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7º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS (ABRI): ATORES E AGENDAS: INTERCONEXÕES, DESAFIOS E OPORTUNIDADES

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7º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

(ABRI):

“ATORES E AGENDAS: INTERCONEXÕES, DESAFIOS E OPORTUNIDADES”

23 a 26 de julho – Pontifícia Universidade Católica (PUC)

Área Temática: História das Relações Internacionais e da Política Externa

O ESTADO FALIDO NO CONTINENTE AFRICANO: COMO REPENSAR O

ESTADO E A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NÃO OCIDENTAL NA ÁFRICA?

Mariana Morena Pereira, mestranda em Ciência Política

(DCP/FFLCH), Universidade de São Paulo (USP)

Belo Horizonte/ Minas Gerais Julho/2019

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RESUMO: O termo Estado Falido é habitualmente aplicado às unidades políticas que não são mais capazes de fornecer bens políticos à população devido à insuficiência na manutenção das principais características que compõem um Estado Moderno. No continente africano, muitos países são considerados frágeis ou falidos devido ao desempenho insatisfatório na promoção de segurança territorial, estabilidade política e institucional e no fornecimento de bens públicos como saúde e educação. O fim da Guerra Fria acentuou ainda mais a caracterização dos países africanos nos termos de falência/fragilidade. Todavia, assume-se que a designação e categorização da falência estatal se baseiam em princípios e valores herdados da experiência do Estado europeu e desconsideram as particularidades diversas da experiência africana. O presente trabalho tem como objetivo questionar a universalidade dos padrões de Estado europeu na África e endereçar novas questões relacionadas à especificidade do ordenamento político no continente. Para tanto, busca-se investigar as análises aferidas por Robert Jackson (1992), Zartman (1995), Rotberg (2003) e outros, no que concerne o Estado africano e seus principais desafios e contrastá-las com obras de pesquisadores africanos, como Mudimbe (1988), Mbembe (1988), Grovogui (1996) e outros, no que tange os dilemas do Estado africano, a lógica de alteridade e a relevância da historicidade nesses termos. Assim, o estudo retorna à realidade africana contemporânea (anos 2000) propondo-se verificar a presença e manutenção de instituições informais pré-coloniais, (compreendidas como valores, regras e costumes presentes no período pré-colonial que continuam ordenando a realidade política e social de muitas comunidades no continente) e questionar como estas configuram o papel de atores políticos, cuja legitimidade tem crescido em face à “falência” do Estado formal. A instrumentalização da pesquisa evidencia o Estado da Somália como uma demonstração empírica, visto que é considerado falido desde 1991, embora mantenha uma estruturação política por meio de uma lógica não Ocidental.

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo central levantar o debate acerca da falência estatal para o Estado africano e endereçar a questão da presença das instituições tradicionais pré-coloniais como uma agenda de pesquisa a ser elaborada nos estudos sobre o continente.

Assume-se que a falência estatal como conceito, passou a se aceita após os ataques de 11 de setembro e se tornou um discurso amplamente difundido ao apontar para as unidades políticas que não eram mais capazes de exercer seu papel como instituições centralizadas, detentoras do monopólio legítimo da força e de estruturas administrativas burocráticas e racionais em âmbito doméstico (Estado weberiano), além de incapazes de fornecer bens políticos à sua população, controlar seus territórios e sua soberania. A fragilidade, colapso ou falência estatal assola muitos países africanos, os quais, segundo alguns autores, possuem sua legitimidade minada por grupos internos que engajam no conflito duradouro contra o governo e suas instituições, bem como pelo caráter predatório das elites políticas nesses contextos. Alguns autores assumem que os países africanos nunca adquiriram verdadeiramente o status de um Estado moderno, uma vez que a sua independência jurídica e auto-determinação passou a ser estabelecida por instituições internacionais a partir do pós Segunda Guerra Mundial (JACKSON, 1990; 1992).

A crítica de autores africanos a essas análises tendem a apontar para um caráter centralizado na experiência europeia de formação e desenvolvimento do Estado. Nesse sentido, muitos analistas tendem a entender a realidade africana como um caso desviante de um modelo de valores e práticas políticas, econômicas e sociais universal e, consequentemente, deixa de considerar as distintas configurações que os ordenamentos políticos podem possuir em diferentes realidades globais. Diante disso, a crítica assume que existe um diagnóstico errôneo por parte de muitos acadêmicos Ocidentais ao buscar traduzir princípios de estatalidade westfalianos e weberianos aos Estados pós-coloniais africanos. Ao considerar as unidades políticas na África como disfunções de um padrão Ocidental, as análises de falência, colapso, neo-patrimonialismo, etc, tornam-se um conceito elástico, com pretensões de analisar inúmeras variáveis por meio de uma “história por analogia” (MANDANI, 1996). Como uma saída a esse embate analítico propõe-se para um reconhecimento da historicidade (MUDIMBE, 1988) nas análises acerca dos desafios no continente africano e aponta-se para a presença de práticas e comportamentos pré-coloniais que, apesar de transformados pela interação, não deixaram de existir nas realidades africanas.

