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“Seus problemas acabaram”? alterações psíquicas vivenciadas por pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica a partir de literatura científica

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Academic year: 2021

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“SEUS PROBLEMAS ACABARAM”? ALTERAÇÕES PSÍQUICAS VIVENCIADAS POR PACIENTES QUE REALIZARAM A CIRURGIA BARIÁTRICA

A PARTIR DE LITERATURA CIENTÍFICA

Taira Elisa de Souza**

RESUMO: A obesidade tem sido uma preocupação da área da saúde, dado as

comorbidades que a acompanham e que trazem prejuízos à vida do sujeito obeso. Um dos tratamentos que tem ganhado destaque pelo aumento da população que recorre a ele é a cirurgia bariátrica, dado a facilidade em perder peso de modo rápido e eficaz. Contudo, tem chamado a atenção da área da saúde e, principalmente, de psicólogos que atuam junto a esses pacientes, as alterações que ocorrem após a cirurgia. Infelizmente, nem todas as alterações acontecem de modo benéfico para o sujeito, podendo, ao invés disso, trazer prejuízos que afetem inclusive o procedimento cirúrgico. Objetivo: Identificar quais alterações são vivenciadas pelo paciente no pós-operatório de cirurgia bariátrica na dimensão emocional, relacional e comportamental relatadas em produção científica especializada. Método: A pesquisa se caracterizou como qualitativa, exploratória e bibliográfica. Foi utilizado como fonte de pesquisa a base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), visto ser uma fonte voltada para produções científicas da área da saúde. Foram encontrados 9 artigos que estavam relacionados com o tema pesquisado e que preenchiam os critérios necessários para a realização da pesquisa. A partir da leitura integral dos textos, os dados coletados foram organizados em categorias para que pudessem ser analisados de modo a identificar as informações que o presente trabalho se busca a apresentar. Resultados: Foi possível identificar alterações relativas à dimensão emocional e psicopatológica do sujeito, como aumento de sintomas depressivos e de ansiedade após seis meses de pós-operatório, podendo afetar o resultado do tratamento realizado. Sobre as alterações identificadas no plano relacional, estas geralmente são vinculadas a retornos sociais desejados pelo paciente ao realizar a cirurgia bariátrica, como melhor nas relações amorosas, sexuais, sociais e profissionais, mas, em alguns casos, já apresentam sinais de alerta para um funcionamento que pode ser prejudicial para o sujeito a longo prazo. Por último, foram identificadas alterações no plano comportamental, sendo todas relativas à hábitos alimentares, detectando comportamentos compulsivos e padrões de alimentação emocional, que podem comprometer a evolução do tratamento, sendo passível, inclusive, de recidiva de peso a longo prazo. Conclusão: Fica evidenciado a necessidade, não apenas da realização de uma avaliação psicológica mais minuciosa no processo pré-operatório, como também um acompanhamento psicoterapêutico a longo prazo, desde o pré até o pós-operatório, de forma a auxiliar o sujeito a desenvolver recursos internos que o capacitará a lidar com as todas as transformações vivenciadas após a cirurgia bariátrica.

* Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. Ana Maria Pereira Lopes, Dra. Palhoça, 2017.

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1 INTRODUÇÃO

A obesidade tem sido encarada como um problema do século XXI e tem despertado a atenção de diversos profissionais da área da saúde e também do Estado, tendo em vista o custo financeiro para a implementação de políticas públicas de prevenção e tratamento de uma doença que já é considerada uma epidemia global1.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM)2 a obesidade é uma doença caracterizada pelo excesso de gordura no

corpo, sendo descrita pela literatura como possivelmente a doença metabólica mais antiga do mundo. Dentre as inúmeras consequências para a saúde física do sujeito, ela ainda é fator de segregação social e gerador de sintomas psicopatológicos como ansiedade, depressão, baixa autoestima, entre outros3.

O termo obesidade surgiu do latim ob edere que significa ‘comer em excesso’. Normalmente, a pessoa torna-se obesa porque há um desequilíbrio entre as calorias ingeridas e gastas, uma vez que essa sobra calórica se armazena no corpo em forma de gordura. Entretanto, vale destacar a dificuldade em estabelecer a etiologia da obesidade, pois vários são os fatores envolvidos no processo, como fatores genéticos, orgânicos, comportamentais e psicológicos4.

No que tange aos aspectos psicológicos, há uma dificuldade em definir quais são as causas da obesidade. Alguns autores sugerem que ela pode estar relacionada a traços de impulsividade, ansiedade e depressão5 outros afirmam que

1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DA OBESIDADE E SÍNDROME METABÓLICA.

Custos de Doenças Ligadas à Obesidade para o SUS. Disponível em:

<http://www.abeso.org.br/noticia/custos-de-doencas-ligadas-a-obesidade-para-o-sus>. Acesso em 25 ago. 2017

2 SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA. O que é

obesidade. Disponível em: <http://www.sbcbm.org.br/wordpress/obesidade/causas/>>. Acesso em 25 ago. 2017.

3 OLIVEIRA, J.H; YOSHIDA, E. M. P. Avaliação psicológica de obesos grau III antes e depois de

Cirurgia Bariátrica. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 22, n. 1, p.12-19, 2009. Acesso em 25 ago. 2017.

4 VASQUES, Fátima; MARTINS, Fernanda Celeste; AZEVEDO, Alexandre Pinto de. Aspectos

psiquiátricos do tratamento da obesidade. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 31, n. 4, p. 195-198, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000400013&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 04 nov. 2017.

5MARTINS, Leonel Agostinho Gonçalves de Oliveira. Obesidade e morbilidade

psicológica: psicopatologia, alterações da personalidade, auto-conceito e estratégias de Coping em

obesos seleccionados e a aguardar e cirurgia bariátrica. 2012. 239 f. Tese (Mestrado) - Curso de Psicologia, Psicologia da Saúde, Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2012. Disponível em: <http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/8557/1/Tese%20Leonel.pdf>. Acesso em 30 nov. 2017

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fatores como traços de personalidade neuroticismo podem influenciar na forma como o sujeito lida com situações estressoras, utilizando coping evitativo e fazendo uso de descargas emocionais ou ventilação das emoções para lidar com tais situações6. Já no viés da Psicossomática, a obesidade é vista como uma “expressão

de um desajustamento emocional, superdeterminado por causas psicológicas e emocionais subjacentes inconscientes”7.

Muitos critérios foram criados para classificar o nível de obesidade do sujeito, como a medição de pregas cutâneas, medidas de circunferência do cotovelo e na metade superior do braço, tabelas que relacionam idade, altura, peso e sexo e tabelas de peso ideal8. No entanto o critério mais utilizado nos dias de hoje e na

classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é o Índice de Massa Corporal (IMC), que é calculado dividindo o peso corporal, em quilogramas, pelo quadrado da altura9.

De acordo com a OMS, a obesidade foi classificada da seguinte maneira, baseada em padrões internacionais desenvolvidos para pessoas adultas descendentes de europeus (Quadro 1):

Quadro 1: Classificação de Obesidade

IMC (kg/m²) Classificação Obesidade grau Risco de doença

<18,5 Magro ou baixo peso 0 Normal ou elevado

18,5 – 24,9 Normal ou eutrófico 0 Normal

25 – 29,9 Sobrepeso ou pré-obeso 0 Pouco elevado

30 – 34,9 Obesidade I Elevado

35 – 39,9 Obesidade II Muito elevado

≥ 40,0 Obesidade grave ou mórbida III Muitíssimo elevado Fonte: Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO)10

6 TOMAZ, Renata; ZANINI, Daniela S. Personalidade e coping em pacientes com transtornos

alimentares e obesidade. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 22, n. 3, p. 447-454, 2009. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722009000300016&lng=en&nrm=iso>. Acesso em02 dez. 2017.

