• Nenhum resultado encontrado

A implantação de chip em seres humanos como forma de rastreamento eletrônico

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A implantação de chip em seres humanos como forma de rastreamento eletrônico"

Copied!
144
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA MILIANE DE MELO

A IMPLANTAÇÃO DE CHIP EM SERES HUMANOS COMO FORMA DE RASTREAMENTO ELETRÔNICO: UM ESTUDO ACERCA DA VIABILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Palhoça 2014

(2)

MILIANE DE MELO

A IMPLANTAÇÃO DE CHIP EM SERES HUMANOS COMO FORMA DE RASTREAMENTO ELETRÔNICO: UM ESTUDO ACERCA DA VIABILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.

Orientador: Prof. Denis de Souza Luiz, Esp.

Palhoça 2014

(3)
(4)

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A IMPLANTAÇÃO DE CHIP EM SERES HUMANOS COMO FORMA DE RASTREAMENTO ELETRÔNICO: UM ESTUDO ACERCA DA VIABILIDADE DE SUA UTILIZAÇÃO À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico.

Palhoça, 11 de junho de 2014.

____________________________________

(5)

“Ao único, que é digno de receber A honra e a glória, a força e o poder Ao rei eterno e imortal, invisível, mas real A Ele, ministramos o louvor ...”

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pelas maravilhas e bênçãos derramadas em minha vida.

Aos meus pais, Maria Elza de Melo e Celito José de Melo que, por vezes, renunciaram aos seus sonhos, para que eu pudesse realizar os meus;

A todos os professores e colegas de classe que me proporcionaram muitos conhecimentos e que participaram a cada dia do meu crescimento pessoal e profissional;

Finalmente, não poderia deixar de mencionar meu grande apreço às bibliotecárias: Tatyane Barbosa Philippi, Ana Claúdia Philippi Pizzorno, Lilieudi Norma Azevedo, e aos Professores: Gabriel Collaço e Sérgio Sell, pela generosa contribuição, e especialmente a meu orientador, Denis de Souza Luiz, que repartiu comigo seus conhecimentos e conselhos valiosos que contribuíram para a consecução do tema.

(7)

O homem, no decorrer de sua evolução histórica ao impulso de supostas grandes utopias e em nome do que procurou fazer crer fosse a ética, lançou mão de métodos imorais, perpetrando abomináveis crimes e injustiças e sob o pretexto de conduzir os povos para o bem, abusou da falaciosa idéia de que os fins justificariam os meios (SANTOS, M., p. 271, 2001).

(8)

RESUMO

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto na Constituição Federal tem sido utilizado pelos operadores do direito com mais precisão na atualidade. Sob esta égide, correlacionando com outros princípios que tem por escopo proteger o indivíduo de práticas abusivas, o estudo tem por objetivo, expor os aspectos polêmicos da utilização da tecnologia por rádiofrequência que tem enorme potencial de aplicação, quais sejam: pagamento em trânsito, uso comercial e industrial, substituição do dinheiro por cartão de crédito, identificação animal, em uniformes para controle de alunos, em detentos, e até mesmo em seres humanos, objeto desse estudo, realizando-se por meio de um chip que tem por objetivo rastrear e transferir dados. O biochip pode ser implantado sob a pele através de uma seringa e serve para monitorar o movimento das pessoas. Isso pode lesar, portanto, o Princípio maior e norteador de todos os demais, o da Dignidade da Pessoa Humana e por derradeiro os direitos da personalidade do indivíduo entre outros direitos considerados fundamentais e assegurados pela Constituição. Tendo em vista que a tecnologia por rádiofrequência ainda é incipiente, necessita ser regulamentada, bem como o tema vislumbra novas necessidades de estudo. Para intuito do presente estudo, a pesquisa é de natureza bibliográfica, com método de abordagem dedutivo.

Palavras-chave: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Tecnologia por rádiofrequência.

(9)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRACHIP – Associação Brasileira de Chip

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária ADS – Applied Digital Solutions (empresa americana) CCM – Centro de Controle de Monitoramento

CMDCA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CZI – Certificado Zoossanitário Internacional

DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa e Abastecimento EPC – Código Eletrônico de Produtos

FDA – Empresa de Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos GPS – Sistema de Posicionamento Global

MEC – Ministério da Educação e Cultura OAB – Ordem dos Advogados do Brasil ONG – Organização Não Governamental PEC – Projeto de Emenda à Constituição

RENAVAN – Registro Nacional de Veículos Automotores RFID – Identificação por RádioFrequência

SDA – Secretaria de Defesa Agropecuária SMS – Serviço de Mensagem de Celular SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem

SINIAV – Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos VIGIAGRO – Vigilância Agropecuária Internacional

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 13

2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS UM ESCORÇO HISTÓRICO ... 17

2.2 SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA ... 20

2.3 DOS DIREITOS HUMANOS ... 23

2.4 A DIGNIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O CONSTITUCIONALISMO MODERNO ... 26

2.5 DIGNIDADE HUMANA FRENTE A ÉTICA E OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS ... 28

2.6 DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE ... 30

2.6.1 Do consentimento informado ... 34

3 TECNOLOGIA DE IDENTIFICAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E APRESENTAÇÃO DE CHIP’S ... 36

3.1 EVOLUÇÃO INFORMÁTICA E O MONITORAMENTO ELETRÔNICO ... 36

3.2 SOCIEDADE DE CONTROLE ... 38

3.3 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE ... 40

3.3.1 Direito à proteção da integridade física ... 43

3.3.2 Direito à privacidade ... 46

3.3.3 Direito à intimidade ... 47

3.3.4 Direito à proteção de dados pessoais ... 49

3.4 TECNOLOGIA DE IDENTIFICAÇÃO E SUAS APLICAÇÕES ... 50

3.4.1 Pagamento em trânsito ... 52

3.4.2 Uso Comercial e Industrial ... 53

3.4.3 Substituição do dinheiro por cartão de crédito ... 54

3.4.4 Identificação Animal ... 55

4 UMA REFLEXÃO ACERCA DA POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO DE CHIP EM SERES HUMANOS À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 58

4.1 DA BIOÉTICA ... 58

4.1.1 Criação do chip subcutâneo e suas aplicações ... 60

4.1.2 Chip em uniforme controla frequência de alunos em escolas do Brasil ... 64

(11)

4.1.4 Aplicações hospitalares ... 71

4.1.5 Aplicações anti-sequestro ... 72

4.1.6 Casos de implantação de chip em outros países ... 74

4.2 LEI HR N° 3200 QUE AUTORIZA O BIOCHIP (EUA) X PEC Nº 372 (BRASIL) ... 75

5 CONCLUSÃO ... 78

(12)

1 INTRODUÇÃO

O surgimento de novas tecnologias, como consequência do processo de globalização, acarretou mudanças consideráveis na sociedade. Os fenômenos tecnológicos ocorridos nessa nova era da informação atingiram e vêm atingindo todas as ciências existentes. Notadamente, o Direito não ficou excluído disso, desencadeando uma preocupação no que tange à proteção da privacidade dos indivíduos, tendo em vista a grande capacidade de tratamento dos dados e as informações pessoais por meios informáticos.

Resultado dessas inovações, ainda responsável por polêmicas, são os chips identificadores por radiofrequência, denominados RFID, cuja praticidade e variedade de aplicações podem trazer benefícios à sociedade, porém, de outro lado, por se tratar de uma tecnologia nova, no que concerne sua aplicação em ‘humanos’, motivo este, pelo qual podem também comprometer a dignidade da pessoa humana.