As instituições tradicionais pré-coloniais aqui apresentadas servem como uma ferramenta que pode ser essencial para se analisar o papel que as práticas

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2 consuetudinárias de ordem política, econômica e social, possuem no contexto dos Estados africanos, pois configuram as realidades políticas na África como um espaço em que o tradicional e o moderno tendem à sincronia ou ao conflito.

A primeira seção do trabalho busca entender o que é um Estado moderno e a caracterização da falência estatal. Posteriormente, busca-se demonstrar como alguns teóricos reagem às análises de pensadores Ocidentais sobre os desafios do Estado africano e ao fenômeno da falência/colapso estatal. Por fim, aponta-se para as instituições tradicionais pré-coloniais, entendendo-as como um fenômeno presente no continente africano e capaz de abrir a caixa-preta das relações e organizações sociais e políticas no continente. Apesar de caráter qualitativo e abordagem pautada em fontes secundárias no intuito de levantar um debate teórico e instrumental, a presente pesquisa quer questionar se existem outras formas capazes de se compreender a organização estatal na África contemporânea.

2 O ESTADO MODERNO E A ABORDAGEM DA FALÊNCIA ESTATAL PARA O ESTADO AFRICANO

A unidade entendida como Estado moderno estruturou princípios e elementos essenciais para se compreender as estruturas políticas presentes no Sistema Internacional (SI). Suas origens se remontam na desarticulação do sistema feudal a partir do século XV, onde se estabeleceu a paridade jurídica entre as unidades territoriais europeias com o fim da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e estabeleceu os Tratados de Paz de Westfália (1648), os quais marcaram a afirmação da independência recíproca dos ordenamentos estatais (autonomia política e soberania nacional), a definição de uma estrutura para a autoridade política territorial e forneceu bases para a fixação de regras de comportamento entre os Estados (FILHO, 2006; JESUS, 2010; VAUGHAN, 2011).

A complementaridade das estruturas do Estado moderno pode ser enfatizada com as noções de Max Weber (1999A; 1999B), o qual entendia a unidade política por meio de noções de dominação e monopólio legítimo da força em um determinado território com objetivo de defesa e regulação das relações interpessoais entre a população. Segundo este autor, a evolução dos grupos primitivos, permitiu com que ocorresse a monopolização do uso legítimo da força, a racionalização das regras e o estabelecimento de uma ordem jurídica legítima (WEBER, 1999A). Em termos gerais, um Estado moderno pode ser considerado como um conjunto de instituições administrativas coercitivas, as quais possuem autonomia de atuar internamente sem a ingerência dos demais Estados. No âmbito doméstico, essa associação territorial de indivíduos possui no governo e em suas

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3 instituições políticas formais, um mecanismo de garantir o bem estar da população, por meio do fornecimento de bens políticos (segurança, educação, ordem, etc.).

Um dos propósitos principais deste trabalho é o de entender quando um Estado se torna falido. Para John (2008), a falência estatal ocorre justamente quando os princípios de estatalidade mencionados estão ausentes (por exemplo, quando um governo perde o monopólio legítimo da força, quando não há o controle das fronteiras nacionais, quando não há o fornecimento de bens políticos para a população, etc). Milliken e Krause (2002) convergem em direção a este argumento, ao afirmarem que a concepção sobre os Estados em falência, falidos ou colapsados, tendem a se basear no desempenho e nas dimensões institucionais de um Estado nos moldes modernos.

Em 1992, Helman e Ratner escreveram o artigo “Saving Failed States” para a revista Foreign Policy no qual entendiam a falência estatal como um novo fenômeno do Sistema Internacional, a qual incorporava os países do Terceiro Mundo. Para estes, os Estados falidos, eram as unidades políticas incapazes de se sustentar como membros do SI, visto que estavam em situação de violência interna e anarquia, a qual, por sua vez, ameaçava a população nacional e os países vizinhos.

Estes autores entendiam a o colapso e/ou falência como variável dependente do fim da Segunda Guerra mundial e da assinatura do Capítulo das Nações Unidas, em 1945, o qual passou a conceder independência e autodeterminação a diversos países do globo. Nesse contexto histórico, a autodeterminação era mais importante do que a sobrevivência em longo prazo dos Estados (HELMAN; RATNER, 1992). Jackson (1990; 1992), concordava que a soberania e independência garantidas aos países do Terceiro Mundo, no pós-1945, não passava de uma categoria e mera ilusão, visto que estes careciam das principais características que qualificavam uma unidade política como um Estado moderno. Com a autoridade política e institucional deficiente e o poder político ineficiente para assegurar os direitos humanos e o bem-estar socioeconômico de sua população, a conquista de direitos externos e responsabilidades domésticas para estes Estados, culminou com a identificação da incapacidade destes países em manter as instituições de um Estado. É por este fato que o autor entende estas unidades como “quasi-estados”1, pois “these states are primarily juridical. They are still far from complete, so to speak, and empirical statehood in large measure still remains to be built. I therefore refer to them as 'quasi-states'” (JACKSON, 1990, p. 21). Nesse sentido Jackson (1990) defende que, não só a carência em muitos dos princípios que qualificam a estatalidade das unidades políticas, mas também as garantias,

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Juridical statehood; negative sovereignty e quasi-states são termos cunhados por Jackson para designar as unidades políticas aqui analisadas.