7 AZEVEDO, Maria Alice Salvador Busato de; SPADOTTO, Cleunice. Estudo psicológico da

obesidade: dois casos clínicos. Temas psicol., Ribeirão Preto, v. 12, n. 2, p. 127-144, 2004. Disponível em

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2004000200005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 30 nov. 2017.

8 SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA. O que é

obesidade. Disponível em: <http://www.sbcbm.org.br/wordpress/obesidade/causas/>>. Acesso em 25 ago. 2017.

9 Segal, Adriano; Fandino, Julia. Indicações e contra-indicações para realização das operações

bariátricas. Ver. Bras. Psiquiatr. 2002; 24(Supl III): 68-72. Disponível em:

<http://www.abeso.org.br/uploads/downloads/14/552ff02fcc75f.pdf>. Acesso em 25 ago. 2017.

10 GIAMPIETRO, Helenice Brizolla. Em busca da compreensão dos fenômenos revelados na relação

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Vale ressaltar que o IMC ainda é uma medida incompleta visto que não considera a diferença entre massa magra e massa gorda, além de não aferir o nível de gordura visceral do sujeito, gordura essa relacionada a diversas comorbidades11.

Dentre as principais comorbidades, encontram-se o Acidente Vascular Cerebral (AVC), apneia do sono, hipertensão arterial, colelitíase, pancreatite, infertilidade, osteoartrose, gota, varizes, dermatites, aterotrombose, infarto agudo do miocárdio, diabetes mellitus tipo 2, além do aumento no índice de mortalidade decorrente de doenças relacionadas à obesidade12.

Outro ponto em evidência na lista de comorbidades é referente à saúde psíquica do sujeito que, de acordo com o levantamento epidemiológico realizado pelo The National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions, foi verificada a relação entre IMC e transtornos psiquiátricos em mais de 40 mil sujeitos, sendo consideravelmente relacionado a alterações de humor, ansiedade e transtornos de personalidade, “com uma razão de chances para transtorno psiquiátrico de 1,21 entre os obesos e 2,08 entre os obesos com IMC ≥40 kg/m², e uma razão de chances para transtorno depressivo maior de 1,53 entre os obesos e 2,02 entre os obesos com IMC ≥40 kg/m²” (MELO, 2011, p.7)13.

Devido às comorbidades associadas, o sujeito obeso que passa por uma avaliação médica geralmente é orientado a seguir um tratamento para a redução de peso, que inclui uma avaliação e acompanhamento nutricional, atividade física, acompanhamento psicoterapêutico e, em alguns casos, tratamento farmacológico14.

Infelizmente a taxa de insucesso do tratamento convencional em pacientes com obesidade mórbida alcança uma média de 90% dos casos, tornando a cirurgia bariátrica a alternativa com melhor possibilidade de resultados caso seja acompanhado de acompanhamento clínico, nutricional e psicológico15.

de História, Direito e Serviço Social, 2003. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/98554>. Acesso em 25 ago.2017.

11 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA O ESTUDO DE OBESIDADE E DE SÍNDROME METABÓLICA.

Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2016/ABESO. 4º ed. – São Paulo, SP. Disponível em: <http://www.abeso.org.br/uploads/downloads/92/57fccc403e5da.pdf>. Acesso em 25 ago. 17.

12 DINIZ, Marco Túlio Costa; ALVARES-LEITE, Jacqueline Isaura. Nutrição e Metabolismo em

Cirurgia Bariátrica. São Paulo : Editora Atheneu, 2013.

13 MELO, Maria Edna de. Doenças desencadeadas ou agravadas pela obesidade. Disponível em:

< http://www.abeso.org.br/uploads/downloads/28/5521afaf13cb9.pdf>. Acesso em: 25 ago. 2017.

14 CLAUDINO, Angélica de Medeiros; ZANELLA, Maria Teresa. Transtornos alimentares e

obesidade. Barueri, SP : Manole, 2005.

15 NUNES, Maria Angélica et al. Transtornos alimentares e obesidade. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,

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Segundo classificação apresentada pela SBCBM, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de cirurgias bariátricas no mundo (atrás apenas dos Estados Unidos) tendo um aumento de 300% no número de pacientes operados entre os anos de 2006 e 2016, contando com um total de 100.512 cirurgias, apenas no ano de 201616.

Entre os critérios necessários para a realização da cirurgia bariátrica, encontra-se a necessidade do paciente ter o IMC maior de 40 kg/m² ou IMC superior a 35 kg/m² associado a comorbidades; um período mínimo de seis meses em tratamentos convencionais para a obesidade através de profissionais qualificados, porém sem resultado ou com reengorda posterior; idade entre 18 e 60 anos (fora dessa faixa etária cabe uma apreciação individual) e uma avaliação clínica, laboratorial e psicológica do paciente. Já entre os critérios para exclusão estão a adição de drogas e/ou álcool, tendo que estar em abstinência no mínimo por dois anos; doença mental que impeça o paciente de entender e aderir ao tratamento; condição clínica grave que coloque a vida do paciente em risco (diabetes desregulada ou infarto recente por exemplo) e qualquer tipo de câncer que não esteja em remissão e considerado livre da doença há pelo menos 2 anos17.

Em pesquisa feita nos Estados Unidos com 194 profissionais da saúde, o maior índice de contraindicação à cirurgia bariátrica (91,2% dos respondentes) foi vinculado aos problemas psiquiátricos, tais como depressão, suicídio, uso/abuso/dependência de substancias, transtornos psicóticos e transtornos alimentares18. No entanto, dentro do quadro de transtornos alimentares existe a

compulsão alimentar, atualmente chamada como binge eating, que tem dividido a opinião de autores, visto que alguns defendem que pacientes que apresentam esse quadro não podem ser considerados como inaptos para cirurgia, uma vez que esse quadro pode entrar em remissão após a cirurgia, devendo então ser apenas um ponto a ser observado com mais atenção no acompanhamento do paciente19.

16 SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA BARIÁTRICA E METABÓLICA. Número de cirurgias

bariátricas no brasil cresce 7,5% em 2016. 2017. Disponível em:

<http://www.sbcbm.org.br/wordpress/numero-de-cirurgias-bariatricas-no-brasil-cresce-75-em-2016/>. Acesso em: 25 ago. 2017.

17 CLAUDINO, Angélica de Medeiros; ZANELLA, Maria Teresa. Transtornos alimentares e

obesidade. Barueri, SP : Manole, 2005.

18 Idem 16.

19 FLORES, Carolina Aita. Avaliação psicológica para cirurgia bariátrica: Práticas atuais. Abcd.

Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (são Paulo), [s.l.], v. 27, n. 1, p.59-62, jun. 2014. Disponível em:

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Ao escolher/ser indicado para a cirurgia, o paciente é encaminhado para uma equipe multidisciplinar e submetido a uma série de exames e avaliações, dentre elas a avaliação psicológica, que irá averiguar se o mesmo tem condições físicas e psicológicas para passar pelo procedimento. Nesse aspecto, a avaliação psicológica pretende não apenas obter informações qualitativas relevantes sobre o histórico de obesidade do paciente, sua expectativa em relação ao tratamento, estilo de vida e padrão de comportamento alimentar, mas também verificar a existência de alterações psicopatológicas e/ou de personalidade, de forma a auxiliá-lo desde o pré-operatório até o pós-operatório20.

Após o período de avaliações, caso o paciente esteja apto para o procedimento cirúrgico, será escolhido a intervenção mais adequada e levará em consideração as indicações e contraindicações específicas de cada caso. Essa escolha deverá ser feita pela equipe multidisciplinar que estará acompanhando o paciente, levando em conta o estado clínico do mesmo, a causa da sua obesidade e o objetivo desejado, como grau, velocidade e forma de perda de peso21.