Neste tangente, faz-se necessária a definição do chip. Assim, desvela-se uma etiqueta eletrônica avançada, que utiliza a tecnologia de localização por meio de satélite através do Sistema de Posicionamento Global (GPS), com a finalidade de obter informações com rapidez sobre determinado produto, objeto, animal, e até mesmo em seres humanos, este último, objeto da presente monografia, importa-se analisar, tendo em vista o biochip ser implantado no tecido subcutâneo da pele, e usado como um dispositivo de identificação pessoal para monitorar os movimentos de pessoas, fornecendo dados sobre seu portador sempre que passar por um equipamento tipo scanner é de causar certa preocupação.

Oferecida esta breve justificativa, interessa investigar o uso dessa tecnologia diante do seu potencial invasivo, uma vez que a aplicação do chip lesaria os direitos da personalidade, quais sejam: o direito à integridade física, à intimidade, à proteção de dados pessoais, à privacidade, aos direitos humanos, e consequentemente a outros princípios. Esses direitos são reconhecidos como bens jurídicos próprios da pessoa, inclusive sua violação implicaria em desrespeito ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado como o maior e norteador de todos os demais princípios pela Constituição Brasileira.

A propósito, por necessidade imperiosa, importa-nos trazer à baila a informação de que o governo dos Estados Unidos aprovou, em 2010, a Lei n° HR 3200 (em vigor desde março de 2013), cujo objetivo é a utilização do biochip com o intuito de colher informações pessoais e importá-las a uma base de dados e com isso, garantir um “sistema de saúde efetivo”, criando grandes expectativas para essa sociedade.

(13)

Em contrapartida, no Brasil, o Projeto nº 372 de Emenda à Constituição brasileira visa impedir a implantação do biochip em seres humanos.

Em razão do que acima foi discutido, é que se formulou a seguinte pergunta: A utilização da tecnologia por radiofrequência para fins de implantação do chip subcutâneo em seres humanos, ofende o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana?

Assim, o objetivo geral desta monografia é o de analisar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em seus vários enfoques, uma vez que está intrinsecamente ligado a outros princípios e direitos.

Para isso, a pesquisa será aplicada, com característica exploratória, com base em uma abordagem bibliográfica, pelo estudo de legislações em livros, sítios eletrônicos, artigos científicos e trabalhos monográficos. Sobre a pesquisa exploratória, Ruiz (1996) a define como um problema que é pouco conhecido, as hipóteses ainda não foram especificamente definidas, seu objetivo é caracterizá-la e defini-la.

Oportuno salientar, que para a pesquisa alcançar seus objetivos, foi utilizado o método de abordagem dedutivo, partindo de uma premissa geral, para uma premissa específica, analisando um trecho da Lei HR n° 3200 do governo dos Estados Unidos, versus a PEC nº 372/2005, peculiar ao cerne do estudo.

O estudo foi dividido em quatro capítulos, incluindo esta Introdução e aprofunda-se de forma gradual para melhor entendimento e compreensão do tema proposto.

O segundo capítulo, aborda o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, partindo de seus fundamentos teóricos, situando sua evolução histórica, princípios e direitos a ele inerentes, concretizando a supremacia desse princípio.

O terceiro capítulo traz um breve histórico da evolução informática, inserindo a tecnologia por radiofrequência, promissora para os sistemas de rastreabilidade, e as aplicações externas do chip correlacionando com os direitos da personalidade.

O quarto e último capítulo, apresenta as aplicações externas e internas do chip em seres humanos, bem como a Lei que autoriza essa implantação nos EUA, contrapondo com o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que impede a implantação do chip no Brasil. Cabe aqui instigar a indagação acerca da possibilidade de implantação de chip em seres humanos. Para isso, retrocede a todo o desenvolvimento posto em exame.

Ao arremate, é demonstrada a conclusão obtida por este estudo, trazendo uma síntese do tema explanado e dos conhecimentos ora perquirido.

(14)

2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Este capítulo aborda o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, como alicerce fundamental sobre o qual se constrói o sistema jurídico nacional. É considerado como a base de todo o sistema constitucional, constituindo como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, pelo qual engloba todos os demais princípios e direitos constitucionais. Por tal motivo, deve ser estritamente obedecido sob pena de todo o ordenamento jurídico se corromper (AGRA, 2008).

Preliminarmente, o termo "dignidade da pessoa humana", constitui resultado de diversos acontecimentos históricos, sendo composto gradativamente, efetivando um dos principais direitos do ser humano. Na antiguidade, o conceito de dignidade da pessoa humana estava envolvido com o mérito, que era comparado pelo título de nobreza, riqueza, capacidade intelectual que a pessoa possuía etc. Para os gregos, o que diferenciava os homens dos animais era sua capacidade de raciocínio, merecendo respeito por tal mérito (AGRA, 2008).

Assim, com a vinda da ideologia cristã, pela qual o homem passa a ser considerado à imagem e semelhança de Deus, a dignidade passa a ser aptidão/dom de todos os seres humanos, e sua integridade faz parte da essência divina, sustentando que há uma unidade entre o homem e Deus enraizada na dignidade humana (AGRA, 2008).

A partir dessas considerações, faz-se necessária a definição do termo 'dignidade', que já era reconhecida desde a antiguidade, assevera Pires (2011, p. 160), “a palavra dignita deriva da palavra latina dignus, que por sua vez está ligada ao verbo defectivo decet - aquilo que é conveniente, apropriado - e ao substantivo décor - decadência, decoro." Significando consciência do seu próprio valor, tudo aquilo que merece respeito, consideração, estima, amor próprio, é a qualidade moral que possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida (SILVA, P., 2001).

Nota-se que, a dignidade nasce com o indivíduo, lhe é inata, inerente a sua essência, vez que, nasce com integridade física e psíquica. Porém, o indivíduo vive no meio social, e com isso suas ações, comportamentos e pensamentos devem ser respeitados. Quais sejam: sua liberdade, sua imagem, sua intimidade, religião, entre outros atributos. Nesse contexto, toda pessoa humana herda a dignidade em sua superioridade, pela condição natural de ser, não podendo o indivíduo agir contra sua própria dignidade. Caso isso ocorra, cabe ao Estado o dever de zelar por sua saúde psíquica (NUNES, 2002).

(15)

Corroborando com esse entendimento, Sarlet e Molinaro (2003, p. 109), expressam que: “a dignidade seria uma qualidade intrínseca que, por ser inerente ao ser humano, o distinguiria dos demais animais”.

Por sua vez, Habermas (2004) assevera que a dignidade não é uma propriedade que se pode “possuir” por natureza, tal como a inteligência, ela é intangível, porquanto só pode ter um significado nas relações interpessoais e no relacionamento igualitário entre as pessoas, condição sem a qual o homem se transformaria em coisa, res. Portanto, respeitá-la e protegê-la é obrigação do poder público.

Entretanto, para respeitar a dignidade da pessoa humana, deve-se assegurar os direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição, uma vez que, encontra-se vinculado ao caput do art. 225 do mesmo dispositivo legal, por garantir como direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, entre outros direitos, que devem ser propiciados pelo Estado, uma vez que paga-se tamanha carga tributária (AGRA, 2002).

Nessa linha de exposição, a dignidade existe para o homem, com o objetivo de assegurar condições políticas, sociais, econômicas e jurídicas que permitam que o mesmo atinja os seus fins, porém o seu fim é o homem, como fim em si mesmo, quer dizer, como sujeito de dignidade, de razão digna e supremamente posta acima de todos os bens e coisas, inclusive do próprio Estado (ROCHA, 1999).

Assim, o Princípio da Dignidade Humana correlaciona-se com o Princípio da Indisponibilidade da Vida, devendo preservar a vida, in verbis:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trata de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos a exigência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana (SILVA, J., 2006, p. 109).