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4 por parte da comunidade internacional, da independência e existência jurídica, enquadram estes países com uma “soberania negativa”2.

Para Zartman (1995), o fim da Guerra Fria gerou, em muitos casos, o colapso dos Estados do Terceiro Mundo e dos países africanos, em especial. De acordo com a autora, o colapso estatal pode ser caracterizado como um fenômeno mais profundo do que apenas uma rebelião, desordem, golpe ou anarquia, pois representa uma situação duradoura em que a própria autoridade do poder legítimo e de ordem foram arruinadas e, em consequência, são dominados por grupos e atores locais não-estatais. De modo geral, os Estados nacionais entram em falência ou colapso3, pois são convulsionados pela violência interna e não são mais capazes de fornecer bens políticos aos seus habitantes. De acordo com Rotberg (2003), é o caráter duradouro da violência – e o fato de esta violência ser direcionada ao governo – que pode identificar um Estado como falido. As unidades políticas, nessas condições, não são capazes de controlar seus territórios e perdem a autoridade e o controle nas regiões da extensão nacional.

Se o objeto preliminar para se entender o Estado africano é sua designação por meio da falência, faz-se essencial compreender o seu oposto: o Estado Forte. Rotberg (2003) mensura os Estados a partir da capacidade destes em prover o bem político mais importante à sua população: a segurança humana e territorial. A despeito da primordialidade do provimento da segurança, outros bens são essenciais para mensurar se um Estado funciona com capacidade plena, como: cuidados médicos; escolas e instrução educacional; estradas e estruturas físicas; infraestruturas de comunicação; sistema bancário presidido por um Banco Central efetivo; etc. O desempenho dos Estados de acordo com essa cadeia de bens políticos pode definir, de acordo com o autor, quais unidades políticas qualificam-se no patamar de fortes, frágeis ou falidas. Quanto mais afastado e ausente esteja um Estado dos deveres políticos com seus indivíduos, a tendência de se tornar um Estado em falência é cada vez maior (CARVALHO, 2008).

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A soberania negativa é o reconhecimento da independência por meio de atores exógenos, a qual garante uma condição formal e legal de autonomia política para as ex-colônias, mas não representa, segundo o autor, uma capacidade efetiva de estas unidades desempenharem o papel de Estados modernos no Sistema Internacional.

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Para Rotberg (2003), é importante estabelecer critérios para distinguir o colapso de falência e também da fraqueza estatal. Com o fim de distinguir o Estado Forte dos Estados débeis, Rotberg (2003) se baseia na capacidade destes Estados em prover os bens políticos mais essenciais. Este parâmetro de diferenciação irá distinguir os Estados fortes dos fracos e os Estados fracos dos Estados falidos ou em colapso. Apesar de relevante, este debate foge ao escopo e objetivo deste trabalho, para mais informações ver Robert Rotberg “The Failure and Collapse of Nation-States”, 2003.

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5 Gordon, em 1997, argumentou que o continente africano possuía o maior número de Estados considerados como falidos, fracos ou colapsados. Os indicadores do Fragile States Index (FSI) de 2019 trazem resultados que tendem ainda a confirmar com este padrão.

Produzido pela organização Fund for Peace (FFP) e disseminado pela Revista Foreign Policy, o FSI é um ranking anual, amplamente disseminado, que engloba 178 países, 12 indicadores políticos, sociais e econômicos gerais e mais de 100 sub-indicadores específicos para identificar quando as pressões sofridas pelos Estados os levam a condições de falência e/ou fragilidade (FUND FOR PEACE, 2016)4. Busca-se salientar apenas os países com os índices mais altos de fragilidade, isto é, menores pontuações de acordo com o ranking. Estes são classificados, de acordo com o FSI, em: Alert, High Alert e Very High Alert Nestas três categorias, o número total de países é de trinta e um e, destes, vinte e quatro pertencem ao continente africano5. Embora apresentados de forma sucinta, estes dados são significativos, pois contribuem para a percepção de um baixo desempenho dos Estados africanos nos variados índices de desenvolvimento institucional, sejam estes políticos, sociais e/ou econômicos.