Os principais procedimentos utilizados para a cirurgia bariátrica, na atualidade, encontram-se no quadro a seguir22:

QUADRO 2: PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS DE CIRURGIA BARIÁTRICA Tipo de

procedimento

Técnicas Denominação

Restritivos

Balão intragástrico Balão

Banda gástrica ajustável Banda

Gastroplastia vertical com bandagem Cirurgia de Mason

Restritivo-desabsortivos

Derivação (bypass) gástrica ou gastroplastia em Y-de-Roux

Cirurgia de Fobbi-Capella

Derivação biliopancreática com gastrectomia distal Cirurgia de Scopinaro Derivação biliopancreática com gastrectomia

vertical e preservação do piloro

Duodenal switch ou cirurgia de Hess-Marceau Estimulador

muscular

Marca-passo gástrico implantável IGS®

Fonte: NUNES, 200623.

20 TRAVADO, Luzia et al. Abordagem psicológica da obesidade mórbida: Caracterização e

apresentação do protocolo de avaliação psicológica. Aná. Psicológica, Lisboa, v. 22, n. 3, p. 533-550, set. 2004. Disponível em <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312004000300010&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 25 ago. 2017.

21 NUNES, Maria Angélica et al. Transtornos alimentares e obesidade. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,

2006.

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Após a cirurgia bariátrica, o paciente é orientado a continuar no acompanhamento multidisciplinar. No entanto, é significativa a diminuição na continuidade do acompanhamento psicoterapêutico, muitas vezes em função de os pacientes acreditarem que já alcançaram a “chave do sucesso”, acreditando que a cirurgia será a resolução de todos os problemas24. Com relação ao processo de

emagrecimento, se por um lado há um sofrimento no primeiro mês pós-cirúrgico devido à dieta alimentar extremamente restrita a alimentos líquidos e pastosos, por outro lado, o paciente começa a viver em uma fase de ‘lua-de-mel’ com a cirurgia, visto que a perda de peso no início do processo é muito rápida. Todavia, essas expectativas relacionadas às conquistas pós-cirúrgicas podem ser irreais, pois o emagrecimento não trará uma “solução mágica” para todos os problemas vivenciados pelo paciente. Problemas como dificuldades relacionais, desemprego, casamentos em crise e outros mais podem continuar a existir, além da nova possibilidade de, agora magro, outras “crises” aparecerem, como a relação com esse novo corpo e as “marcas” do emagrecimento acelerado, os elogios constantes relacionados à nova forma de beleza e a busca da identidade, como a pergunta: “Quem sou eu?”25.

Nesse sentido, a psicoterapia mostra sua função no momento pós-cirúrgico, pois as mudanças subsequentes à cirurgia estão relacionadas à organização emocional de cada paciente. Em alguns casos, torna-se necessário trabalhar problemas relativos a hábitos compulsivos pois, se o paciente anteriormente apresentava o comportamento de recorrer à comida como forma de lidar com as frustrações26, essa prática poderá apresentar sinais de deslocamento para outros

comportamentos, tais como a ingestão de bebidas, compras excessivas, trocas frequentes de parceiros e ingestão de alimentos seguido de purgação27.

23 NUNES, Maria Angélica et al. Transtornos alimentares e obesidade. 2. ed. Porto Alegre: Artmed,

2006.

24 SANTOS, Francisco Carlos Gomes dos Santos. Magro. E agora? Histórias de obesos mórbidos

que se submeteram à cirurgia bariátrica. 1° ed. São Paulo: Vetor, 2005.

25 Idem 24.

26 MOOREHEAD, Melodie K. A cirurgia bariátrica é uma cirurgia comportamental e um milagre

terrestre: perspectiva de uma psicóloga clínica. In: FRANQUES, Aída Regina Marcondes; ARENALES-LOLI, Maria Salete (Org.). Novos corpos, novas realidades: Reflexões sobre o pós-operatório da cirurgia da obesidade. São Paulo: Vetor, 2011. Cap. 9. p. 171-208.

27 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (são Paulo), [s.l.], v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 25 ago. 2017.

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Outra repercussão emocional que o emagrecimento causa é a forma como o sujeito irá lidar com essa nova “identidade” de magro que se apresenta. Se por um lado, a literatura é uniforme em relação aos benefícios clínicos da cirurgia bariátrica relacionada à perda de peso, pouco é discutido a respeito das mudanças que esse emagrecimento irá acarretar, visto que “emagrecer significa mudar e mudar implica enfrentar situações novas e desconhecidas – sejam elas de origem interna ou externa”28 (p.65). Nesse caso, é válido lembrar que esse paciente, que antes

tinha/via a obesidade como empecilho ou um “manto protetor”29 para diversas

situações, agora com o novo corpo novas situações e novos conflitos se apresentam. Sob essa nova perspectiva, o sujeito será levado a lidar com um novo contexto até então desconhecido, entrando assim em contato consigo mesmo e com aspectos emocionais ignorados até então30. Isso leva à ideia de que a capacidade

da pessoa submetida à cirurgia em lidar com essas mudanças irá influenciar diretamente no resultado da cirurgia e na qualidade de vida do operado31.

É importante salientar, na consideração sobre as mudanças, que nem sempre a mudança da estrutura do corpo é acompanhada de uma mudança da imagem corporal. Essa ruptura entre um e outro pode ser fator gerador de sofrimento psíquico uma vez que, ao se ver no espelho, o sujeito não consegue se vincular à sua nova imagem, criando inclusive a possibilidade de desenvolvimento de transtornos mentais como depressão e ansiedade ou transtornos alimentares como anorexia e bulimia decorrentes do medo da possiblidade da recidiva da obesidade32.

No entanto, apesar de todas as possíveis complicações que surgem após a cirurgia bariátrica, há outros pontos positivos a serem abordados na mudança de comportamento do sujeito, pois na literatura há diversos relatos de pacientes que se sentem mais livres para expor suas opiniões e desejos, sem precisar se “esconder atrás da obesidade”33. Tais mudanças de comportamento também poderão atingir

suas relações sociais e profissionais. Uma vez que antes da cirurgia, o seu meio social o discriminava por ser obeso, agora os elogios ou até mesmo o fato de passar desapercebido ou ignorado, faz com que esse indivíduo possa desenvolver um

28 BENEDETTI, Carmen. De obeso a magro: a trajetória psicológica. 1 ed. São Paulo, Vetor, 2003. 29 SANTOS, Francisco Carlos Gomes dos Santos. Magro. E agora? Histórias de obesos mórbidos

que se submeteram à cirurgia bariátrica. 1° ed. São Paulo: Vetor, 2005.

30 Idem 27. 31 Idem 29. 32 Idem 27.

33 SANTOS, Francisco Carlos Gomes dos Santos. Magro. E agora? Histórias de obesos mórbidos

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auto-conceito positivo, empoderando-se e desenvolvendo mais confiança para lidar com as relações sociais e ser mais “autêntico” no seu contexto social, podendo se colocar como sujeito das relações, permitindo trazer à tona seus pensamentos e emoções34.

O conjunto de fenômenos que envolvem a condição de pós-operatório de cirurgia bariátrica deixa entrever que a mesma traz transformações para o sujeito submetido à cirurgia, não apenas com relação aos aspectos fisiológicos, mas também na sua condição psíquica. Nesse contexto, interessa aqui explorar, por meio de produção científica apresentadas em literatura especializada na área, publicações relativas ao tema em questão. Sua relevância está associada à necessidade de difundir conhecimento, não apenas aos sujeitos da cirurgia bariátrica, como também a todo seu meio social, visto que aquele faz parte de um sistema que pode ser um fator potencializador ou complicador no processo de emagrecimento. Cabe também destacar o benefício da pesquisa, não apenas do psicólogo, mas de toda a equipe de saúde que está envolvida nesse processo, de modo a enriquecer o trabalho desenvolvido por meio da capacidade de identificar o funcionamento do paciente e quais alterações estão se configurando nesse processo e que podem lhe render prejuízos futuros.