A propósito do estudo ora proposto, por envolver ‘seres humanos’, não se pode descurar que a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, consagra o respeito da vida humana:

(16)

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania; II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Percebe-se, portanto, que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é posto como fundamento da República Federativa do Brasil constituída em um Estado Democrático de Direito. E se é fundamento é porque constitui valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Neste enfoque, não se trata de um princípio de ordem jurídica, mas também de ordem política, social, econômica e cultural (SILVA, J., 1996).

Não obstante, afirma Rocha (1999), que a dignidade traz a idéia de justiça humana, por qual dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Diante desse contexto é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social, por certo que é inerente à vida e, nessa contingência um direito pré-estatal.

Neste ponto, importante é a lição de Moraes (2007, p. 46):

[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Notadamente, a supremacia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é soberana, haja vista que se sobrepõe aos demais, por este motivo, afasta qualquer possibilidade de conflito entre a dignidade e qualquer outro direito constitucional, devendo prevalecer em todas as situações. Dessa maneira, sua aplicação deve ser feita de forma harmônica com os outros direitos e princípios constitucionais (ARANTES, 2010).

Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca própria do atributo do ser humano, inerente à sua condição humana, característica que o define como tal. Em razão dessa condição, o ser humano é titular de direitos que devem ser respeitados pelo Estado e por seus semelhantes (SARLET, 2007b).

Para Piovesan (2003, p. 188), a dignidade da pessoa humana tem valor que ilumina o universo dos direitos, como se depreende de suas palavras:

(17)

Todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana se projeta, assim, por todo o sistema internacional de proteção. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a roupagem do Positivismo Jurídico, incorporam o valor da dignidade humana.

Sobre esse prisma, o significado da dignidade humana é muito mais amplo do que a conceituação jurídica concebe como fundamento, além de ser alicerce de mandamento definidor de direito e garantia constitucional, em contrapartida também de deveres fundamentais. Assim, faz com que o ser humano seja merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, assegurando-lhe direitos e deveres contra todo e qualquer ato degradante e desumano, bem como venham garantir as condições essenciais mínima para uma vida saudável, devendo promover a participação ativa da pessoa em comunhão com os demais seres humanos (SARLET, 2002).

Desta forma, a dignidade humana é no atual sistema jurídico considerada como parâmetro de valoração que lhe orienta a interpretação e compreensão, quanto o valor essencial que dá unidade de sentido ao sistema constitucional (CUNHA, 2000).

O Direito exerce papel fundamental na proteção da dignidade da pessoa humana quando cria mecanismos destinados a coibir eventuais violações. Porém, para que se alcance plenamente seu valor supremo, prevenindo de potenciais violações, o Estado deve garantir condições mínimas de dignidade para o indivíduo (ARANTES, 2010).

Não se pode deixar de observar que a dignidade humana não é resultante da sua positivação na legislação, vez que seu valor não foi introduzido pelo Direito, porém constitui um valor próprio da natureza da pessoa humana (ARANTES, 2010).

Dessa forma, tem-se que o valor da dignidade da pessoa humana caracteriza-se como núcleo norteador de todo o ordenamento jurídico, unificando e centralizando todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade (PIOVESAN, 2003).

Contudo, a dignidade da pessoa humana, é a base do ordenamento jurídico, elemento central, privilegiando o sujeito concreto e suas necessidades, incidindo de forma especial e diversa frente aos demais princípios constitucionais, uma vez que se configura inviolável, isto é, nenhuma norma jurídica pode denegrir seu conteúdo, por considerar o homem como valor mais importante do ordenamento jurídico (FACHIN, M., 2007).

Exposta esta colocação, o Estado como meio voltado à proteção das pessoas, tem o dever de realizar suas funções consubstanciado no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, bem como deve zelar pelos direitos humanos e fundamentais. É justamente nesse sentido que o tópico a seguir será tratado.

(18)

2.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS UM ESCORÇO HISTÓRICO

Os direitos fundamentais tem por escopo assegurar a principal garantia aos cidadãos de um Estado de Direito. No entanto, o Estado tem como função orientar e regular a convivência entre os indivíduos, visando proporcionar uma forma de existência digna do ser humano (PIOVESAN, 2007).

Esses direitos são conhecidos através da perspectiva de se constituírem em direitos que traduzem pretensões de defesa contra ataques oriundos do Estado, tendo em vista uma preocupação no que tange o controle do poder público, porquanto a plena eficácia dos direitos fundamentais limita-se a conter a imposição de regras provenientes do poder estatal. Nesse sentido, possui funções que estão sempre relacionadas com a defesa, proteção, prestação e não discriminação devida pelo Estado ao indivíduo (SZANIAWSKI, 1993).

Assim, pode-se dizer que os direitos fundamentais formam um grupo de direitos a ser exercido contra uma entidade maior, qual seja, o Estado, quando este se coloca em situação de superioridade em relação a seus titulares, à medida que estes se encontram subordinados à autoridade do Estado, muito embora possuam garantia de um espaço de liberdade intangível, no qual nem o Estado pode interferir (FACHIN, R., 2006).

Nessa senda, fazem parte de um distinto grupo de garantias cujo conteúdo é tido como vital ao homem, são eles: direitos e garantias individuais ou coletivos de todos os cidadãos, pelas quais se encontra as condições mínimas para que tanto a liberdade quanto a dignidade da pessoa sejam eficazes (PIRES, 2011).

Percebe-se que os direitos fundamentais não se constituem basicamente como direitos do homem frente ao Estado ou frente a terceiros, mas como direitos básicos consagrados nas Cartas Constitucionais, os quais se relacionam diretamente com os vários objetivos do Estado Democrático (DELGADO, 2011).

Deste modo, os direitos e garantias fundamentais não são apenas aqueles enumerados pela Constituição brasileira, mas todos os que tenham por finalidade proteger a dignidade humana em qualquer dimensão (PIRES, 2011).

A noção de direitos fundamentais, podem ser definidos em seus aspectos materiais e formais. Na acepção material pode-se dizer que são aqueles que dizem respeito a garantir os direitos básicos que o indivíduo possui em face do Estado e da sociedade, o qual se baseia no mínimo necessário para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. No sentido formal, são considerados fundamentais quando o Estado passa a considerá-los através do

(19)

direito positivo, como direitos básicos do indivíduo e do cidadão exigindo do Estado uma atuação no sentido de garanti-los (CANOTILHO, 2003).

No que tange o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais, estes alcançaram seu estágio atual de forma lenta e gradual, de geração a geração, assim denominados por terem sido construídos ao longo de diferentes momentos históricos. Neste panorama, as gerações representam as conquistas pela humanidade de no mínimo três espécies de direitos fundamentais, contidos no lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, pelo qual cada um traduz uma geração de direitos conquistada pelo homem (PIRES, 2011).

Trata-se, pois, aqui, de analisar os direitos de primeira dimensão, são aqueles considerados direitos de resistência, de defesa e direitos negativos, eis que é vedado ao Estado realizar certas condutas, tal como colocar empecilho no deslocamento do cidadão. Nessa dimensão cita-se os direitos de liberdade, civis e políticos (AGRA, 2008).

Já os direitos de segunda dimensão, são àqueles destinados às coletividades, são eles: os direitos sociais, culturais e econômicos, que tem por objetivo dar um caráter de universalidade às necessidades fundamentais dos cidadãos visando garantir direitos principalmente àquele carente de recursos. Convém mencionar que essa dimensão criou as garantias constitucionais (AGRA, 2008).