Para Zartman (1995), o colapso dos Estados africanos não é um fenômeno pós-colonial, isto é, não está necessariamente atrelado as condições estruturais do colonialismo na África, mas uma condição do nacionalismo da segunda geração de regimes políticos no continente. Nesse sentido, não se pode atribuir os casos de colapso estatal a um mau funcionamento das instituições Ocidentais no continente, argumenta a autora. Chabal e Daloz (1999), ao assumirem o modelo weberiano como ponto de partida, argumentam que o Estado africano é vazio (vacuous), uma vez que não consolidou as fundações do legado colonial e, tampouco, as estruturas e instituições modernas, de modo que passou a se desintegrar e propender a lutas particularistas e faccionais. Como consequência, fracassou em adquirir a legitimidade da capacidade profissional e burocrática racional, as quais são as competências principais de um Estado moderno. Diante disso, os acadêmicos afirmam que o Estado africano é notadamente fraco nos termos ideais weberianos, isto é: “there are on the continente, virtually no states able to meet the criteria of the Western, or for that matter of developing Asian ‘tiger’ model” (p.1). Para estes autores, os estudos referentes ao continente mostram que o grau de institucionalização política necessária para a emergência do Estado moderno ainda não foi alcançado e a empiria tende e a sugerir que o âmbito político tende a se informalizar cada vez mais.

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Para aprofundar a clarificação sobre os indicadores do FFP e o ranking do FSI, acessar: <https://fundforpeace.org/2019/04/10/fragile-states-index-2019/>

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Somália, Sudão do Sul e República Democrática do Congo (RDC), República Centro Africana, Chade e Sudão, Zimbábue, Guiné, Nigéria, Burundi, Camarões, Eritreia, Níger, Guiné Bissau, Uganda, Mali, Mianmar, Etiópia, Quênia, República do Congo, Líbia, Costa do Marfim, Libéria e Mauritânia.

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6 As elites políticas, os regimes autoritários, tirânicos e patrimonialistas são entendidos por muitos autores (Jackson, 1990; Chabal; Daloz, 1999; Zartman, 1995; Helman e Ratner, 1992) como a causa da ineficiência do funcionamento do Estado africano, isto é, como gerador da sua falência ou colapso. Para Zartman (1995) os eventos da década de 90, sustentam a hipótese de que o autoritarismo e a causa do colapso do Estado e a tirania, tendiam a minar o próprio Estado6. Para Chabal e Daloz (1999) o processo de diferenciação do Estado e sociedade, com objetivo de promover estruturas burocráticas e instituições fortes e racionais, demanda que os sistemas políticos africanos superem os constrangimentos particularistas e passem a emancipar a sociedade do Estado. Segundo eles, o que se percebe é a usurpação e lucro das elites por meio da instrumentalização da desordem e fragilização estatal.

Como solução, Zartman (1995) assume que a reconstrução do Estado soberano é necessária, uma vez que é uma expectativa universal. Para a autora, o melhor caminho não é a mudança de fronteiras dos Estados, ou a secessão de territórios internos, mas a reafirmação da validade da unidade política existente. Assim, a legitimidade deve ser restaurada nesses países, por meio da participação livre e apoio da sociedade - democracia. Os recursos para a reconstrução e reconstituição dos Estados são elementares e podem ser garantidos pelo auxílio externo. Helman e Ratner (1992) também entendiam a atuação internacional como essencial para a reconstrução de Estados Falidos. Para estes, a construção de instituições fortes e efetivas a fim de prevenir situações de conflito é fundamental. A atuação da Organização das Nações Unidas, neste contexto, se apresenta como a solução viável para tal restabelecimento, uma vez que seria a organização promotora da salvação desses Estados de sua própria destruição.

3 ALGUNS APONTAMENTOS CRÍTICOS ACERCA DA FALÊNCIA ESTATAL

A falência estatal e o colapso de unidades políticas em desenvolvimento tornou-se, após os ataques de 11 de setembro, um conceito amplamente aceito e difundido por estudiosos, tomadores e decisões e pela mídia Ocidental (BOAS; JENNINGS, 2006). Encabeçado pelos Estados Unidos, o conceito entrou para a agenda de segurança internacional dos países em 2001 e passou a fundamentar a ingerência de países desenvolvidos em prol da ‘’salvação’’ dos Estados em falência de si mesmos. No entanto, a retórica da falência estatal não se propagou sem uma crítica de autores preocupados com o viés centrado em uma experiência Ocidental. Muito embora a bibliografia sobre a contestação do termo seja ampla (BOAS; JENNINGS, 2006; CALL, 2008; BOEGE et. al., 2008; THIELSSEN, 2015; GORDON, 1997; ALEMAZUNG, 2010), esta seção se preocupa

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Isso é evidenciado pela autora com casos de Idi Amin em Uganda, Syad Barre na Somália, Mobutu Sese Seko no Zaire.

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7 em apresentar quais críticas alguns autores africanos endereçam para a problemática da falência estatal levantada, em sua maioria, por acadêmicos Ocidentais.