Diante disso, a presente pesquisa será conduzida pela seguinte pergunta: quais são as alterações psicológicas vivenciadas pelo paciente após a cirurgia bariátrica nos âmbitos emocionais, relacionais e comportamentais, presentes em artigos científicos sobre a temática?

1.1 OBJETIVO GERAL

Identificar as alterações psíquicas vivenciadas pelo paciente no pós-operatório de cirurgia bariátrica relatadas em produção científica.

1.1.2 Objetivos específicos

34 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (são Paulo), [s.l.], v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 25 ago. 2017.

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Identificar as alterações no campo emocional, relatadas em produção científica, de pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica.

Identificar as alterações no campo relacional relatadas em produção científica, de pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica.

Identificar as alterações no campo comportamental, relatadas em produção científica, de pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica.

2 MÉTODO

A presente pesquisa teve como objetivo identificar as alterações psicológicas vivenciadas pelo paciente no pós-operatório de cirurgia bariátrica relacionadas à area. Tem classificação de natureza qualitativa, visto que requer do pesquisador uma interpretação dos fenômenos e uma atribuição de significados ao mesmo, criando um vínculo “entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números”35 (p.70). Quanto ao objetivo da pesquisa, a mesma

é classificada como exploratória, pois “são desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato” (p.27). Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado36. Buscou-se caracterizar como publicações científicas abordam o tema

em questão, através de um levantamento bibliográfico a respeito do assunto para suprir os objetivos específicos da pesquisa.

A fonte de pesquisa se deu em base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS): http://lilacs.bvsalud.org/ em busca de produções cientificas que abordassem questões relativas ao tema discutido. A busca teve início com a delimitação das palavras chaves: pós, cirurg$, bariátr$ e operat$. A primeira pesquisa foi realizada de modo refinado nos campos: descritor de assunto, palavras do título e palavras do resumo. A partir desta pesquisa foram encontrados 516 artigos, sendo realizada a leitura de todos os títulos, encontrando apenas 25 artigos que fizessem menção aos objetivos pesquisados. A segunda etapa constituiu em ler o resumo dos 25 artigos pré-selecionados, onde foram encontrados 9 artigos que faziam associação ao objetivo geral da pesquisa, ou seja, eram voltados às

35 PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho Científico:

métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Fevale, 2013.

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alterações psíquicas apresentadas pelo paciente pós-operado, bem como se tratavam de pesquisa de campo com o público em questão, qual seja se tiveram como participantes pessoas em situação de pós-operatório de cirurgia bariátrica.

Descrição da pesquisa: Resultado:

0 artigos

DESCRITOR DE ASSUNTO "pos" cirurg$ bariatr$ Resultado:

60 artigos

PALAVRAS DO TÍTULO "pos" cirurg$ bariatr$ Resultado:

216 artigos

PALAVRAS DO RESUMO "pos" cirurg$ bariatr$ Resultado:

0 artigos

DESCRITOR DE ASSUNTO "pos" operat$ bariatr$ Resultado:

40 artigos

PALAVRAS DO TÍTULO "pos" operat$ bariatr$ Resultado:

200 artigos

PALAVRAS DO RESUMO "pos" operat$ bariatr$

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Os artigos selecionados para o estudo encontram-se na tabela a seguir:

Ident. do

Artigo Título Autores Periódico Ano Objetivo Método

Art. 1 Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica

Simone Dallegrave Marchesini

Arq. Bras. de Cir. Digestiva

2010 Avaliar condições pós-operatórias mediatas e tardias de pacientes

bariátricos e compreender sua psicologia.

46 participantes; Exploratória; Questionário. Art.2 Aspectos orgânicos, psíquicos e

nutricionais em pacientes bariátricos

Ana Célia Ayres Dellosso; Mabile Francine F. Silva; Maria Claudia Cunha.

Distúrbios da Comunicação

2013 Investigar possíveis complicações no processo de alimentação dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

47 participantes; Retrospectivo;

Leitura de prontuários. Art.3 Aspectos físicos, psicossociais e

comportamentais de obesos mórbidos submetidos à cirurgia bariátrica

Elaine C. Boscatto, Maria de Fátima S. Duarte, Marcius A. Gomes, Gisele Maria B. Gomes.

Journal of the Health Sciences Institute

2010 Identificar as características físicas, psicossociais e comportamentais de obesos mórbidos antes e depois da cirurgia bariátrica.

33 participantes;

Descritivo e retrospectivo; Entrevista.

Art.4 Avaliação Psicológica de Obesos Grau III Antes e Depois de Cirurgia Bariátrica

Jena Hanay Araujo de Oliveira, Elisa Medici Pizão Yoshida

Psicologia: Reflexão e Crítica

2009 Avaliar depressão, ansiedade sintomas psicopatológicos, alexitimia e estilo defensivo de obesos grau III antes e depois da cirurgia bariátrica.

65 participantes; Cross-sectional;

Aplicação de instrumentos psicológicos.

Art.5 Compulsão alimentar antes e após a cirurgia bariátrica

Cristiane E. Machado, Bruno Zilberstein, Ivan Cecconello, Marlene Monteiro Arquivo Brasileiro de Cirurgia Digestiva

2008 Analisar os indícios de compulsão alimentar em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

50 participantes; Prospectivo;

Aplicação de instrumento psicológico.

Art.6 Fatores de risco para recidiva de peso no pós-operatório tardio de cirurgia bariátrica

Adriane Granato Bardal, Vanessa Ceccatto, Thais Regina Mezzomo.

Scientia Medica. 2016 Avaliar os fatores de risco para a recidiva de peso em indivíduos submetidos à cirurgia bariátrica.

46 participantes; Transversal;

Questionário autoaplicável online.

Art.7 Indicadores de Compulsão Alimentar Periódica em Pós-operatório de Cirurgia Bariátrica

Clarissa Nesi Venzon, João Carlos Alchieri

Psico 2014 Investigar indicadores de compulsão alimentar periódica em pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica.

40 participantes; Comparativo;

Aplicação de instrumentos psicológicos.

Art.8 Vivência de mulheres que se submeteram à gastroplastia.

Glenda Agra, Maria Emília Romero de Miranda Henriques.

Revista Eletrônica de Enfermagem.

2009 Investigar a vivência de mulheres que se submeteram à gastroplastia.

16 participantes; Exploratório; Entrevista. Art.9 Prevalência de transtornos

depressivos e de ansiedade em pacientes obesos submetidos à cirurgia bariátrica

Mauro Porcu, Ricardo Franzin, Paulo B. Abreu, Isolde Terezinha S. Previdelli e Mateus Astolfi. Acta Scientiarum - Health Sciences.

2011 Caracterizar a prevalência de transtornos depressivos e de ansiedade em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.

50 participantes; Comparativo;

Aplicação de instrumentos psicológicos

(13)

Após a seleção dos artigos, foi realizada uma leitura na íntegra de todos os textos, de forma a organizar os dados encontrados e vinculá-los com os objetivos da pesquisa, procurando respondê-los. A partir disso, as categorias foram criadas, relacionadas aos objetivos específicos da pesquisa, sendo analisadas de acordo com a teoria proposta para o estudo.

