando os conservadores, no sentido tradicional, responsabilidades com outros tipos de profissionais altamente qualificados. Nomeadamente profissio-nais de conservação-restauro, de investigação, educação, documentação, design, gestão financeira, recursos humanos, serviços de segurança, novas tecnologias, marketing e relações públicas, bem como com um grupo diversificado de pessoal auxiliar. Se esta crescente multiplicidade pode ser compreendida como uma séria ameaça da sobrevivência do “conservador tradicional”, pode ser também entendida como uma excelente oportunidade de cooperação que enriquece o museu com diferentes abordagens e visões, ampliando significativamente o nível e qualidade de serviços dos museus, como resposta às suas responsabilidades contemporâneas em relação à comunidade. Esta tendência para estender as suas responsabilidades para além das paredes do museu, incluindo agora todo o seu território e a apreciação de que os seus recursos não são só as suas colecções mas também todo o património do seu território, aliado ao facto que cada vez mais consideraram o impacto do seu trabalho como relacionado com a esfera do social.

Uma das tarefas mais complexas para os que trabalham no sector museológico em Portugal está, seguramente, relacionada com a dificuldade de procurar equilibrar os diversos papéis (por vezes muito abrangentes) que se exige que os museus dos nossos dias desempenhem. Decididamente, durante os últimos anos, os museus têm lutado para não serem meramente “mirrors reflecting the current interests or obsessions of their society: they have become

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a key part of the problem through the important role that many have played in defining and presenting “culture”, in creating explicit or implicit value sys-tems for defining “importance”, and in generally serving and advancing the myth-making process” (Boylan, 1995a). Decididamente, os museus têm potencial para apoiar a comunidade na sua reflexão e questionamento da sua cultura, mitos e valores.

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