A retórica do fracasso estatal ou colapsado dos Estados africanos é vista por muitos estudiosos como um arcabouço teórico tendencioso desenvolvido com o objetivo de assegurar o privilégio e manter a posição Ocidental como universal e, portanto, aplicável a outros contextos e realidades sociais. Para Grovogui (2002) existe uma ampla e permanente visão de alguns autores que assumem o modelo westfaliano como o único na arena internacional. Para o autor a moralidade westfaliana da soberania estatal, (cunhada como um “Westphalian Commonsense”) se tornou a base para o Sistema Internacional e tende a considerar a experiência europeia como única e legítima. Nesse sentido, de acordo com Wai (2012), a noção aceita de um modelo único de Estado produz uma ortodoxia normativa, a qual constrói um padrão eurocentrado e privilegia os processos históricos Ocidentais. Como consequência, muitos dos processos sociais e políticos do continente africano são analisados em comparação com padrões Ocidentais.

Mamdani (1996) argumenta que as experiências resumidas em comparação à existência europeia tendem a considerar os atores – Estados – que chegam por último aos contextos políticos como pré-destinados a percorrer um caminho específico. Se os eventos em análise não correspondem com a trajetória prescrita, estes são entendidos como “desvios” ou “patologias” de práticas consideradas como universais, padronizadas e efetivas. Nesse sentido, essa “história por analogia” cunhada por Mandani busca revelar a tendência acadêmica e política em privilegiar a experiência europeia em detrimento das demais realidades africanas. Nessa lógica, o eurocentrismo se posiciona como um caminho inevitável ao evolucionismo e desenvolvimento das sociedades. Para o autor: “Analogy seeking turns into a substitute for theory formation. The Africanist is akin to those learning a foreign language who must translate every new word back into their mother tongue, in the process missing precisely what is new in a new experience” (MAMDANI, 1996, p. 12)

Mudimbe (1988), por sua vez, argumenta que há um grande obstáculo na produção do conhecimento quando as análises concentram suas categorias em uma ordem epistemológica Ocidental. As ciências sociais, de acordo com o autor, foram construídas em um contexto específico e, como resultado, criou suas próprias possibilidades epistemológicas, tendências, verdades e experiências. Assim sendo, essa ciência fala do seu contexto e sobre ele: o Ocidente. Essa ilusão criada pela própria disciplina tende a enquadrar valores e padrões da cultura europeia como universais e superiores em detrimento de outras civilizações, de modo que influencia o modo com que os analistas consideram outras realidades.

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8 Portanto, esse “universalismo vulgar” desconsidera diversas experiências ao categorizar todas sobre o modelo unilinear, evolucionista e eurocêntrico. A patologia do Estado africano – entendida por muitos autores como a cristalização do Estado patrimonialista, falido, colapsado, com conflitos internos e territoriais – é contrastada com um mundo ideal e usualmente apresenta um panorama comparativo dicotômico, isto é, o tradicional versus moderno; o agrário e comunalista versus industrializado e urbanizado, etc, suportando a ideia de que o tradicional (ou, pejorativamente, o primitivo) irá, inevitavelmente, ser substituído pelo que é moderno7 (MUDIMBE, 1988).

Para Wai (2012; 2018) o problema se aloca em uma mesma causa: considerar a experiência europeia como a única disponível e legítima. No que tange a retórica da falência ou colapso estatal, o autor assume que essa visão não promove nenhum esforço teórico e metodológico para entender as experiências e realidades específicas das sociedades africanas, de modo que não se leva em conta os processos políticos que os países africanos foram submetidos. Ademais, não há diferenciação entre as muitas sociedades e civilizações dentro do continente – há, portanto, uma generalização e falta de historicidade.

Wai (2018) problematiza a falência estatal, pois, mesmo se aplicada em analogia à experiência Ocidental, os conflitos civis no continente deveriam ser compreendidos como parte do processo em que o Estado se forma e se reconfigura. Na história Ocidental, as guerras e conflitos internos são, em sua maioria, entendidas como um aspecto central do estabelecimento da ordem das sociedades. Ademais, isenta-se do debate analítico do colapso estatal o histórico colonial e suas consequências. Para o autor, dificilmente se encontram casos de conflitos civis na África que não possuam o legado colonial e seus resultados como uma profunda questão causal na configuração e formação do Estado africano.

Mkandawire (2001) postula que há um discurso amplamente aceito acerca do Estado e desenvolvimento africano que determina, em muitos casos, a impossibilidade dos países em alcançar determinados padrões Ocidentais. Sendo assim, os Estados na África deveriam, para alcançar o desenvolvimento, estabilizar e privatizar suas economias, se empenhar em uma governança eficiente, democratizar seus sistema políticos e oferecer o bem estar para a sociedade. A autora percebe, no entanto, que estas análises possuem uma constante tendência em prescrever o que os estados africanos deveriam fazer para alcançar determinados padrões e deixam de lado o que eles realmente são, além de considerar qual papel estes têm desempenhado em suas estruturas políticas, econômicas e sociais.