Dimensão emocional

Alteração no plano afetivo

Satisfação com a imagem corporal Alteração do desejo sexual

Competência em lidar com conflitos Alteração no mecanismo de defesa

Alteração no plano psicopatológico Sintomas depressivos Ansiedade

Dimensão Relacional

Alteração nas relações amorosas Alteração nas relações sexuais

Alteração nas relações sociais Alteração nas relações profissionais

Dimensão comportamental

Alteração na capacidade de controle e rigidez Comportamento compulsivo Deslocamento da compulsão Vômito e purgação Complicação alimentar Comportamento beliscador Compulsão alimentar Alimentação emocional Fonte: Quadro elaborado pela autora, 2017.

3 ANÁLISE

3.1 IDENTIFICAÇÃO DAS ALTERAÇÕES EMOCIONAIS

A partir dos artigos científicos estudados, pode-se destacar algumas alterações no âmbito emocional dos participantes das pesquisas analisadas. Como já dito, os artigos sob análise voltavam-se todos a estudos de campo, sendo assim, tais pessoas pesquisadas foram encontradas em algum momento do pós-operatório, seja ele recente ou tardio.

Ainda que tais dados possam inicialmente ter um caráter discrepante pelas próprias condições do pós-operatório, pode-se ver diferentes alterações na

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dimensão emocional entre as pessoas estudadas, quais sejam: ALTERAÇÃO NO PLANO AFETIVO e ALTERAÇÃO NO PLANO PSICOPATOLÓGICO.

Sobre as ALTERAÇÕES NO PLANO AFETIVO, estas podem ser vistas por meio da relação do sujeito e a satisfação com a imagem corporal. Nesse sentido, o Art.8 indica o seguinte conteúdo:

[...] não aceitava tirar a roupa, preferia tá vestida, e no escuro. Tomava banho bem rápido que era pra não me ver nua. O espelho eu só olhava o rosto; Prazer nas atitudes diárias como: meu sonho era cruzar as pernas, usar um salto 10 cm, me olhar no espelho e ver meu corpo inteiro, ver meus pés pela primeira vez; Tinha partes que a barriga não permitia ver [...], quando tirei o excesso de pele da barriga, fiquei encantada, me senti mulher [...]; Essa leveza nas atitudes diárias, como entrar num ônibus, sentar num cinema, poder me sentir mais fluida, mais ativa, poder entrar e sair sem estar carregando aquele corpo.

Essa satisfação ainda é confirmada pelo Art. 3, o qual menciona que, apesar de todas as mudanças ou sintomas que ocorrem devido à cirurgia, sejam as deficiências nutricionais, complicações alimentares ou mesmo as marcas do emagrecimento abrupto (flacidez, cicatrizes) a maioria dos indivíduos entrevistados disseram que estavam satisfeitos com sua imagem corporal37.

Essa satisfação com o novo corpo, anteriormente analisado, tende a estar relacionada às alterações no desejo sexual, uma vez que o Art.1 revela que 71,7% dos entrevistados indicaram uma melhora do desejo sexual, e o Art.8 vincula a aceitação do corpo com uma vida sexual mais saudável38. Entretanto, apesar da alta

indicação apresentada pelo Art.1, concernente à melhora do desejo sexual, e do Art.3, no tocante à satisfação com a imagem corporal, também foram relatados nas pesquisas efeitos negativos relativos à sexualidade do sujeito devido ao excesso de sobra de pele. O autor menciona ainda que, a falta de condição financeira para a realização de uma cirurgia plástica pode levar o sujeito a se isolar e, até mesmo, a reforçar o sentimento de ter falhado novamente39. Essa mesma alteração gera

reflexos na dimensão relacional, o que será analisado posteriormente nos objetivos seguintes.

37BOSCCATTO, Elaine Caroline, et al. Aspectos físicos, psicossociais e comportamentais de obesos

mórbidos submetidos à cirurgia bariátrica. J Health Sci Inst. São Paulo. v. 28, n.2, p.195-198, abr. 2010. Disponível em: <https://www.unip.br/comunicacao/publicacoes/ics/edicoes/2010/02_abr-jun/V28_n2_2010_p195-198.pdf>. Acesso em 20 de out. 2017.

38 Idem 37.

39 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 out. 2017

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Apesar dos aspectos positivos relativos à autoestima, o Art.5 revela, através de avaliações com a mesma população no pré e pós-cirúrgico, uma diminuição da

competência em lidar com conflitos do sujeito, o que indicava um prejuízo na

estabilidade emocional e um funcionamento cognitivo e emocional alterado40. Essa

alteração pode estar vinculada às atitudes de controle e rigidez, uma vez que este mesmo artigo indica um aumento nas atitudes de controle, que pode ser referente à restrição alimentar que a pessoa passa a vivenciar. Este aumento deve ser observado com cautela, uma vez que “o controle excessivo é considerado fator de risco à compulsão”41, comportamento que será mencionado posteriormente no

campo da dimensão comportamental.

Ainda sobre as ALTERAÇÕES NO PLANO EMOCIONAL, o Art.4 menciona a

alteração no mecanismo de defesa dos sujeitos operados. Entre os mecanismos de

defesas analisados, foi observado uma diminuição em mecanismos como projeção, agressão passiva, acting out, isolamento, desvalorização, fantasia autística, negação, deslocamento, dissociação, cisão, racionalização e somatização. Para os autores, a diminuição dessas defesas marca um mecanismo de defesa mais maduro, quando comparado a um público que está na espera pela realização da cirurgia bariátrica42. Em compensação, o Art.5 demonstra dados contrastantes entre

os pesquisados, uma vez que 34% dos pacientes apresentaram aumento de traços de agressividade, impulsividade e irritabilidade e em 22% houve uma diminuição desses mesmos traços43. Essa disparidade nos dados serve como uma adversão

para o fato de que cada sujeito viverá esse processo pós-cirúrgico de forma diferente, devendo ser levado em conta seu contexto sócio-histórico-psico-cultural para compreender o surgimento de cada fenômeno em questão.

Ainda sobre as alterações na dimensão emocional, estas não se restringem apenas ao plano afetivo, podendo haver também ALTERAÇÃO NO PLANO PSICOPATOLÓGICO, ou seja, alteração que já se constitui como condição que se

40 MACHADO, Cristiane Evangelista, et al. Compulsão alimentar antes e após a cirurgia bariátrica.

ABCD Arq Bras Cir Dig. São Paulo, v. 21, n. 4, p. 185-191, dez. 2008. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 out. 2017.

41 Idem 40.

42 OLIVEIRA, Jena Hanay Araujo de; YOSHIDA, Elisa Medici Pizão. Avaliação psicológica de obesos

grau III antes e depois de Cirurgia Bariátrica. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 22, n. 1, p. 12-19, 2009. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722009000100003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 20 out. 2017.

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relaciona ou configura como transtornos em manuais de classificação. Nesse aspecto, o Art.4 indica, através da fala dos pacientes operados, uma diminuição tanto dos sintomas depressivos quanto da ansiedade nesses pacientes.

Essa informação é corroborada pelo Art.9, que também constata uma diminuição nos sintomas depressivos e de ansiedade, sendo realizada a mensuração de tais sintomas nessa pesquisa analisada, por meio da aplicação da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) e do Inventário de Depressão de Beck (BDI), aplicados nos períodos pré-operatórios, e no primeiro, terceiro e sexto mês de pós-operatório. Contudo, apesar da diminuição geral dos quadros observados anteriormente, foi identificado um pequeno aumento nos sintomas

depressivos e também de ansiedade em pacientes que já haviam alcançado o sexto

mês de pós-operatório, o que, segundo os autores, pode ser uma representação de que “os quadros depressivos foram simplesmente disfarçados e não adequadamente tratados”44.