No que tange os direitos de terceira dimensão, tem-se o direito à fraternidade como vetor dos direitos do ser humano. Aqui, a titularidade passa a ser difusa, coletiva, o destinatário é o homem sob um prisma coletivo. A responsabilidade para sua concretização ultrapassam os limites territoriais, podendo falar na globalização desses direitos, como condição para a sua realização fática. Pode-se citar como exemplo: o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente equilibrado, ao patrimônio histórico, à preservação da intimidade entre outros (AGRA, 2008).

Discorre-se os direitos de quarta dimensão, o de integrar o cidadão nas decisões políticas tomadas pelos entes governamentais, na qual os cidadãos tem o direito à informação, à participação política, contribuindo efetivamente para uma democracia participativa (AGRA, 2008).

Em que pese os direitos de quinta dimensão, visa analisar as implicações éticas decorrentes das pesquisas científicas. E representa de acordo com Agra (2008, p. 132):

uma reflexão sistemática a respeito das intervenções do homem sobre os seres vivos, analisando como eles podem ser manipulados por intervenções científicas, com o objetivo de procurar parâmetros éticos e normativos que possam disciplinar a conduta humana e mensurar suas consequências para o equilíbrio ambiental.

(20)

Diante do acima exposto, instiga-se uma reflexão, sobre os limites da interferência do homem no emprego de novas tecnologias, por certo que, deve-se respeitar a vida humana em todos seus aspectos, eis que é o bem merecedor da tutela do direito, sendo fundamento do direito positivo, consubstanciado no art. 5º, caput e inciso III, da Constituição Federal. Em contrapartida, incube ao Estado a garantia e preservação desse direito maior (AGRA, 2008).

Sobre o assunto, no que pertine à vida, assinala a autora (DINIZ, M., 2002, p. 40) que "a vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido".

Fixadas as bases gerais, garantia e direito se distinguem à medida que os direitos têm caráter declaratório/enunciativo, enquanto que as garantias são munidas de um caráter instrumental, traduzindo-se este nos meios voltados para a obtenção ou reparação daqueles direitos violados. Portanto, Araújo (2001), afirma que as garantias desempenham a função de meio de defesa dos direitos fundamentais, possibilitando que estes se façam reais e efetivos.

De uma forma geral, a doutrina caminha no sentido de que as garantias fundamentais se distanciam dos direitos fundamentais pelo seu caráter assecuratório (ARAUJO, 2001).

Contudo, as garantias constitucionais revelam-se instrumentos de enorme importância, posto que asseguram que os direitos contidos nas Constituições não caiam no vazio das esferas abstratas, permitindo manter o contato institucional com a realidade concreta, propiciando dessa forma a fruição completa das liberdades humanas (BONAVIDES, 2001).

Assim, os direitos fundamentais caracterizam-se como direitos do homem, constituindo-se em normas garantidoras de direitos individuais subjetivos, estabelecendo condições mínimas de vida, e impositivas de deveres objetivos, proibindo a interferência do poder público na esfera privada do cidadão (DOBROWOSKI, 2000).

Expostas as devidas assertivas, nota-se que os direitos fundamentais correspondem as exigências de concretização do princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana (FACHIN, M., 2007).

Sob esta perspectiva, importa examinar o surgimento e a evolução do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, eis que se faz diretriz de todo o sistema jurídico democrático brasileiro.

(21)

2.2 SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

A historicidade da dignidade da pessoa humana é notada desde sua antiguidade. O nascimento das idéias acerca do valor da dignidade inerente ao ser humano, tem suas raízes apoiadas no pensamento clássico e na doutrina cristã, qual seja, no cristianismo, que prevalece a idéia de que a virtude se conquista através da comunhão com Deus e não com a pólis, razão esta na qual o homem passa a ser considerado a criação de Deus, e por ser amado pelo Pai, foi salvo, e com isso, tem livre sua liberdade de escolha tornando-o capaz de tomar suas próprias decisões (SILVA, J., 2006).

Assim, com o advento do Código de Hamurabi, da Babilônia e da Assíria, que tinha por objetivo dar ao ofendido reparação semelhante ao prejuízo sofrido, porém, por se tratar de um código muito violento, foi que surgiu o Código de Manu, na Índia, destinado a tornar a reparação mais leve, sendo esta realizada na forma pecuniária (MARTINS, 2008).

Nesse momento histórico, é de se dizer que, no entendimento político, o homem só era considerado 'homem' quando possuía direitos políticos, ou melhor, quando fazia parte do governo. A dignidade estava associada com a posição social do indivíduo. De outro lado, o Estado tinha poder absoluto, nenhum direito individual se prevalecia. Motivo esse que, qualquer homem daquela época batalhava para ser possuidor de direitos políticos (CORRÊA, 2014).

Desde então, foi na época medieval, proveniente do pensamento de São Tomás de Aquino, que a idéia de dignidade da pessoa humana disseminou, in verbis:

[...] a dignidade é inerente ao homem, como espécie; e ela existe in actu só no homem enquanto indivíduo, passando desta forma o homem deve agora não mais olhar apenas em direção a Deus, mas voltar-se para si mesmo, tomar consciência de sua dignidade e agir de modo compatível. Mais do que isso, para São Tomás, a natureza humana consiste no exercício da razão e é através desta que se espera sua submissão às leis naturais, emanadas diretamente da autoridade divina (SARLET, 2003, p. 110).

Há de se esclarecer, que a natureza humana é detentora de razão, fato este, pelo qual se inseriu na esfera da ordem natural e no direito natural, esperando sua submissão às leis naturais, passando a ser finalmente positivada com o surgimento das grandes declarações, bem como tem sua inclusão nas Constituições de diversos países democráticos (SILVA, M., 2006).

Neste diapasão, a dignidade da pessoa humana, ganha maior ênfase com o pensamento jusnaturalista nos séculos XVII e XVIII. Por meio das idéias de Samuel

(22)

Pufendorf e Immanuel Kant, de ordem moral, racional e laica, que o mencionado princípio vem a expandir-se e torna-se comando de respeito fundamental de liberdade e igualdade pelo próximo (FACHIN, M., 2007).

Desse modo, atenta o filósofo Kant que, deve-se tratar a humanidade como um fim em si mesmo, uma vez que é um ser único e insubstituível. Vale citar: "as pessoas devem existir como um fim em si mesmo e jamais como um meio, a ser arbitrariamente usado para este ou aquele propósito". (PIOVESAN, 2003, p. 29).

Pode-se dizer que, a ordem jurídica está atrelada no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, unificando e orientando o constitucionalismo contemporâneo (PIOVESAN, 2003).

Sob esse enfoque, atenta Miranda (2000, p. 170), que a dignidade da pessoa humana encontra-se baseada em três concepções, quais sejam: a individualista, a transpersonalista e a personalista. A saber:

Na individualista, tem-se como ponto de partida o próprio indivíduo, à medida que cada homem ao cuidar de seus interesses estaria protegido e realizando de forma indireta, os interesses coletivos. Através de uma auto-análise, o indivíduo cogitaria o bem da sociedade, cabendo ao Estado apenas a função de defesa das liberdades individuais. Sendo assim, a finalidade e o objetivo dos direitos fundamentais seria de natureza puramente individual, visando garantir a liberdade pura, e não a liberdade para qualquer fim; Na transpersonalista, ao contrário, visa a realização do bem coletivo, o bem do todo, salvaguardando, desta forma, os interesses individuais. [...] Os valores coletivos devem preponderar sobre os individuais, existindo, portanto, uma dignidade da pessoa humana no coletivo; Na personalista, não há que se falar em um predomínio do indivíduo ou em um predomínio do todo, a solução está no buscar em cada caso, de acordo com as circunstâncias, a melhor forma de conceder a dignidade.

Tem-se como inconteste que a dignidade humana significa compartilhar valores individuais e coletivos.