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Essas reflexões se pautam na teoria da modernização, conceito que entendia que o processo natural da sociedade é a industrialização, urbanização e, portanto, constituindo a característica moderna, prevalecente no modo de vida Ocidental e europeu. Ver Talcott Parsons (1967).

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9 Assim como a retórica da falência estatal, o neopatrimonialismo se tornou um conceito amplo na literatura africanista. Muitos autores utilizam a corrupção, a queda institucional e os governos autoritários, os conflitos civis, etc, como variáveis únicas no tange aos desafios encontrados nas sociedades e Estados africanos (OLUKOSHI, 2005). No entanto, ao estabelecer um modelo único para explicar uma multiplicidade de realidades, os conceitos neopatrimonialista e da falência estatal tornam-se termos elásticos, os quais buscam explicar muitas variáveis ao mesmo tempo (ou seja, pretende-se com tais análises generalistas abarcar a forma da constituição e funcionamento do Estado e suas instituições, a natureza da política, o comportamento da classe política e das elites, o desempenho econômico dos países, seus processos de acumulação e os conflitos civis, etc.). Ao serem empregadas como ferramentas de análise do continente africano, essas tentativas tornam-se um fim em si mesmo e tornam-seu papel tende a tornam-ser o de qualificar as unidades políticas do continente africano como uma patologia (falidas, colapsadas, frágeis, parasitas, ‘lame’, etc.) (WAI, 2018; MKANDAWIRE, 2001).

Mbembe (1988) complementa essa visão ao compreender que se construiu uma tradição política filosófica Ocidental em relação ao continente africano: o de animalidade e alteridade. Essa perspectiva tende a se estruturar de uma forma que mantenha os povos africanos próximos, mas que não os considere como parte de uma comunidade e civilização Ocidental. O conceito de alteridade faz parte desse raciocínio, pois revela como, durante os séculos, se estabeleceu uma diferenciação entre a produção Ocidental e europeia e o resto de mundo. Assim, a África constitui a figura do “outro” e, como se percebe, mais que qualquer outra região do mundo, o continente africano é qualificado pela sua “falta”, seu “não pertencimento”, “falência”, “colapso”, “fragilidade” etc. Gallagher e Mudimbe (1988) postulam que existe um processo histórico de criação da imagem negativa do continente africano na ficção, seja ela por meio de expedições, pesquisas antropologias, viagens missionárias, relatórios de instituições internacionais e organizações não-governamentais. Essa criação serve aos propósitos Ocidentais de se fazer legítimo e aceitável com suas normas, regras, valores e instituições com pretensões universais.

4 REPENSANDO O ESTADO AFRICANO: AS INSTITUIÇÕES TRADICIONAIS PRÉ-COLONIAIS

A partir dos principais argumentos de autores africanos acerca de uma história em analogia Ocidental e europeia, a qual é promovida para entender o Estado africano e seus desafios, compreende-se que, mais do que entender as realidades sociais e políticas na África como um produto fragilizado de estruturas Ocidentais, deve-se se apontar para a necessidade de analisar tais processos pela ótica da historicidade e transformação. Diante

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10 disso, o Estado africano é também o resultado de um processo pré-colonial de organização política; colonial de ingerência externa e padrões políticos e sociais distintos; e, pós-colonial de adequação em desenvolvimento. Assim, os processos específicos de sociedades africanas são essenciais para se compreender as atuais estruturas e desafios no continente. Esta seção busca chamar atenção para uma importante característica presente no Estado africano contemporâneo: o papel das instituições tradicionais pré-coloniais8.

A baixa efetividade institucional notabilizada em muitos Estados independentes do continente, devido a crises econômicas e de legitimidade política levou a designação teórica da “falência” e “fragilidade” destas por muitos atores. No entanto, é importante indicar que o mau funcionamento de instituições e sistemas Ocidentais na África não é sinônimo de uma situação de caos anárquico e desordem generalizada. Assim, percebe-se que o que “fracassou”, foram os princípios europeus de pretensões universalistas. Ayittey (2006) postula que os modelos estrangeiros adotados no continente africano não poderiam e nem de fato resultaram como se esperava, uma vez que são o produto único do tempo e cultura de distintas realidades.

No contexto estatal africano contemporâneo nota-se a manifestação de novas e diferentes trajetórias políticas para se alcançar o desenvolvimento e efetividade das instituições e regimes políticos, por meio da atuação das instituições tradicionais no plano político, econômico e social.

Goodin (2009), ao fornecer uma caracterização geral das instituições, proporciona uma ferramenta explicativa importante para se compreender as instituições tradicionais aqui desenvolvidas. Para o autor, as instituições são padrões de comportamento estáveis, valorados e recorrentes executados pelos próprios indivíduos. A partir dessa definição, pode-se passar a repensar o papel que alguns comportamentos e práticas pré-coloniais (de ordem política, social e econômica) exercem nos contextos contemporâneos do Estado africano ao se demonstrarem estáveis, valorados e recorrentes e legitimados pela população. Posto isto, pode-se afirmar que a presença de determinadas regras tradicionais de ordem pré-colonial permanecem na realidade dos Estados africanos, constituindo-se como a manifestação de um histórico de organização política endógeno, representando uma parte integral da cultura e personalidade de muitos países (AYITTEY, 2006).