Para o autor do Art.2, é importante estar atento à possibilidade da recidiva de um quadro depressivo após a cirurgia bariátrica, uma vez que ela pode evoluir para complicações psíquicas mais graves como o consumo de drogas, alcoolismo e suicídio, sendo este a maior causa do número de óbitos em pacientes que apresentaram transtornos psíquicos após a cirurgia45.

Apesar dos dados coletados pelos pesquisadores a respeito das alterações na dimensão emocional, os mesmos não fazem uma correlação direta da causalidade dos referidos fenômenos, uma vez que, para o autor do Art.1, fatores como mudanças fisiológicas e/ou metabólicas e da qualidade de vida do sujeito devem ser considerados nesses casos46, se tornando necessária uma busca de

propostas terapêuticas adequadas para cada situação.

44 PORCU, Mauro et al. Prevalência de transtornos depressivos e de ansiedade em pacientes obesos

submetidos à cirurgia bariátrica. Acta Scientiarum. Health Science, [s.l.], v. 33, n. 2, p.165-171, 30 set. 2011. Universidade Estadual de Maringa. Disponível em:

<http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHealthSci/article/view/7653/0>. Acesso em 30 out. 2017.

45 DELLOSSO, Ana Célia Ayres; SILVA, Mabile Francine F.; CUNHA, Maria Claudia. Aspectos

orgânicos, psíquicos e nutricionais em pacientes bariátricos. Distúrb Comun, São Paulo, v. 2, n. 25, p.277-283, dez. 2012. Disponível em:

<https://revistas.pucsp.br//index.php/dic/article/view/12721/12377>. Acesso em: 31 out. 2017

46 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 31 out. 2017.

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No sentido do que foi analisado até o momento, e que será visto através das próximas análises, as alterações emocionais se configuram por meio da reedição de uma condição psicológica que o paciente possivelmente já apresentava antes da cirurgia bariátrica, mas que fica “mascarada” enquanto o paciente vivencia as “maravilhas” do emagrecimento acelerado. É possível observar esse “caminho” sendo refeito, analisando-se as alterações na dimensão emocional, uma vez que, apesar de alguns aspectos positivos identificados no pós-operatório, complicações psicopatológicas como sintomas depressivos e ansiedade começam a se destacar após algum tempo de pós-operatório. Essas complicações criam um sinal de alerta para pesquisadores e psicólogos que atuam junto a esse público, uma vez que podem prejudicar o resultado da cirurgia bariátrica.

3.2 DIMENSÃO RELACIONAL

A partir dos artigos científicos usados para a análise no presente trabalho, foram encontradas as seguintes alterações referentes à dimensão relacional. São elas: ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES AMOROSAS, ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES SEXUAIS, ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES SOCIAIS e ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS.

No campo da ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES AMOROSAS, o Art.1 apresenta como dado coletado que a média de casais que tiveram uma melhora na relação amorosa é maior do que o índice de divórcios, uma vez que apenas 17,4% se divorciaram. Apesar de não relatarem o motivo, alguns dos sujeitos entrevistados admitiram que, embora a separação fosse parte do ‘pacote de mudança de vida’, a cirurgia bariátrica não foi a causa, e sim um facilitador para que o término acontecesse47.

A melhora nas relações amorosas parece estar vinculada à ALTERAÇÃO DAS RELAÇÕES SEXUAIS, e que pode ser relacionada com a satisfação com a

imagem corporal, já discutida no subcapítulo anterior. Agora, esta é demonstrado no

Art.8 através do relato dos pacientes:

47 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 31 out. 2017

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Eu sei que hoje, eu tenho mais possibilidade de seduzir. Na vida afetiva mudou tudo: facilidade de se relacionar, ser pedida em namoro, ser pedida em casamento, enfim ser amada, me sentir mais mulher. Esse é o complemento que tava faltando, talvez era isso que eu buscava no alimento.

Para o autor, a perda significativa de peso e a aceitação desse novo corpo facilita para que o sujeito passe a ter uma vida sexual mais saudável e prazerosa, uma vez que ele passa a se sentir mais à vontade em sua intimidade, decorrente da melhora da sua autoestima48. A ALTERAÇÃO DAS RELAÇÕES SEXUAIS também é

identificada nos participantes do estudo realizado pelo Art.1, afirmando que 71,7% dos entrevistados indicaram uma melhoria no padrão de vida sexual e 6,5% relataram uma troca frequente de parceiros sexuais. Sobre os dados coletados, o Art.1 ainda menciona:

Há consenso quanto ao aspecto maior agilidade, maior facilidade para execução do ato sexual e maior capacidade de fornecer e receber prazer, mas esses critérios dizem respeito ao plano físico ligado ao sexo. A reavaliação do parceiro sexual, o bem-estar durante o ato, a autoestima e espontaneidade durante o intercurso sexual são pouco explorados pela literatura e parecem ser influenciados pela imagem corporal e pelo relacionamento entre os pares (p.113)49.

Outro ponto observado relativamente às alterações na dimensão relacional, se encontra na ALTERAÇÃO NAS RELAÇÕES SOCIAIS. Nesse aspecto também foi percebida uma alteração positiva nas relações sociais do sujeito que, de acordo com o Art.8, é decorrente do sentimento de “viver o tempo perdido”, o que deixava evidente o desejo de estarem inclusos no meio social50.

Me sociabilizou mais, porque tinha vergonha e não tinha ânimo de sair de casa, tinha medo de sair, porque primeiro analisava as cadeiras, pra saber se ia caber, pra entrar ou, então, aguentar o meu peso. O ônibus? Tinha medo de ficar engasgada na roleta; Me achava feia, pesada; Já me senti discriminada várias vezes na rua: as pessoas ficam apontando, cochichando, xingando ou chacoteando você com apelidos ou sinônimos de gordo; A cirurgia resgata esse sentimento de não mais marginalidade, de não mais estar à margem do social, não mais ser tão diferente; A cirurgia me trouxe de volta: agora, eu tenho vida social!

Essa mudança vivida pelo operado também é decorrente da mudança de tratamento que o meio social tem com esse indivíduo, uma vez que o corpo obeso,

48 AGRA, Glenda. HENRIQUES, Maria Emília Romero de Miranda. Vivência de mulheres que se

submeteram à gastroplastia. Rev Eletr Enf. v. 28, n. 4, p. 982-992, dez. 2009. Disponível em: <https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v11/n4/pdf/v11n4a24.pdf>. Acesso em 31 out. 2017

49 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 31 out. 2017.

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até então visto como algo indesejável e feio para uma apresentação social aceitável, já não faz mais parte da pessoa, proporcionando uma maior aceitação e participação desta na sociedade51.

O último ponto analisado acerca da dimensão relacional são as ALTERAÇÕES NAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS, uma vez que ela também ganha destaque no Art.8 por meio da fala dos entrevistados:

Com relação à vida profissional, na época da obesidade, uns empregos que você vai, o pessoal já lhe olha assim; se tiver um gordo e um magro, com certeza, ninguém vai avaliar seu currículo, vai querer o do magro; Depois da perda de peso, fiquei [...] melhor pra trabalhar, pegar outro emprego, não ficar naquela coisa só parada [...] melhorou bastante com relação a isso.

Analisando as informações coletadas, o autor percebeu que essa alteração possivelmente está vinculada à autoestima do sujeito, uma vez que, após a perda de peso, este se sente mais confiante, disposto, seguro e ativo, resgatando assim a sua autonomia e a capacidade de desempenhar seu papel na sociedade com maior dignidade52. Nesse sentido, o Art.1 infere que os retornos sociais e a busca pelo

padrão estético atual são, em sua maioria, as maiores motivações que levam o sujeito a optar pela cirurgia bariátrica, vinculando esses fatores à uma mudança de vida53.