É bem verdade, que estes são direitos anteriores ao Estado, estabelecidos como limites à atividade estatal, que deve se abster de se intrometer na vida social. Ademais, a lei serve com o fim de salvaguardar a autonomia do indivíduo, preservando-o das interferências do Poder Público. Assim, ao ser identificado um conflito entre indivíduo e Estado, privilegia-se o indivíduo (RIBEIRO, M., 2006).

Por conseguinte, Piovesan (2003, p. 138) esclarece que existia, no século XVIII, uma divisão entre o direito à igualdade e o direito à liberdade. Merece textual transcrição das palavras da autora:

[...] No final do século XVIII, as Declarações de Direitos, seja a Declaração Francesa de 1789, seja a Declaração Americana de 1776, consagravam a ótica contratualista liberal, pela qual os direitos humanos se reduziam aos direitos à liberdade, segurança e propriedade, complementados pela resistência à opressão.O discurso liberal da cidadania nascia no seio do movimento pelo constitucionalismo e

(23)

da emergência do modelo de Estado Liberal, sob a influência das idéias de Locke, Montesquieu e Rousseau.

A esse respeito, essa Era Absolutista, na qual o Rei detinha poderes ilimitados, deu origem aos direitos humanos, que passou a estabelecer limites desse poder como resposta abusiva da atuação do Estado (PIOVESAN, 2003).

Há que se perquirir, que o resgate da dignidade da pessoa humana, foi fruto da experiência nazista, que descartou a espécie humana com as atrocidades praticadas na Segunda Guerra Mundial contra a pessoa humana, pela qual simbolizaram a ruptura em relação aos direitos humanos. O pós-guerra significou a esperança e reconstrução desses mesmos direitos. O repúdio a esses atos praticados levou a positivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (COMPARATO, 2004).

Todavia, o valor da dignidade humana, somente foi consolidado pelas Cartas constitucionais em 1945, da Carta das Nações Unidas, com o propósito de promover a cooperação internacional para solução de problemas de ordem econômica, social, cultural, humanitária, e incentivar o respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos (PIRES, 2011).

E prossegue com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que vem consagrar valores básicos universais da pessoa humana, reafirmando a qualidade de que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos (PIRES, 2011).

Em concordância com a referida Declaração, a Constituição Italiana e a de demais países, vieram a adotar a dignidade humana como direito inviolável, pelo qual, deve ser respeitado e protegido, tutelando o direito à vida, à integridade física e psíquica do ser humano, entre outros atributos da personalidade humana, que lhe são inerentes, tornando parte do fundamento da ordem política e da paz social dessas Constituições (SILVA, R., 2012).

É certo que, é impossível ter um Estado Democrático de Direito, pelo qual fundamenta-se em diversos princípios, tendo por escopo possibilitar à manutenção de sua existência, sem inserir como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (SILVA, R., 2012).

Nessa perspectiva, a dignidade humana veio a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, passando a integrar também na ordem internacional (PIOVESAN, 2003).

(24)

2.3 DOS DIREITOS HUMANOS

Em face as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a era Hitler foi marcada pela descartabilidade da pessoa humana. Nesse momento, o Estado era considerado como grande violador dos direitos humanos. Buscando resgatar o bem comum, com o objetivo de reconstrução e preservação da dignidade humana, é que surgiu o processo de universalização dos direitos humanos (RIBEIRO, 2006)

Fortalece assim, a idéia de proteção dos direitos humanos, a partir da Conferência de São Francisco de 1945, que instituiu, através de reunião entre os Estados, a Organização das Nações Unidas ao aprovar a seguinte resolução: "preservar as gerações seguintes do flagelo da guerra...; a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e mulheres e das nações grandes e pequenas[...]". (RIBEIRO, 2006, p. 172).

Nesse diapasão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, é resultado de muitas lutas, e nasce com forte consenso, aprovada por 48 votos e 8 abstenções, não havendo voto contra, porém, os países comunistas tais como: União Soviética, Ucrânia, Rússia Branca entre outros, abstiveram-se de votar (COMPARATO, 2004).

Por conta disso, a Declaração é tida como uma recomendação, que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz aos seus membros (Carta das Nações Unidas, art. 10), não possuindo, portanto força vinculante. Por esse motivo, que a Comissão dos Direitos Humanos, posteriormente adotou um pacto ou tratado internacional sobre o assunto (COMPARATO, 2004).

Logo, a Declaração Universal de 1948 veio a ser reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, subscrita por 171 Estados, o que assinala Ribeiro (2006, p. 162): "Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase".

Para fins de conceituação, Moraes (2007, p. 1) preceitua que a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa:

o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

(25)

Corrobora Bobbio (2004, p. 1):

O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das Constituições democráticas modernas. A paz, por sua vez, é o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional. Ao mesmo tempo, o processo de democratização do sistema internacional, que é o caminho obrigatório para busca do ideal da “paz perpétua”, no sentido Kantiano da expressão, não pode avançar sem uma gradativa ampliação do reconhecimento e da proteção dos direitos do homem, acima de cada Estado.

Levando em consideração esse entendimento, os direitos humanos, tem como fundamento basilar o reconhecimento e a valorização da dignidade da pessoa humana, na qual os valores da igualdade e liberdade se completam, condenando a escravidão, tortura, e a qualquer forma de desrespeito ao ser humano (GARCIA, 2004).

Insta esclarecer que, a Declaração é caracterizada pela universalidade dos direitos do homem, porquanto estende-se a todo ser humano, sob a crença de que, por estar na condição de pessoa, já é requisito para dispor de titularidades e direitos (PIOVESAN, 2003).

Além da universalidade, introduz também a indivisibilidade desses direitos, ao garantir direitos civis e políticos como condição para observância de direitos sociais, econômicos e culturais. Ou seja, quando um desses direitos é violado, os demais também são, sendo, portanto, uma unidade indivisível e inter-relacionada (RIBEIRO, 2006).

Nesse sentido, os direitos humanos afirma-se como um ramo autônomo do direito, que trata dos direitos básicos da pessoa humana, e não dos Estados, com o objetivo de proteger o ser humano na esfera nacional e internacionalmente, definidos por meio de legislação de países de tradição democrática (PIOVESAN, 2003).

Consequentemente, reconheceu-se que os direitos humanos extrapolam a competência nacional, consolidando-se como direito internacional, ou seja, toda nação tem a obrigação de respeitar, cabendo também protestar, se um Estado não cumprir com suas obrigações (PIOVESAN, 2003).

De fato, os direitos humanos buscam atingir uma maior extensão possível de pessoas e direitos apresentados como pressupostos basilares, apresentando como características: a universalidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade e a imprescritibilidade (TENEDINI, 2010).

Estas características são brevemente observadas por Moraes (2006, p. 23):

Imprescritibilidade: os direitos humanos fundamentais não se perdem no decurso do

prazo; inalienabilidade: não há possibilidade de transferência dos direitos fundamentais, [...]; irrenunciabilidade; [...] não podem ser objeto de renúncia; inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, [...]; universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os indivíduos independente de sua

(26)

nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; efetividade: a atuação do Poder Público deve ser no sentido de garantir a efetivação dos direitos e garantias previstos [...]; interdependência: as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas, possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades. Assim por exemplo a liberdade de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas

corpus [...]; complementaridade: os direitos humanos fundamentais não devem ser

interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 consubstanciada em um Estado Democrático de Direito, é o marco jurídico de institucionalização dos direitos humanos, com a participação e mobilização da sociedade civil e de organizações não governamentais (LEAL, 1997).

Faz-se necessário elucidar os artigos da Constituição Federal em que pode-se afirmar os direitos humanos, são eles:

art. 4º e incisos. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não intervenção;

V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz;

VII - solução pacífica dos conflitos; VII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político.

art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 1988). Ressalte-se que, o precursor do processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Direito brasileiro, foi a ratificação da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher, em 1º de fevereiro de 1984. A partir daí, inúmeros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito brasileiro (PIOVESAN, 2003).