Para Lourenço (2007) a questão do papel das instituições tradicionais abriga uma historicidade efetiva de interação política, de modo que estas compõem um elo entre o Estado Moderno contemporâneo e a sociedade civil de muitos países do continente (RAY,

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Sucintamente, compreendem-se por instituições tradicionais os arranjos políticos, sociais e econômicos pré-coloniais em que os líderes (chefes, autoridades locais, anciões) buscam preservar os costumes e as tradições da população, de modo que representam a história, cultura e sistemas políticos de governança na África no pós-independência (NWEKE, 2012; ORJI, OLALI, 2010).

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11 VAN NIEUWAAL, 1996). Enfatiza-se que, em muitas realidades em que o poder do Estado formal está enfraquecido ou “falido”, a atuação de atores não-estatais tradicionais é presente. Estes desempenham funções, comportamentos e práticas em concordância com princípios consuetudinários locais, os quais não perderam sua efetividade – apesar de transformados com as interações internas e externas – com a implementação de estruturas Ocidentais nos territórios nacionais. Sendo assim, tais lideranças buscam fornecer, por meio de lógicas tradicionais locais, o provimento de bens políticos à população – saúde, educação, segurança, etc. (KYED, BUUR, 2007). As autoridades tradicionais fornecem uma variedade de serviços sociais, principalmente no que tange resolução e conciliação de disputas e conflitos, com custos menores do que o Estado formal (MENGISTEAB; HAGG, 2017).

A legitimidade dessas lideranças por parte da sociedade civil as confere o reconhecimento e um maior significado político em relação ao Estado formal, o qual, muitas vezes, se demonstra alheio às necessidades da população em regiões periféricas e fora do seu controle (KYED e BUUR, 2007). Assim, a confiança e o reconhecimento nas instituições tradicionais são garantidos, principalmente, pelo fato dos atores que as promovem e reproduzem fazerem parte das comunidades e conhecerem com maior acuidade as necessidades específicas e respectivas soluções para os impasses sociais. Diferentemente dos administradores burocráticos, legisladores e juízes designados pelo Estado, as autoridades tradicionais não têm um modo de vida diferente de seus cidadãos. O reconhecimento se promove pela aproximação e compreensão das responsabilidades que as lideranças devem conservar (MENGISTEAB; HAGG, 2017).

As estruturas políticas tradicionais são instituições capazes de impulsionar o dinamismo cultural de modo que evoluem e se transformam constantemente. Assim, estas não devem ser analisadas como fenômeno em decadência ou desaparição no contexto do Estado africano contemporâneo. Tais autoridades foram ameaçadas por instituições externas, mas ainda são presentes nos distintos contextos do Estado Moderno na África. Aponta-se que ainda há a presença de Chefes, Reis, Conselhos de Tribais, Mercados de Aldeias e clãs no contexto contemporâneo de muitos países africanos. Estes atores são essenciais para a um papel de conciliação entre o ambiente moderno e o tradicional no Estado, isto é, entre a instituição formal burocratizada e as práticas institucionais informais reconhecidas e recorrentes da sociedade (AYITTEY, 2006; VAN NIEUWAAL, 1987).

Diante disso, postula-se que o Estado africano pode ter se baseado no Estado europeu, mas o primeiro é o produto de circunstâncias históricas que diferem completamente do último. Existe nas estruturas do Estado africano contemporâneo, o significante aspecto de variáveis políticas modernas e tradicionais, ou seja, uma estrutura

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12 política, econômica e social de origem interna e orgânica a qual atua em consonância – ou em conflito – com estruturas modernas de formação exógena. Estes campos de ação e decisão não são independentes, mas híbridos, de forma que foram transformados e dinamizados de acordo com a conjuntura das sociedades (CHABAL, 1992). Desse modo, ordens políticas híbridas, (BOEGE et. al., 2008), cristalizam o caminho que pode ser notado em alguns Estados quando se anexam as lideranças tradicionais ao aparato governamental9.

A Somália é um caso importante para a análise, pois mesmo considerada como uma unidade falida desde 1991 pôde desenvolver diferentes estruturas organizacionais políticas e sociais. Hagmann e Hoehne (2009) afirmam que a Somália e suas regiões adjacentes mostram os exemplos empíricos de sistemas de governos formais e informais. O sul da Somália, desde 1991, é predominado pela atuação de atores não estatais, particularmente, Homens da Guerra, Lideranças de clãs predominantes e sheiks, os quais se organizam em proto-estados com estrutura essencialmente descentralizada. No norte, predominam dois sistemas de governos centralizados: a Somalilândia e Puntlândia, os quais, embora não reconhecidos internacionalmente como unidades políticas de jure atribuem a si, respectivamente, a independência e autonomia do Estado somali (POWELL et al, 2008).