É possível identificar, entretanto, que, apesar do retorno social vivenciado pelo “novo-magro” e a sensação de que “todos os seus problemas acabaram” dada a intensificação da vida amorosa, sexual, social e profissional, corre-se o risco de tais acontecimentos camuflar qualquer alteração que possa lhe trazer complicações com o decorrer do tempo. Essa hipótese vai de encontro a um estudo realizado, onde identificaram que os indivíduos que se submeteram à cirurgia bariátrica apresentaram uma melhora na qualidade de vida nos 12 primeiros meses de cirurgia, diminuindo após esse período54. Essa variação pode estar associada às

51 AGRA, Glenda. HENRIQUES, Maria Emília Romero de Miranda. Vivência de mulheres que se

submeteram à gastroplastia. Rev Eletr Enf. v. 28, n. 4, p. 982-992, dez. 2009. Disponível em: <https://www.fen.ufg.br/fen_revista/v11/n4/pdf/v11n4a24.pdf>. Acesso em 31 out. 2017.

52 Idem 51

53 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 31 out. 2017.

54SILVA, Isabel; PAIS-RIBEIRO, José; CARDOSO, Helena (Org.). Qualidade de vida e

funcionamento psicológico após a cirurgia de obesidade. In: FRANQUES, Aída Regina Marcondes; ARENALES-LOLI, Maria Salete (Org.). Novos corpos, novas realidades: Reflexões sobre o pós-operatório da cirurgia da obesidade. São Paulo: Vetor, 2011. Cap. 5. p. 93-107.

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complicações físicas ocorridas após a cirurgia, bem como às expectativas não correspondidas do paciente e/ou à falta de recursos internos que o capacite para lidar com todas as transformações, sejam estas internas ou externas à ele. Tal informação reforça a substancial importância do trabalho do psicólogo, não apenas para uma avaliação que autorize o paciente a realizar a cirurgia, mas de um acompanhamento psicológico a longo prazo após a realização da mesma.

3.3 DA DIMENSÃO COMPORTAMENTAL

No que se refere ao último objetivo específico pesquisado, os artigos científicos utilizados apresentaram as seguintes alterações: ALTERAÇÃO NA CAPACIDADE DE CONTROLE E RIGIDEZ, DESLOCAMENTO DA COMPULSÃO, VÔMITO E PURGAÇÃO, COMPLICAÇÃO ALIMENTAR, COMPORTAMENTO BELISCADOR, COMPULSÃO ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO EMOCIONAL.

Referente à ALTERAÇÃO NA CAPACIDADE DE CONTROLE E RIGIDEZ, o Art.5 indica, após avaliação psicológica feita por meio da aplicação do teste psicológico Pirâmides Coloridas de Pfister com o mesmo público no pré e pós-operatório, dos 36% dos pacientes que apresentavam forte indício de controle e rigidez antes da cirurgia bariátrica, 32% apresentaram esse indício após a cirurgia. Da mesma forma, dos 42% que apresentavam indícios de descontrole antes da operação, apenas 26% apresentaram esses mesmos resultados após e, 22% dos entrevistados apresentavam moderada capacidade de controle e adaptação antes da operação, subindo para 42% após a cirurgia, o que indica um aumento da capacidade de controle. Entretanto, apesar do aumento da capacidade de controle parecer algo positivo, o autor alerta que esse aumento pode sugerir compulsividade, aumento este que aparece em 30% dos pacientes pós-operados55.

No sentido da categoria analisada anteriormente, referente à alteração na capacidade de controle e rigidez, o COMPORTAMENTO COMPULSIVO agora chama a atenção a partir do Art.5, que indicou um aumento de 6% em pacientes que apresentavam risco de compulsão e, dos 50 entrevistados, 66,7% mantiveram-se

55 MACHADO, Cristiane Evangelista, et al. Compulsão alimentar antes e após a cirurgia bariátrica.

ABCD Arq Bras Cir Dig. São Paulo, v. 21, n. 4, p. 185-191, dez. 2008. Disponível em:

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em risco e 8,5% passaram a apresentar risco de compulsão após a cirurgia bariátrica56. Ainda nesse aspecto, o autor afirma que a restrição alimentar imposta

pela cirurgia bariátrica pode, em algum momento, desencadear episódios compulsivos. O Art.5 menciona também que esse comportamento compulsivo tem, entre os principais motivos, o sentimento de submissão e impotência.

A projeção na comida abafa sentimentos de impotência8, observados nos

pacientes estudados através do relato da sensação de incapacidade de solucionar problemas, sentimentos de baixa autoestima e submissão. Diante da frustração que estes sentimentos geram, os pacientes sentem-se inferiorizados e recorrem à comida para compensar a sensação de incapacidade, como demonstrado através da análise da entrevista57.

Em alguns casos em que o sujeito apresentava compulsão alimentar antes de realizar a cirurgia bariátrica e, dada a restrição forçada da ingestão de alimentos pela cirurgia, sua manifestação tende a se reconfigurar por meio do DESLOCAMENTO DA COMPULSÃO. Nesse sentido, os entrevistados do Art.1 mencionaram que o deslocamento se deu para a ingestão de bebidas alcoólicas, compras excessivas, trocas frequentes de parceiros sexuais e a ingestão de comida seguida de vômito58.

No tocante ao comportamento de VÔMITO E PURGAÇÃO, o Art.1 identificou que 8,7% dos entrevistados apresentaram o comportamento de comer e vomitar. No entanto, o autor esclarece que o vômito tende a ocorrer decorrente do alimento que fica alojado no trato digestivo, causando um empanzinamento, o que ocasiona a devolução alimentar. Tal comportamento por si só não pode ser considerado como um comportamento purgativo como na bulimia nervosa, porém há a necessidade de estar atento a esse hábito, uma vez que alguns pacientes podem se beneficiar disso, transformando o hábito de vomitar em purgação.59

Outro comportamento que se destaca nos artigos pesquisados é o COMPORTAMENTO BELISCADOR. Através da aplicação de testes de avaliação psicológica, o Art.4 mostrou que, apesar da diminuição em 34% da frequência entre

56 MACHADO, Cristiane Evangelista, et al. Compulsão alimentar antes e após a cirurgia bariátrica.

ABCD Arq Bras Cir Dig. São Paulo, v. 21, n. 4, p. 185-191, dez. 2008. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 out. 2017.

57 Idem 56.

58 MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos

à cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 25 out. 2017.

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pacientes que já apresentavam esse comportamento anterior à cirurgia bariátrica, 33,3% dos pacientes que, até o momento da cirurgia não apresentavam tal comportamento, passaram a manifestar. De acordo com o Art.5, esse comportamento também está relacionado à restrição alimentar, o que leva o sujeito a aumentar a frequência da ingestão de alimentos, porém em pequenas quantidades60. Geralmente, nesses casos, o sujeito recorre a alimentos de fácil

ingestão e que não favorecem a sensação de empanzinamento, dificultando a percepção do sujeito com relação ao limite alimentar61. Não obstante, esse

comportamento também requer atenção pois, além de propiciar a recidiva de peso, indica que a pessoa ainda recorre à comida para conter suas dificuldades emocionais62.

A despeito dos casos de reconfiguração do comportamento compulsivo após a cirurgia bariátrica, em alguns sujeitos a COMPULSÃO ALIMENTAR se reestabelece após algum tempo de cirurgia. Nesse sentido, o Art.7 apresenta que, entre os entrevistados que apresentaram baixa perda de peso após a cirurgia ou recidiva de peso após algum tempo, 95% apresentavam indicadores de COMPULSÃO ALIMENTAR. Para o autor, esse comportamento está relacionado “ao aumento de distorções perceptivas e desorganização do pensamento, associada a maior dificuldade em lidar com as demandas instintivas com consequente impulsividade e aumento de imaturidade”63.