É de se acrescer que, com a sistemática da proteção internacional dos direitos humanos, os indivíduos passam também a ser protegidos no âmbito internacional. Ademais, foi a delegação do Brasil que propôs a criação de uma Corte Internacional de Direitos Humanos, por ocasião da IX Conferência Internacional Americana, de 1948 em Bogotá (PIOVESAN, 2003).

(27)

Atualmente, reconhece-se que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração, quer seja em leis, tratados, Constituições, vez que, se está diante das exigências de respeito à dignidade humana (COMPARATO, 2004).

Em consonância com o acima exposto, vê-se em seguida a evolução do constitucionalismo.

2.4 A DIGNIDADE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O CONSTITUCIONALISMO MODERNO

A Constituição Federal do Brasil de 1988 foi elaborada num cenário de pós-ditadura e de abertura política, aliados ao sentimento de necessidade de solidariedade entre os povos. Com o fim de restituir o regime democrático de governo, calcado no Estado de Direito e nos Direitos fundamentais (SOUZA, 2002).

A fonte da Constituição de 1988 se encontra nas Constituições da Alemanha, de Portugual e Espanha, em que a dignidade da pessoa humana sobreveio como resposta ao autoritarismo (NOBRE JUNIOR, 2000).

Importa destacar, que a Constituição ao colocar a dignidade humana como fundamento do Estado de Direito, veda qualquer possibilidade de detrimento da pessoa, em prol de um suposto bem coletivo maior (BARZOTTO, 2003).

Não obstante, a função do Estado está ligada em contribuir para a auto-realização (BARZOTTO, 2003). Nesse aspecto, oportuno notar o preâmbulo da Constituição Federal de 1988:

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988).

Parafraseando também em seus objetivos fundamentais:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).

(28)

Percebe-se, ao fazer uma leitura conjunta dos artigos acima colacionados, que a Constituição de 1988 acolheu a doutrina de que a pessoa humana é o princípio, ou seja, ela serve ao Estado, e o fim, ao passo que o Estado também vem a servi-la, realizando-se mutuamente (MATTE, 2000).

Tocante ao constitucionalismo moderno, é preciso deixar claro que vem consagrar um modelo que visa proteger os cidadãos frente aos abusos estatais. Assim, os direitos fundamentais e individuais, servem para prevenção contra o arbítrio do Estado (ASCENSÃO, 2006).

Cumpre esclarecer que, o constitucionalismo moderno teve como base as revoluções burguesas, na Inglaterra 1688, Estados Unidos 1776 e França 1789. A Carta Magna de 1215 já apresentava como elementos essenciais deste moderno constitucionalismo, a limitação do poder do Estado e a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana (SARMENTO, 2004).

Nesse diapasão, o marco inicial da idade contemporânea foi o liberalismo, no qual o indivíduo podia fazer o que bem quisesse, sem que o Estado se opusesse. Momento em que o indivíduo explorava-se reciprocamente. Uma das características dessa Era liberal, foi a propriedade privada, sendo um direito tido como natural, ou seja, próprio do ser humano, o indivíduo podia produzir e comercializar sem que houvesse interferência estatal (NOGUEIRA, 2000).

Pertinente saber, que a junção entre democracia e constitucionalismo liberal, ocorreram na fase em que a vontade da maioria não poderia ignorar os direitos da minoria, que também deveriam ser protegidos pela Constituição (SARMENTO, 2004).

Ante tais considerações, a evolução do constitucionalismo moderno coincide com a evolução do Estado moderno. As Constituições modernas, tais como a da Inglaterra (a partir da Carta Magna de 1215), a Norte Americana de 1787 e as Constituições Francesas do período revolucionário, representam o início deste longo processo. No Brasil, a primeira Constituição foi a de 1824 (no império) e de 1891 (primeira republicana), Constituições liberais que representam a primeira e segunda fase do constitucionalismo (SARMENTO, 2004).

Destarte, no século XX surge o constitucionalismo social no Brasil, bem como a primeira Constituição social de 1934. E consequentemente, a Constituição de 1988, que introduz um novo conceito de Estado Democrático de Direito (SARMENTO, 2004).

Desde então, toda e qualquer Constituição do mundo, seja qual for seu tipo, contém sempre em seu conteúdo, normas de organização e funcionamento do Estado,

(29)

distribuição de competências, limitação do poder do Estado, e normas que declaram, protegem e garantem os direitos fundamentais da pessoa humana. O que muda é a forma de tratamento constitucional oferecida a este conteúdo, isto é, o grau de limitação ao poder do Estado, ou seja, se este Estado é mais ou menos autoritário (SARMENTO, 2004).

Sob essa égide, cabe mencionar a respeito da dignidade humana e os avanços tecnológicos, porquanto, a ciência deve ser usada visando o progresso da humanidade, devendo tomar cautela para não violar a dignidade da pessoa humana.

2.5 DIGNIDADE HUMANA FRENTE A ÉTICA E OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS Nunca a ciência teve a possibilidade de influenciar tanto a vida cotidiana do homem como nos dias de hoje. Entretanto, ainda que a tecnologia vislumbre benefícios para o ser humano, o desconhecimento de determinada 'novidade' no mercado, enseja a adoção de uma postura ética, com o objetivo de evitar consequências posteriores (SANTOS, 2001).

É de se dizer que, o "Admirável Mundo Novo" escrito por Huxley em 1932, já não é utopia, se comparar à realidade social, cujos valores morais estão sofrendo mudanças abruptas. Adentra-se em uma nova era, dita informacional, com mudanças de caráter social, econômico, político, cultural, enfim, em que os valores tidos como certo, estão em processo de discussão, tendo em vista a necessidade de adaptação de tais valores, às exigências do mundo contemporâneo (PIOVESAN, 2007).

Entenda-se por globalização, como ensina Marques (1999 apud PIOVESAN, 2007, p. 519) "o efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana".

Pertinente trazer uma perspectiva ética, que tem como sinônimo a excelência no agir, arte no que faz bem à sociedade, no que tange a essência e ao fim do ato, é que torna imprescindível sua influência sobre as mais diversas ciências (SANTOS, 2001).

Nesse sentido, a ética, apresenta como pressuposto a verificação das maneiras de um determinado produto ou coisa funcionar, agir ou reagir. Assim, é bem verdade dizer que, o apelo as novidades modernas no mercado, gerou o drama dessa nova era globalizada, levando ao esquecimento do ser humano (SANTOS, 2001).

Hodiernamente, a pessoa humana é considerada como o mais notável de todos os valores, porém a superioridade do homem sobre o homem, passou a ser afrontada, ficando o sujeito vencido as mais indignas situações (SANTOS, 2001).

(30)

Indubitavelmente, o ser humano há muito tempo se fascina com o poder. O poder de submeter todos à sua vontade, o poder de controlar, o poder do conhecimento, que torna o indivíduo cientista em busca de resultados. No que diz respeito à experiências em seres humanos, essa ultrapassa os limites da ética, de vez que, o utilitarismo bem como o capitalismo pode denegrir a dignidade humana (SANTOS, 2001).