A região da Somalilândia, em especial, declarou-se independente em 1991 pelo Movimento Nacional Somali, buscando o afastamento dos conflitos do sul da Somália e a reorganização de um governo representativo. No sistema político, a Conferência de Borama de 1993, elaborou a Constituição do país, a qual combinou o modelo presidencial norte-americano e Parlamentar bicameral britânico com a representação dos líderes dos clãs, que compõem a Câmara Alta do governo nacional (Golaha Guurtida). O principal objetivo dos membros do Guurtí (Câmara dos Anciões) é de manter a paz no Estado da Somalilândia. Assim, o Artigo 61 da Constituição de 2001, permite aos líderes anciões a decretação de leis referentes à religião (diinta), cultura e tradição (dhaqanka) e a paz (nabadgelyada), bem como a como a revisão de leis que já tenham sido aprovadas pela Câmara dos Representantes (BOEGE et al, 2008; BRADBURY, 2008).

Não se pretende afirmar com isso que o Estado da Somália se encontra em um contexto pacífico destituído de conflitos internos e distúrbios à população e a ordem social. No entanto, chama-se a atenção para repensar a falência do Estado da Somália, a qual, em um primeiro momento, deve levar em consideração as estruturas pré-coloniais, os impactos

9

Muitos casos podem servir de exemplo para cristalizar a atuação destas instituições. A Botsuana, por exemplo, promoveu a adaptação do sistema político com a manutenção dos chefes (bogosi) como centro da sociedade política administrativa. A manutenção do sistema tradicional das ktgolas (Assembleia das Aldeias) e o reconhecimento das Cortes Consuetudinárias, em 1978 (MORAPEDI, 2010).

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13 da colonização e descolonização tiveram no território antes de afirmar seu desvio de conduta de um comportamento universal.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou tratar como a designação do Estado falido é enquadrada por atores e acadêmicos e qual o conteúdo da abordagem crítica trazida por uma corrente que contesta esse ponto de partida. De modo geral, pode-se assumir que os princípios de organização política, econômica e social Ocidentais são, como já afirmado, o produto de uma experiência dentre muitas no contexto global. Sendo assim, é ilusório esperar que os mesmos resultados sejam alcançados de modo análogo em todas as partes do mundo.

Na África, esse debate se torna ainda mais pervasivo, pois muitos autores e atores desconsideram estruturas e processos históricos de ingerência severamente impostos às realidades, as quais serviram com o propósito único de auxiliar o desenvolvimento dos Estados do Norte. Ademais, a admissão de que cultura e tradição são termos que reverberam uma conduta primitiva e arcaica, tende a manter padrões de valores e práticas que qualificam a experiência Ocidental e europeia como única disponível e válida para o desenvolvimento. No entanto, advoga-se para a percepção de que os princípios de efetividade e desenvolvimento podem – principalmente na realidade africana – ser desempenhados em seus próprios termos. Com isto, não se pretende afirmar que todas as análises e ações promovidas em prol dos países na África sejam apenas o produto de uma noção contraproducente de alteridade prejudicial. No entanto, urge a necessidade de se entender as estruturas que realmente exercem um papel causal na mudança política dos Estados africanos – seja para sua eficiência ou para seu baixo desempenho.

Nesses termos, aponta-se para a existência das instituições tradicionais pré-coloniais como marcos específicos das realidades dos Estados africanos. Com diversas realidades, possibilidades e especificidades, estas se inserem em um panorama no qual, muitas vezes cumprem o papel de um Estado formal para comunidades. A falência estatal, justamente entendida pela incapacidade e ineficiência das estruturas burocráticas em servirem os interesses e necessidades de sua população, possui seu vácuo preenchido pela atuação de atores locais, os quais, detentores das mais diversas lógicas consuetudinárias, fornecem a segurança, saúde, educação para sua população. Uma agenda de pesquisas que busque repensar o Estado africano precisa busca compreender os efeitos que os processos históricos tiveram nos Estados do continente e partir para um esforço empírico no intuito de

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14 entender o papel que esses comportamentos e práticas tradicionais, as quais se reproduzidas e legitimadas, possuam nas realidades africanas.

Além disso, percebe-se no contexto contemporâneo do Estado africano um movimento em direção ao sincronismo político entre o moderno e o tradicional. Casos como Moçambique, Botsuana e Somalilândia, entre outros, são efetivos em demonstrar que as estruturas de orientação moderna e Ocidental não precisam ser excludentes ao organizar as estruturas de ordem política, econômica e social; estas podem passar a considerar as importantes características tradicionais presentes nas instituições, as quais, da informalidade, passam a fazer parte do Estado formal e montar um quadro em que a representatividade e a historicidade são promovidas.

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