No entanto, o Art.5 cita a necessidade de rever os critérios utilizados para realizar o diagnóstico de compulsão alimentar em pacientes de cirurgia bariátrica, de modo a se obter mais clareza e precisão nas pesquisas relativas a este comportamento para, assim, elaborar estratégias mais eficientes para fortalecer a

60 MACHADO, Cristiane Evangelista, et al. Compulsão alimentar antes e após a cirurgia bariátrica.

ABCD Arq Bras Cir Dig. São Paulo, v. 21, n. 4, p. 185-191, dez. 2008. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 out. 2017.

61MARCHESINI, Simone Dallegrave. Acompanhamento psicológico tardio em pacientes submetidos à

cirurgia bariátrica. Abcd. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva, São Paulo, v. 23, n. 2, p.108-113, jun. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202010000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 25 out. 2017.

62 DELLOSSO, Ana Célia Ayres; SILVA, Mabile Francine F.; CUNHA, Maria Claudia. Aspectos

orgânicos, psíquicos e nutricionais em pacientes bariátricos. Distúrb Comun, São Paulo, v. 2, n. 25, p.277-283, dez. 2012. Disponível em:

<https://revistas.pucsp.br//index.php/dic/article/view/12721/12377>. Acesso em: 31 out. 201.

63 VENZON, Clarissa Nesi; ALCHIERI, João Carlos. Indicadores de Compulsão Alimentar Periódica

em Pós-operatório de Cirurgia Bariátrica. Psico, [s.l], v. 2, n. 45, p.239-249, 29 maio 2014. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/14806/11713>. Acesso em: 27 out. 2017.

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adesão ao tratamento pós-operatório e promover o bem-estar psicológico do sujeito64.

Vale destacar que, em todos os casos, é possível identificar uma correspondência entre ALIMENTAÇÃO EMOCIONAL e comportamentos alimentares já mencionados. Sobre isso, o Art.6 indica entre as pessoas pesquisadas, que esse tipo de alimentação tende a se manifestar em situações que o sujeito esteja vivenciando estresse, ansiedade, solidão e nervosismo. Nesse contexto, o Art.5 ainda refere que, desde muito cedo, os pacientes aprenderam a “engolir medo, ressentimentos e a conter as emoções com comida, estabelecendo padrão de reação aos conflitos baseado na alimentação”65.

Esses comportamentos alimentares apresentados podem ser prejudiciais à manutenção do resultado da cirurgia bariátrica pois, em todos os casos, o risco da recidiva de peso e, consequentemente, o insucesso do tratamento, apresentam resultados consideráveis nas produções científicas encontradas. Ressalta-se ainda a manifestação dos diversos autores (OLIVEIRA, YOSHIDA, 2008; DELOSSO, SILVA, CUNHA, 2012; AGRA, HENRIQUES, 2009) a respeito da necessidade de pesquisas mais aprofundadas no tocante a esses fenômenos, uma vez que, apesar da cirurgia bariátrica ser realizada com uma frequência cada vez mais crescente, suas consequências psíquicas ainda não foram bem definidas no meio científico66.

A última categoria organizada na presente pesquisa foi relativa às COMPLICAÇÕES ALIMENTARES. O Art.2, no qual buscou investigar os aspectos orgânicos, psíquicos e nutricionais em pacientes bariátricos, identificou que a complicação alimentar apresentada pelos sujeitos entrevistados estavam, em sua maioria, relacionadas a fatores psíquicos como dependência afetiva, ansiedade, distorção da imagem corporal, transtornos compulsivos e depressão. Essa correlação entre fatores psíquicos e complicação alimentar tende a reforçar a

64 MACHADO, Cristiane Evangelista, et al. Compulsão alimentar antes e após a cirurgia bariátrica.

ABCD Arq Bras Cir Dig. São Paulo, v. 21, n. 4, p. 185-191, dez. 2008. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-67202008000400007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 out. 2017

65 Idem 64.

66 DELLOSSO, Ana Célia Ayres; SILVA, Mabile Francine F.; CUNHA, Maria Claudia. Aspectos

orgânicos, psíquicos e nutricionais em pacientes bariátricos. Distúrb Comun, São Paulo, v. 2, n. 25, p.277-283, dez. 2012. Disponível em:

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imprescindibilidade do acompanhamento terapêutico como forma de evitar um agravamento desses sintomas67.

A partir dessa análise se torna possível observar o “caminho” anteriormente citado. Apesar de não ser tão destacado nas alterações no plano afetivo e no plano relacional inicialmente, as alterações comportamentais que os artigos apresentaram trazem à tona o ditado popular de que “o corpo fala”, ou seja, as alterações comportamentais revelam o que poderia até então estar “mascarado”. O sujeito pode não estar a identificar ou até mesmo não dar importância aos primeiros sinais, como o retorno de sintomas depressivos e de ansiedade, mas no comportamento as alterações aparecem. Aqui começa a cair a crença de que a cirurgia bariátrica seria a “solução mágica” para todos os problemas, uma vez que os comportamentos referentes à alimentação, e que levaram o sujeito a engordar inicialmente, voltam a se manifestar após algum tempo de pós-operatório, diminuindo assim a possibilidade de uma resposta positiva ao tratamento cirúrgico realizado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o emagrecimento abrupto decorrente da cirurgia, o paciente começa a lidar com algumas alterações psíquicas decorrentes de novas situações e mudanças nos contextos pessoais e sociais, que o levam a acessar emoções e conflitos que, até então, poderiam estar sendo ignorados e que podem influenciar positiva ou negativamente no resultado da cirurgia.

Por meio de pesquisa bibliográfica realizada em publicações científicas, foi possível identificar quais alterações psicológicas têm sido experenciadas pelos sujeitos que realizaram a cirurgia, sendo classificadas como alterações na dimensão emocional, relacional e comportamental, indicando que a cirurgia bariátrica não é o fim em si mesmo, e que, caso não haja um acompanhamento psicológico adequado, poderá não alcançar o resultado desejado.

Além disso, outro ponto relevante identificado na pesquisa foi a necessidade, não apenas de uma avaliação psicológica criteriosa onde fatores como depressão, ansiedade, dificuldades na capacidade de controle e transtornos alimentares possam ser identificados, mas também de um acompanhamento psicológico anterior

67 DELLOSSO, Ana Célia Ayres; SILVA, Mabile Francine F.; CUNHA, Maria Claudia. Aspectos

orgânicos, psíquicos e nutricionais em pacientes bariátricos. Distúrb Comun, São Paulo, v. 2, n. 25, p.277-283, dez. 2012. Disponível em:

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à cirurgia, onde essas questões possam ser trabalhadas junto ao sujeito. Nesse sentido, o psicólogo poderá auxiliá-lo a desenvolver novos recursos psíquicos para interromper o “caminho” que as alterações tendem a percorrer após a cirurgia bariátrica. Isso se faz necessário pois, não havendo um cuidado já nos primeiros sinais de qualquer tipo de alteração que esteja trazendo algum tipo de dano, há o risco de tais alterações se configurarem a ponto de prejudicar todo o tratamento realizado.

Percebe-se, por fim, que a cirurgia bariátrica não pode ser considerada como um procedimento que resolverá todos os problemas que o obeso vivencia, sejam estes de ordem física ou psíquica. É possível enxergar que, transferir para a cirurgia bariátrica a responsabilidade de resolução de problemas, nada mais é do que repetir o padrão de comportamento de transferir para a comida a responsabilidade de “desaparecer” com os problemas. Assim sendo, mais uma vez se torna visível a importância da psicoterapia nestes casos, a fim de que o paciente possa desenvolver recursos internos para lidar com os conflitos que vivencia de modo mais assertivo e se perceber como agente ativo no seu processo de transformação.

Referências

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