Sob este aspecto, o homem passa a ser instrumento em sua própria condição humana, visando a manipulação e transformação do corpo humano, sendo substituído pelas máquinas. Como bem demonstra Arendt (2001 apud PIOVESAN, 2007, p. 522):

Talvez o melhor exemplo da diferença fundamental entre ferramentas e máquinas seja a discussão, aparentemente infindável, de se o homem deve ajustar-se à máquina ou se as máquinas devem ajustar-se à natureza do homem. [...] o homem ajustou-se a um ambiente de máquinas desde o instante em que as construiu. Sem dúvida as máquinas tornaram-se condição tão inalienável de nossa existência como os utensílios e ferramentas o foram em todas as eras anteriores. Nunca houve dúvida de que o homem se ajustava ou precisava de ajuste especial às ferramentas que utilizava, da mesma forma como uma pessoa se ajusta às próprias mãos.

Em decorrência direta desta evolução tecno-científica, bem como sua utilização imediatista pelo sistema econômico, as instituições sociais da sociedade industrial enfrentam a possibilidade de destruição de direitos do homem, haja vista a incerteza científica, que recai sobre as relações de causa e consequência, condizente com a chegada de novas tecnologias e produtos na sociedade contemporânea (LEITE; FAGUNDEZ, 2007).

Interessante partilhar acerca do princípio de Kant (2004 apud PIOVESAN, 2007, p. 523) de que o ser humano deve ser avaliado como pessoa e não como coisa, transcreve-se: " o ser humano não deve ser usado como meio para atingir outro objetivo que não seja sua própria humanidade podemos excluir quaisquer espécies de manipulação da vida para um objetivo que não seja a própria existência do ser humano".

A partir destas atitudes mecanicistas, procurou-se discutir o fundamento da vida, diante da Constituição Federal, que deveras, apresenta como princípio maior, o da dignidade humana, tratando a pessoa sempre como fim e não como meio (PIOVESAN, 2007).

Frisa-se aqui que, essa era pós-industrial, também chamada de Sociedade de Risco, demarca a produção e distribuição de novas espécies de riscos diferentes daqueles produzidos na sociedade industrial, são eles: invisibilidade, globalidade e transtemporalidade, sendo imperiosa sua definição:

invisibilidade, uma vez que tais riscos fogem à percepção dos sentidos humanos (visão, gustação, olfato, audição), bem como há uma ausência de conhecimento científico seguro acerca de suas possíveis dimensões.

(31)

globalidade, na qual as consequências negativas geradas pela potencialização do industrialismo são globais.

transtemporalidade, ou seja, na relação direta que os riscos abstratos detêm com o controle e a descrição do futuro (LEITE; FAGUNDEZ, 2007, grifo nosso).

Outrossim, pode-se dizer que as novas tecnologias sempre envolvem biorisco ou biossegurança, uma vez que trazem efeitos imprevisíveis e invisíveis, devido as incertezas científicas e possíveis consequências nocivas de sua utilização (LEITE; FAGUNDEZ, 2007).

Necessário se faz, a formação de uma consciência social acerca da probabilidade de riscos que o chip pode ocasionar, bem como a institucionalização de leis, com o fito de evitar a tomada de decisão antes da ocorrência dos danos (LEITE; FAGUNDEZ, 2007).

Com isto, verificar-se que, a autonomia da vontade pode ser interpretada como a possibilidade de um indivíduo determinar-se positiva ou negativamente diante de certos valores (KRETZ, 2005).

2.6 DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE

Os princípios fundamentais consagrados na Constituição possuem relação com os princípios basilares do direito privado. Assim, o Princípio da Autonomia da Vontade está intimamente associado com a liberdade de escolhas individuais, de autodeterminação humana, de agir conforme bem entender, desde que sua escolha não perturbem os direitos de outrem (DINIZ, G., 2006).

Convém o destaque do texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que assim expressa o art. 7º: "Ninguém será submetido a tortura ou a tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante. Em particular, ninguém será submetido, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas". Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948 apud DINIZ, G., 2006, p. 107).

Sob este aspecto, a autonomia privada, “está indissociavelmente relacionada à proteção da dignidade da pessoa humana”, uma vez que, negar ao ser humano a capacidade de decidir autonomamente de que forma prefere viver, quais projetos desejam buscar, quais as formas de conduzir a sua vida privada, é frustrar sua possibilidade de realização existencial (SARMENTO, 2006).

De outro lado, a manifestação ou expressão da vontade compreende um ato jurídico de vontade. De acordo com o filósofo Strenger (1968), a vontade não é outra coisa senão a força motriz dos direitos.

(32)

Sobre o assunto leciona Ráo (1999, p. 23):

A vontade manifestada, ou declarada, possui no universo jurídico poderosa força criadora: é a vontade que, através de fatos disciplinados pela norma, determina a atividade jurídica das pessoas e, em particular, o nascimento, a aquisição, o exercício, a modificação ou a extinção dos direitos e correspondentes obrigações, acompanhando todos os momentos vicissitudes destas e daqueles. A vontade propriamente dita ou autodeterminação do agente, a vontade de manifestação ou declaração e a vontade do conteúdo dessa exteriorização produzida unilateral, bilateral, ou multilateralmente constituem matéria básica da teoria do direito e da realidade jurídica.

A esse respeito, extrai-se da lição de Ferraz Junior (2007, p. 1996):

Liberdade, nesses termos, opõe-se à tutela estatal. Ninguém, a não ser o próprio homem, é senhor de sua consciência, do seu pensar, do seu agir, estando, aí o cerne da responsabilidade. Cabe ao Estado propiciar as condições desse exercício, mas jamais substituir o ser humano na definição das escolhas e da correspondente ação. Também não pode o Estado, nesse sentido, degradar o ser humano à condição de incapaz de discernir, por si só, entre o bem e o mal. Cabe ao Estado dar-lhes os meios legais para exercer o juízo sobre as coisas, mas não pôr-se em seu lugar, para dizer o que a sua consciência distingue e aprova ou desaprova. (...) Se o Estado tutela a consciência e a deliberação individuais, a condição humana é degradada pelo dirigismo próprio dos regimes totalitários. O Estado que exerce tal forma de tutela destitui o cidadão da possibilidade de responsabilizar-se pelos seus atos, destitui-o da capacidade de julgar quando supostamente o protege. O Estado tutor reduz o cidadão à condição dos que ‘não sabem o que fazem’, adultos infantilizados, sujeitos às imposições e às manobras do poder.

Porém, não significa dizer que o cidadão é irrestritamente livre para agir conforme desejar. O ditado “a liberdade de um termina onde começa a do outro” deve ser observado sob este enfoque (ARANTES, 2010).

Por conseguinte, a Teoria Voluntarista tem seu fundamento na doutrina liberal clássica do dogma da vontade, ou seja, o que importa é a vontade e, na interpretação dos negócios jurídicos, que deve preponderar a vontade que as partes possuíam no momento da celebração do contrato (KRETZ, 2005).

Nessa doutrina, a liberdade contratual é vista como fonte geradora de normas, com caráter não somente preceptivo, mas também sancionador. No entanto, essa liberdade encontra-se vinculada à discricionariedade do ordenamento jurídico estatal. Os limites à autonomia da vontade, impostos pelo Estado, são limites negativos, pois não interferem no fim, no interesse, mas somente numa delimitação de fronteiras externas (FERRI, 1969).

Em matéria contratual, predominam as disposições legais que possuem caráter supletivo ou subsidiário que somente são aplicadas em caso de não disposição expressa de regulamentação pelas partes e, por isso destinam-se a “suprir ou completar a vontade do indivíduo, aplicando-se quando ele não a declara”. (KRETZ, 2005, p. 27). Não se pode

(33)

afirmar que no Direito Contratual a aplicação das normas fica ao inteiro arbítrio das partes. Isto porque, além das normas supletivas, também existem as normas coativas, que são inderrogáveis pela vontade das partes (KRETZ, 2005).

Todavia, as normas coativas são formas de limitações à liberdade contratual e configuram como muitos doutrinadores expõem exceções ao Princípio da Autonomia da Vontade (KRETZ, 2005).

Diante do exposto, cumpre-se destacar que a intromissão estatal na vida privada do indivíduo deve ser contestada, vez que somente cabe ao indivíduo a decisão de agir, bem como de assumir a responsabilidade por seus erros (ARANTES, 2010).

Posto isto, tem-se que o direito à liberdade confere ao cidadão o direito de praticar quaisquer atos não vedados por lei, bem como o direito de exigir a abstenção do Estado de intervir em situações que não interfiram sobre direito de terceiros (ARANTES, 2010).

Acerca do assunto leciona Canotilho (1998, p. 373):

Os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implica, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

Nesse passo, Arantes (2010), afirma que é insustentável ao Estado Democrático de Direito intervir na vida privada do cidadão contra sua vontade, para garantir a obediência a um direito fundamental, ainda que os atos por ele praticados sejam lícitos e não digam respeito a mais ninguém.

Na lição do constitucionalista Zippelius (1997, p. 474):

não pode haver tutela absoluta do Estado sobre os direitos fundamentais do cidadão sob pena de se violarem esses mesmos direitos, e também contrariar os princípios constitucionais mais basilares. Contraria a natureza humana tanto ser totalmente assistido como ser universalmente tutelado.

Sustenta Gomes (2001b, p. 32) a respeito do que uma intervenção Estatal pode ocasionar: “uma intervenção demasiada acaba por originar um sistema autoritário no qual o Estado é tudo e o indivíduo, nada. E essa intervenção viria a afrontar os ideais do Estado Democrático”.

Nessa senda, Bobbio (1992) esclarece que a humanidade vive um momento de transição da Modernidade, época na qual o Estado emergiu e é concebido como entidade que

(34)

monopoliza o poder e a força, ou seja, o Estado mantém o monopólio da produção jurídica para a Pós Modernidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu preâmbulo, instituiu o Estado Democrático de Direito, e sendo o Brasil um Estado Democrático de Direito, possui como princípios fundamentais:

Art. 1º, inciso III, da CF, a dignidade da pessoa humana; Art. 3º, inciso I, construir uma sociedade livre,justa e solidária; Art. 3º, inciso IV, promover o bem de todos, ....;

Art. 5º, inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança ...; Art. 5º, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (BRASIL, 1988).

Na hipótese de colisão de direitos fundamentais, como bem salienta Arantes (2010, p. 62):

Incumbe ao Estado intervir para delimitar o exercício desses direitos, de maneira a solucionar satisfatoriamente o caso. Já nas situações que ensejem o conflito de direitos fundamentais de um mesmo titular incumbe somente a esse cidadão a escolha de qual direito deve prevalecer, e qualquer tentativa do Estado de lhe tolher esse direito de escolha configura grave violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Nesse enfoque, a concepção do Estado Moderno Liberal, derivaram o que se chamam os direitos de primeira geração, sejam eles, os direitos de liberdade, que tem por objetivo proteger os indivíduos contra o domínio do Estado, predominando assim, não mais o absolutismo do Estado como ente soberano e supremo, mas sim como instituição de proteção, com o dever de garantir direitos à seus cidadãos (BOBBIO, 1992).

Na progressão em que caminha a sociedade contemporânea, a multiplicação de dados é tal que a assimilação individual se torna impossível. Daí surge às erupções sociais em total contraste com o ordenamento jurídico. Na medida em que a globalização é uma fatalidade, a única atitude racional consiste em refletir e tomar consciência dos riscos e vantagens advindos desse fenômeno para humanidade (ARANTES, 2010).

Observa-se o referido princípio com o fato de relaciona-se com a permissão do consentimento informado, que assegura a anuência do ser humano de manifestar sua vontade sem subordinação, ou seja, de fazer valer seu direito de liberdade (DINIZ, G., 2006).

Nesse ponto, merece particular atenção esclarecer o que vem a ser o consentimento informado.

(35)

2.6.1 Do consentimento informado

Em ações que envolvam pessoas, é necessário o consentimento, ou seja, a permissão, que dá origem a autoridade de um frente o respeito ao direito de outrem, proporcionando condição necessária para uma sociedade moral (ENGELHARDT, 1998).

Ações contrárias a vontade de outrem são merecedoras de acusação, tornando lícita a força punitiva do Estado (ENGELHARDT, 1998).

Importante esclarecer, que a resolução n. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde estabelece regras para a proteção das pessoas envolvidas em pesquisas biomédicas. Sendo que a primeira é a de que o consentimento do paciente é essencial. Assim, se houver risco de morte ou enfermidade, a experiência não pode ser feita, uma vez que os riscos não podem exceder os benefícios esperados. A resolução prevê também que o voluntário pode, a qualquer momento da experiência, optar por não mais participar desta (BORGES, 2007).

Assim, a declaração de vontade deve ser realizada preferivelmente, sob a forma escrita para fins de segurança, e deve ser particularizado conforme a extensão do ato de disposição, bem como sua finalidade e a intercessão a ser concretizada no corpo, dentre outros aspectos (BORGES, 2007).

Deste modo, para que o chip seja implantado no corpo da pessoa, se faz necessário a sua conscientização, ou seja, seu consentimento, eis que danoso pode ser os reflexos na vida privada da pessoa, uma vez que o objeto tem por escopo a leitura de informações de ordem pessoal (BBC NEWS, 2004).

Além da exigência do consentimento, outro ponto a ser observado é o esclarecimento prévio, por tratar de regras básicas. Pode-se dizer que são casos de exceções os de incapacidade do paciente para tomar decisões. A título exemplificativo, cita-se os pacientes que sofrem do Mal de Alzheimer, que apresentam dificuldade em decidir por si mesmos (SANTOS, 2001).

Aliás, sobre o conceito de permissão, Rezende (2013 apud REINALDO FILHO, 2006, p. 1) explica que:

O conceito de permissão contratual (informed consent) subentende que aquele que permite sabe o que está permitindo. A parte que solicita permissão num contrato tem, portanto, a obrigação de esclarecer o necessário para que o outro contraente possa tomar uma decisão esclarecida. Um hospital, por exemplo, não pode achar que tem sua permissão para ministrar-lhe uma droga nova ou pouco testada sem antes lhe avisar que se trata de uma droga que ainda não foi suficientemente testada, dos riscos e das opções envolvidas. Um médico não pode extrair, enquanto você estiver anestesiado para cirurgia de apêndice, a sua vesícula só porque ele percebe ali um tumor. "Tentativa de salvar" não seria justificativa, pois você poderia, se perguntado,

Referências

Documentos relacionados

As oficinas realizadas nas duas escolas citadas anteriormente foram dividas em quatro momentos: o primeiro quando se tratou sobre o entendimento teórico e prático dos

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

5.2 Importante, então, salientar que a Egrégia Comissão Disciplinar, por maioria, considerou pela aplicação de penalidade disciplinar em desfavor do supramencionado Chefe

O presente trabalho teve como objetivo geral estudar técnicas de montagem de genoma de cloroplasto e realizar análise comparativa de sequências plastidiais de

As variedades linguísticas registradas no Atlas Linguístico da Mesorregião Sudeste de Mato Grosso evidenciam a influência da fala de outras regiões do Brasil, como ficou

Os testes de desequilíbrio de resistência DC dentro de um par e de desequilíbrio de resistência DC entre pares se tornarão uma preocupação ainda maior à medida que mais

Através do experimento in vivo, verificou-se que o pó nebulizado de nanocápsulas (Neb-NC) é efetivo na proteção da mucosa gastrintestinal frente à indometacina, enquanto que os

Com o aumento na fração de enchimento, foi possível observar um aumento na concentração de biomassa nos suportes e diminuição na concentração de biomassa suspensa, indicando